terça-feira, 31 de maio de 2016

Poder

O golpe sem disfarces

A despeito do esforço midiático para despistar a plateia, as conversações grampeadas confirmam o complô e apontam seus autores
por Mino Carta publicado 30/05/2016 05h04

Eraldo Peres/AP e STF
Congresso Nacional e STF
As forças parlamentar e judiciária, unidas no golpe, correm o risco de separar-se. Na encruzilhada, com quem ficariam a casa grande e a mídia nativa?
As conversas gravadas por Sérgio Machado, e até o momento divulgadas pela Folha de S.Paulo, imprimem novo ritmo e novo rumo à manobra golpista que afastou Dilma Rousseff e entregou o governo interino a Michel Temer, o arguto professor de Direito Constitucional que rasga a Constituição.
Na semana passada permitia-me prever a provável separação entre o poder togado e o poder parlamentar, unidos pelo e no golpe. A hipótese agora se fortalece, e a confirmação vem da própria mídia nativa. Não folheava os jornalões desde a aprovação do impeachment pela Câmara e a partir de segunda 23 passei a ler suas sessões políticas.
Na terça, elegia-se Romero Jucá a bode expiatório e como questão central apontava-se o “pacto” aventado na conversa entre Machado e o ex-ministro para estancar a sangria desatada da Lava Jato.
A verdade factual sacramenta outra evidência, ao alcance da compreensão até do mundo mineral: ocorrido em março passado, o fatídico diálogo é, em primeiríssimo lugar, a prova irrefutável do golpe em marcha, e apresenta inclusive as forças envolvidas na trama. Ali se estabelece a premissa indispensável ao propósito do “pacto”, derrubar Dilma. 
Perguntei aos meus estupefactos botões como haveria de revidar o poder togado à ameaça do poder parlamentar. Mais, de que lado ficariam a casa-grande e a mídia nativa. Antes que respondessem, Temer entra em cena e joga a carta do pacote econômico do ministro Meirelles, o homem de todas as estações, a quem certamente não faltou a colaboração de José Serra.
De quem recordo uma frase retumbante, pronunciada na cozinha da minha casa, durante a campanha eleitoral de 2002, enquanto jantávamos um risotto ai porcini: “Eu sou muito mais de esquerda do que o Lula”.
Pois na tarde de terça os economistas do governo interino, vendilhões do País, firmaram a rendição ao mais cruel neoliberismo, a doença que uma centena de multinacionais, especuladores e rentistas impõe ao mundo para condenar à miséria a larga maioria e enriquecer mais e mais uma ínfima minoria. Comedida, a mídia de quarta celebra em manchetes o corte de gastos prometido pelo pacote e deixa em segundo plano a sua essência nefasta.
Convoco novamente os botões: por quê? Parece óbvio que uma súbita dúvida assola a casa-grande. O caminho do golpe tenderia a bifurcar-se, e a encruzilhada exige meditação profunda ao tornar possível, quem sabe provável, uma escolha. Temer e o Congresso ou Moro e o Supremo? A leitura dos jornalões induz os botões a acentuarem a gravidade do momento e a dificuldade da opção.
Na quarta, a Folha coloca em manchete o anúncio do corte dos gastos do governo e relega um novo diálogo dos idos de março, entre o mesmo Machado e Renan Calheiros, a uma chamada modesta na primeira página e relato na quarta. Soletram os botões: mais uma conversação edificante para confirmar o golpe, o pavor da Lava Jato de quem tem culpa em cartório e o envolvimento do Supremo na grande tramoia urdida contra o Brasil.
A terceira conversa gravada, entre machado e José Sarney, a menos significativa, revela apenas a intenção do ex-presidente de livrar Machado do julgamento de Moro, ao mexer pauzinhos não declinados.
CartaCapital preocupa-se com o destino do País brutalmente desigual e pratica o jornalismo com honestidade e fidelidade canina à verdade factual. Fato é que o governo Lula representa a quadra mais feliz na história do Brasil em termos de paz e bem-estar interno e prestígio internacional.
Raymund Faoro
A lição de Faoro: só a deliberação constituinte recompõe a ordem constitucional em colapso (Foto: Adriana Lorete)


O ex-metalúrgico soube implementar um começo de política social e promover uma política exterior independente. Contou com uma conjuntura mundial favorável, e este é fato, assim como é fato que o PT no poder se portasse como todos os demais partidos.
Dilma Rousseff não tem o carisma e o extraordinário tino político de Lula e cometeu erros graves de pontos de vista variados. Em boa parte manteve, porém, as políticas sociais do antecessor, ao meio de uma situação econômica cada vez mais adversa. Além disso, trata-se de uma cidadã correta, corajosa e muito bem-intencionada. Talvez um tanto ingênua, murmuram os botões.
Ouço-os, a despeito do tom opaco: seria bom saber como reagiu às razões de João Roberto Marinho, chamado em Palácio para escutar queixas em relação à constante agressividade global, sempre disposta a inventar, omitir e mentir.
Sustentou então o herdeiro do nosso colega Roberto não mandar nos seus empregados jornalistas, livres de propalar o que bem entendem, e, de resto, não ter condições de impedir o efeito manada na direção do golpe. Que fez a presidenta? Caiu das nuvens? Respondeu à altura a tamanha desfaçatez? De todo modo, como se deu que pudesse esperar por outro comportamento?
Cabem mais interrogações: que disse Dilma ao chamar o presidente do STF para discutir as posições do Supremo na perspectiva do golpe e ouvir a reivindicação de aumento de salário? A situação se apinha de dúvidas e incógnitas. Por exemplo. Os efeitos do pacote econômico, bastante agradáveis para a casa-grande, são altamente daninhos para um povo acostumado há tempo a manifestar sua insatisfação por ruas e praças.
Outra incógnita diz respeito ao inter do processo de impeachment, a prever no espaço máximo de 180 dias a sessão definitiva do Senado, presidida pelo ministro Lewandowski, não se sabe se já premiado pelo invocado aumento.
Na entrevista a CartaCapital da edição passada, a presidenta afastada referia-se à possibilidade de conquistar seis votos no Senado, de sorte a invalidar a maioria que a afastou. De fato, basta reverter dois votos em relação ao resultado da primeira sessão. A chance não teria crescido diante dos últimos, surpreendentes eventos?
Há quem volte a falar em eleições gerais antecipadas, quem sabe para outubro de 2017. Solução sensata demais para ser viável. Ideal mesmo, declaram soturnamente os botões, seria refundar o Brasil, tão favorecido pela natureza e infelicitado fatalmente por uma dita elite, prepotente, arrogante, hipócrita, corrupta, egoísta e incompetente. Ah, sim, ignorante. E movida a ódio de classe.
Abandono-me ao devaneio ao imaginar a convocação de uma Constituinte finalmente exclusiva. E me vem à memória a lição de Raymundo Faoro, contida em um dos seus livros mais recentes, A Assembleia Constituinte – A legitimidade recuperada.
Comenta Faoro a crença de que “só revoluções vitoriosas podem convocar Constituintes”. E emenda: “Na verdade, sempre que há crises ou colapso de uma ordem constitucional, ela só se recompõe pela deliberação constituinte, a deliberação constituinte do povo, se democrático o sistema a instituir”. 

Associação de Pesquisadores e Estudiosos da América Latina e Caribe

Congresso da LASA expõe indignação de intelectuais com impeachment

Manifestações contrárias ao ex-presidente FHC e ao interino Michel Temer marcaram edição que discutiu possível ruptura política na América Latina
por Eduardo Graça — publicado 31/05/2016 09h53

Eduardo Graça
Bresser-Pereira
Bresser-Pereira: "É mentira dizer que garantias sociais estabelecidas pela Constituição não cabem no PIB”
Golpe jurídico-parlamentar. Luta de classes às avessas. Déficit humanitário em relação ao mundo real.
Os cerca de 200 pesquisadores reunidos em Manhattan no trigésimo-quatro congresso da LASA (a sigla em inglês para a Associação de Pesquisadores e Estudiosos da América Latina e Caribe, a mais importante organização do gênero), que termina nesta terça-feira 31, condenaram o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e, aplaudiram, preocupados, o sociológico Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Perira, da FGV, e a historiadora e cientista política Helcimara de Souza Telles (UFMG) afirmarem que a ruptura política e social no Brasil pode se estender para outros países da região.
Os três foram as atrações do painel mais disputado do evento na segunda-feira, intitulado Diálogo em Torno da Crise Brasileira, que contou com mediação do historiador Alexandre Fortes, da UFRRJ e entrou no programa do evento na semana passada, depois de a executiva-geral da LASA ter aprovado moção condenando o processo de impeachment da presidenta Dilma.
A moção será votada por todos os membros do congresso, formado por pesquisadores oriundos dos quatro cantos do planeta, especializados em estudos relacionados à América Latina e ao Caribe, e será aprovado se contar com pelos menos 2/3 dos votos.
“A indignação dos intelectuais nos EUA e na América Latina com o que aconteceu no Brasil é enorme. As consequências são gravíssimas, foi uma violência contra a democracia e também contra os avanços sociais no país. A partir da ideia de se combater a crise fiscal no Brasil com austeridade, o que se quer é o desmantelamento do Estado de Bem-Estar social brasileiro, criado a duras penas. É uma mentira dizer que as garantias sociais estabelecidas pela Constituição de 1988 não cabem em nosso PIB”, disse Bresser-Pereira.
O evento terminou com gritos de “Fora, Temer!” e com manifestações contrárias ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma das atrações anunciadas pelo congresso, que marca meio século da LASA.
Depois que um grupo significativo de acadêmicos demonstrou não concordar com a presença de FHC em um dos painéis, justamente por seu apoio ao afastamento da presidenta eleita, o ‘príncipe da sociologia brasileira’ decidiu não comparecer ao encontro.
“Foi uma covardia explícita. E mais do que isso, uma arrogância que expressa bem o que a elite brasileira pensa: não há o que se debater com esta gentalha que quer tratar a questão da democracia brasileira em um fórum mundial e de alto nível como a LASA. Trata-se de um senhor que já abandonou a reflexão intelectual ampla e crítica há muito tempo”, disse a professora da UFRJ Maria Luiza Franco Busse.
Bresser-Pereira fez um paralelo entre o cenário político no Brasil e os EUA dos anos Reagan na virada dos anos 80. “Os EUA continuam crescendo, embora pouco, economicamente, mas houve uma retração social e política gerada na aplicação no receituário neoliberal radical nos anos 80. Agora iremos nós, a esta altura, no Brasil, fazer o mesmo?”
A professora Maria Luiza Franco Busse enfatizou a importância de se disseminar a informação no exterior “de que o que está acontecendo no Brasil é um golpe de Estado”. E seguiu: “Especialmente aqui, com pesquisadores do mundo todo que estão formando outros futuros pesquisadores e cidadãos, é fundamental que a academia não esteja afastada do mundo real. O que está acontecendo em toda a América Latina são, como afirma o professor Bresser-Pereira, golpes jurídico-parlamentares, mas sobretudo midiáticos. É o suporte de uma política mais do que conservadora, e sim reacionária e retrógrada, no sentido de cooptar o Estado para servir unicamente ao 1% mais rico. Ali, não se admite sequer a possibilidade de inclusão social”. 

domingo, 29 de maio de 2016

CLÁSSICOS PROBLEMAS DO PIB

1.MIGRAR DO PIB PARA A A  RENDA REAL LÍQUIDA DÍSPONIVEL PARA O CONJUNTO DA ECONOMIA E PARA OS DOMICÍLIOS, LEVANDO EM CONTA DEPRECIAÇÕES, DEPLEÇÃO DOS RECURSOS, DEGRADAÇÃO AMBIENTAL, TRANSFERÊNCIAS DENTRO E FORA DA ECONOMIA, ASSIM COMO ÍNDICES DE  PREÇOS APROPRIADOS;

2.  CALCULAR A RENA REAL DISPONÍVEL POR UNIDADE DE CONSUMO(DOMICÍLIO CORRIGIDO) PARA DIFERENTES GRUPOS DE RENDA E COMPARANDO MÉDIAS E MEDIANAS;

3. PARA SAÚDE, EDUCAÇÃO E OUTROS SERVIÇOS NÃO MERCANTIS, INCLUSIVE OS GARANTIDOS PELO GOVERNO, OBTER MEDIDAS DE VOLUME E DE PREÇOS BASEADAS EM OUTPUTS;

4. COMPARAR A RENDA AOS GANHOS  E PERDAS DE CAPITAL;

5. CONSIDERAR O TRABALHO DOMÉSTICO NÃO REMUNERADO;

6. COMPARAR TRABALHO DOMÉSTICO NÃO REMUNERADO E LAZER;

7. CONSIDERAR A EDUCAÇÃO COMO BEM DE INVESTIMENTO PARA CONSTRUÇÃO DE CAPITAL HUMANO, ASSIM COMO SUA DEPRECIAÇÃO;

8. AVALIAR A SEGURANÇA, PARTICULARMENTE QUANDO GARANTIDA PELO SETOR PÚBLICO;

9. CONSIDERAR TODAS AS DESPESAS DEFENSIVAS, INCLUSIVE GASTOS PRIVADOS COM SEGURANÇA.

FONTE: (COMISSÃO STIGLITZ-SEN-FITOUSSI- PRESIDIDA POR: ENRICO GIOVANNINI).

sábado, 28 de maio de 2016

DEFICIT RECORDE

O déficit recorde, o pacto entreguista e a armadilha para a volta da Dilma
por Roberto Requião
Vão dilapidar o que puderem e deixar uma armadilha para tornar Brasil ingovernável caso Dilma volte
Houve quem se surpreendesse quando a equipe econômica de Meirelles pediu autorização ao Congresso para fixar uma nova “meta” fiscal extremamente folgada, uma meta de 170 bilhões de reais. Afinal, o valor é o dobro da meta que a presidente Dilma pediu e que na época foi considerado “irresponsabilidade fiscal” pela imprensa e pelo Congresso.
O que Meirelles quer não é uma meta, é uma autorização para gastar à vontade. Os tais 170 bilhões de reais certamente correspondam ao maior déficit primário da nossa história, em valores correntes. Muito estranho para um governo que foi alçado ao poder em meio a uma campanha pela austeridade fiscal, a que Dilma, supostamente, era avessa.
Se a Dilma está sofrendo processo de impeachment por ter dado as tais pedaladas, na ânsia de cumprir uma meta fiscal muito ambiciosa, que sentido faz dar um imenso cheque em branco para o governo interino?
Tanta incoerência explícita, escancarada, tanto cinismo militante incomodam. As réguas e as regras que valem para uma não valem para outros? Noventa e seis bilhões de meta fiscal pedidos por Dilma são irresponsabilidade, mas os 170 bilhões pedidos por Temer transmudam-se em virtude.
Enfim, considera-se normal que os políticos, na luta pelo poder, façam pronunciamentos incoerentes, contraditórios.Desdizem hoje com toda ênfase o que declaravam com fervor ainda ontem. Políticos que queriam o impeachment diziam uma coisa antes. Agora dizem o contrário.
No entanto, o que mais assusta é que a mídia, os economistas e “o mercado” finjam que não há incoerência, que não usam dois pesos e duas medidas. Da crítica azeda, desaforada de antes ao entusiasmo de hoje não decorreram sequer 30 dias.
Isso é grave, gravíssimo, pois indica que faziam terrorismo com o déficit menor de antes e agora nem se importam com o déficit muito maior. Enfim, ao que tudo indica, os políticos, “o mercado” e seus economistas investiram pesado, até mesmo sua credibilidade, para viabilizar o impeachment e agora investem pesado para viabilizar o novo governo.
Há anos, todo santo dia, estamos acostumados a ler nos jornalões, a ver e ouvir na mídia monopolista que o terror dos terrores para os economistas, para o mercado, para as agências de risco, para os investidores, que o terror dos terrores para eles é o déficit público crescente. Mas, agora, nada comentam sobre o crescimento exponencial desse déficit proposto por Meirelles.
Isso significa que esperam ganhar algo muito maior? O que será?
Antes de conjecturar sobre isso, faço uma pequena explanação a respeito dos fatos já conhecidos, para entender as estratégias que movem a atual equipe econômica:
  1. A previsão de um déficit primário colossal mostra que o governo está se preparando para adotar uma espamódica política fiscal contra-cíclica keynesiana só para 2016 para recuperar a economia, mas supostamente revertendo em 2017. Porém, na prática, para 2016 ao menos, será muito mais arrojada do que a estratégia fiscal adotada por Dilma em seu primeiro mandato. Estratégia essa, sabemos, objeto de todos os tipos de críticas e xingamentos por parte da imprensa, dos economistas de mercado e da antiga oposição.
  2. Se o governo busca adotar uma política fiscal arrojada, infere-se que ele esteja disposto a usar todos os meios para fazer a economia crescer, inclusive radicalizar aqueles meios usados por Dilma e que foram a base para o horror que “o mercado” e a “elite” têm da presidente.
  3. Mas isso seria considerado uma loucura, que precipitaria a explosão da dívida pública, se não fosse esperado pelo “mercado” uma redução abrupta e substantiva dos juros.
  4. Como a duplicação da previsão de déficit foi digerida amistosamente pelo “mercado”, a redução dos juros já está acertada entre “equipe econômica” e “mercado”.
  5. Porém, o governo é fraco e continua na mão de todos que viabilizaram o impeachment. Isso significa que o “mercado”, que se regozija com os juros altos, está ganhando em troca algo muito melhor.
  6. O que seria? O Pré-Sal?A radicalização das privatizações? A suspensão dos direitos trabalhistas e dos direitos previdenciários? A apropriação de uma gorda fatia dos recursos que iriam para educação e saúde? Tudo isso e um tanto mais. Na verdade, essas medidas já foram anunciadas pelo novo governo. Então, para ganhar tais prebendas, o mercado aceita a política fiscal contra-cíclica em 2016 e juros baixos. Esse é o pacto de que tanto se fala nesse novo ambiente político, o “pacto entreguista”.
  7. Mas isso não é muito impopular para ser realizado por um governo interino? Sim. E pode não dar certo e não dando certo sempre existe a possibilidade da volta do governo eleito.
  8. Nesse caso, a equipe econômica do Meirelles estaria preparando uma armadilha para manterDilma amarrada aos compromissos e políticas neoliberais propostas pelos interinos.
  9. A armadilha chama-se “mecanismo de fixação do teto da dívida” obrigando que os gastos públicos fiquem congelados em 2017, em termos reais!
  10. Sabemos que a trégua do “mercado” à política fiscal irresponsável do governo interino se deve ao “pacto entreguista”. No entanto, na mídia, Meirelles vende que a trégua do mercado se deve à proposição do “mecanismo de fixação do teto da dívida”. Ou seja, o “mercado” está dizendo: “Eu não me preocupo com o fato de Temer ter um déficit duas vezes maior do que Dilma, porque Meirelles vai aprovar no Congresso um mecanismo que congela os gastos públicos em 2017, mesmo se Dilma voltar ao governo”.
  11. Se isso acontecer, o Estado e o país ficarão ingovernáveis, no caso de volta de Dilma. Ou no mínimo, colocará Dilma novamente de joelhos frente ao Congresso e ao dono do Congresso, a mídia.
  12. Caso Dilma não volte, Temer fulmina essa armadilha facilmente com o apoio que tem no Congresso, na mídia e no “mercado”.
  13. Mas, antes disso, irão aprovar todo tipo de entrega do país. E Dilma, caso volte, estaria tão fraca e tão à mercê Congresso que não poderia reverter nada e teria que dar continuidade e implementar as políticas neoliberais de Meirelles.
  14. O ex-ministro Nelson Barbosa já deu indicações de que deve continuar a mesma política de Meirelles, caso volte, pois, segundo ele, o que o governo interino está fazendo “não é novidade” e que propostas que ele mesmo lançou em março, como ministro de Dilma, Meirelles está anunciando agora.
  15. Meirelles quer colocar o país entre o fogo e a frigideira. Logo, precisamos combater essas medidas.
Roberto Requião é senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por 3 mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo e com pós graduação em urbanismo e comunicação.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Operação Lava Jato

"Aécio está com medo", diz Renan sobre delação de Delcídio

Em áudio vazado, presidente do Senado diz que senador tucano pediu ajuda para saber detalhes do acordo feito por Delcídio do Amaral com a Justiça
por Redação — publicado 25/05/2016 09h55

Antonio Cruz / Agência Brasil
Michel Temer, Renan Calheiros e Aécio Neves
Michel Temer, Renan e Aécio: medo?
O senador Aécio Neves (PSDB-MG), citado por cinco delatores diferentes da Operação Lava Jato, é mencionado em um novo áudio vazado que tem como personagens o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo, os áudios mostram Renan e Machado conversando sobre a crise política e possíveis saídas para ela. Em determinado ponto da análise, Machado afirma que toda a classe política está com um "aperto nos ombros" e Renan responde dizendo estarem todos com medo.
O senador emenda citando Aécio, presidente do PSDB e candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014, que estaria "com medo" da delação do senador cassado Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma Rousseff, e teria pedido a ele para buscar mais informações sobre o acordo.
MACHADO - E tá todo mundo sentindo um aperto nos ombros. Está todo mundo sentindo um aperto nos ombros.
RENAN - E tudo com medo.
MACHADO - Renan, não sobra ninguém, Renan!
RENAN - Aécio está com medo. [me procurou] 'Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.'
MACHADO - Renan, eu fui do PSDB dez anos, Renan. Não sobra ninguém, Renan.
Em sua delação, Delcídio cita dois casos envolvendo Aécio Neves. No primeiro, ele afirma que o tucano recebeu propina em um esquema de corrupção em Furnas, subsidiária da Eletrobras.
No segundo, Delcídio afirma que, na época em que presidiu a CPMI dos Correios, que investigou o "mensalão", um emissário do tucano lhe pediu que o prazo de entrega da quebra dos sigilos do Banco Rural fosse ampliado, a fim de “maquiar os dados”.
“A maquiagem consistiria em apagar dados bancários comprometedores que envolviam Aécio Neves, Clésio Andrade, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Marcos Valério ‘e companhia’”, diz a delação. Delcídio afirma, ainda, que a estratégia se devia ao fato de que “a gênese do mensalão teria ocorrido em Minas”.
Na segunda-feira 23, a mesma Folha de S.Paulo revelou gravações entre Sergio Machado e Romero Jucá (PMDB-RR) que acabaram derrubando o ministro do Planejamento de Michel Temer. Nos áudios, Machado, que foi líder do PSDB no Senado antes de deixar a política, afirma que "Aécio não tem condição" de ganhar uma eleição e pergunta: "Quem não conhece o esquema do Aécio?".
Sergio Machado, um dos primeiros alvos da Lava Jato, fez um acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato e os termos, segundo reportagem do jornal Valor Econômico, foram homologados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator da Lava Jato na corte.
Renan pede desculpas a Aécio
De acordo a Folha, em resposta ao jornal, Renan Calheiros enviou uma nota afirmando que todas as opiniões manifestadas na conversa com Sergio Machado já eram públicas. Em relação a Aécio, no entanto, Renan "se desculpa porque se expressou inadequadamente". O presidente do Senado, diz a nota, "se referia a um contato do senador mineiro que expressava indignação – e não medo – com a citação do ex-senador Delcídio do Amaral."
A Executiva Nacional do PSDB disse ao jornal que vai "acionar na Justiça" o ex-presidente da Transpetro. Para o PSDB, é "inaceitável essa reiterada tentativa de acusar sem provas em busca de conseguir benefícios de uma delação premiada".
"Fica cada vez mais clara a tentativa deliberada e criminosa do senhor Sérgio Machado de envolver em suspeições o PSDB e o nome do senador Aécio Neves, em especial, sem apontar um único fato que as justifique. As gravações se limitam a reproduzir comentários feitos pelo próprio autor, com o objetivo específico de serem gravados e divulgados", diz o partido.

overno interino

Lava Jato: 'indícios bastante seguros' contra Henrique Alves

Ligado a Eduardo Cunha, ministro do Turismo diz a Michel Temer que não sai do governo
por André Barrocal publicado 25/05/2016 10h45

José Cruz / Agência Brasil
Henrique Alves
Henrique Alves: ele não se afastará do governo
Consumada a demissão de Romero Jucá (PMDB-RR) do governo após a divulgação de gravações a mostrá-lo em aparente conspiração contra a Operação Lava Jato, o presidente interino Michel Temer reuniu no Palácio do Jaburu alguns aliados. Entre eles, outro investigado, o ministro do Turismo, Henrique Alves. Temer quis saber se não era melhor ele deixar o cargo antes de virar alvo de um bombardeio político e midiático. Alves deu de ombros. Seria “irrelevante” o que existe contra ele.
Não é a opinião do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável por investigar perante o Supremo Tribunal Federal (STF) políticos detentores de foro privilegiado. Para Janot, há “indícios bastante seguros” da participação de Alves na corrupção descoberta pela Lava Jato.
A expressão foi usada por Janot em um pedido enviado no início de maio ao STF, no qual ele requer a ampliação da lista de investigados daquele que, pela quantidade de políticos incluídos, é o maior inquérito da Lava Jato, o 3.989, aberto em março de 2015. O ministro do Turismo é um dos citados entre aqueles contra os quais existem “indícios bastante seguros”.
Ex-deputado, Alves é ligado ao deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a ponto de ter passado o bastão a ele tanto na liderança do PMDB na Câmara, em 2013, quanto no comando da Câmara, em 2015. Por causa do vínculo, o ministro é citado em outro inquérito recém-aberto pelo STF.
É o 4.207, de março. Nasceu da delação premiada dos empreiteiros Ricardo Pernambuco e seu filho Junior. Eles alegam que a construtora da família, a Carioca, teve de pagar propina a políticos para conseguir tomar empréstimo da perna “fundo de investimento” do FGTS e assim tocar as obras do Porto Maravilha, no Rio.
Cunha tinha um apadrinhado, Fabio Cleto, na diretoria da Caixa Econômica Federal, órgão gestor do FGTS, por meio do qual podia atrapalhar a concessão de financiamentos. Entre os políticos contemplados com propina pela Carioca em troca do empréstimo estaria Henrique Alves.
A propina, segundo a família Pernambuco, foi disfarçada de doação oficial à campanha de Alves ao governo do Rio Grande do Norte na eleição de 2014. Na ocasião, o peemedebista recebeu 400 mil reais da empreiteira, em duas parcelas, uma de 300 mil, outra de 100 mil.
O inquérito está com o ministro do STF Teori Zavascki. Alves é citado nele, mas não está na condição de investigado.
Os advogados de Cunha tentam tirar o caso das mãos de Zavascki e transferi-lo a outro relator, sob o argumento de que o assunto não tem relação com a Petrobras, foco original da Lava Jato. No pedido, dizem que é “fantasioso” o suposto pedido de Cunha de doações eleitorais da Carioca a Henrique Alves.
O ministro do Turismo aparece junto com Cunha em um outro inquérito solicitado pelo procurador-geral ao STF, um pedido até agora sob segredo de Justiça, segundo a Folha de S. Paulo. Refere-se a mais uma história do tipo propina camuflada de doação. Neste caso, da empreiteira OAS.
Mensagens trocadas por celular entre Cunha e um ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, indicam que o peemedebista pressionou a construtora para que desse dinheiro a Alves na campanha de 2014. O então candidato recebeu 650 mil reais da empresa, em três parcelas.
Entre as mensagens apreendidas nas apurações da Lava Jato, Pinheiro escreveu: “Eduardo Cunha é o grande articulador de Henrique Alves”.
Ao deixar o ministério do Planejamento, Romero Jucá manteve o direito de ser investigado no STF, já que tem mandato de senador por Roraima até 2018. Já Henrique Alves, se sair do Turismo, será investigado pelo juiz Sergio Moro, em Curitiba, pois não tem mais mandato.

terça-feira, 24 de maio de 2016

A tensão indígena com a gestão Temer

Protagonismo do PMDB em pautas anti-indígenas no Congresso Nacional e notícias sobre revogação de atos finais de governo petista preocupam os índios, que prometem resistir

Tiago Miotto/MNI
Ministro da Justiça: com lideranças indígenas, Alexandre de Moraes foi evasivo sobre revisão de demarcações
Ciro Barros
Na semana do afastamento da presidente Dilma Rousseff, ao menos 20 lideranças indígenas consultadas pela reportagem da Pública em Brasília fizeram um diagnóstico comum durante o 13º Acampamento Terra Livre (ATL), mobilização que ocorre anualmente na capital federal: se com Dilma Rousseff a situação dos índios estava difícil, com Michel Temer será pior.
Ainda que o governo afastado tenha sido o que menos homologou e declarou terras indígenas desde a redemocratização do país, a preocupação dos indígenas é que o governo interino reveja as decisões tomadas recentemente.
O receio não é sem motivo. Na sexta-feira, 13, um grupo de lideranças indígenas se reuniu com o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Ao ser questionado a respeito da possível revisão das demarcações, a resposta foi evasiva: “Qualquer coisa que for se fazer daqui para a frente, nós vamos conversar. Não houve nenhuma palavra minha, assim como não houve nenhuma palavra do presidente Michel Temer sobre revogação”.
No início desta semana, em entrevista à Folha de S.Paulo, Moraes voltou ao tema. Ele afirmou que irá rever “demarcações de terras indígenas que foram feitas, se não na correria, no apagar das luzes”. Ponderou, no entanto, que “qualquer revisão será feita em total diálogo” com as populações afetadas.
Tal indefinição coloca em debate a possível inconstitucionalidade na revisão dessas demarcações. As terras que mais preocupam os entrevistados pela Pública são as que foram delimitadas, declaradas ou homologadas nos meses finais da gestão petista. A mais recente delas, a do povo que mais sofre com assassinatos em todo o Brasil: os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, área situada no epicentro dos conflitos armados que deixaram 390 indígenas mortos entre 2003 e 2014, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, protocolou um ofício nesta semana no Ministério da Justiça, na Casa Civil e na Presidência da República em que argumenta que “os atos que reconhecem direitos territoriais indígenas não podem ser simplesmente revogados pelo Poder Executivo”. Ele cita a jurisprudência do STF, que já assentou que a demarcação de terras indígenas é um ato declaratório, que se limita a reconhecer direitos imemoriais que vieram a ser chancelados pela própria Constituição. “Quando o processo administrativo reconhece um território protegido pelo direito territorial indígena, o poder público é obrigado a publicar esse ato. Então, se o poder público já reconheceu a existência dos direitos territoriais indígenas nessas áreas, com base em processos regulares que contaram com laudos científicos e o cumprimento de todas as etapas do processo de demarcação, como o contraditório, não pode uma outra gestão do poder público simplesmente dizer que aquele reconhecimento não é válido. Isso é inconstitucional”, argumenta o advogado.
A sinalização de Temer aos ruralistas
No final de abril, Temer se reuniu com os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Os deputados da FPA entregaram ao então vice-presidente o documento “Pauta Positiva – biênio 2016/2017”, no qual solicitam a “revisão das recentes demarcações de áreas indígenas/quilombolas”, além de pleitearem outras diversas questões de interesse do agronegócio.
Segundo o jornal O Globo, Temer teria declarado de forma extraoficial que reveria as medidas de desapropriação de terras para a reforma agrária e demarcação de terras indígenas tomadas no crepúsculo do governo petista. O jornal informou também que após a posse Temer teria pedido à Casa Civil que revisse os atos do antigo governo a partir do primeiro dia de abril deste ano.
Do início do mês passado ao momento do afastamento de Dilma, o Executivo acelerou o processo de demarcação de terras indígenas: foram nove áreas delimitadas pela Funai, doze terras declaradas pelo Ministério da Justiça e quatro terras homologadas pela Presidência da República.
O presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, confirmou em entrevista exclusiva à Pública que a proximidade do impeachment ajudou a desengavetar delimitações e homologações de terras indígenas. “Com a iminência do final do governo, nós demos uma acelerada nesses atos”, reconheceu.
No dia seguinte à entrevista de Moraes à FolhaCosta publicou uma nota no site da Funaiafirmando que “qualquer ato que vise desestruturar os direitos indígenas e os direitos aos seus territórios de ocupação tradicional ou que vise revisar os atos administrativos realizados é frontalmente inconstitucional”. Para ele, “qualquer revisão nos procedimentos realizados durante esta gestão e as anteriores só pode ser realizada diante da comprovação de algum tipo de vício de legalidade”.
“Essa situação não vai ser fácil”, diz Munduruku
O governo petista não foi poupado de críticas durante o Acampamento Terra Livre. “Nós, povos indígenas, conversamos assim. Se já com a Dilma, está desse jeito, avalie sem a Dilma. Todo esse tempo na briga com as violações dos nossos direitos crescendo, vai ser uma calamidade. Essa situação não vai ser fácil”, afirmou Antonio Pereira, do povo Munduruku Cara Preta, do Pará.
Durante a mobilização, entre os dias 10 e 13 deste mês, muito se falou sobre as intenções do PMDB, partido que encabeça no Congresso Nacional pautas anti-indígenas. Além da PEC 215, que transfere a competência da União na demarcação das terras indígenas para o Congresso Nacional, e da CPI da Funai e do Incra, tramitam outras pautas anti-indígenas nas duas casas.
Exemplo é a proposta do atual ministro da Planejamento, Romero Jucá, que propôs projeto de lei que regulamenta a mineração em terras indígenas. “A pauta indígena sempre foi uma pauta difícil no Brasil porque ela fere muitos interesses econômicos. Não acho que no governo Dilma tivemos uma plenitude de garantia dos direitos indígenas, mas a situação agora é muito pior porque aqueles que estão ocupando o Executivo são aqueles que já vinham pautando retrocessos na questão indígena e outras, como a questão quilombola e ambiental”, critica Márcio Meira, o mais longevo presidente da Funai (2007-2012).
Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Márcio Meira, ex-presidente da Funai: “A pauta indígena sempre foi difícil no Brasil porque fere interesses econômicos”
Para Gustavo Vieira, membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (Mapi), o PMDB de Temer está “todo dentro” da CPI da Funai e protagonizando a PEC 215. “A gente está agora num processo de demarcação de áreas que têm muitos conflitos, áreas antropizadas há muito tempo. O governo Lula e Dilma, no final das contas, deu uma possibilidade de enfrentamento desse tipo de apropriação das pautas indígenas”, afirmou.
Para a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara, “o programa de governo do PMDB traz uma carga de anúncios de retrocessos”. A preocupação vai além das lideranças da Apib. “Recentemente ouvimos muito estas duas palavras: golpe e democracia. Será que o governo está sofrendo golpe? Eu não sei. O que eu sei é que os índios sofrem um golpe constante sobre seus direitos. PEC 215 é golpe!”, afirmou a liderança Sarapó Pankararu, de Pernambuco.
Ao fim do acampamento, já com o impeachment consolidado, um manifesto indígena subiu o tom ao dizer que o novo governo é “ilegítimo” e que “em nome da ordem e do progresso, pretende aprovar medidas administrativas, jurídicas e legislativas para invadir mais uma vez os territórios com grandes empreendimentos: mineração, agronegócio, hidrelétricas, fracking, portos, rodovias e ferrovias, entre outros”.
Até a publicação, a assessoria do Ministério da Justiça não retornou os pedidos de esclarecimento sobre as possíveis revogações em terras indígenas. Também o presidente da CPI Funai e Incra, Alceu Moreira (PMDB-RS), não respondeu ao contato da Pública.
O último ato da Funai no governo Dilma
Com cara de sono, meio amassado e abatido, o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, se preparava na manhã seguinte ao afastamento da presidenta Dilma para seu último ato relevante à frente do órgão indigenista: a delimitação da terra indígena Dourados-Amambaí Peguá I, no sul do Mato Grosso do Sul. A terra está fincada em uma das regiões que mais concentram casos de assassinato de índios em todo o Brasil.
Na hora de assinar o relatório de identificação da área, Costa convocou as poucas lentes e gravadores que estavam na sede da Funai, um prédio espelhado no Setor Bancário Sul de Brasília, para presenciar o momento histórico. Naquela mesma manhã, Dilma Rousseff fazia seu primeiro discurso no Palácio do Planalto como presidente afastada após a abertura do processo de impeachment pelo Senado.
Ciro Barros/Agência Pública
O último despacho da Funai na gestão petista delimitou a terra indígena Dourados-Amambaí Peguá I
“Estamos assinando o relatório e publicando essa terra no dia de hoje. Será a última da minha gestão. Esse ato representa o compromisso da Funai e uma resposta à pressão anti-indígena daqueles que são contra o reconhecimento da tradicionalidade das terras do povo Guarani Kaiowá. Minha assinatura é a da Funai”, discursou o presidente.
Apesar das comemorações, ele pediu cautela aos indígenas, alertou-os para que se preparassem para o contraditório e demonstrou preocupação com a ascensão do governo Temer em um contexto de “ruptura e violência contra a democracia”. “Em nome do meu povo Guarani Kaiowá, eu queria dizer que enquanto a gente viver a gente vai lutar. Hoje é uma parte da nossa vitória, mas a gente continua lutando, e nossa luta não vai parar por aqui. A gente vai enfrentar quem quer destruir a vida dos povos indígenas nesse país. O povo Guarani Kaiowá vive e vai continuar resistindo”, comemorou Elson Guarani Kaiowá, uma das lideranças presentes.
Saio da presidência, mas não saio da causa’
Após a solenidade de assinatura, com direito a uma dancinha desajeitada do presidente da Funai com os Guarani Kaiowá, Costa rumou para o elevador. Do 13º andar, foi direto ao térreo, acompanhado dos índios, onde servidores da Funai o aguardavam para seu último pronunciamento. “Quero dizer que não devo ficar um ano aqui na casa e, com isso, vamos deixar de concluir muitos trabalhos, muitas conversas. Eu venho do serviço público e eu sei que, principalmente nos cargos de confiança, você entra para passar um tempo. Quando eu cheguei aqui em junho de 2015, sabia que viria para passar um tempo. Mas não este tempo, que foi cortado por decisões políticas com várias consequências e desdobramentos grandes”, discursou o presidente. “Vamos resistir, porque o que vem por aí não é uma agenda fácil. Se o governo da presidenta Dilma não fez o que estava na expectativa dos povos indígenas por conta das injunções políticas… mas esse governo tem DNA, tem identidade, compromisso com os povos indígenas, quilombolas, sem-terra e sem-teto. Deixamos de fazer muito, mas fizemos. Mas o que vem aí vem da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], vem do seu Paulo Skaf, o governo que vem aí vem da avenida Paulista, vem do Congresso que impôs e votou a PEC 215 e articulou a CPI”, exclamou.
Os servidores do órgão que falaram com a Pública após o pronunciamento de Costa não quiseram ser identificados. Suas alegações vão na mesma linha dos índios mobilizados: se com o governo Dilma Rousseff seria mais viável disputar internamente o órgão em favor das pautas indígenas, com Temer, o cenário é mais complicado.