quinta-feira, 30 de junho de 2016

Transposição e o Golpe.
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
do sertão Bahiano, às margens do rio sao francisco.  29 junho 2016
Membro da comissão pastoral da terra-CPT
Sabíamos, desde o início, que muitas águas turvas rolariam na obra da Transposição de Águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional.  Aos poucos elas vão se revelando, incluindo até mortes.
A primeira denúncia de corrupção aconteceu quando o Exército era o responsável exclusivo por ela. Caiu no silêncio.
A segunda, na Operação Vidas Secas, em 2015, envolveu empresas a partir da Lava-Jato na ordem de R$ 200 milhões.
Agora a terceira, na Operação Turbulência, desdobramento da Lava-Jato, fala-se no desvio de R$ 18,8 milhões de uma terraplanagem contratada. O detalhe é que o pagamento foi feito pela OAS e o receptor uma empresa de um empresário citado na referida operação( ligado ao PSB e ex-governador campos), encontrado morto no quarto de um motel em Recife alguns dias depois da deflagração referida operação.
O caso ficou ainda mais grave porque a própria polícia estaria denunciando que foi proibida de fazer a perícia dessa morte por ordem do Secretário de Segurança Pública de Pernambuco. Assuntos secundários merecem mais destaque na mídia corporativa que essa morte suspeita.
O enredo é ainda mais complicado porque essas corrupções aconteceram quando Fernando Bezerra Filho era ministro da Integração, portanto, governos Lula-Dilma e irrigando a campanha de Eduardo Campo, morto num acidente de avião.
Quando Lula propôs a Transposição no seu primeiro mandato, os movimentos sociais articulados do São Francisco foram contra esse tipo de obra. Já havia a proposta do Atlas do Nordeste elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA) para fazer múltiplas obras, de porte médio, por tubulação, abastecendo praticamente todas as cidades do Nordeste. Prevaleceu a grande obra. Hoje fica mais claro o porquê, embora já soubéssemos o que acontecia por conversas de bastidores.
A Transposição não está concluída. Dilma já disse que, para cada real investido nesses grandes canais, serão necessários dois para fazer as obras de distribuição para os municípios. Portanto, se os canais estão na ordem de R$ 8,2 bilhões, seriam necessários mais 16 bilhões para que a água chegue mesmo à população.
Mas, agora o governo mudou, com apoio do PSB do Pernambuco e daquele que foi ministro de Lula-Dilma. Ontem amigos, hoje com o golpe inimigos.
Qual o interesse de um governo golpista em fazer a distribuição dessa água? Sem chances. Ela ficará concentrada nos grandes açudes, utilizada pelos grandes empreendimentos de irrigação? Mais uma vez o povo do Nordeste Setentrional poderá ver a grande obra, sem ver a cor da água.
Finalmente, o São Francisco está com apenas 800 m3/s de vazão. Já falta água na bacia para seus múltiplos usos, inclusive para a vazão ecológica, que deveria ser de 1200 m3/s. Nem sabemos quanta água teremos no rio até que ela transponha o divisor e caia no Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, agora, há corrupção e até mortes nos canais dessa obra.
Por caminhos tortuosos a Transposição desaguou no golpe e o golpe na Transposição.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Análise

O que a perícia do Senado revela sobre o impeachment

Laudo a respeito de pedaladas e decretos mostra o caráter político de um processo com lastro jurídico frágil
por José Antonio Lima publicado 28/06/2016 11h43, última modificação 28/06/2016 19h03

Pedro França / Agência Senado
Técnicos do Senado
Técnicos do Senado entregam laudo sobre decretos de Dilma Rousseff à Comissão Especial do Impeachment
Na segunda-feira 27, três peritos do Senado (Diego Prandino Alves, João Henrique Pederiva e Fernando Álvaro Leão Rincon) entregaram à Casa um laudo a respeito das acusações contra a presidenta afastada Dilma Rousseff que deve, ou deveria, pautar as decisões dos senadores a respeito da existência ou não de crime de responsabilidade por parte da petista. Está claro, no entanto, que o laudo será lido conforme o gosto do senador e o voto se dará única e exclusivamente pela conveniência política.
Na perícia, os técnicos do Senado respondem a dezenas de perguntas feitas pela Comissão Especial de Impeachment e traçam conclusões a respeito das ações do governo. O panorama é mais favorável aos defensores da presidenta afastada do que a seus acusadores.
No processo de impeachment, pesam contra Dilma duas acusações: a primeira é a de realizar as chamadas "pedaladas fiscais", prática que consiste no atraso proposital, por parte do Tesouro Nacional, de repassar dinheiro para bancos públicos e privados financiadores de despesas do governo.
Como as pedaladas ocorridas em 2014 foram desconsideradas, por terem ocorrido no primeiro mandato de Dilma e portanto não poderem justificar um impeachment no segundo mandato, sobrou na acusação apenas uma pedalada, de 2015. A manobra fiscal envolveu o Plano Safra e o atraso no repasse do Tesouro ao Banco do Brasil, que administra o programa.
De acordo com os peritos, de fato houve atraso no repasse do Tesouro ao Banco do Brasil, o que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas "não foi identificado ato comissivo" de Dilma que "tenha contribuído direta ou indiretamente para que ocorressem os atrasos nos pagamentos".

Planejamento2.jpg
Dilma não foi responsável por atrasos das pedaladas, disseram peritos
A segunda acusação contra Dilma é a de autorizar decretos orçamentários sem autorização do Congresso. Aqui, os peritos identificaram que três dos decretos (totalizando 2,3 bilhões de reais) de fato exigiriam autorização dos parlamentares e que Dilma foi "sem controvérsia", a responsável pela emissão deles. Os peritos fazem, entretanto, duas observações.
A primeira é que Dilma Rousseff não foi alertada pela Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento a respeito "de incompatibilidade com a meta fiscal" ao emitir os decretos. A segunda é que, ainda que os decretos fossem incompatíveis com a meta fiscal vigente à época, a meta considerada pelo governo era a constante no PLN 5/2015, que foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2015. Os parlamentares, assim, referendaram os atos do Executivo.

Planejamento.jpg
Dilma assinou decretos, mas não foi avisada a respeito de violação da meta, segundo o laudo

Diante da publicação do laudo pericial, senadores tiraram conclusões diferentes. Alvaro Dias (PV-PR), José Medeiros (PSD-MT) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), todos favoráveis ao impeachment, destacaram que os técnicos do Senado demonstraram que as pedaladas são mesmo operações de crédito.
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por sua vez, desconsiderou a conclusão dos peritos a respeito da ausência de ato de Dilma nos atrasos aos repasses ao Banco do Brasil. "Quanto à autoria, não precisa ser perito para saber que no Diário Oficial saiu a assinatura da presidente Dilma Rousseff", disse.
José Pimentel (PT-CE) destacou que a perícia não identificou ato de Dilma para os atrasos de pagamento do governo e Lindbergh Farias (PT-RJ), disse estar "claro que não há crime de responsabilidade por parte de Dilma".
As reações e o noticiário indicam que, quando os senadores se reunirem para votar de forma definitiva o impeachment, o que deve ocorrer no início de agosto, estará em jogo não o laudo dos peritos e as nuances a respeito das ações de Dilma, mas uma luta política.
O afastamento de Dilma Rousseff abriu espaço para uma efetiva troca de governo, com oposicionistas assumindo papel de protagonismo – o PSDB, derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais, é o segundo partido com mais ministros no gabinete de Michel Temer.
Soma-se a isso o fato de que a busca por agradar aliados e obter votos a favor do impeachment é parte integral das ações do atual governo.
Na busca por deixar de ser interino, Temer, que subiu ao poder na esteira de uma "luta contra a corrupção" e pregando responsabilidade fiscal, nomeou sete citados na Operação Lava Jato, tem encontros frequentes com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), duplamente réu por corrupção, e deu aval a medidas que ampliam de forma contundente as dificuldades financeiras do governo, como o reajuste ao Judiciário e a criação de 14 mil novos cargos federais.
Evidência do trabalho a favor do impeachment vem diretamente do Planalto. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB), um dos articuladores do impeachment, continua exercendo esta função e não se furta a fazer contagem de votos em público.

Nesta terça-feira 28, a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, escancara a situação, ao noticiar que "a contabilidade do Planalto" indica 60 votos pelo impeachment. "Indecisos andam conseguindo emplacar cargos do governo e começam a “formar convicção”, diz o jornal, acrescentando que "a perícia do Senado, favorável à petista, parece não ter afetado o placar".
Alvo de quase uma dezenas de inquéritos por conta da Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não precisa de advogados, mas ele está certo ao diagnosticar a própria Lei do Impeachment como um fato problemático na democracia brasileira. "É importante fazer uma revisão da Lei do Impeachment, porque ela por si só é fator de desestabilização", afirmou Renan.
Há uma exigência de lastro jurídico na legislação, mas ela não foi jamais especificada, dando às maiorias de ocasião a oportunidade de derrubar presidentes eleitos pelo voto popular.
Além de contaminar a credibilidade das instituições do País, a possibilidade de um impeachment sem crime reforça aquele que é um dos principais problemas do presidencialismo brasileiro: a necessidade de o ocupante do Planalto obter apoio de um Congresso no qual tem minoria. É o mecanismo que está na gênese do "mensalão" e foi escancarado na Operação Lava Jato.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Questão indígena

Relatora da ONU critica governo interino e alerta para etnocídio

Para Victoria Tauli Corpuz, risco de efeitos etnocidas não pode ser ignorado nem subestimado
por Felipe Milanez publicado 17/05/2016 09h34

Divulgação / Cimi
Victoria Tauli Corpuz
Cacique babau e Victoria Tauli Corpuz: a relatora da ONU vê com preocupação a configuração do novo governo
O governo interino de Michel Temer (PMDB) recebeu na segunda-feira 16 mais uma contundente crítica internacional às suas primeiras ações desde que assumiu o poder após o golpe parlamentar.
A relatora especial da ONU para os direitos indígenas, Victoria Tauli Corpuz, das Filipinas, em discurso na 15a Sessão do Fórum Permanente da ONU sobre as questões indígena (UNPFII), criticou a extinção da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Cultura, apontou preocupação com o fato de interesses da elite brasileira serem beneficiados em detrimento dos direitos dos povos indígenas, e alertou para o risco de violências, violações de direitos e, inclusive, com efeitos etnocidas.
Além de extinguir o Minc e a SHD, Michel Temer nomeou um time de notáveis políticos anti-indígenas para ministros interinos, como Blairo Maggi (PP-MT), na pasta da Agricultura, maior plantador de soja do mundo, e Romero Jucá (PMDB-RR), no Planejamento, que é autor de um projeto de lei para liberar a mineração em terras indígenas e é acusado, publicamente, pelo chefe Yanomami Davi Kopenawa de participar da exploração ilegal de ouro na Terra Indígena Yanomami.
Como complemento, o recém nomeado ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse em sua primeira entrevista que pode rever demarcações de terras indígenas.
Indígenas brasileiros e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), também presentes na sede da ONU, denunciaram violências que estão sendo praticadas e o risco dos retrocessos. “Não queremos mais que o sangue de nossas famílias regue plantações de soja, cana ou sirva para o gado. Não vamos desistir de nossos territórios”, disse o líder indígena Kaiowa Guarani Eliseu Lopes, em discurso na semana passada diante de mais de mil indígenas de todo o mundo.
Tauli Corpuz esteve no Brasil em visita oficial entre 7 e 17 de março, momento que coincidiu com o aumento da crise política no País. A relatora da ONU conheceu situações de graves conflitos por terra no país, como o caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, dos Tupinambá, na Bahia e de Belo Monte no Pará.
Por um lado, agradeceu a receptividade do então governo brasileiro, de Dilma Rousseff, pelo convite e por facilitar encontros com ministros de governo e do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Ministério Publico Federal, procuradores, deputados e senadores.
Ao final da missão, ela chegou a elogiar medidas e iniciativas postas em prática para garantir os direitos dos povos indígenas, como o árduo trabalho da Funai, em meio a todas as adversidades políticas e financeiras, e do MPF.
No entanto, alertou que quase nada havia avançado desde a visita de seu antecessor, oito anos antes. E mostrou-se extremamente preocupada para retrocessos que demandariam uma ação enérgica do governo para impedir que se consumassem.
Entre estas preocupações, ela cita medidas legislativas, e, a pior de todas, a PEC 215, que pode colocar fim aos direitos territoriais dos povos indígenas ao transferir todas as demarcações para aprovação no Congresso — que está dominado, nessa legislatura, por inimigos dos povos indígenas, como ruralistas e evangélicos. 
Ocorre que com a crise política e a derrubada do governo, é difícil que tal ação enérgica para estancar retrocessos se dê. É justamente o contrário o que pode ocorrer, conforme indicam as primeiras medidas de Temer, e que bastaram para acender a luz amarela e provocar o discurso duro e contundente da relatora da ONU. Inclusive, com a máxima gravidade: o etnocídio.
Disse Tauli Corpuz: “Com a chegada da crise política, estou ainda mais preocupada que recentes avanços possam ser revertidos e que violações, as quais eu observei, possam ser ainda mais praticadas. Fico especialmente preocupada com a possibilidade de reversão de decretos homologatórios e portarias declaratórias de terras indígenas, que em parte demonstraram a boa vontade do governo em cumprir com seu dever de proteger os direitos dos povos indígenas depois da minha conclusão da missão e das recomendações de meu predecessor", disse.
A extinção da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Cultura, disse Corpuz, "é um fato muito grave diretamente relacionado ao respeito e proteção dos direitos humanos. Ao final da minha missão, eu disse que uma tempestade estava aparecendo no horizonte com a convergência de diversos fatores que aglutinam interesses e poderes políticos e econômicos da elite, em detrimento aos direitos dos povos indígenas. O risco de efeitos etnocidas nesse contexto não pode ser ignorado nem subestimado.”

Opinião

Um adeus a Léia, guerreira Kaiowá Guarani

Além do ataque em Caaparó (MS), a assembleia dos povos Guarani e Kaiowá sofreu mais uma grande perda
por Felipe Milanez publicado 16/06/2016 12h39

Leia
Léia, perda para a comunidade Guarani Kaiowá
O povo Kaiowá Guarani foi atacado brutalmente, nesta terça-feira 14, por pistoleiros e fazendeiros armados na Terra Indígena Dourados-Amambaí Peguá, em Caaparó (MS). O massacre resultou em uma morte e pelos menos quatro pessoas feridas gravemente. Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, agente de saúde Kaiowá, foi morto por dois tiros, no local do ataque ruralista.
Notícias do massacre de Caaparó estão sendo divulgadas pelas redes sociais pela Aty Guasu, a grande assembleia dos povos Guarani e Kaiowá.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou que o ataque foi organizado – como as antigas correrias que promoviam genocídios – com cerca de 200 caminhonetes, motocicletas, cavalos e trator usados por pistoleiros, capangas e homens que chegaram atirando contra o acampamento em que os Guarani e Kaiowá estavam, na Fazenda Yvu, que invade a terra indígena.
Além da violência do genocídio promovida pelos fazendeiros, com os ataques físicos diretos, a Aty Guasu sofreu uma grande perda na semana passada, com o falecimento de Léia Aquino, vítima de um AVC.
Léia era professora, vivia em Ñanderu-Marangatu, Antonio João (MS), uma das áreas mais conflituosas do Mato Grosso do Sul e recebia constantes ameaças de morte de fazendeiros. Lideranças da Aty Guasu acreditam que é possível que as tensões tenham contribuído para o AVC de Léia. Ela tinha 48 anos.
Em agosto de 2015, ela liderou a ocupação do tekoha Ñanderu Marangatu, onde foi morto Simão Vilhalva. A Terra Indígena Ñanderu Marangatu está demarcada e homologada, mas segue invadida por fazendeiros, parada no Supremo Tribunal Federal.
Em novembro de 2011, foi assassinado num ataque de pistoleiros Nisio Gomes, no tekoha Guaiviry. Seu corpo foi levado pelos pistoleiros, jogado na caçamba de uma picape, e desapareceu.
Na semana seguinte do assassinato, a Aty Guasu organizou uma assembleia de lideranças, e Léia estava lá. Entrevistei uma série de lideranças para o documentário A Luta Guarani.
A pedido de lideranças da Aty Guasu, eu e o documentarista Paulo Padilha disponibilizamos no Youtube a íntegra da bela entrevista com Léia. "A gente pede o mínimo de terra que foi tirada da gente", ela diz. "Eles tentaram acabar com os Guarani e Kaiowá, mas hoje é impossível".

Questão Indígena

Sem presença da Funai, índios assumem proteção das terras

Povos que assumiram a tarefa por conta própria sofrem com ataques de madeireiros e invasões garimpeiras
por Agência Pública — publicado 27/06/2016 01h16

Luis Carlos Guajajara/Cimi
Guajajara
Guajajara assassinados
Por Ciro Barros e Iuri Barcelos
Cansados de esperar por fiscalizações mais frequentes da Funai, do Ibama e da Polícia Federal, o povo Guajajara da terra indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, resolveu reagir. “A gente resolveu formar uma comissão de lideranças e caciques. Essa comissão achou melhor que a gente tivesse os nossos próprios guardiões da terra, pra gente mesmo defender o nosso território”, conta Suluene Guajajara, uma das lideranças do povo. Esses guardiões Guajajara receberam das lideranças uma missão: percorrer todos os 413 mil hectares do território em busca dos invasores atraídos pelas riquezas naturais, sobretudo a madeira.
Ao protegerem a própria área, os indígenas buscam garantir seu direito de usufruto exclusivo dela, como determina a Constituição. Antes de saírem para a guarda, os índios comunicam à Funai e, ao flagrarem qualquer invasor, o cercam e avisam às autoridades. O risco, porém, os acompanha a cada passo da ronda.
“Os guardiões sofrem muita ameaça. Eles não podem mais fazer compras na cidade, por exemplo. As pessoas que lucram com a exploração das nossas terras ficam falando que vão queimar, vão cortar o corpo dos guardiões. Eles até colocam preço na cabeça dos guardiões: quem matar um leva dez mil, R$ 15 mil”, diz. A voz de Suluene estremece, os olhos enchem d’água. “A gente vive com muito medo.”
As ameaças de morte já se concretizaram. Só neste primeiro semestre de 2016, quatro Guajajara (Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis) foram violentamente assassinados no período de um mês, dois deles a pauladas, e um deles, Aponuyre, tinha apenas 16 anos.
Outro índio assassinado, Assis Guajajara, era um guardião. “Infelizmente isso não é novidade, a gente se acostumou a viver com medo. Em 2007, os madeireiros já tinham matado outro indígena, um senhor da aldeia Lagoa Comprida. E eles nunca pararam de nos ameaçar”, conta. “A Funai vai lá na terra uma vez, faz uma ação, coíbe alguns madeireiros, mas é só a Funai sair que eles voltam. A gente fica oito, dez dias protegidos, mas a Funai vai embora. Os próprios funcionários são ameaçados na estrada pelos madeireiros. E parece que eles são avisados: quando a operação da Funai chega, eles saem e não estão mais lá”, desabafa Suluene.

Queda livre nas fiscalizações

A morte dos Guajajara vem na esteira de um cenário preocupante para os povos indígenas brasileiros: a queda livre nas ações de fiscalização em terras indígenas pela Funai. Segundo o último relatório de gestão do órgão indigenista, em 2011 foram 227 ações de fiscalização e, em 2014, o número caiu para 92 ações, queda vertiginosa de 59%. O relatório aponta uma razão para a redução das ações de fiscalização: a insuficiência de recursos orçamentários, fato que “limita o desempenho das ações da Diretoria de Proteção Territorial no cumprimento de suas atribuições legais, principalmente para a implementação de ações de monitoramento territorial, que têm tido uma expressiva redução nos últimos anos”.
Levantamento realizado pela Agência Pública indica que a redução das ações de fiscalização se encaixam em um quadro mais amplo da dinâmica orçamentária da Funai. Embora o orçamento geral do órgão tenha apresentado leve crescimento nos últimos dez anos, houve uma forte redução da verba destinada às atividades de fiscalização da Funai, que tem a responsabilidade de zelar por uma área indígena equivalente a 13% do território nacional. Em 2015, por exemplo, o que se gastou com fiscalização representa menos da metade do que se gastava há dez anos.
Suluene avalia que a Funai padece de apoio do Estado brasileiro. “A gente que é do movimento indígena sabe que o governo não vem dando condições para que a Funai faça o seu trabalho direito. A Funai não tem funcionários pra conseguir fiscalizar nada. E isso é pelas pressões políticas que eles vêm sofrendo. Mas, enquanto isso acontece, os povos indígenas correm muito risco”, diz a líder Guajajara.
No ano passado, após dois meses seguidos, um incêndio tratado pelos Guajajara como criminoso consumiu mais da metade (53,2%) da TI Arariboia. Os madeireiros são apontados como os principais responsáveis pelo início das queimadas na região. “Nossa caça fugiu ou morreu, e a gente não tem mais como viver de acordo com a nossa cultura”, lamenta Suluene.
Com o incidente, a saúde alimentar e a sustentabilidade dos Guajajara deixou a comunidade em situação delicada. “A terra não consegue mais nos alimentar. E uma das formas que mais ameaça a gente é a alimentação”, diz. Segundo ela, frango da granja, biscoito e refrigerante passaram a ser consumidos pela comunidade. “Agora temos casos de diabetes, hipertensão, câncer. Antes a gente tinha doença espiritual, mas o nosso pajé curava. Só que o nosso pajé não cura um câncer, não cura diabetes”, diz.Wizard data.png

Reestruturação pela metade?

A situação relatada pelos índios com a pouca fiscalização do órgão indigenista é um dos nós que colocaram a Funai na berlinda em vários momentos de sua história. Na gestão de Márcio Meira (2007-2012), uma mudança estrutural por meio de dois decretos (7056/2009 e 7778/2012) dividiu opiniões dentro e fora do órgão. “A ideia dos decretos de reestruturação foi um grande esforço de adequar a Funai à Constituição de 1988 e garantir a autonomia indígena”, afirmou Meira.
A mudança na Funai foi recebida à época com ressalvas (e protestos) pelos povos indígenas, movimentos sociais, funcionários e até por ex-presidentes do órgão, sobretudo pela diminuição do número das antigas Administrações Executivas Regionais em comparação às CRs criadas na reestruturação.
A retirada dos postos indígenas das aldeias é criticada pelo ex-presidente da Funai Mércio Gomes (2003-2007). “[A reestruturação] foi péssima porque retirou os postos das terras indígenas. Hoje todo mundo está nas terras indígenas, menos a Funai. Tirar os postos indígenas foi algo completamente absurdo”, critica. “No Mato Grosso, por exemplo, você tem várias Coordenações Técnicas Locais próximas às terras dos Xavante, mas ninguém dentro das terras para coibir os conflitos que ocorrem lá. Essa reestruturação esvaziou a Funai”, avalia.
Meira defende a medida tomada por sua gestão. Ele explica que a reestruturação começou em 2007, com base em um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e com estudos da própria Funai. “Nós elaboramos uma reforma processual que, lamentavelmente, não pode ser continuada nas gestões posteriores”, avalia.
Para ele, os concursos públicos contínuos eram um passo fundamental na reformulação proposta. “Havia a expectativa de que o Ministério do Planejamento desse continuidade aos concursos a cada ano, o que não aconteceu”, reclama.
O sócio-fundador do Instituto Socioambiental Márcio Santilli, que já presidiu a Funai (1995-1996) na gestão de Fernando Henrique Cardoso, vê “vários méritos” na reestruturação de Meira, mas pondera que os concursos públicos perderam efetividade. “A Funai tem uma enorme dificuldade de basear pessoal nas pontas, especialmente no caso das terras indígenas que, muitas vezes, são áreas remotas”, avalia.
Gustavo Vieira, servidor da Funai e membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (Mapi), avalia que a reestruturação do órgão deu novo perfil ao funcionário da Funai, que passou a ser mais “articulador de políticas locais” e menos um agente que “atende demandas diretas do índios”. “O chefe de posto tinha mais ou menos essa função, ou seja, seria uma espécie de ‘cacique branco’, que se relacionava com os índios de uma forma meio assistencialista”, opina.
A despeito das críticas, Vieira vê uma institucionalidade maior do órgão com a reestruturação. “A retirada dos postos avançados de dentro das aldeias e a criação das CTLs nas cidades deram uma articulação melhor dos funcionários da Funai com as prefeituras, com as secretarias municipais e estaduais.”Fiscalizações de Terras Indígenas.png

Lado indígena

Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é assertiva sobre a questão: “A reestruturação está só no papel e a Funai só tem se distanciado dos conflitos das terras indígenas”.
Telma Marques, da terra indígena Araçá e membro do Conselho Indígena de Roraima, considera que a Funai passou pela reestruturação para definir várias situações, mas que “falta muita coisa para que haja uma atuação direta com os povos indígenas”.
Segundo ela, a fiscalização é um dos grandes problemas. “Todas as ações dentro das terras ainda são pequenas. Há um contingente mínimo de pessoas para fazer as ações, o que acaba inviabilizando o trabalho da Funai.”
Segundo o último relatório de gestão do órgão, os cortes nas atividades de proteção territorial foram de 50% entre 2008 e 2014. O governo ainda não regulamentou o poder de polícia da Funai, algo previsto na lei que criou o órgão em 1967. “Hoje não está muito claro o papel da Funai. A gente está vendo que a Funai está sem braço para garantir a segurança dos povos indígenas. Mas enquanto isso a gente é que está sofrendo na pele”, conclui Rosimeire Maria Vieira Teles, do povo indígena Arapaso, da TI Alto Rio Negro.
Para além do debate sobre a reestruturação da Funai e a autonomia indígena, a violência contra esses povos é uma realidade crescente. As pressões a que os povos indígenas estão submetidos são as mais diversas: vão de ameaças de narcotraficantes às de madeireiros, passando pelo garimpo ilegal, a pecuária extensiva e megaempreendimentos públicos e privados (hidrelétricas, estradas, barragens de mineração etc.).
Programa de proteção já acolheu 133 indígenas
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (arquivo 1 e 2) mostram que 38 indígenas estão incluídos atualmente no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, mantido pelo governo federal. Outros 43 passam por uma triagem e 15 estão em análise. Ao todo, 133 índios foram acolhidos pelo programa entre 2009-2016.
A situação de insegurança corrobora os relatórios sobre violência contra os povos indígenas elaborado desde 2003 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Somente em 2014, ano do último levantamento, 138 indígenas foram assassinados no país, número mais alto da história do relatório. A média anual é de 68 assassinatos.Solicitacões de indígenas para o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.png

Manifestações

A luta política de cara nova

Como junho de 2013 inspirou uma geração de ativistas
por Marsílea Gombata — publicado 27/06/2016 01h16

Wanezza Soares
Ativistas
Rita Souza e Sarah de Roure: as mulheres são protagonistas dos protestos
*Por Marsílea Gombata e Miguel Martins
No ano passado, a estudante e operadora de telemarketing Rita Souza, 20 anos, tornou-se coordenadora do Movimento Sem Teto na Ocupação Dandara, habitada por cerca de mil famílias na zona leste de São Paulo.
Criada em bairros pobres e favelas da região sul da cidade, Rita viveu dificuldades semelhantes com moradia antes de se mudar com os pais e seus três irmãos para o Jardim Iguatemi. Sua casa, adquirida pela família por 5 mil reais em 2006, é próxima do local ocupado atualmente pelo MTST.
O contato com os moradores da ocupação a faz lembrar das agruras vividas na infância. Longe de se restringir apenas à defesa do direito à moradia, sua militância política tem como ponto de partida suas experiências pessoais. “Minha segunda família é a luta.
Da mesma forma, Rita reforça a importância do feminismo e da batalha pelo fim da violência contra a mulher ao se lembrar das agressões sofridas por sua mãe quando o pai chegava alcoolizado em casa.
RR_choqueinvadeopcao__05022016_0.jpg
Secundaristas de São Paulo, a grande novidade (Foto: Rovena Rosa/ABr)

Empolga-se ainda ao elogiar o movimento dos secundaristas que barrou, em 2015, a reorganização escolar imposta pelo governador paulista, Geraldo Alckmin, do PSDB. “Estudei a vida inteira em escola pública, sei o quanto a estrutura é precária.”
Assim como muitos jovens de sua idade, ela é desconfiada em relação à política partidária tradicional, mas tem convicção sobre a relevância das ocupações e dos protestos. “A rua é o espaço ideal para se defender os direitos do povo.”
Em 2013, Rita e outros 20 milhões de brasileiros participaram de atos difusos, nos quais a luta contra o aumento da tarifa do transporte público abriu caminho para o hasteamento de diversas bandeiras, entre elas a exigência de melhoras nos serviços públicos, a crítica à classe política e à corrupção.
Pela esquerda ou pela direita, as manifestações de junho, que completam três anos neste mês, consolidaram os protestos de rua como principal instrumento de luta política das novas gerações. 
No campo progressista, foi o ápice de um lento e silencioso trabalho de base realizado por movimentos criados a partir do fim da década de 1990. Naquele período, o Movimento Antiglobalização e o próprio MTST surgiram a partir de uma abordagem pré-figurativa: emulam em sua organização interna os valores que propõem para o restante da sociedade, entre eles o fortalecimento da democracia direta, a ausência de lideranças preestabelecidas e a atuação por redes. 
Os atos de 2013 tiveram como denominador comum a luta contra o aumento da tarifa encampada pelo Movimento Passe Livre. Criado em 2005 durante o Fórum Social Mundial, o MPL aprofundou a cartilha dos movimentos horizontais surgidos no fim da década de 1990.
Em comum com os antecessores, o movimento compartilha a desconfiança em relação à política partidária tradicional, especialmente após a chegada de Lula ao poder em 2003. Formado a partir de uma reunião de movimentos sociais constituí­dos no fim da ditadura, o PT descolou-se das bases durante seus governos e deixou aos poucos de ser a referência prioritária da juventude de esquerda. 
PP_Ato-Todas-Por-Elas-contra-cultura-do-estupro-av-Paulista-SP_08062016006.jpg
Crescem os atos que denunciam o assédio e a violência contra as mulheres (Foto: Paulo Pinto/AG. PT)

Apesar da diversidade de bandeiras nas manifestações de junho, a luta central para barrar o aumento do transporte público foi bem-sucedida em diversos estados e contemplou 70% dos brasileiros. O sucesso das mobilizações fortaleceu vários movimentos de esquerda, entre eles o MTST. Foram registradas 681 ocupações de sem-teto em São Paulo entre 2013 e 2014, ante 257 nos dois anos anteriores, revelam dados da Secretaria de Segurança Pública.  
Ao participar dos atos convocados pelo MPL em 2013, Douglas Oliveira, 18 anos, percebeu a importância das manifestações. “Naquele ano, tive uma aula de que é possível protestar, lutar por algo e ser ouvido”, conta. “Foi um ano-chave para a política do País.”
Pouco tempo depois, Oliveira passou a militar no movimento estudantil com afinco. Em 2015, participou da ocupação na Escola Estadual Fernão Dias, um dos centros de resistência contra a reorganização escolar de Alckmin. Em abril, integrou o grupo que ocupou o Centro Paula Souza, prédio administrativo das escolas técnicas de São Paulo, em protesto contra a baixa qualidade da merenda escolar. 
As ocupações das escolas e as manifestações de 2013 estão inter-relacionadas, lembra o secundarista. “Vários estudantes que começaram a militar naquele ano ocuparam escolas estaduais e Etecs.” Mas o ativismo cobra o seu preço.
Ele conta ter sido perseguido pela diretoria da Etec Guaracy Silveira, onde estudava, após se envolver na militância. Segundo o estudante, seu nome foi registrado em um Boletim de Ocorrência com outros quatro alunos e dois professores, e anexado ao pedido de reintegração de posse do Paula Souza. 
Presidenta da União Nacional dos Estudantes, Carina Vitral lembra que a luta secundarista sempre existiu, mas enxerga em 2013 um marco de mobilização. “Diferentemente de gerações anteriores, esta nova geração acredita na força das ruas para a mudança e sabe que tem esse poder nas mãos.”
Vitral credita a efervescência à transformação social pela qual passou o País nos últimos anos, que impactou diretamente a politização dos estudantes. “Jovens da dita classe C empoderaram-se após entrar nas universidades.”
O feminismo também se revigorou após 2013. Atuante no Brasil desde os anos 1970, o movimento historicamente se fortalece quando se associa a outras pautas, como a luta sindicalista pelo aumento do salário mínimo, o movimento negro ou mesmo as reivindicações no campo da educação básica, na qual a maior parte do corpo docente é composta de mulheres. 
Em 2013, o movimento passou a focar em um recorte de gênero sobre temas então em voga, como a luta por transporte de qualidade. “Aquele ano retomou o conflito como arma para a transformação”, observa Sarah de Roure, 33 anos, militante da Marcha Mundial das Mulheres, ao citar novas narrativas no processo de mobilização das feministas.
“No nosso caso, começamos a ler de forma coletiva o tema da mobilidade urbana e a relação com a cidade. Passamos a discutir sob duas perspectivas: a do assédio e também sobre como o aumento da tarifa impactaria a vida das mulheres em São Paulo.”
20160612173121861_6.jpg
Ocupações do MTST como a Dandara, na zona leste de São Paulo, multiplicam-se no Brasil (Foto: Peter Leone/Futura Press)

A partir de 2013, diz De Roure, os debates sobre a desigualdade de renda, a sobrecarga do trabalho doméstico e a maneira como as mulheres circulam no espaço urbano de maneira diferente dos homens se fortaleceram.
Militante do PCdoB durante a ditadura e uma das principais ativistas feministas do País, Maria Amélia de Almeida Teles, 71 anos, acredita que o ano de 2013 influenciou o movimento ao impulsionar a criação de novos coletivos feministas.
“Nunca houve tantos. Basta olhar como eles surgem nas ocupações das escolas, por exemplo. Desde 2013, a população passou a reagir mais às injustiças. As jovens feministas vêm com sede de protagonismo: querem tomar as ruas, protestar, reagir, reivindicar.”
No horizonte próximo, a feminista da União de Mulheres de São Paulo e da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos enxerga dois desafios: primeiro, a necessidade de a esquerda reconhecer anseios feministas, muitas vezes deixados em segundo plano nos anos da ditadura.
Segundo, a tarefa de aproximar as diversas pautas progressistas. “Hoje temos muitos movimentos e agendas que se sobrepõem, mas não se somam. Isso faz com que tenhamos pouca força para dar uma resposta neste momento de ascensão conservadora.” 
Segundo Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP e estudioso das manifestações de 2013, a principal dificuldade para a formação de novas alianças entre os movimentos horizontais é a falência do projeto petista original.
Em sua origem, diz o pesquisador, o PT assemelhava-se às novas iniciativas de esquerda na Europa, como o Podemos, na Espanha, e o Syriza, na Grécia, formados a partir de alianças de movimentos sociais. “Quando o partido se converteu em uma legenda política tradicional, muitos movimentos passaram a acreditar que o caminho da institucionalidade não pode dar certo.”
Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST, reforça a necessidade de ampliar as alianças entre os novos movimentos e a juventude. No ano passado, o movimento tornou-se o principal articulador da Frente Povo Sem Medo, que procurou incorporar a resistência contra o impeachment às críticas à política econômica de Dilma Rousseff.
Atualmente, o bloco organiza diversos atos contra o governo interino de Michel Temer. “A construção de frentes é o caminho para se consolidar uma luta unitária contra a direita”, defende. “Por enquanto, trata-se de uma unidade reativa, mas a construção de um programa mais amplo e propositivo está posto. O ciclo capitaneado pelo PT chegou ao seu limite. É preciso apontar novas direções.”   
A opinião é compartilhada pelos militantes mais jovens. “Não mudaremos as relações de desigualdade entre mulheres e homens se não olharmos para o conjunto, a representatividade política e a dinâmica econômica”, afirma Sarah de Roure. “Se não considerarmos a luta como parte de um processo de alianças, não haverá grandes transformações.” 

Denúncia

O jatinho de Eduardo Campos e a quadrilha

Os donos do avião usado por Eduardo Campos são acusados de lavagem de dinheiro
por Henrique Beirangê publicado 27/06/2016 16h51

Rene Moreira/Estadão Conteúdo
Citation
O mistério do Citation a serviço de Campos durou quase dois anos
Quase dois anos após a queda do avião, em Santos, que levou à morte Eduardo Campos, candidato à Presidência em 2014, novas investigações apontam que a aeronave integrava um esquema de empresas de fachada suspeitas de lavar cerca de 600 milhões de reais. Na terça-feira 21, foram presos quatro suspeitos, entre eles Eduardo Freire Bezerra e João Carlos Lira.
A apuração começou após a Polícia Federal tentar identificar o verdadeiro dono da aeronave na qual Campos viajava em companhia de outros seis passageiros, todos mortos no acidente. Ao realizar a quebra de sigilo dos donos do avião modelo Cessna Citation, os investigadores descobriram empresas que só existiam no papel para a realização de operações de fachada.
Um dos investigados que continuava foragido, Paulo César de Barros Morato, foi encontrado morto na quarta-feira 22, em um motel na cidade de Olinda, Pernambuco. De acordo com as apurações, Morato seria o sócio oculto da Câmara & Vasconcelos, proprietária da aeronave. A PF não revelou a causa da morte, mas não desconsidera a possibilidade de suicídio.
Segundo funcionários do motel, Morato chegou sozinho ao local e seu corpo não possuía sinais de violência. O Ministério Público Federal afirma que o empresário era o “verdadeiro responsável pela empresa Câmara & Vasconcelos Locação e Terraplenagem LTDA.”. e teria “aportado recursos para a compra da aeronave PR-AFA (que caiu com Campos, em 2014) e recebido recursos milionários provenientes de empresas de fachada utilizadas nos esquemas de lavagem de dinheiro engendrados por Alberto Youssef, Rodrigo Morales e Roberto Trombeta, além de provenientes da construtora OAS”.
A apuração revelou uma vida luxuosa dos proprietários do avião. Entre os bens estão helicópteros, lanchas, carros importados e jet skis. Funcionários da Camargo Corrêa, segundo a PF, teriam dito que Lira era o intermediário do recebimento de propinas cujos destinos seriam as contas da campanha de Campos. O PSB nega as acusações. A família do ex-candidato não se pronunciou. 
Marina Silva, ex-senadora e então vice na chapa de Campos, durante evento em São Paulo, na terça-feira 21, criticou o “grande atraso na política” brasileira, mas evitou manifestar-se a respeito das acusações de que sua chapa teria recebido dinheiro do esquema criminoso. 
A quadrilha, diz à PF, atuava desde 2010 e estaria ativa até o dia da operação. Além da campanha de Campos e Marina, a investigação apura que outros políticos teriam sido beneficiados com os desvios. A Polícia Federal identificou uma série de movimentações fraudadas para esconder dinheiro de propina, até mesmo uma peixaria fantasma foi usada. 
Os investigadores identificaram 16 transferências, totalizando cerca de 1,7 milhão de reais, para pagar a aeronave. Por meio de CPFs e CNPJs registrados em nome de laranjas chegou-se aos verdadeiros donos do dinheiro. Uma das empresas de Bezerra recebeu 727 mil reais, enquanto uma de Lira embolsou 127 mil reais. As movimentações serviam para ocultar a origem do dinheiro. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 907 de CartaCapital, com o título "O jatinho e a quadrilha"

sábado, 25 de junho de 2016

CUSTO DE UM PRESIDENTE DA CÂMARA FEDERAL

UMA VERDADEIRA VERGONHA E AFRONTE AO TRABALHADOR BRASILEIRO , O CUSTO DE UM PRESIDENTE DA CÂMARA FEDERAL, ELE TEM DIREITO A MORAR NUMA CASA DE 800 M2, COM O2 MOTORISTAS E 34 FUNCIONÁRIOS.
ATÉ QUANDO VAMOS SUSTENTAR ESTE VERDADEIRO ABSURDO DO MUNDO IRREAL, COM A FOME E O DESEMPREGO, FALTA DINHEIRO  PARA SAÚDE DE EDUCAÇÃO.

mpeachment

O manifesto dos brasilianistas não foi partidário

Venho, por meio desta singela coluna, apresentar uma versão diferente (a versão da maioria) do que aconteceu na reunião da BRASA
por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 05/04/2016 11h26
Manifestação
Protesto a favor da democracia no congresso da Brazilian Association Studies
Quem aqui vos fala é uma pesquisadora, brasilianista e brasileira, que esteve na assembleia da BRASA (reunião da Brazilian Association Studies), a qual foi motivo de destaque no site da Folha de S.Paulo na quinta-feira 05 de abril, com o título "Manifesto pró-Dilma causa racha entre brasilianistas".
Venho, por meio desta singela coluna, apresentar uma versão diferente (a versão da maioria) do que a Folha preferiu divulgar.
Vamos aos fatos de forma objetiva. Antes da BRASA, um grupo de pesquisadores da Brown University, incluindo o advogado Renan Quinalha e o Professor James Green, organizou um manifesto de pesquisadores do exterior, alertando para os riscos que a democracia brasileira estava sofrendo.
Centenas de pesquisadores assinaram este manifesto, gerando grande repercussão na mídia brasileira. Durante a BRASA, houve um ato em defesa da democracia na cerimônia de abertura do evento, que contou com a solidariedade de muitos participantes.
Soubemos que a assembleia iria votar uma possível moção da BRASA de apoio ao manifesto. Assim como funciona na democracia: as pessoas pediram a palavra, divergiram, emocionaram-se e, por fim, votaram. A maioria venceu.
Incrível que a Folha de S. Paulo ignora e silencia as vozes da maioria que esteva lá – principalmente as vozes das centenas de pesquisadores brasileiros e que atuam no Brasil. Ao só entrevistar pesquisadores homens, a matéria também ignorou as vozes das pesquisadoras mulheres.
Em primeiro lugar, eu gostaria de concordar com a posição de Anthony Pereira, do King’s College London, a qual Folha se refere em sua matéria. Eu também acho que o texto precisa de melhoras. Discordo com diversos pontos e penso que o manifesto poderia ser mais nuançado.
Esta era a minha posição: votar a favor do manifesto, mas discutir alguns pontos do texto. 

Infelizmente, a urgência não deixou que isso acontecesse e votou-se o texto em questão. Esta foi a vontade aclamada – sem exagero de minha parte – da maioria.
Durante o debate, apenas dois ou três pesquisadores se posicionaram contra o manifesto. Dezenas, como eu, posicionaram-se a favor. Também citado na matéria da Folha, Idelber Avelar, de Tulane University, foi o primeiro a pegar o microfone.
Todos escutaram o que ele arduamente criticava, até ele falar que o manifesto era partidário. Naquele momento, ele foi fortemente vaiado – o único da assembleia a ser vaiado, diga-se de passagem.
Por que Idelber foi vaiado? Há muitas versões, mas o fato é que ele foi vaiado justamente no momento em que mencionou a questão partidária. Entre as vaias, as pessoas gritavam NÃO É PARTIDÁRIO. Curioso que a Folha decidiu dar destaque ao comentário mais rechaçado da reunião.
Idelber foi o primeiro a falar, seguido por uma avalanche de comentários contrários, incluindo o meu, de pessoas que diziam que não era partidário. 

Também como eu, muitas pessoas manifestaram que não eram do PT e não apoiavam o governo, mas achavam que o papel da BRASA era se manifestar neste momento - como já fizeram tantas associações científicas.
Membros da BRASA afirmaram que o estatuto da associação dizia que a BRASA só se manifestaria em caso de violação de direitos humanos. Muitos argumentaram que este ato antidemocrático que se anuncia no Brasil está diretamente relacionado a diversas perdas de liberdades individuais e democráticas.
A violação de direitos humanos já é uma realidade do avanço do conservadorismo no Brasil e omitir-se a isso é bastante problemático, em meu ponto de vista. 

Eu entendo que o manifesto poderia ser melhorado, incentivando o avanço das investigações anticorrupção e reafirmando o seu caráter apartidário.
A votação foi precedida de debate. A maioria venceu. É simples. No meu caso, acredito que o papel público do intelectual é se manifestar nestes momentos. E termino esta coluna com o meu breve comentário durante a assembleia: a não tomada de posição, em um momento de crise como o que vivemos, é uma tomada de posição.
Segue o manifesto (em inglês): 

Since 1985, Brazil has been enjoying the longest period of democratic stability in its history, following a coup d’état in 1964 and a violent military dictatorship that lasted twenty-one years. Under the aegis of the 1988 Constitution, which guarantees a wide range of social and individual rights, Brazil has become a more democratic society, with greater political participation, broader and more inclusive notions of citizenship, and the strengthening public institutions.

In spite of these advances, corruption remains endemic. A series of scandals involving politicians of different party affiliations have outraged the public.

As a result, there have been widespread mobilizations demanding an end to illicit practices. There have also been bold actions by state institutions, such as the Federal Police, the Federal Prosecutors Service, and the Judiciary.

The combat against corruption is legitimate and necessary to improve the responsiveness of Brazilian democracy. But in the current political climate, we find a serious risk that the rhetoric of anti-corruption has been used to destabilize the current democratically-elected government, further aggravating the serious economic and political crisis that the country is facing.
Instead of retaining political neutrality and respecting due process, sectors of the Judiciary, with the support of major media interests, have become protagonists in undermining the rule of law. During their investigations, some public officials have violated basic rights of citizens, such as the presumption of innocence, the assurance of an impartial judiciary, attorney-client privilege, and the guarantee of the right to privacy.

The Lava Jato Operation, led by the federal judge Sérgio Moro, has centralized the principal corruption investigations over the last two years. These investigations have been marred by repeated excesses and unjustified measures, such as arbitrary preventive detentions, dubious and problematic plea-bargaining agreements, selective leaking of information to the media for political purposes, and the illegal wiretapping of both the current President of the Republic and the most recent former president.

All of this has taken place with the sustained support of powerful sectors of the media in an unprecedented effort to influence public opinion for specific political ends. The combat against corruption must be carried out within strict legal limits that protect the basic rights of the accused.

The violation of democratic procedure represents a serious threat to democracy. When the armed forces overthrew the government of President João Goulart in 1964, they used the combat against corruption as one of their justifications. Brazil paid a high price for twenty-one years of military rule. 

The fight for a democratic country has been long and arduous. Today, all those who believe in a democratic Brazil need to speak out against these arbitrary measures that threaten to erode the progress made over the course of the last three decades.