quarta-feira, 13 de novembro de 2024

 

Trump e os barões do cripto


Prometo que será a última vez que escrevo sobre a eleição de Donald Trump, pelo menos por um tempo. Mas a indignação genuína tem o dom de nos levar a lugares inesperados. Por exemplo, eu estava tão absorta com a descarada compra da Casa Branca por Elon Musk que deixei de perceber uma nova máfia digital que formou sólida aliança em torno de Trump – e que já lucrou horrores desde o fatídico 4 de novembro.
 
São os barões do cripto. Para quem não viu, desde a vitória de Trump, as criptomoedas chegaram a uma valorização histórica. O Bitcoin atingiu o valor de mais de US$80 mil, um recorde. Estima-se que o mercado de criptomoedas tenha se valorizado em R$1,2 trilhão em 24 horas. 

Tudo, claro, porque esperam uma presidência absolutamente favorável às criptomoedas, que nos últimos anos vinham tendo que responder criminalmente em casos de fraude a encarar a possibilidade de não avançarem com uma regulação amiga, como eles querem. 

Aliás, pra quem diz que o governo de Joe Biden foi um mau governo, sugiro que pesquise as ações tomadas para regular o faroeste digital. Além de diversas ações contra as Big Techs, as criptomoedas também demonstram isso. A SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, que regula os mercados de venda e compra de ações, tornou-as um grande alvo de investigações. Sob a direção de Gary Gensler, um ex-professor do MIT e investidor, a SEC processou corretoras de criptoativos como Binance e Kraken, além da empresa Ripple, que emite a criptomoeda XRP. O CEO da Ripple, aliás, fez campanha aberta contra Joe Biden e a favor de Trump. 

No começo de outubro, Gary demonstrou como, de fato, se tornou o “inimigo” das cripto nos EUA. Durante um evento na Universidade de Nova York (NYU), ele afirmou que dificilmente as criptomoedas serão algum dia tidas como moedas de fato. Elas servem, segundo ele, apenas como reserva de valor – como quadros ou obras de arte. Um dos maiores problemas, segundo ele, é que a indústria de cripto está repleta de “muitos fraudadores, muitos vigaristas, muitos golpes”. “Com todo o respeito, os grandes líderes luminosos deste campo em [2024] estão na prisão ou aguardando extradição”, completou.

A posição de Gary tem fundamento na ciência econômica, ele explicou para a plateia. Segundo a teoria de Gresham, uma moeda ruim acaba por contaminar uma moeda boa. Por isso, os países tendem a ter apenas uma moeda nacional. “Vou apenas dizer o seguinte: esses debates remontam literalmente a Platão e Aristóteles. São 3 mil anos de história. Centenas de grandes nações e  milhares de Estados-nação sempre tenderam a ter uma moeda por estado econômico geográfico.” 

Sem citar Platão ou Aristóteles, Trump prometeu em sua campanha que se livraria de Gary Gensler “no primeiro dia” do mandato. E o nome mais cotado é Dan Gallagher, um entusiasta do cripto que já trabalhou na SEC e hoje é advogado da Robinhood, uma fintech que comercializa criptomoedas e ações através de um aplicativo. Trump prometeu também libertar Ross Ulbricht, fundador da Silk Road, uma loja “vale tudo” regada a bitcoins que está em prisão perpétua desde 2013.

Trump foi além e abraçou a “causa cripto” durante a campanha, comparecendo à Conferência Bitcoin em Nashville, Tennessee, em julho deste ano – durante o evento, ofereceu uma reunião privada a quem topasse pagar US$ 800 mil. Ali, prometeu que transformaria os Estados Unidos em uma “Superpotência do bitcoin”.

Como não é nada bobo, ainda lançou sua própria criptomoeda, a World Liberty Financial, lastrada em um token criptográfico chamado WLFI. Em outubro, a empresa anunciou que planeja levantar até US$ 30 milhões de investidores. De acordo com a rede CNBC News, a uma entidade chamada DT Marks DEFI LLC, que está ligada ao presidente eleito, deve receber 75% das receitas líquidas da moeda. 

Como sempre acontece nos jogos de poder, nada disso aconteceu espontaneamente. É o resultado da ação de alguns investidores de cripto, que decidiram investir em candidaturas que os favoreçam.

Uma excelente reportagem da Bloomberg dá o mapa da mina. Segundo ela, Brian Armstrong, um bilionário fundador da Coinbase, que havia sido processada pela SEC apenas três meses antes, anunciou em uma conferência em Nova York que a indústria poderia convencer o governo a instituir regras mais favoráveis. 

— Precisamos ser realistas. Dinheiro move a agulha – disse Armstrong.

Assim, ele apoiou o PAC, comitê de ação política Fairshake e estimulou outros investidores a fazer o mesmo. A Fairshake e grupos afiliados gastaram US$135 milhões nas eleições. Conseguiram: 47 dos 56 candidatos apoiados por eles haviam conquistado assentos no Congresso. 

Embora esse PAC tenha ficado fora da corrida eleitoral para presidente, outros investidores como os gêmeos Winklevoss e Jesse Powell, fundadores da empresa de câmbios Kraken, gastaram milhões na campanha de Trump. 

Outros defensores de Trump mal podiam conter sua alegria com a vitória, como Richard Teng, CEO da corretora de cripto Binance, que foi multada em US$ 4,3 bilhões por lavagem de dinheiro e violações pela SEC, e Alex Thorn, chefe de pesquisa da empresa Galaxy Digital, que fornece serviços criptográficos.

Como sabemos, num país corrupto como os EUA, “aqui se paga, aqui se leva” 

Não acho, como afirmou o ex-ministro de Turismo bolsonarista Gilson Machado Neto, que "o que acontece nos Estados Unidos acontece no Brasil", como disse ele ao UOL, esperançoso de que Bolsonaro volte à Presidência, assim como Trump. Mas tenho certeza de que tudo de ruim que acontece nos EUA tem o poder de inspirar oportunistas por aqui. 

Aliás, já tem gente lucrando com a febre das criptomoedas pós-eleição de Trump. Apenas nos últimos dias, o site da Jovem Pan já publicou três publieditoriais louvando as criptomoedas, com manchetes pagas do tipo “Trump presidente impulsiona Bitcoin (BTC) e pode ajudar outra criptomoeda a disparar até 30.000% em 10 meses”, e “Bitcoin pode chegar a US$ 1 milhão até 2030, segundo CEO gringo; mas outra moeda pode subir mais – e mais rápido”, com links levando ao site da Empiricus (embora os textos estejam patrocinados, o nome da Empiricus como patrocinadora está escondido em letras miúdas).

Ou seja: olhos abertos, veremos uma explosão de ofertas e invenções de cripto por aqui também. Sopram bons ventos para vigaristas digitais. 


Natalia Viana
natalia@apublica.org
Diretora Executiva da Agência Pública

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