domingo, 31 de julho de 2016

Entrevista

Ciro Gomes: "Tenho condição de servir ao País"

No programa Jogo de Carta, o ex-governador e ministro confirma sua presença nas próximas eleições presidenciais
por Mino Carta e Rodrigo Martins — publicado 29/07/2016 12h23, última modificação 29/07/2016 12h24

Wanezza Soares
Ciro Gomes
'Preciso da segurança da regra. Na democracia, o povo bota e o povo tira, ninguém mais'
“Sim, sou candidato a presidente do Brasil”, esclarece, logo de partida, Ciro Gomes, ex-governador do Ceará e ministro da Integração Nacional no primeiro mandato do governo Lula, em entrevista ao vivo para o Jogo de Carta, novo programa de entrevistas de Mino Carta, diretor de redação da revista CartaCapital, sob a mediação de Rodrigo Martins, editor-executivo do site da publicação.

Abrigado no PDT, Ciro honra a memória de Leonel Brizola, histórico quadro do partido, ao defender o retorno de Dilma Rousseff em nome da legalidade. Rejeita, ainda, encampar a proposta de um plebiscito para a antecipação de novas eleições, ainda que isto pudesse beneficiá-lo. “Se eleito, preciso de uma regra muito forte e respeitada para encostar minhas costas”.
A proposta do Jogo de Carta é convidar ilustres personalidades para um diálogo franco sobre os temas mais relevantes do momento. Os leitores de CartaCapital participam do debate, por meio de perguntas enviadas à página do evento no Facebook. O título faz alusão a uma antiga aventura de Mino pela TV Record, nos anos 1980, sob a direção de Fernando Faro.

O programa foi abruptamente encerrado, após três anos no ar, graças à insidiosa pressão do então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, sobre a família Machado de Carvalho, antiga proprietária da emissora.

Jogo de Carta
Rodrigo Martins e Mino no Jogo de Carta, a evocar um programa dos anos 1980 na Record (Foto: Wanezza Soares)
A primeira edição do Jogo de Carta em formato digital registrou mais de 30 mil visualizações pelo Facebook, além de atingir um público superior a 220 mil usuários da rede social. Os números referem-se apenas à transmissão ao vivo. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Ciro Gomes. A íntegra, em vídeo, está disponível ao final do texto.

Jogo de Carta: Você é mesmo candidato?Ciro Gomes: Sim, sou candidato a presidente do Brasil. Acredito que amadureci, tenho condição de servir ao País, oferecendo uma alternativa de projeto nacional. Naturalmente, sei que esse querer forte não é o suficiente. É preciso que a candidatura tenha alguma naturalidade, seja recebida pela sociedade brasileira como útil à construção de um debate.

JC: O senhor não acha que há certo conformismo em relação ao golpe?CG: A coisa não se consumou ainda. É tão grave retirar do povo o monopólio do direito de escolher seu presidente, que isto gerará instabilidade para os próximos 20 anos. Qualquer presidente que queira fazer o que tem de ser feito vai ser perseguido, coagido. É possível enfrentar isso com a segurança da regra. Ou seja, numa democracia, o povo bota e o povo tira, mais ninguém.

JC: E o PT, como se porta nesse momento? Não parece um tanto resignado?CG: O PT está catatônico, porque tem uma parte que, infelizmente, chafurdou nesse pragmatismo irresponsável e corrupto. Esse lado se sentiu autorizado a isso porque viu, a vida inteira, o outro lado fazer o mesmo. Não percebeu que os demais integram a plutocracia brasileira.

Boa parte das revistas, dos jornais não estava nem aí para a moralidade, sempre protegeram os seus sócios no poder. Por algum tempo, a turma do PT se imaginou sócia também. Ledo engano. O pecado do pecador é perdoado, mas o pecado do pregador, aquele que passa o dia inteiro se oferecendo como vestal exemplar, não dá.

JC: Vamos admitir a hipótese de Dilma Rousseff voltar ao poder...CG: Nos Estados Unidos, em 1868, Andrew Johnson, um presidente impopular, também foi afastado sem cometer crime. Houve grande debate em torno da afirmação da soberania popular e da força da Constituição americana. E o Senado devolveu o mandato de Johnson por um voto, inclusive de um partido adversário. Dilma não conseguiu juntar um terço dos deputados. Ficou essa sensação de que ela não é capaz de governar. Mas o presidencialismo, com todos os defeitos, tem essa virtude. Se ela volta, é porque a maioria do povo constrangeu o Senado a recuar desta aventura golpista.

JC: E a proposta de um plebiscito para antecipar as eleições?CG: Tenho três razões para não me entusiasmar com essa ideia, embora compreenda a nobreza de trazer o povo para resolver este colapso que a elite politica produziu de forma enojante. Primeiro, sou um possível candidato. Como posso defender a antecipação das eleições? Eticamente, sinto-me inibido de defender a uma coisa que atende ao meu próprio interesse.

STF
'Como dizia Rui Barbosa, é o poder que mais tem faltado à República' (Foto: Carlos Humberto/STF)
Segundo, o apego à regra não é irrelevante. Amanhã, suponha que o brasileiro genuinamente me escolha para lhe servi-lo como seu presidente. Vou mexer nas coisas. Vou lá para quebrar ou ser quebrado. Preciso de uma regra muito forte e respeitada para encostar minhas costas.

Por fim, esse golpe não foi feito a favor de Temer. Foi feito contra nós, contra o povo brasileiro, contra o interesse nacional. Se Temer fracassar, como é provável, eles vão cassar a chapa Temer-Dilma, e fazer eleição indireta.

JC: Se o senhor for eleito presidente, terá condições de reverter os retrocessos aprovados nos últimos anos e os que estão por vir, no governo Temer?CG: O presidencialismo é um regime de comunhão entre o presidente da República e o povo. Precisamos assentar essa relação na verdade, e ela nem sempre é agradável. Todos reclamam do sistema tributário, previdenciário e político. E a situação permanece como está, pois atende a interesses de uma minoria organizada, ativa e informada. O povo só é lembrado na véspera da eleição. Para tocar as reformas necessárias, é possível convocar plebiscitos e referendos.

A elite estigmatizou como chavismo o fato de chamar a população para votar. Esse modelo pode funcionar, tanto mais agora que o monopólio das mediações midiáticas não existe mais. Falamos neste programa e as pessoas podem replicar nossa conversa para o mundo inteiro.

JC: O senhor falou do Executivo e do Legislativo. E o Judiciário, existe no Brasil?CG: Como dizia Rui Barbosa, é o poder que mais tem faltado à República. Há claramente uma vocação lusitana para a exacerbação dos protocolos legais, e o Judiciário paga um preço que não é propriamente de sua responsabilidade. Entretanto, na questão de freios e contrapesos institucionais, o Judiciário deserta claramente de sua responsabilidade.  A grande tarefa do Supremo é ser o guardião da Constituição. Não gosto da ideia de judicializar a política, mas é estão cassando uma presidenta da República sem crime de responsabilidade. O Supremo precisa esclarecer isso.

JC: E quanto às irregularidades cometidas na Operação da Lava Jato?CG: Isso ainda está na instância local da Justiça. A Operação Satiagraha é um bom exemplo. Encantou o povo, foi uma novela de muitos capítulos, havia um delegado muito celebrado, Protógenes Queiroz, e no fim tudo foi anulado. O delegado está foragido do País, com prisão decretada. E os verdadeiros culpados por aquelas falcatruas todas estão com a certidão de inocência dada pelo Judiciário. Juiz bom não é xerife. Juiz bom é severo, que fala nos autos, sustenta suas decisões na lei, obedece aos princípios gerais do direito.

JC: Quem manda mais, Eduardo Cunha ou Michel Temer?CG: Cunha. Ele está em declínio, o Temer já o está traindo, como é da natureza de um traidor. Mas ele é o homem do Cunha, eu sei bem o que falo.

Michel Temer e Eduardo Cunha
Quem manda é o Cunha. Mas Temer 'já o está traindo, como é da natureza de um traidor' (Foto: Antonio Cruz/Abr)
JC:
Dê mais detalhes...CG: Fui colega de Temer, então presidente da Câmara, e também colega - olha só como eu me odeio! - de Cunha.  Era obrigado a chamar Cunha de vossa Excelência, mas também o chamei de ladrão. Fui processado, sustentei na Justiça o que disse, porque sei o que ele é, e hoje o Brasil todo também sabe. A equação basicamente funcionava assim: Temer pegava uma medida provisória enviada pelo governo Lula e entregava para o Cunha relatar. Ele, então, pegava qualquer interesse dos lobbies plutocratas do Brasil e enxertava em assuntos absolutamente impertinentes. Criava uma emenda que atendia ao interesse desses grupos. Recebia o dinheiro e distribuía entre os colegas.

JC: Há pouco o senhor disse que o governo Temer vai fracassar. Por quê?CG: Primeiro, porque ele é uma grande mentira. Não é possível colher um maracujá de um pé de maçã. Ele é basicamente o representante desse lado fisiológico, clientelista e corrupto do PMDB. O País precisa de uma coisa oposta.

Parte da decepção do povo com a Dilma é a prostração em função do escândalo. Ele vai responder pela decência? É só ver o governo que ele montou, é uma quadrilha, com algumas exceções. O Henrique Meirelles não é da quadrilha, tem alguns que não são, mas o eixo central é.

JC: Não é da quadrilha, mas está em todas as estações.CG: Meirelles é um homem de banco, mas não o vejo na mesma categoria, deplorável, do conjunto do governo interino, a começar pelo próprio Temer. Quando você olha Moreira Franco, Romero Jucá, Eliseu Padilha... É gente antiga, manjada. Não é possível esperar nada, a não ser escândalo. Quem apoiou o golpe quer o fim da Lava Jato. Por mais que a grande mídia esteja emulando, nunca mais tivemos um capítulo novo, não tem como parar a investigação.

Falam em austeridade fiscal, mas Temer fará o governo mais estroina. Dilma pediu para homologar um déficit de 96 bilhões de reais. Temer pediu 170 bilhões. Imaginava-se que o erro estúpido de Dilma, de ter uma taxa de juros exorbitante, seria corrigido. Para a minha grave surpresa, a goela é tão sem limite que mantiveram a taxa. É recessão, falência, concordata.

JC: Não seria importante a união da esquerda nas próximas eleições?CG: O Brasil que imagino não cabe num projeto de esquerda. É preciso ampliar a sustentação social. O Brasil precisa recelebrar um pacto com a burguesia nacional, que assumiu a retórica da direita pela negação. A nossa solidariedade com o MST assusta o agronegócio. Nossa vontade de fazer uma coisa ambientalmente sustentável hostiliza o produtor.

É preciso encerrar essa falsa contradição e ter solidariedade com a classe trabalhadora. Há mil caminhos. Quando fui ministro da Fazenda, criei a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa.  Para os empresários, a Taxa de Juros de Longo Prazo. É preciso uma aliança entre quem produz e quem trabalha no Brasil. 

Planalto

Temer receia ter sido gravado por Cunha

Em conversa no Jaburu, deputado teria lembrado 'parcerias'. Lei de Portos foi uma delas
por André Barrocal publicado 22/07/2016 14h31, última modificação 25/07/2016 15h06

Antônio Cruz / Agência Brasil
Temer e Cunha
Temer e Cunha na Fundação Ulisses Guimarães, em Brasília, em julho de 2015
O presidente interino Michel Temer anda tenso às vésperas de uma decisão final do Senado sobre o impeachment. Desconfia que pode ter sido gravado pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu por corrupção na Justiça e à beira da cassação na Câmara.
A suspeita de Temer surgiu em um encontro recente com Cunha no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência. O réu teria encaminhado a conversa de modo estranho, ao “lembrar” o interino de certas parcerias deles no passado. Histórias pouco republicanas, presumivelmente.
Ao sentir que poderia cair numa arapuca, o presidente em exercício teria reagido aos gritos com Cunha, no relato de uma pessoa ligada a Temer. Teria o deputado afastado gravado o interino em alguma outra oportunidade?
As ligações entre os dois peemedebistas são antigas, razão para Temer de fato se preocupar.
O presidenciável Ciro Gomes (PDT) diz e repete que quando foi deputado na mesma legislatura que os peemedebistas, de 2007 a 2010, a dupla atuava em conjunto. Cunha comercializaria leis sob os auspícios de Temer, presidente da Casa de 2009 a 2010.
A parceria, ao que parece, continuou mesmo depois de Temer deixar a Câmara e tornar-se vice-presidente da República, em 2011. Aconteceu, por exemplo, na atual Lei de Portos. Seria esta uma das “lembranças” colocadas à mesa por Cunha diante de Temer?
No segundo semestre de 2013, houve uma reunião entre Cunha, Temer e um empresário do grupo Libra, terminal portuário até hoje com pendências financeiras perante órgãos públicos e doador de recursos eleitorais para o interino. Foi no Jaburu e serviu para discutir a situação da empresa. Temer parecia empenhado em ajudar.
As condições para a ajuda haviam sido criadas pelo próprio Cunha, durante a votação da Lei de Portos na Câmara no primeiro semestre de 2013. Ele impediu o avanço do projeto até o governo Dilma Rousseff aceitar uma mudança no texto que favoreceria Libra.
A versão original da lei, proposta por medida provisória, proibia a renovação de contratos de arrendamento por terminais inadimplentes com o poder público. Era o caso de Libra, que há anos tenta na Justiça rever seu contrato com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), um feudo político de Temer. Uma dívida bilionária, em valores atuais.
Graças a Cunha, a Câmara inseriu na Lei um dispositivo que retirava o veto à renovação de contratos por inadimplentes. Mais: incluiu a possibilidade de litígios contratuais serem resolvidos em comissão de arbitragem, ou seja, longe dos tribunais, com membros indicados pelas partes.
Para a salvação de Libra de consumar, no entanto, eram necessárias ações no âmbito do governo federal. Elas saíram do papel no segundo mandato de Dilma, quando o controle da Secretaria Especial de Portos fficou com Temer, por meio de um apadrinhado dele, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), empossado ministro em janeiro de 2015.

Eduardo Cunha
Cunha: o que ele pretende?

Detalhe: na eleição de 2014, dois sócios de Libra, os irmãos Rodrigo Borges Torrealba e Ana Carolina Borges Torrealba, doaram um milhão de reais para Temer, dinheiro recebido pelo peemedebista em uma empresa aberta por ele para gerenciar recursos que repassaria a candidatos amigos.
Em outubro de 2014, bem no meio meio da eleição, o grupo Libra pediu à Codesp e à Secretaria de Portos a criação de uma comissão de arbitragem para discutir o litígio bilionário.
A comissão foi criada em setembro de 2015. No mesmo mês, o então ministro Edinho Araújo autorizou a renovação do contrato de Libra no Porto de Santos. Deixou o cargo dias depois.
Em março deste ano, a Codesp selecionou, sem licitação, o escritório Nelson Wilians & Advogados Associados para coordenar a arbitragem. Um escritório que teria ligações com o PMDB, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Wilians já teria participado de jantares com Temer no Jaburu. E manteria algum tipo de parceria no Rio Grande do Sul com o filho do ministro-chefe de Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha. Em nota, o escritório afirmou que não chegou a ser contratado, apenas selecionado (Leia na íntegra).
De fato, a diretoria da Codesp desistiu recentemente de contratar a banca devido a questionamentos feitos pelo Conselho de Administração. Representantes dos trabalhadores no Conselho estranharam a forma de escolha e os altos honorários planejados.
 De qualquer forma, se a comissão de arbitragem cancelar algum montante da dívida de Libra com a Codesp, o investimento de um milhão de reais em Temer por parte dos irmãos Torrealba na eleição de 2014 terá compensado.
Nota do Escritório Nelson Wilians e Advogados Associados  
“A respeito da reportagem “Temer receia ter sido gravado por Cunha”, publicada pela revista Carta Capital no dia 22/07/2016, o escritório Nelson Wilians e Advogados Associados esclarece:
O escritório Nelson Wilians e Advogados Associados foi um dos escritórios que apresentaram propostas para a coordenação da arbitragem entre o grupo Libra e a Codesp. E foi previamente escolhido por conta de sua proposta comercial, que considerou a singularidade e o alto grau de complexidade técnica dos serviços, além da qualificação dos profissionais da banca. Mas não chegou a ser contratado, foi apenas selecionado.
O Nelson Wilians é o maior escritório de advocacia do país, com 45 filiais, espalhadas por todos os estados brasileiros, e larga experiência em questões corporativas de alta complexidade, sendo uma referência na advocacia brasileira.
Quanto à participação do CEO do escritório, o advogado Nelson Wilians, em jantar no Palácio do Jaburu, deve-se ao lançamento do livro do jornalista Lira Neto (Getúlio), com a presença do então ministro do STF, Joaquim Barbosa, e outras autoridades da área jurídica - nada fora do institucional e republicano.
Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do Nelson Wilians e Advogados Associados.

Crise

Apoio a eleições antecipadas é maior entre os jovens e os mais pobres

Índices alcançam 70% nas duas categorias
por Redação — publicado 15/06/2016 09h24

Elza Fiuza/Agência Brasil
Marina Silva
Marina Silva (Rede) durante lançamento da campanha por novas eleições em abril: há apoio à iniciativa
No caso das eleições antecipadas, o maior apoio é registrado entre os jovens e no grupo daqueles que recebem até dois salários mínimos. De acordo com a pesquisa, 72% dos jovens concordam com a realização ainda neste ano de novas eleições para a presidência da República. O percentual alcança 70% entre quem ganha até dois salários.
A ideia angaria menos adesões na região Sul (56%), entre os eleitores que recebem mais de cinco salários (63%) e os mais velhos (57%). De forma geral, 67% dos entrevistados apoiam novas eleições, enquanto 29% são contra.
O Vox Populi realizou 2 mil entrevistas em todos os estados, exceto Roraima, e no Distrito Federal. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

uestão Indígena

Neidinha, a guardiã da floresta

Indigenista abraçou a Amazônia e vetou o acesso do príncipe Charles aos índios
por Rodrigo Casarin — publicado 29/07/2016 12h14

Gabriel Uchida
Neidinha
Neidinha começou a ler com livros do faroeste. Mas não aceitava a derrota do índio
Década de 1990. Neidinha caminha com os colegas pela mata de Guajará-Mirim, em Rondônia, e escuta um assobio. Não sabe de quem parte, mas se lembra do pai. Certa vez, ele associara um barulho muito parecido àquele produzido pelas onças. Naquela ocasião, também lhe pedira para estar tranquila caso deparasse com uma, porque o bicho não costumava atacar. 
O grupo continua seu caminho. No alto de uma cachoeira, o assobio vira um barulho intenso. Uma onça-pintada salta em sua direção. Neidinha grita desesperadamente. Ela teme pela vida, mas não por sua própria. É a onça que não pode morrer. Um dos colegas acerta o focinho do bicho com o facão, outro atira com a espingarda para o alto, só para assustá-lo. “Eu só pensava em fotografar a onça”, conta Neidinha. “Vieram brigar comigo porque não deixei que a matassem. Depois que tudo aconteceu, o medo chegou. Tremi por mais de meia hora.”
Neidinha é Ivaneide Bandeira Cardozo, 57 anos, indigenista que desde 1992 lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, cuja atuação se estende a 52 etnias indígenas. À frente da organização, esteve em expedições para prender invasores de terras e madeireiros ilegais e realizou diversas aproximações com povos até então isolados.
Por incomodar poderosos, foi inúmeras vezes ameaçada de morte. Quando não está embrenhada na floresta – em algumas oportunidades passa mais de 40 dias pelas matas –, vive em Porto Velho, onde cursou História pela Universidade Federal e fez mestrado em Geografia. Casou-se com o cacique Almir Suruí, com quem teve dois de seus cinco rebentos.
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Neidinha em luta pela autogestão indígena. (Acervo Pessoal)
Filha de seringueiros, nasceu e passou boa parte da infância em meio à Floresta Amazônica. Aprendeu a ler com livrinhos de bangue-bangue, que adorava, exceto pelo destino fatal dado nessas narrativas aos indígenas e animais. “Ficava muito irritada e falava que, quando pudesse, lutaria pelo direito deles.” Na escola, deu rumo diferente para aquelas histórias. No teatro, transformou os nativos e os animais em vencedores.
Em meados da década de 1970, pintou plaquinhas e fez manifestações solitárias em praças de Porto Velho contra o desmatamento. Na década de 1980, aliou-se à Igreja para que a ajudasse a demarcar terras indígenas e proteger os povos ameaçados pela predatória prática da mineração. Na chefia de um posto da Funai – de onde foi demitida após denunciar esquemas de corrupção –, forjou o destino que culminaria na Associação Kanindé ao final dos anos 1990.
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Por amor. O casamento com o cacique. ( Acervo Pessoal)

Desde então, vive sob risco permanente por sua dedicação aos povos que aprendeu a amar. “Hoje tem madeireiro e garimpeiro demais em tudo que é terra indígena”, lamenta. “Eles entram, roubam, destroem e pouco é feito para que sejam punidos. Todo mundo que trabalha na Amazônia e faz denúncias corre risco de vida, porque está lutando contra o grande poder econômico. E o Estado está preocupado com a soja e com o gado, não com direitos humanos ou ambientais.”
Em uma das expedições para localizar madeireiros ilegais, Neidinha viveu outra grande tensão. O grupo passava por Corumbiara e pelas fazendas de alguns políticos (“famosos e perigosos, um foi até ministro da Previdência”), quando jagunços começaram a perseguição. Os integrantes deram sorte. Escondidos sob um tronco de árvore, não foram encontrados pelos perseguidores, que, se os alcançassem, acabariam com suas vidas.
Graças ao zelo pela mata, Neidinha foi parar no Palácio de Buckingham. Tudo começou quando, há sete anos, ela proibiu o príncipe Charles, da Inglaterra, criador de uma ONG de proteção às florestas, de entrar nas terras indígenas juntamente com seguranças armados.
Se o nobre príncipe quisesse conhecer aquela área, que confiasse nos indígenas e deixasse as armas do lado de fora, como estipulam as leis. Charles procurou outro canto para ser apresentado aos nativos brasileiros, mas gostou da atitude da moça e a convidou para conhecer a casa da família real inglesa. Durante a visita, Neidinha aproveitou para fazer o que lhe proibiam.
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Neidinha na aldeia Guaporé. (Acervo Pessoal)


Escondida, porque o registro de imagens é vetado no lugar, tirou algumas fotos do banheiro da mansão, extensivamente decorado. “Eu adoro arte, não podia deixar de fotografar aquelas maravilhas.” Um alento em meio à luta. “As questões indígena e do meio ambiente sempre foram relegadas a último plano em todos os governos, sem exceção”, lamenta.
“Encaram a floresta com o olhar puramente econômico, o que, para mim, denota pouca inteligência. É burrice derrubar a mata, porque isso acaba com a água, por exemplo. Nunca pensaram em como trabalhar com a floresta em vez de destruí-la.”
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O alagamento a caminho da tribo. (Acervo Pessoal)


*Publicado originalmente na edição 911 de CartaCapital, com o título "A guardiã da floresta"

Militância

Com crise econômica e incerteza política, MST vive remobilização

Movimento social próximo ao PT vê no aumento do desemprego oportunidade para amplificação da luta pela reforma agrária
por Marsílea Gombata — publicado 29/07/2016 05h22

José Cruz/ Agência Brasil
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Militantes do MST ocuparam em outubro sede do Incra, em Brasília
Em um cenário de crise econômica, desemprego e incerteza política, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) consegue, de forma aparentemente paradoxal, colher “bons frutos”. Enquanto o PT, ao qual o MST sempre esteve alinhado, mostra pouca capacidade de mobilização, o MST dá sinais de revigoramento, após se mostrar "adormecido" ao longo das gestões Lula e Dilma.
“Tanto o PT quanto o MST floresceram em um mesmo contexto, de enfrentamento da ditadura. Mas no momento em que o PT assume o governo, passa a ter uma visão de mundo própria que abate o MST”, observa Deni Alfaro Rubbo, autor de Párias da terra: o MST e a mundialização da luta camponesa.
Segundo ele, a chegada do PT ao Palácio do Planalto provocou uma acomodação no MST, por conta de programas como o Bolsa Família, o Prouni ou mesmo o financiamento para alguns assentamentos. "São políticas públicas que fizeram com que o MST não praticasse tanta ação direta, mais frequentes nos anos 1980 e 1990.”
Para Gilmar Mauro, quadro histórico e um dos líderes do MST, duas razões estão por trás de uma maior mobilização dos sem-terra hoje. Uma seria a volta do desemprego, depois de um período de pleno emprego no governo Lula. “Na medida em que houve mecanização no campo, aumentou o desemprego do proletariado agrícola, que logo foi absorvido pela construção civil”, observa.
“Hoje estamos com o desemprego em torno de 11%, com perspectiva de chegar a 15%, e uma parte desses sem-terra que estavam na construção civil agora são fortemente atingidos pelo desemprego", diz Gilmar Mauro. "Existe, então, uma tendência para que a luta pela reforma agrária se amplifique no atual contexto.”
A outra motivação residiria em um aspecto cultural, de mudança de visão sobre a vida no campo e a produção agrícola. A agricultura sempre foi vista pela sociedade como sinônimo do atraso, segundo ele, e a ideia do caipira Jeca Tatu de Monteiro Lobato foi bastante difundida na sociedade.
“É comum usar a expressão ‘estou na roça’ ou ‘tenho uma batata quente nas mãos’ para dizer que se tem uma tarefa difícil pela frente ou muito trabalho. São referências ao trabalho agrícola, cujos próprios trabalhadores não vislumbram para seus filhos”, afirma Mauro.
Hoje, o alto grau de estresse das cidades e o atabalhoamento do mundo urbano têm levado a uma revalorização da agricultura como espaço de qualidade de vida e produção de alimentos saudáveis e a um debate sobre mudanças do paradigma da produção agropecuária, explica. "Esses dois cenários, de crise e mudança cultural, dialogam com o tema da reforma agrária popular, de que é possível distribuir terras, desde que se mude o modelo agrícola de produção.”
Integrante da coordenação nacional do MST, Marina dos Santos ressalta que hoje, com trabalhadores desempregados nas grandes cidades e “preços dos alimentos exorbitantes”, muitas famílias têm procurado o MST e engrossado as fileiras da luta pela terra. “A possibilidade de ter terra para morar, plantar e produzir alimentos é vista como uma alternativa de vida”, explica.
Reforma agrária
Quando Lula chegou ao poder, em 2003, a expectativa era de que a reforma agrária demoraria pouco para se tornar realidade no Brasil. À época, 130 mil famílias estavam acampadas em todo o País chanceladas pelo MST.
O tema andou pouco nos últimos anos, e o desânimo levou a uma desmobilização responsável pela queda no número de famílias acampadas, hoje em torno de 90 mil. Em relação a ocupações, o que se observa é uma diminuição, especialmente durante o governo Dilma. Depois de ter atingido um pico de 289 ocupações em 1999, segundo arquivos do próprio MST, foram 222 em 2003 e 94 em 2013. No ano passado foram 99 ocupações em todo o País, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra.
“O que infelizmente aumentou foi o número de camponeses mortos na luta de resistência e o número de camponeses criminalizados, presos porque lutam por terra e cidadania em um país persistentemente desigual”, afirma Bernardo Mançano Fernandes, especialista em geografia agrária e movimentos sociais da Unesp.
Ele também é da opinião de que, por outro lado, algumas políticas dos governos petistas acabaram por enfraquecer o MST. “O Bolsa Família, por exemplo, desmobilizou quando deveria mobilizar. E isso é resultado da ausência de um trabalho de base para mobilizar a partir dos recursos conquistados. Ocorreu muito mais uma mercantilização do Bolsa Família do que uma conscientização dos direitos.”

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MST ocuparam a fazenda Esmeralda, com sede em Duartina, interior de São Paulo (Foto: MST)
Um mecanismo semelhante é apontado por Mauro como arrefecimento do MST nos últimos anos: “O movimento pisou no freio quando houve algumas conquistas, como maior volume de crédito e abertura de alguns mercados, como o da merenda escolar, para nossos produtos. Mas o principal ainda não ocorreu. Não tivemos uma reforma agrária, de fato, o que implicaria discutir a estrutura e desconcentrar.” Como a reforma agrária não foi prioridade dos governos petistas, o movimento tem adiante o desafio de promover sua principal bandeira e lutar contra a concentração e o agronegócio, que tiveram na recente aproximação entre Dilma e a ruralista Kátia Abreu o reflexo da agenda do governo.
“Tínhamos um compromisso político histórico do Lula de que faria a reforma agrária em uma canetada se eleito fosse. Isso passou longe, e o agronegócio se fortaleceu muito com políticas econômicas”, observa Marina.
Soma-se a isso, lembra Mançano, o fato de o governo repassar “90% dos recursos para o agronegócio que controla 74% das terras e produz 62% do valor bruto da produção, enquanto o campesinato fica com 10% dos recursos, 26% das terras e produz 38% do valor bruto da produção.”
Com o governo interino de Michel Temer e uma agenda ainda mais distante da plataforma do MST, a tendência é que o movimento tenha uma rotina mais agitada do que nas gestões Lula e Dilma, seja através de acampamentos, marchas, jejuns, greves de fome e vigílias.
Em maio, por exemplo, os sem-terra ocuparam por cinco dias uma fazenda em Duartina, no interior de São Paulo, que pertence a João Batista Lima Filho, sócio da empresa Argeplan e amigo de Temer.
“O golpe atual é também um golpe agrário. Os golpistas fecharam o Ministério do Desenvolvimento Agrário e destruíram um conjunto de políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento da agricultura camponesa”, afirma Mançano.
“Estão defendendo o processo de estrangeirização da terra, em que governos e corporações da China, dos Estados Unidos, de países árabes e europeus compram e arrendam terras em países pobres, que possuem o recurso natural, mas são subalternos às políticas globais do agronegócio. Evidente que a postura do governo golpista incita a luta.” 
O acidente nuclear de Chernobyl na Ucrânia foi um dos piores da história, comprometendo cerca de 2.600 quilômetros quadrados de terra. Depois de décadas isolada, a cidade pode ganhar uma utilidade.
De acordo com a Bloomberg, a Ucrânia está buscando investidores que queiram ajudar na construção de um sistema de energia solar na região. O objetivo é instalar painéis solares até o final deste ano, capazes de gerar mais de 1000 megawatts.
O plano tem potencial para resolver dois problemas do país. Um deles é trazer produtividade de volta para a área, que ainda se mantém inacessível devido aos danos causados pela exposição à radiação a longo prazo, mas tem muito espaço livre e barato.
“A região de Chernobyl tem um bom potencial para energia renovável” disse o ministro do Meio Ambiente, Ostap Semerak. “Nós já temos linhas de transmissão de alta voltagem que foram usadas previamente nas estações nucleares, a terra é muito barata e temos muitas pessoas treinadas para trabalhar nas usinas.”
A segunda vantagem, e a que parece ser a mais vantajosa para o governo ucraniano, está relacionada à independência energética do país. Obter energia produzida no próprio país iria diminuir a necessidade de obtê-la da Rússia.
Existem tensões políticas entre os dois países, principalmente na região leste de Donbass, que faz divisa com a Rússia, onde conflitos acontecem desde 2014. Rebeldes russos têm invadido o território ucraniano e apesar da cobertura da mídia ter cessado, a guerra continua.
A Ucrânia já diminuiu pela metade o consumo de energia vinda da Rússia, de acordo com aUkrtransgaz PJSC, e a iniciativa dos painéis solares iria melhorar ainda mais esse número.
Ainda que a construção de uma usina solar não seja tão positiva para a fauna local e existam riscos para quem for trabalhar na construções, o empreendimento levaria empregos à área.
Além disso, Chernoyl tem apresentado melhoras constantes, desde o acidente em 1986. De acordo com a World Nuclear Association, há operações em andamento para construir unidades de contenção ao redor dos reatores nucleares.
Também tem sido feito trabalhos de realocação, em parceria com governos vizinhos como da Belarus, para reconstruir áreas e consertar infraestrutura na Zona de Exclusão. A radiação continua proeminente em muitas áreas, mas vilarejos com menores taxas já podem ser utilizadas com algumas restrições.
Até agora, o projeto da Ucrânia interessou alguns investidores estrangeiros, incluindo duas empresas dos Estados Unidos.

Escuta essa! Cunha faz churrasco e Suplicy vai em cana 

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Pegaram o Eduardo certo? Nesta semana, o deputado federal afastado Eduardo Cunha, réu na operação Lava Jato, fez churrasco de despedida da presidência da Câmara em plena residência oficial. Já o ex-senador Eduardo Suplicy foi detido ao tentar impedir uma reintegração de posse em São Paulo. 

sábado, 30 de julho de 2016

CONTINUAM COMO CONTINUAM

NOS TEXTOS DE CELSO FURTADO, TRÊS QUESTÕES SÃO RESSALTADAS: A FOME, A FALTA DE HABITAÇÃO E A EDUCAÇÃO, ISTO EM 2000, RELATOU NO SEU LIVRO "EM BUSCA DE UM NOVO MODELO", PODEMOS OBSERVAR QUE EM TERMOS DE FOME, HOUVE UMA SUBSTANCIAL MELHORA , O MESMO NÃO OCORREU NA EDUCAÇÃO, PRINCIPALMENTE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO, CONTINUA E CONTINUA COM A MESMA DEFICIÊNCIA DE SEMPRE, PARECE UM  MAL SEM CURA, ATÉ QUANDO?

sexta-feira, 29 de julho de 2016

ANDANDO PELO SERTÃO

5 HORAS DA MANHÃ, ACORDO, JÁ É OUTRA VIAGEM, DESTINO JAÇANÃ, DISCUSSÃO DO PLANEJAMENTO INTERNO DA ÁREA DO P.A. VITÓRIA EM CRISTO, COM DISTRIBUIÇÃO DAS ÁREAS DE RESERVA E DOS LOTES.
AO FINAL, SAÍMOS PARA ALMOÇAR NA CASA DE GIMAILZA E SANDRO BARBOSA, E AÍ É QUE RESSALTO A RIQUEZA DESSE NOSSO  SEMIÁRIDO, NO ALMOÇO, FAVA FEIJÃO ,PRODUÇÃO DELES, PEGAMOS O PRATO NO FOGÃO ESTAVA UMA FAVA DE EXCELENTE SABOR, UMA GRANDE SURPRESA. GIMAILZA RESSALTOU QUE FALTOU O BUCHO E O LIVRO PARA COMPLETAR A CULINÁRIA DA FAVA. REALMENTE UM GRANDE PRATO, APÓS ALMOÇO, UM CAFÉ E SEGUINDO EM FRENTE, POIS JÁ É OUTRA VIAGEM.

PELAS SEMENTES

“Parabenizo as ONGs que participam desse importante evento, bem com
outros que vêm valorizando essas dinâmicas dos agricultores. E fi co pensando
no movimento sindical que temos no nosso país. Está acontecendo em Brasília
o “Grito da Terra Brasil”, com 140 itens de pauta. Penso: será que o tema
das sementes não é importante para o movimento sindical discutir em Brasília
com o governo federal e os governos estaduais? Vemos a importância das
sementes da paixão para a preservação do meio ambiente e para a valorização
da agricultura familiar, e fi co triste em saber que há uma grande representação
dos trabalhadores rurais, que tem uma grande força, que poderia somar se o
movimento sindical tivesse esse comprometimento. Ficamos tristes quando
os sindicatos chamam os agricultores para pegar as sementes que chegam
na prefeitura, sem discutir o que essas semente signifi cam para eles. Esse é
o meu repúdio e precisamos nos organizar para reprovar essas atitudes dos
movimentos sociais que não querem aderir à luta”.

SEMENTES DA PAIXÃO

“Participo da Rede de Sementes do Polo e fui convidada a participar do
lançamento do Brasil Sem Miséria, em Solânea. É com tristeza e indignação que
vemos um programa do governo que restringe as variedades dos agricultores.
Um programa que traz a questão da miséria como foco principal, lançando uma
ou duas variedades, enquanto existe uma enorme quantidade de sementes que
ao longo da história os agricultores vêm conservando. Isso gera uma sensação
de raiva mesmo, vontade de tocar fogo naquelas sementes. Isso desconsidera
um conhecimento a respeito do que, ao longo da história, foi o que trouxe a
soberania alimentar. Daí perguntamos: qual o papel da pesquisa? Se for trazer
conhecimento e autonomia para os agricultores/as fi camos felizes. Mas se for
para aumentar a submissão às sementes únicas, das empresas, então de que
serve?”
(depoimento de agricultor paraibano sobre a importância das sementes crioulas).

AINDA TEMOS PRODUÇÃO

MESMO COM UM ANO TOTALMENTE IRREGULAR EM TERMOS DE CHUVA, VEJO  QUE NO MUNICÍPIO DE JAÇANÃ AINDA FOI POSSÍVEL ALGUMA PRODUÇÃO, PRINCIPALMENTE DE FAVA. PREÇO ATUAL DO SACO DE 60KG, R$ 650,00, COM DESTAQUE PARA A ORELHA DE VÓ, RAIO DE SOL E FAVA FEIJÃO. IMAGINO EM ANO NORMAL DE INVERNO.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Exclusivo

Congressistas dos EUA denunciam a ilegalidade do impeachment

Em carta a John Kerry, 37 parlamentares pedem ao secretário de Estado que se abstenha de declarações favoráveis a Temer
por Miguel Martins, com Eduardo Graça — publicado 22/07/2016 09h59, última modificação 22/07/2016 18h09

Montagem
Montagem
Figueiredo, Dilma e Kerry: disputa política
Nos Estados Unidos, a denúncia sobre a farsa do impeachment de Dilma Rousseff, encampada por grandes jornais como o The New York Times, ganha força agora entre parlamentares norte-americanos.
Em carta destinada a John Kerry, secretário de Estado, 37 congressistas [eram 33 quando esta reportagem foi publicada] do Partido Democrata e diversas entidades sociais e sindicatos, entre eles a influente Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, pedem ao integrante do governo de Barack Obama e provável representante norte-americano nas Olimpíadas do Rio de Janeiro para lidar de forma cautelosa com as “autoridades interinas” brasileiras e de se abster de declarações ou ações passíveis de serem vistas como um apoio dos Estados Unidos à campanha contra a presidenta eleita. É previsto um crescimento do número de adesões à missiva até a segunda-feira 25.
“Nosso governo deve expressar sua forte preocupação com as circunstâncias que envolvem o processo de impeachment e exigir a proteção da Constituição democrática no Brasil”, afirmam os signatários do documento ao qual CartaCapital teve acesso.
A carta será endereçada a Kerry na segunda-feira 25, mas teve o conteúdo antecipado após seu vazamento para a embaixada do Brasil em Washington. Ao receber a missiva, o Luiz Alberto Figueiredo Machado, embaixador do Brasil nos EUA, encaminhou uma réplica aos signatários na quarta-feira 20, na qual defende a legalidade do processo de impeachment.
O esforço de Machado em convencer os congressistas a rever sua posição mostra como a carta é incômoda para o governo interino. A estratégia não deu certo. Em tréplica, o deputado democrata Alan Grayson afirmou esperar que a correspondência dos parlamentares “ajude a Administração a rever sua posição política em relação ao que aconteceu no Brasil”.
“Este não é um julgamento legal, mas político, onde dois terços de um Senado tomado pela corrupção podem dar fim ao mandato de Dilma”, afirmam os parlamentares e entidades na correspondência a Kerry. “O processo de impeachment está sob críticas de irregularidades de procedimentos, corrupção e motivações políticas desde seu início. O governo dos EUA deveria expressar sua preocupação sobre a ameaça às instituições democráticas que se desdobra em um dos nossos mais importantes aliados econômicos e políticos da região.”
A carta tece duras críticas ao presidente interino: “Michel Temer chegou ao poder e imediatamente substituiu uma administração progressista, diversa e representativa por outra que inclui apenas homens brancos a anunciar planos de impor a austeridade, a privatização e uma agenda de extrema-direita”. O documento lista ainda o pacote de maldades prometido pelo governo interino e a “divisão profunda” da sociedade brasileira.
A carta relata também a queda do ex-ministro Romero Jucá por causa da divulgação de sua conversa com Sérgio Machado, operador do PMDB na Lava Jato e um dos delatores da operação, e registra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que considerou Temer ficha-suja e o tornou inelegível, “incluindo para o cargo que atualmente ocupa”, por oito anos.
Os congressistas e entidades alertam Kerry do fato de Dilma Rousseff jamais ter sido acusada de corrupção e que as pedaladas fiscais, motivo alegado para seu afastamento, são “práticas utilizadas largamente em todos os níveis de governo no Brasil, incluindo seus dois antecessores”.
Em conclusão, os congressistas e entidades se dizem preocupados com os sinais emitidos pelo governo americano que “podem ser interpretados como um apoio” ao afastamento de Dilma. “Pelo fato de muitos brasileiros terem rotulado o processo de impeachment como um ‘golpe’ contra a presidenta brasileira eleita, é especialmente importante que as ações dos EUA não sejam interpretadas como favoráveis ao impeachment.”
Eles lembram ainda que, em 19 de abril, dois dias após a Câmara dos Deputados ter votado o afastamento de Dilma, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) reuniu-se com Thomas Shannon, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos. “Essa medida foi interpretada como um gesto de apoio ao afastamento de Dilma do cargo.”
Ao saber do conteúdo da carta, o embaixador Figueiredo enviou a réplica a cada um dos congressistas afirmando estar “surpreso”. “Permita-me esclarecer que o processo de impeachment de Dilma Rousseff está sendo realizado de acordo com as exigências da lei brasileira”, afirma o diplomata. “A Constituição brasileira está sendo respeitada de forma rigorosa pelas três esferas de governo, um fato que pode ser corroborado a partir de uma análise cuidadosa e imparcial.”
"Eu sublinho que a firme batalha contra a corrupção tem o apoio da grande maioria da população brasileira e tem gerado demonstrações de admiração e apreciação da comunidade internacional", emenda o embaixador, para então defender o interino. "Temer expressou publica e repetidamente seu comprometimento na luta contra a corrupção e em manter o ritmo das investigações em curso no Brasil livres de qualquer tipo de viés político ou partidário".
Em uma linha semelhante à desqualificação do New York Times por seus editoriais críticos ao impeachment, o embaixador afirma que considerar o processo manchado por “irregularidades, corrupção e motivações políticas” revela “desconhecimento do sistema jurídico brasileiro”. A carta segue o discurso falacioso. “O respeito às regras orçamentárias esteve presente no Brasil em cada Constituição brasileira como um dever que um dirigente público não pode negligenciar.” O festival de enganação não arrefece até o último alento.
“O embaixador não reconhece problema algum com o processo, apesar de diversas organizações internacionais, veículos de mídia, intelectuais, acadêmicos, organizações da sociedade civil, artistas, mulheres e grupos de direitos humanos terem manifestado uma séria preocupação com a falta de transparência do processo”, diz Maria Luísa Mendonça, coordenadora da rede Social Justiça e Direitos Humanos.
Resta saber se Kerry, também democrata, se sensibilizará com a denúncia de seus correligionários quando vier ao Brasil para os Jogos Olímpicos.
Abaixo, a íntegra das cartas dos congressistas e de Figueiredo: