A conquista do Estado por Musk será um passo a mais na empreitada por poder da nova oligarquia digital, os tecno-oligarcas, que agem exatamente como os tradicionais oligarcas, os plutocratas que o Departamento de Justiça tanto propagandeou que estava combatendo quando lançou sua investigação contra corrupção estrangeira, em empresas como Odebrecht e Petrobras.
É a quintessência da corrupção à americana, cínica, autocomplacente e imperialista. Um país tão corrupto que se engana a si e ao resto do mundo sobre a própria lisura e as próprias boas intenções.
Vejamos. No caso de Musk, de que vantagens estamos falando?
Uma vez na Casa Branca, Elon Musk terá energia de sobra para fazer o estrago que ele quiser, assim como o candidato a vice-presidente J. D. Vance, que, como eu já escrevi aqui, é amigo de outro tecno-oligarca próximo a Musk, Peter Thiel. O que ele pretende não é apenas o carguinho de coordenador do “departamento de eficiência governamental” que Trump lhe prometeu de presente. O que ele quer é evitar a qualquer custo que seus negócios sejam regulados, paguem impostos, respondam criminalmente pelo mal que têm causado à sociedade, cumpram a lei. Sob o mantra falacioso de “manter a competitividade”, “reduzir o Estado”, “manter a livre iniciativa”, o que ele quer é não ceder um centímetro do lucro, das suas empresas e o pessoal. Quer manter o faroeste digital.
Mas também ganhar apoio governamental – subsídios do governo que ele diz querer reduzir. Um exemplo levantado pelo site Político diz respeito ao subsídio que a Starlink quer receber de 885 milhões de dólares dentro de um programa de apoio rural criado por Joe Biden. Vale ler: o site descreve como Musk tem formado aliados pessoais em Washington para conseguir essa boquinha.
Outro sonho de Musk, segundo o site, é refrear legislações ambientais que impedem sua empresa SpaceX de enviar pessoas para Marte mais rapidamente – qualquer relação com o tecnocrata bilionário do filme Don’t Look Up não é mera coincidência –, manter e ampliar seus vultosos contratos com o Departamento de Estado e a Nasa, que superam R$ 15 bilhões, e, claro, controlar a legislação relativa à Inteligência artificial (IA). Embora a ordem executiva de Joe Biden que exige o governo a monitorar mais firmemente a aplicação de IA seja bem tímida, Trump já prometeu que vai jogá-la no lixo. Lembremos que na última eleição um dos fatores decisivos para segurar a tentativa de golpe foi a ação das Big Techs, incluindo aí Twitter, Facebook e Google (YouTube), de “desplataformizar” as contas de Donald Trump e suprimir seu discurso golpista. Hoje, o jogo mudou, em grande parte operado por bilionários de extrema direita como Musk. Uma parte do Vale do Silício entendeu que um governo Trump seria mais favorável a eles do que um governo democrata, depois de dezenas de ações do Departamento de Justiça para quebrar o oligopólio e sanar as práticas anticoncorrenciais dessas empresas. Trump, que já gastou as cordas vocais em críticas às Big Techs, aceitou de bom grado esses tecno-oligarcas como novos aliados.
A maior prova de que estamos falando de uma oligarquia, e não apenas de um tecnocrata isolado, é a postura, também escandalosa, do jornal Washington Post, de Jeff Bezos, dono da Amazon, que pela primeira vez em 48 anos decidiu não endossar um dos dois candidatos à presidência. A postura gerou uma crítica aberta do ex-editor-chefe do jornal Marty Baron, que chamou a postura de “covarde” em um momento em que claramente um dos candidatos é uma ameaça à democracia. Bezos desconversou: disse que o endosso do segundo maior jornal americano não importa. Mas a realidade é transparente como o ar: o dono da Amazon prefere um governo que não se meta a querer regular as empresas de tecnologias. Está pagando as contas do jornal para isso, já há muitos anos. (Vale lembrar também o editorial do Washington Post condenando o STF brasileiro quando suspendeu o Twitter, chamando a decisão de “irresponsável” e “autoritária”. Já então Bezos demonstrava ser aliado na cruzada antileis dos tecno-oligarcas da qual Musk é apenas a face mais descarada.)
Talvez a derrota para o nosso STF – quando ele teve de enfiar o rabinho entre as pernas, pagar as multas e cumprir nossa lei – tenha ensinado a Elon Musk que, para seguir melando as leis de outros países, ele precisa, também, de um Estado para chamar de seu. O Estado americano.
Seria ingênuo achar que, entre os planos recentemente descritos pelo jornalista Jamil Chade, de um potencial governo Trump usar a Usaid para fomentar a extrema direita mundial, não estariam incluídos chamados para a defesa incansável de liberdade de expressão, que hoje já se mistura com a narrativa orquestrada por spin doctors das Big Techs para refrear qualquer regulação. Se Trump ganhar, e a tecno-oligarquia tomar conta do Estado americano, sobrará para o resto do mundo a inglória tarefa de combatê-la em seus países, de tentar estabelecer respeito às leis locais e de criar novas regras que limitem o poder dessas empresas que, hoje, operam por regras próprias sem nenhuma supervisão. Estamos a um passo de saber o que virá. |
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