terça-feira, 30 de maio de 2023

 

Eduardo Bolsonaro abriu empresa nos EUA com empresário que apoiou atos golpistas

No período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) morou nos Estados Unidos, seu filho “03”, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), abriu uma empresa no estado do Texas em sociedade com pessoas ligadas à disseminação de fake news no Brasil, que apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro e que passaram pelo governo do pai.


Durante 5 meses, nossas repórteres Alice Maciel e Laura Scofield, junto com a jornalista Juliana Dal Piva, mergulharam no passado do parlamentar. A investigação é fruto de uma aliança entre a Pública, o UOL e o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística).

Procurado diversas vezes, Eduardo Bolsonaro só se esquivou das perguntas. Em um dos encontros com as jornalistas, quando questionado sobre as empresas, ele respondeu: "Por que vocês estão me investigando? Conhecendo um pouquinho do UOL e um pouquinho de vocês, eu prefiro não falar nada". E o silêncio disse tudo.

Um furo como esse só foi possível porque ainda existe jornalismo valente no Brasil, como o da Pública. Nós temos a coragem de ir além, de mergulhar fundo nos acontecimentos que ultrapassam as questões da política brasileira e chegam na violação dos direitos humanos. Descobrir e revelar o que políticos e outros poderosos querem esconder de você, de mim, e de todos nós é uma das razões que move o jornalismo da Pública desde o seu início, há 12 anos.  

E pra fazer investigações como essa, e como tantas outras que marcaram nossa história, é preciso tempo, muito trabalho e vários recursos. 

A Pública não se mantém com anúncios, nosso jornalismo é financiado pelos nossos leitores, que, assim como nós, acreditam na qualidade e seriedade das nossas investigações e contribuem para que a gente continue investigando casos como este, das ligações da família Bolsonaro nos Estados Unidos. Se 20 reais para você parece pouco, para nós faz toda a diferença. 


Por isso te convido a somar nesta investigação. Nós sabemos que ainda há muito mais por trás disso tudo. Com menos de 1 real por dia você contribui para a Pública revelar segredos que querem esconder de você. Clique aqui e apoie o jornalismo independente agora.
 
QUERO SABER MAIS SOBRE AS EMPRESAS DE EDUARDO BOLSONARO NOS ESTADOS UNIDOS
Um abraço,

Letícia Gouveia
Assistente de Comunicação da Agência Pública

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Lula e Marina

Indígenas, ambientalistas e todos os que se preocupam com questões essenciais para a emergência climática e para a proteção dos direitos humanos dos brasileiros - principalmente os de povos originários, tradicionais e agricultores familiares, diretamente afetados pelo desmatamento e grilagem - ficaram boquiabertos com a liberação da bancada do PT para aprovar a MP dos Ministérios, apesar das emendas que deslocam órgãos essenciais da política indígena e ambiental para ministérios com outras competências (alguns com titulares próximos aos ruralistas). 

Confesso que também tomei um susto, sobretudo pelas comemorações de ministros e parlamentares nas redes sociais depois da aprovação da MP.

Os pontos mais graves são a retirada do CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Ministério do Meio Ambiente e a Funai do Ministério dos Povos Indígenas, o que sem dúvida enfraquece os ministérios condutores da política ambiental e indígena do país. 

Mas a situação ainda é turva demais para cravar a saída de Marina Silva do MMA, como especula a imprensa. Marina e Lula sabem perfeitamente o impacto internacional desastroso que teria uma eventual queda da ministra. Ex-parlamentar, Marina também conhece as táticas de negociação com o Congresso, especialmente quando temos a Câmara de Deputados mais conservadora desde a redemocratização. 

Em discurso informal na posse de Mauro Pires, novo presidente do ICMBio, na manhã de ontem, a própria ministra, que anteriormente já havia criticado a MP, voltou a reforçar a necessidade de defender o sistema nacional de proteção ambiental, mas fez questão de destacar o legado desastroso do governo Bolsonaro e de agradecer a Lula “por estarmos todos aqui”. Além de cumprimentar o presidente do Ibama, que também discursou com serenidade apesar de ser o aparente estopim da crise (com a decisão técnica de barrar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas), Marina dirigiu saudações nominais a diversos representantes da sociedade civil presentes no evento, assim como à delegada adjunta da União Europeia e ao embaixador da Noruega, maior financiador do Fundo Amazônia.

Mesmo que Lula tenha se sentido traído por Marina por não ter sido avisado previamente sobre a questão da Foz do Amazonas, ou que uma ala do PT queira de fato enfraquecê-la, o que sempre é complicado avaliar tendo como base reportagens com interlocutores do presidente falando em off, Lula sabe melhor do que ninguém o que o mundo espera do Brasil e as vantagens que traria o avanço da agenda ambiental para o país. Como disse a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo à nossa editora Giovana Girardi no domingo passado (antes, portanto, da votação da MP): “Em relação à narrativa que o presidente Lula tinha nos mandatos anteriores, a questão ambiental ganhou uma robustez que ela nunca teve. Eu acho que as posições da Marina e do Ibama estão coerentes com a narrativa do presidente da República.”

Mais do que a chantagem dos ruralistas no Congresso, que ainda poderia ser revertida no STF como sugere o post do ministro Flávio Dino no Twitter, o que realmente me assusta é a possibilidade de Lula, por convicção, trocar os projetos de desenvolvimento do século 21 que, junto com Marina e Sônia, ele parecia abraçar, pela economia suja do pré-sal, do agronegócio e da mineração. Nem tudo é possível conciliar. 

Ter duas ministras mulheres ambientalistas - uma negra, filha de seringueiros da Amazônia, e uma grande liderança indígena - enfraquecidas sob aplausos do PT não é uma boa mensagem. Ainda dá tempo do governo reagir. 

A nós, jornalistas, cabe publicar informações checadas, com a maior transparência possível para a sociedade poder filtrar os interesses e o grau de certeza de quem fala, alertando, sem alimentar o diz que diz, para os riscos reais que corre a política socioambiental prometida por Lula, venham eles do Congresso, das empresas ou de dentro de governo.
 
É essa informação de qualidade que faz avançar o debate democrático, ainda tão incipiente no país.



Marina Amaral

 

Eu, meu celular e o ladrão


Foi tão rápido que eu não tive tempo de ficar indignada. Estava no trem da CPTM, indo da Barra Funda ao Itapevi, região metropolitana de São Paulo, e, entre uma mensagem e a próxima no WhatsApp, coloquei o celular no bolso. Quando lembrei da mais nova urgência fabricada para pegar novamente o aplicativo – nem trinta segundos depois – o aparelho não estava lá. Remexi todos os bolsos, perplexa, e então algumas pessoas me disseram terem visto um homem, de jeans e camiseta preta, parar atrás de mim por uma fração de minuto, pouco antes da última estação. Saiu assim que a porta abriu em Osasco. 

Moro longe, o furto aconteceu na metade do caminho, tive pouco ânimo para descer na estação seguinte e tentar fazer um escândalo, buscando registros visuais, em vídeo, do tal ladrão. Ele estaria já longe. Esperei chegar em casa para valer-me de todas as ferramentas digitais que um celular Android permite. O aparelho estava desligado. A função “localizar celular” pelo Google, portanto, não servia. Seria difícil encontrá-lo sem isso.

Então, uma aflição: sem telefone, fui tentando lembrar todas as vulnerabilidades que agora me atravessavam ao ter aquela máquina, extensão mesma de tudo o que eu sou, na mão de um criminoso. 

Pensei nos meus aplicativos de banco. E estava ainda tentando contactar o meu gerente quando recebi um email. Havia se passado três horas até que o ladrão reunisse tantos celulares quanto conseguira faturar nos vagões da CPTM para começar a invadir cada um deles. O meu, reconheço, tinha uma senha fácil de quebrar, por pura displicência. 

Com raiva do ladrão e imaginando que ele quebraria minha senha, resolvi passar no mercadinho ao lado de casa e gastar o máximo que conseguisse da minha conta. Mas o email dizia que ele tinha sido mais malandro: pedira um empréstimo no Nubank, meu banco virtual ou fintech. Ganhou cem reais a mais. 

Começavam ali algumas horas de "gato e rato" virtual. Liguei para o banco e disse que ele estava naquele momento movimentando a conta. A atendente me contou que ele transferira 200 reais. Bloqueou o aplicativo.

Voltei então ao “localizar celular”; estava inabilitado. Provavelmente, ele o inabilitou assim que ligou para sacar meu dinheiro. 

Comecei, aí sim, a ficar preocupada. 

Quais as fronteiras virtuais que uma pessoa conseguirá acessar estando de posse do meu celular? O que ele pensa? Quais serão suas prioridades? Quão proficiente em tecnologia será esse rapaz ou os seus comparsas, com quem provavelmente ele estaria trabalhando àquela hora? O que ele quer de mim? 

Um aplicativo de banco estava bloqueado, mas não conseguia acessar o outro. Tentei pelo online banking e, para meu desespero, a mensagem era que havia outra seção aberta, na mesma hora. Mais gato e rato. Eu sentia sua presença virtual, como se tivesse ainda ali no trem, com ele respirando na minha nuca. 

Foi quanto talvez a coisa mais sinistra aconteceu. Tentei verificar os aparelhos conectados à minha conta do Google e vi, horrorizada, que ele se conectara ao meu Gmail pouco depois das 20h. Mudara a senha. A sensação era horrível: ele estava dentro de mim. E não tinha muito o que fazer. Já eram 20:25. Desconectei meu velho celular, mudei a senha (duas vezes), mas reparei que, logo depois de mudar a senha, ele conseguiu entrar na minha conta de outro celular, um Iphone. 

Ele tem um Iphone, e eu não, pensei. Senti um calafrio. 

Reparei que a minha conta do Google é talvez a infraestrutura virtual mais íntima que alguém poderia acessar. Para quem usa Android, está ali toda a sua rota de viagem diária, todas as vezes em que você desviou do caminho para dar uma chance ao destino. Está todo o histórico de navegação, pra quem usa Google Chrome; estão as senhas no autocomplete, seus sites preferidos, a maneira idiota com a qual você mata o tempo quando a vida parece chata demais para ser vivida.  

É por isso que a proeminência do Google é difícil de captar completamente. O Facebook, o WhatsApp, o Twitter, são sites – lugares – onde você entra para fazer uma coisa e sai. O Google é a internet. 

Você abre seu celular, entra em site, sai de site e não sai nunca do Google. No Brasil, 78% dos celulares rodam em sistema operacional Android; só 21% usam IOS, o sistema do Iphone. E assim como outras plataformas digitais, o Google tem feito mudanças para que as pessoas passem cada vez mais tempo na plataforma, gerando mais “eyeballs” e portanto mais anúncios. 

É isso o que a empresa busca quando te oferece, enquanto produtor de conteúdo, uma variedade de ferramentas das quais seu negócio ficará tão dependente que você jamais conseguirá se livrar. Também vem daí a adoção rápida da Inteligência Artificial na busca, que vai reduzir os clicks em links para sites de jornalismo, para os usuários ficarem por lá mesmo.     
E aquele homem estava dentro da minha conta do Google.   

Para que alguém acessa a conta do Google de outra pessoa? Provavelmente, para tentar fazer compras via Google Pay, coisa que não uso; para acessar senhas de sites financeiros, coisa que também não guardo; ou para buscar dados de cartão de crédito no meu email. 

Mas, e se o ladrão tivesse passado esses vinte minutos buscando entender quem sou eu, lendo e remontando esse quebra-cabeça que se conforma quando lemos as palavras escritas a cada email enviado? Por vinte minutos, um estranho teve acesso aos meus pensamentos, meus segredos, minhas cartas de amor de mais de uma década, a todas as desilusões amorosas e felicitações que eu dei e recebi, às dúvidas e angústias; ele sabe segredos que eu não contei pra ninguém – de um livro que me envergonharia de ter lido a um curso que eu fiz na calada da noite. Ele sabe dos meus sonhos para o futuro – que eu não contei pra ninguém, só mandei para mim mesma por email (sou dessas). Teria ele entendido quem eu sou, o que faço para viver, teria ele uma compreensão do meu trabalho? Teria ele encontrado fotos minhas, descoberto como eu envelheci nos últimos anos?  

 

A intrusão do meu feudo digital mais íntimo – minha conta do Google – foi uma violência brutal, que me deixou lívida. Ele fez tudo isso sem encostar a mão em mim, sem me ver o rosto. Eu senti a sua presença da mesma forma, movimentando-se pelo meu vasto mundo de dados, registros e bits digitais.
 
 

Mudei a senha de novo, observei com atenção se haveria outra movimentação; nada. Pedi ajuda a uma generosa amiga com o WhatsApp no meu laptop, mas parei de um susto quando pensei que ele poderia estar lendo todas as mensagens. Até mesmo o Signal, meu querido aplicativo que criptografa todas as mensagens e as devora depois, não era mais seguro.

Fiquei com receio de me comunicar com minha família. Estava devassada.    

Ainda diante do meu computador, consegui fazer o Boletim de Ocorrência online. Alguma pessoa, um ser humano da polícia, leu meu relato e aprovou que ele se tornasse um documento oficial sobre um roubo que ocorreu dentro do trem. Mandei por email ao Nubank, e finalmente, de posse do BO, outro ser humano na fintech decidiu que era hora de agir. Na manhã seguinte, recebi outro email: haviam localizado a conta para a qual havia sido transferido o meu dinheiro, acharam parcos 44 reais, e me reembolsaram.

Recebi a transferência com o nome de um homem. Meu ladrão? Seu comparsa? Um laranja? Pouco importava; foi minha vez de encontrar vestígios desse rapaz, com todas as ferramentas digitais que minha profissão me permite, como que querendo invadir-lhe a vida em retaliação. 

Não foi difícil encontrar, dentre tantos homônimos, o sujeito de vida triste. Nasceu em uma cidade pobre na periferia de São Paulo. Pardo, tem dez anos a menos do que eu. Não consta que tenha filhos. Mora a algumas estações de trem, ali mesmo em volta de Osasco, onde passou boa parte das suas desavenças. Foi preso e condenado por pequenos delitos, serviu pena de trabalho comunitário, conheceu temporariamente a cadeia antes de ser libertado. Chegou a ter um emprego e uma carteira de trabalho em algum momento. Em outro, foi fichado por violência doméstica.   

Deixei a sua história triste de um lado; agora eu já sabia sobre ele o tanto que ele sabia sobre mim. Decidi não avançar para suas redes sociais e nem buscar ver seu rosto. Não quero saber se um dia ele se sentar ao meu lado, na nossa velha linha 8 da CPTM. 

Tudo isso aconteceu sem que eu visse ninguém. Tudo, desde o susto até o remédio, aconteceu mediado por interfaces e protocolos que operam em servidores, alguns na Faria Lima e outros a milhares de quilômetros daqui. O reparo final aconteceu no site do Magazine Luiza: ordenei um novo celular. Então me senti segura de novo para pôr o pé pra fora de casa, 42 horas depois, mais calma, com uma certa sensação ilusória de ter retomado as rédeas da minha vida digital.


Natalia Viana
natalia@apublica.org

sexta-feira, 26 de maio de 2023

"EDUARDO BOLSONARO CURSOS" TEM SEDE EM LOCAL QUE VENDE PRODUTOS COM SLOGAN GOLPISTA

 
REPORTAGEM
“Eduardo Bolsonaro cursos” tem sede em local que vende produtos com slogan golpista
Reprodução: Redes Sociais
Loja de camisetas vende produto golpista com a frase BrazilWasStolen, sugerindo fraude nas eleições

26 de maio de 2023
04:00
Alice Maciel, Juliana Dal Piva, Laura Scofield
Empresa de Eduardo ganhou R$ 600 mil em 4 meses em ano eleitoral
No local não há qualquer referência à empresa do deputado
PODER
Bolsonaro
desinformação
direita
Eleições 2022
política
Desde o ano passado, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) possui uma empresa de cursos e marketing que funciona em um local sem identificação e no mesmo endereço de uma loja que faz venda online de objetos com mensagens golpistas e falsas. Em 2022, ele declarou à Justiça Eleitoral que ganhou R$600 mil em apenas quatro meses com o negócio.

Em 18 de abril do ano passado, o deputado federal fundou a “Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda”, para atuar no ramo de “produção de vídeos e de programas de televisão”, “cursos” e marketing. A empresa foi registrada em São Bernardo do Campo, e, em março de 2023, transferida para um outro endereço em Caçapava, no interior de São Paulo.

É o que revela a investigação feita em uma aliança entre a Agência Pública, o UOL e o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística) nos últimos cinco meses.

A reportagem esteve no local no dia 17 de maio e não encontrou qualquer referência à firma. No entanto, funciona ali a sede da “Camisetas Opressoras”, diversas vezes propagandeada por Eduardo Bolsonaro nas redes sociais. A loja faz venda online de objetos com mensagens como canecas e adesivos com o slogan golpista “Brazil was stolen” (“O Brasil foi roubado”), usado pelos bolsonaristas na tentativa de obter apoio internacional à ideia mentirosa de que as eleições brasileiras foram fraudadas.

Reprodução
Anúncio de caneca com slogan golpista no site da Camisetas Opressoras
Embora oficialmente Eduardo Bolsonaro não tenha qualquer conexão com a loja, o produto foi um dos divulgados por Eduardo Bolsonaro nas redes da Camisetas Opressoras. Em um vídeo publicado em 10 de fevereiro deste ano, por exemplo, o parlamentar mostra como chegar até o site da empresa. Ele desliza a tela mostrando os itens. Dentre eles, aparecem a caneca e adesivos com o slogan golpista. A “publi de milhões”, como descreve o post, tem mais de 3,6 mil curtidas.

O termo “Brazil was stolen” se tornou um dos assuntos mais comentados no Brasil no Twitter em 4 de novembro, quando o argentino Fernando Cerimedo, dono da empresa de marketing político Numen Publicidad e amigo de Eduardo, divulgou uma live no canal do Youtube do seu site, o La Derecha Diário, com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.

No ano passado, a Pública mostrou que a hashtag #BrazilWasStolen foi bastante compartilhada a partir do primeiro turno das eleições, muitas vezes em conjunto com a #BrazilianSpring, cunhada pelo ideólogo da ultradireita americana e mentor de Eduardo Bolsonaro, Steve Bannon.

A Pública também mostrou que os principais influenciadores americanos que ajudaram a impulsionar a tese de que houve fraudes nas relações brasileiras no exterior têm relação com Eduardo Bolsonaro.

Bruno Fonseca/Agência Pública
Sociedade com ex-assessores parlamentares
De acordo com dados da Junta Comercial de São Paulo, a Eduardo Bolsonaro Cursos foi registrada a partir de um ofício preparado por Lucimar Claudina dos Santos, secretária parlamentar do gabinete de Eduardo, na Câmara dos Deputados em Brasília desde abril de 2021.

Pouco tempo depois, em 29 de abril de 2022, o parlamentar admitiu sua mulher, Heloísa Bolsonaro, como sócia-administradora do negócio. Em 3 de março de 2023, ela alterou o objeto social para incluir “comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios” e informou à Junta a troca de endereço para Caçapava (SP), exatamente para o mesmo endereço da empresa “Camisetas Opressoras” e de outra empresa de publicidade chamada Wiks.

Em fevereiro deste ano, a Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda também passou a vender souvenirs, como canecas, cadernos e calendários, para a militância bolsonarista por meio do site “Bolsonaro Store”. A diversificação do mercado coincide com sua mudança de endereço de São Bernardo para Caçapava e de ramo de atividade.

Além de serem registradas no mesmo endereço, as três empresas também se conectam pela proximidade dos donos. No período eleitoral, em setembro de 2022, Eduardo Bolsonaro esteve no local, onde deixou autógrafos, fez fotos e gravou vídeos dos produtos. Tudo foi compartilhado nos stories do deputado e republicado no canal do Instagram da Camisetas Opressoras. “Uma visita ilustre pra começar bem a nossa semana. Sem palavras. Grande dia!”, escreveu o perfil da empresa.

Em várias postagens, a “Camisetas Opressoras” informa que Eduardo Bolsonaro não recebe pelos serviços de garoto-propaganda. “Tá rolando agora um papo do @bolsonarosp com a galera do @flowpodcast e fomos surpreendidos com essa super publi gratuita! Que honra!”, diz a loja em um vídeo fixado em seu perfil. Em outra publicação, a empresa diz que sempre pôde “contar com o apoio” do deputado.

A loja pertence a Denise Bueno, esposa de Wilker Delkerson Amaral. Ele foi funcionário do gabinete do deputado estadual de São Paulo Gil Diniz (PL), conhecido como “Carteiro Reaça”, aliado da família Bolsonaro e ex-assessor de Eduardo Bolsonaro na Câmara dos Deputados. No ano passado, o casal também prestou serviço de “atividades de militância e mobilização de rua” na campanha do candidato: os dois receberam R$1.500 cada.

Reprodução: Redes Sociais
Denise, Wilker e Eduardo Bolsonaro posam com os produtos da loja
O site da Camisetas Opressoras funciona desde outubro de 2016. Porém, a empresa só foi formalizada na Junta Comercial em 18 de junho de 2021. Antes, a loja funcionava informalmente.

Ela ficou conhecida em 2018 depois que a família Bolsonaro começou a usar seus produtos — Jair Bolsonaro vestia uma das suas camisetas quando foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG), durante sua primeira campanha eleitoral para a presidência. Nas redes sociais há diversas fotos de Denise e Wilker com o ex-presidente.

Reprodução: Redes Sociais
Relação do casal com a família bolsonaro é de longa data
Ex-assessor de Gil Diniz
No mesmo endereço da empresa de cursos de Eduardo e da Camisetas Opressoras ainda está registrada a Wiks Publicidade, cujos sócios são Wilker Amaral e Edmilson Rodrigues. A reportagem foi até o local, na cidade de Caçapava, um imóvel comercial com dois andares. Ao lado do interfone, há um papel colado com o nome dos negócios que funcionam ali e os números das salas. A firma de Eduardo não consta na lista.

Juliana Dal Piva/Uol
Interfone da seção empresarial em Caçapava (SP) não registra a presença do deputado Eduardo Bolsonaro no local
Ao chegar ao local, a reportagem foi atendida por Wilker Amaral, mas, ao ser questionado sobre a Camisetas Opressoras, ele disse que “não tinha autorização” para falar da loja, mesmo que o site da empresa esteja em seu nome.

“Não sou dono da empresa. Sou um colaborador. Não tá no meu nome a empresa”, afirmou. Questionado sobre de quem seria a empresa, Amaral insistiu que não podia falar. “Então, não sou autorizado. Não posso falar da operação. Eu não sou autorizado a falar para você e você não pode falar alguma coisa da operação. O que eu tô falando é que aqui fica a empresa”, disse. Ao final, citou que a empresa seria da mulher, “então tudo em casa”.

No dia em que a reportagem esteve no local, a mulher de Amaral, Denise Bueno, não estava. O casal vive em uma casa a poucos metros da sede da loja. Tentamos contato com ela, mas não obtivemos retorno. Não conseguimos localizar Edmilson. Gil Diniz também foi procurado pela reportagem e não respondeu ao contato.

Juliana Dal Piva/UolJuliana Dal Piva/Uol
Sede das empresas Camisetas Opressores, Wiks Publicidade e Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda
Cursos espalham Fake News e trazem estrelas do bolsonarismo
Há alguns anos, Eduardo Bolsonaro atua para importar para o Brasil algumas das estratégias usadas pela extrema direita americana. Levantamento da Agência Pública demonstrou que ele teve mais de 77 reuniões com conservadores estadunidenses durante o governo Bolsonaro.

Desde 2019 o congresso CPAC, congresso de direita lançado nos EUA, é realizado no Brasil por iniciativa de Eduardo. Naquele ano, ele firmou um termo de cooperação com a União Conservadora Americana (ACU), think tank que organiza o evento, para “intercâmbio de conhecimento”. Em 2020 fundou o Instituto Conservador Liberal (ICL), que passou a organizar os CPACs no Brasil — já foram realizadas três edições, em São Paulo, Brasília e Campinas.

Desde o ano passado, inspirado nas palestras oferecidas no evento, em sua maioria por ministros ou secretários do governo passado, o parlamentar montou cursos, vendidos por meio da Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda.

Um dos professores do curso “Formação essencial em política” é justamente André Porciúncula, seu sócio na Braz Global Holding LLC, empresa fundada em março deste ano no Texas, Estados Unidos, como revelou matéria da Pública em parceria com o CLIP e o UOL. No curso, Porciúncula fala como especialista em arte e defende que a esquerda estaria tentando destruir a fé cristã e a moralidade para implantar seus ideais políticos. Para se “aprofundar” nos temas, os palestrantes indicam documentários da produtora conservadora Brasil Paralelo. No módulo ministrado por Porciúncula, por exemplo, o curso indica o documentário Cortina de Fumaça, que nega o desmatamento e diz que um sobrevoo na Amazônia mostra que se trata de uma “floresta preservada”.

De acordo com Eduardo Bolsonaro, os cursos que sua empresa produz buscam ensinar ao público “o que tem de mais atual e mais importante no conservadorismo” para que as pessoas não caiam “em nenhuma armadilha da esquerda”. “Também vai contribuir para que você enxergue todo o cenário, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, quando se fala em política”, explica o deputado na introdução do material “Formação essencial em política”.

Entre os professores convidados estão os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG), denunciado por transfobia pelo MP de MInas Gerais; Gustavo Gayer (PL-GO), cujo ataque levou à proibição de um livro de Marçal Aquino na Universidade de Rio Verde; Bia Kicis (PL-DF), investigada no inquérito das fake news aberto no STF; Marcos Pollon (PL-MS), o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), Chris Tonietto (PL-RJ) e Mario Frias (PL-SP), que agrediu um jornalista em sessão da comissão da comunicação da Câmara, além da senadora e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves (Republicanos-DF).

Ferreira e Gayer estão entre os influenciadores da extrema direita que tiveram suas redes bloqueadas no final de 2022 por compartilhamento reiterado de alegações falsas sobre fraudes nas urnas eletrônicas.

O módulo “Formação essencial em política” apresenta conteúdos em áreas como conservadorismo, feminismo, doutrinação, ativismo judicial, redes sociais, meio ambiente, aborto e ideologia de gênero, cristianismo, racismo e eleições. O curso de meio ambiente é ministrado por Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, que deixou o governo Bolsonaro após se tornar alvo de investigação criminal por suposta atuação ilegal em favor de madeireiros, já o de feminismo é conduzido pela deputada estadual, Ana Campagnolo (PL-SC), que se diz “antifeminista”.

Além de lucrar com a venda dos cursos, Eduardo também ganha dinheiro com a venda de livros. As obras indicadas pelos palestrantes são vendidas na “Livraria Eduardo Bolsonaro,” cujo site está registrado em nome da empresa Cedet – Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico LTDA, em Campinas, São Paulo. A livraria e editora Cedet gerencia diversas livrarias virtuais de bolsonaristas, como por exemplo, a de Campagnolo, conforme revelou matéria do Intercept. De acordo com a reportagem, eles ganham comissões pela venda dos livros.

Depois de passar pela formação inicial, a plataforma do deputado ainda oferece outros módulos, que seriam mais aprofundados, mas ainda não estão disponíveis. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, dará o curso de “guerra cultural” e o deputado André Fernandes (PL-CE), investigado pelo STF por suposto envolvimento nos atos golpistas do dia 8 de janeiro, ministrará as aulas de “manipulação da juventude”, segundo o site.

Precisamos te contar uma coisa: Investigar uma reportagem como essa dá muito trabalho e custa caro. Temos que contratar repórteres, editores, fotógrafos, ilustradores, profissionais de redes sociais, advogados… e muitas vezes nossa equipe passa meses mergulhada em uma mesma história para documentar crimes ou abusos de poder e te informar sobre eles.

Agora, pense bem: quanto vale saber as coisas que a Pública revela? Alguma reportagem nossa já te revoltou? É fundamental que a gente continue denunciando o que está errado em nosso país?

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EDUARDO BOLSONARO ABRIU EMPRESA NOS EUA COM EMPRESÁRIO QUE APOIOU ATOS GOLPISTAS

 
REPORTAGEM
Eduardo Bolsonaro abriu empresa nos EUA com empresário que apoiou atos golpistas
Reprodução: Redes Sociais
Firma foi aberta quando Jair Bolsonaro estava morando nos Estados Unidos

26 de maio de 2023
04:00
Alice Maciel, Juliana Dal Piva, Laura Scofield
Eduardo virou sócio do fundador do Movimento República de Curitiba
Endereço no Texas tem mais duas empresas de Paulo Generoso
PODER
Bolsonaro
desinformação
direita
política
No período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) morou nos Estados Unidos, seu filho “03”, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), abriu uma empresa no estado do Texas em sociedade com pessoas ligadas à disseminação de fake news no Brasil, que apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro e que passaram pelo governo do pai.

É o que revela a investigação feita em uma aliança entre a Agência Pública, o UOL e o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística) nos últimos cinco meses.

Eduardo abriu uma empresa em 18 de março deste ano em sociedade com o influenciador Paulo Generoso – conhecido por compartilhar notícias falsas e por ter apoiado os atos golpistas – e com o ex-secretário nacional de fomento e incentivo à cultura no governo Bolsonaro, André Porciúncula. A firma Braz Global Holding LLC foi registrada por Generoso no endereço de sua casa, em Arlington. No mesmo local, outras duas empresas dos sócios de Eduardo na holding também foram abertas, mas sem seu nome.

A reportagem procurou pessoalmente o deputado Eduardo Bolsonaro na Câmara no último dia 24. Questionado sobre a empresa, ele respondeu: “Por que vocês estão me investigando? Conhecendo um pouquinho do UOL e um pouquinho de vocês, eu prefiro não falar nada”.

Indagado sobre as atividades da empresa, o parlamentar se esquivou novamente: “Não tem nada demais. Explicar o quê? Estou devendo alguma coisa?”.

Ao final, o parlamentar afirmou, andando rápido pelo corredor em meio aos seguranças, que “não devia explicações” e citou o TSE sem sequer ser questionado. “Eu estou traficando droga? Eu estou roubando alguém? É corrupção?”, acrescentando que “falaria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, se fosse chamado.

Os demais sócios foram procurados, mas não retornaram até a última atualização desta reportagem.

Braz Global Holding
A reportagem obteve junto ao governo do Texas os documentos de registro da Braz Global Holding, mas neles não há informações sobre qual é o ramo do negócio. No mesmo local, em um curto espaço de tempo, Paulo Generoso abriu outras duas empresas: a Liber Group Brasil, em 13 de janeiro, e o Instituto Liberdade, em 8 de fevereiro. Nessas, Eduardo Bolsonaro não consta oficialmente como responsável, apenas Generoso, André Porciúncula e outra ex-servidora do governo Bolsonaro, Raquel Brugnera, apresentados como diretores.

Raquel e Paulo Generoso são criadores do Movimento República de Curitiba, que surgiu em 2016 para apoiar a Operação Lava Jato. O movimento também defendeu a eleição do ex-presidente em 2018 e 2022. Com 1,2 milhão de seguidores, a página do grupo no Facebook espalhou notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, a pandemia de Covid-19 e saiu em defesa dos atos golpistas. Paulo Generoso, inclusive, teve a conta no Twitter suspensa, em janeiro de 2023, após decisão judicial conforme marcado pela empresa na rede.

Já André Porciúncula é chamado de “amigo” por Eduardo Bolsonaro no curso online “Formação essencial em política”. Porciúncula – que no governo Bolsonaro foi responsável por analisar e aprovar propostas para captação da Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet – fala como especialista em arte e defende que a esquerda estaria tentando destruir a fé cristã, a beleza, a moralidade para implantar seus ideais políticos.

Depois de derrotado nas urnas em outubro do ano passado, Jair Bolsonaro viajou para Miami, onde ficou de 30 de dezembro a 30 de março. Nesse período, Eduardo esteve ao menos três vezes nos EUA, em janeiro, fevereiro e março. Na última visita, ele participou de eventos da extrema direita americana ao lado de seu pai. Dias antes da Braz Global Holding ser registrada no Texas, em 5 de março, os dois falaram no CPAC, congresso conservador organizado pela União Conservadora Americana (ACU, na sigla em inglês), que aconteceu em Washington.

Reprodução: Redes Sociais
Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Charlie Gerow, presidente da ACU, no CPAC 2023, nos Estados Unidos
Bolsonaro viajou aos EUA no fim de dezembro de 2022, depois de ter sido derrotado na eleição, e, na ocasião, transferiu U$ 135 mil (R$ 675 mil) para uma conta nos EUA. Tudo que ele declarou em conta para a Justiça Eleitoral brasileira, ao registrar sua candidatura meses antes, foi R$ 906 mil. O valor enviado aos EUA representa quase 75% do dinheiro líquido que o ex-presidente tinha em conta. A conta foi descoberta no âmbito das investigações da PF (Polícia Federal) sobre fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro e seus assessores.

Bruno Fonseca/Agência Pública
Do serviço público à sociedade com família Bolsonaro
Na trama de empresas e sócios ligados a Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, há outros dois personagens que foram empregados pela família Bolsonaro e seus aliados: André Porciúncula e Raquel Brugnera.

Porcíncula foi o número dois da Secretaria de Cultura do governo Bolsonaro de 6 de agosto de 2020 a 31 de março de 2022. Ele deixou o cargo para se candidatar a deputado federal pelo estado da Bahia. Derrotado nas urnas, em 18 de outubro foi nomeado por Jair como secretário adjunto da Secretaria e, em 6 de dezembro, faltando menos de um mês para terminar o governo, virou o chefe da pasta. Em março deste ano, além de virar sócio da Braz Global Holding LLC, nos EUA, ele abriu no Brasil, a Spalla Consultoria, Marketing e Publicidade Ltda.

A empresa foi registrada no Centro Empresarial Brasil 21 em Brasília, no mesmo prédio, mas quatro andares abaixo do escritório nacional do Partido Liberal. A reportagem foi até o endereço que consta na Receita Federal, onde funciona um coworking.

Antes de entrar para a política, André Porciúncula era capitão da Polícia Militar da Bahia. Foi o emprego no governo federal que o despertou para o ramo, como o próprio explicou em uma aula em outro curso de Eduardo Bolsonaro do qual participou, chamado “O Brasil precisa saber” e disponível na plataforma de cursos “Formação Conservadora” e no canal de Youtube do deputado. “Comecei a entender como a cultura tinha sido sequestrada e transformada em um meio de ação revolucionário e isso me deu um start, comecei a acabar conhecendo pessoas nesse meio político, e isso me levou até aqui”, explicou ao deputado no Palácio do Planalto, quando ainda era parte do governo. O vídeo foi publicado em 19 de junho de 2021.

Assim como ocorreu com Porciúncula, também foi a carreira no governo federal que lançou Raquel Brugnera a outros negócios. Ela não é sócia direta de Eduardo Bolsonaro, mas se conecta a ele por meio de duas outras empresas criadas no mesmo endereço da Braz Holding LLC em um curto intervalo de tempo. Em 13 de janeiro, Generoso fundou a Liber Group Brasil. Cerca de três semanas depois, em 8 de fevereiro, criou o Instituto Liberdade, que não tem fins lucrativos. Os documentos acessados pela reportagem não especificam as áreas de atuação das duas companhias, mas confirmam os diretores : Generoso, Brugnera e Porciúncula.

Antes de se tornar empresária, Brugnera passou por dois cargos no governo de Jair Bolsonaro. Ela foi chefe de gabinete da Secretaria de Economia Criativa da então Secretaria Especial de Cultura, durante a gestão de Roberto Alvim – exonerado depois de produzir um vídeo com referências ao nazismo – e assessora técnica da Fundação Palmares.

“Fui nomeada duas vezes ao governo federal, sempre em cargos de chefia, onde eu conheci muitas pessoas da área técnica e adquiri com eles muito conhecimento. Depois pedi exoneração e abri minhas empresas, tanto aqui no Brasil quanto fora do país. E foi assim que eu acabei participando ativamente de eleições pelo país inteiro”, explicou a empresária em um vídeo disponível na plataforma de cursos Aprenda Eleger, criada por ela após as últimas eleições.

De acordo com o site do projeto, o curso visa ensinar pessoas que têm interesse em “trabalhar nos bastidores da política” e traz conteúdos que falam sobre como prestar contas eleitorais e gerir as crises midiáticas de um candidato. Brugnera se apresenta como “estrategista política” e “empresária na área de captação de recursos e emendas parlamentares aqui em Brasília”.

No ano passado, Brugnera foi a coordenadora da campanha de Porciúncula a deputado federal pelo PL na Bahia, como mostrou reportagem do Buzzfeed. Essa experiência é citada na propaganda de seu curso.

“Em 2022 eu tive o privilégio de coordenar uma campanha de grande porte, não apenas ser uma vaga a deputado federal, mas também pelo fato do candidato já ser uma autoridade politicamente exposta. Nessa experiência conquistamos mais de 82.600 votos, o que deu uma musculatura política ainda maior para a autoridade”, explicou.

Além disso, a empresa BSB Governança e Estratégia LTDA, ou BSB Soluções, da qual ela é a única sócia, também prestou serviços para o candidato. A empresa foi criada em março de 2021, depois da saída de Raquel Brugnera no governo. Seu site informa que a firma faz articulação política para prefeituras junto aos gabinetes dos Ministérios e do Congresso Nacional.

A BSB Soluções foi a maior fornecedora da campanha de Porciúncula, tendo recebido ao todo R$ R$107.500,00. De acordo com as notas fiscais, a empresa de Raquel prestou serviços diversos, como de marketing político, publicidade, consultoria, organização de eventos e pesquisas de opinião. O marido de Brugnera, Maciel Junior Pereira Barros, também recebeu dinheiro da campanha: R$20.000,00. Porciúncula obteve 82.693 votos e não se elegeu.

República de Curitiba
A relação de Brugnera e Generoso também vem de longa data. Em 2016, os dois criaram o Movimento República de Curitiba, que tem atuação forte nas redes sociais.

Em abril de 2020, ele foi um dos influenciadores da extrema direita que chamaram carreatas para furar o isolamento social contra a covid-19, como mostrou reportagem da Pública à época. A página, que tem a pretensão de criar “um novo conceito de jornalismo”, também espalhou mentiras sobre o governo de João Doria no estado de São Paulo, acusando-o de registrar mais mortes de vítimas por coronavírus do que o número real.

Além da página no Facebook, criada em março de 2016, o grupo também possui um site, que existe desde dezembro de 2017. De acordo com o relatório final da CPI da Pandemia, o movimento publicou “informações falsas sobre tratamento precoce, lockdown e contra a vacina”. A página também foi investigada pela CPMI das Fake News, que a citou como um dos “principais veiculadores de desinformação acerca da Covid-19” em seu relatório final.

De acordo com Paulo Generoso, o grupo surgiu com o intuito de apoiar a Operação Lava Jato, mas ainda em 2018 se voltou à eleição de Jair Bolsonaro. “Fomos uma das primeiras e grandes páginas a apoiar também o presidente em sua primeira eleição [presidencial] em 2018”, explicou em entrevista ao site bolsonarista Jornal da Cidade Online, em 10 de dezembro do ano passado. Na mesma entrevista, ele questionou a lisura das eleições e disse que “O golpe já foi dado”, sugerindo que houve fraude nas urnas. “De nossa parte qualquer coisa que aconteça no máximo vai ser um contragolpe”, afirmou, um mês antes de uma turba bolsonarista invadir os prédios do governo.

Reprodução: Redes Sociais
Olavo de Carvalho manda mensagem para Raquel Brugnera por meio de Paulo Generoso
Mesmo morando nos Estados Unidos, onde é dono de um restaurante de churrasco brasileiro, o empresário foi um dos organizadores do movimento político do dia 7 de setembro de 2022 e esteve presente nos atos nos quartéis que contestavam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Reprodução Redes SociaisReprodução Redes Sociais
Generoso participou dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis
Ele é muito próximo do proprietário das Lojas Havan, Luciano Hang, investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news. Generoso ainda é sócio de duas empresas no Brasil: a loja de suplementos American Nutrition, em Cubatão (SP) e a CBD Brazil, em Curitiba (PR).

Tanto Paulo quanto Raquel são seguidores de Olavo de Carvalho. Em um vídeo publicado por Brugnera em agosto de 2019 e fixado em seu Instagram, Olavo a chama de “irmãzinha”. O vídeo é gravado por Generoso.

O perfil de Raquel na rede também mostra fotos com vários nomes influentes do bolsonarismo, como o blogueiro Allan dos Santos, investigado por disseminar desinformação, e o próprio Eduardo. Em dezembro de 2020, ela publicou uma foto com o deputado no lançamento do Instituto Conservador Liberal, criado por ele. 

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quinta-feira, 25 de maio de 2023

 

É o Ibama ou é a boiada que está de volta, Lula?


Os últimos sete dias trouxeram o que se podia esperar de melhor e de pior do governo Lula em relação à gestão ambiental. A partir do momento em que o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, indeferiu o pedido de licença para perfuração da Petrobras na Foz do Amazonas, na costa do Amapá – o que foi interpretado inicialmente como um sinal de força da área ambiental –, desenrolou-se uma sequência de eventos que acabaram culminando nesta quarta-feira, 24, em um esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA). 

Nesta quarta, uma comissão mista do Congresso aprovou a Medida Provisória (MP) que tinha sido baixada logo no primeiro dia do governo Lula, reorganizando a Esplanada dos Ministérios. Mas os parlamentares promoveram alterações importantes no texto que retiraram poder de Marina Silva e de Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, sem que houvesse empenho do governo Lula para evitar o que, não sem motivo, já está sendo chamado de uma nova boiada.

Não parou aí. A Câmara ainda afrouxou a Lei da Mata Atlântica, retomando uma série de jabutis à Medida Provisória 1150/2022 que já tinham sido retirados pelo Senado. Fica nas mãos de Lula agora vetar a mudança, apoiada pelo Ministério de Minas e Energia, como mostramos na semana passada. 

Para complementar o tratoraço, os deputados aprovaram, no fim do dia, a urgência do Projeto de Lei (PL) 490, que estabelece o chamado “marco temporal”, segundo o qual demarcações de terras indígenas só poderiam ocorrer em terras ocupadas pelos povos tradicionais em 1988. 

“ Reflexo da falta de apoio no Congresso e das pressões da oposição, sem dúvida, mas tudo indica que os dois ministérios foram jogados para o sacrifício pelo governo. É impossível não imaginar que ambiente e questões indígenas estão sendo rifados. De novo.
Não à toa, há quem diga que nem Bolsonaro conseguiu fazer tantos estragos para o ambiente em apenas um dia como ocorreu ontem.

Como é possível ler sobre o que aconteceu ontem em praticamente todos os veículos de imprensa, vou me ater aqui a analisar apenas alguns pontos.

Em uma das mudanças com maior potencial de estrago para a política que visa zerar o desmatamento da Amazônia até 2030, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) sai do MMA e vai para o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Só não foi pior do que se tivesse voltado para o Ministério da Agricultura – como Bolsonaro tinha feito em seu governo e Lula desfez com a MP. Mas passa a mensagem de enfraquecimento da capacidade do MMA de lidar com o avanço da motosserra em terras privadas. 

Segundo dados do Relatório Anual de Desmatamento referente a 2021 (o de 2022 está para ser publicado), feito pelo projeto MapBiomas, 76% de todo o desmatamento do país ocorrido naquele ano se concentrou em terrenos identificados como imóveis rurais.

O CAR é um importante instrumento criado na reforma do Código Florestal, em 2012. A lei estabelece que todas as propriedades rurais precisam entrar nesse cadastro, que é autodeclaratório. O dono da terra vai lá e coloca dados como a localização da propriedade, o tamanho, qual é a área de produção e, o mais importante: quanto ela tem de Reserva Legal e de Área de Preservação Permanente (APP), como margens de rio e topos de morro. Ou seja, quanto da propriedade está em conformidade com o que é obrigada a cumprir em termos de proteção da vegetação nativa.

Pelo Código, propriedades na Amazônia têm de preservar 80% da área como Reserva Legal. As que estão na Amazônia Legal, mas dentro do bioma Cerrado, 35%, e no resto do país, 20%. Até a criação do CAR, havia apenas estimativas de quanto de fato havia de passivo ambiental nos imóveis rurais do país. Dados como o do MapBiomas citados acima só foram possíveis a partir do CAR. O cadastro surgiu com o objetivo não só de responder a essa questão, como também criar maneiras de punir quem desmatou ilegalmente e possibilitar a reparação do dano.

Verdade seja dita que, até hoje, passados 11 anos da aprovação do novo Código Florestal, o Programa de Regularização Ambiental ainda não foi implementado – foi, aliás, adiado mais uma vez na mesma MP que trouxe os jabutis contra a Lei da Mata Atlântica. O CAR teve uma grande adesão, mas ainda há falhas. Justamente por ser autodeclaratório, ele demanda que haja, por parte dos órgãos públicos, a validação daquelas informações. 

Nem sempre o proprietário fala  a verdade. Fora que muito gaiato grileiro que desmatou uma terra pública – ilegalmente, portanto – cadastra a área no CAR como se isso fosse uma ‘prova’ de que a terra é dele. 

Mas mesmo com as várias limitações desse processo, o CAR se tornou uma ferramenta fundamental de informação e de combate ao problema. O Ibama é capaz, por exemplo, de multar remotamente um desmatamento em área privada a partir do cruzamento de imagens de satélite com as informações que constam no CAR. 

A justificativa do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), relator da MP que propôs a mudança, é que no Ministério da Gestão haveria “neutralidade” nas decisões. 

“Se o critério é que quem defende o meio ambiente não tem isenção para defender o meio ambiente com os órgãos de meio ambiente. Se dizem que quem é indígena não tem isenção para cuidar dos povos que cuidam dos povos indígenas, daqui a pouco vai se fazer uma lei para dizer que o Ministério da Fazenda não tem isenção para ficar com a Receita Federal, porque afinal de contas o Ministério da Fazenda quer arrecadar”, afirmou ontem Marina Silva. 

Enquanto a comissão mista decidia sobre o futuro de sua pasta, a ministra era sabatinada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde deu a declaração em defesa da não alteração das funções do ministério. “Note bem! Não é um cadastro rural. É um cadastro ambiental rural em benefício da proteção ambiental, que também é em benefício dos produtores rurais”, disse.

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima, também se manifestou sobre isso. “Se o CAR - Cadastro AMBIENTAL Rural tem finalidade ambiental ... de monitoramento de cumprimento do Código Florestal, faz sentido ser vinculado a um Ministério NEUTRO? Qual a lógica? Neutralizar o CAR?”, escreveu Lima no Twitter (mantive a grafia e os formatos que ele usou).

Em nota técnica enviada à comissão mista, Lima argumentou que a mudança é “prejudicial à política de monitoramento e controle dos desmatamentos”, assim como para a gestão do CAR. 

“Como instrumento de controle e planejamento ambiental, exige uma capacidade técnica e competências materiais e humanas de gestão e implementação de legislações ambientais altamente complexas (…) Exige ainda do gestor do Cadastro que tenha capacidade de aferir a situação ativa ou inativa (com pendências) dos imóveis inscritos em face do cumprimento de requisitos para sua validade, relacionados com as leis referidas”, escreveu.

Os sinais são todos muito ruins. Quando Lula assumiu o governo, depois de se esforçar, ao longo de toda a campanha, para se posicionar no espectro oposto ao de Bolsonaro no quesito ambiental, foram inúmeras as vezes que se declarou que o desmonte tinha acabado. Era um tal de “Ibama voltou”, o “combate ao desmatamento voltou”, o “Fundo Amazônia voltou”, a “agenda climática voltou”. 

O que está voltando, nesse momento, porém, é a boiada. E se não quiser perder os recursos de outros países que estão sendo prometidos para o Brasil, se não quiser pôr a perder o protagonismo tão almejado nas negociações internacionais, Lula precisa conseguir estancar o gado. 

Giovana Girardi
giovana.girardi@apublica.org
Chefe da Cobertura Socioambiental