quinta-feira, 31 de março de 2016

Entrevista - Eugênio Aragão

"Não ficará sem resposta"

O ministro da Justiça critica divulgação de áudio por Moro e afirma que o juiz agiu politicamente
por Rodrigo Martins — publicado 31/03/2016 04h31
José Cruz/ABr
Eugenio-Aragão
Com 29 anos de experiência no Ministério Público, Aragão conhece os meandros das investigações e as regras legais e funcionais que devem conduzi-las
Bastou o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, cobrar limites à atuação da Polícia Federal para despertar a ira de delegados e ser acusado de obstrução da Justiça. O PPS, satélite dos tucanos na campanha pró-impeachment, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para impedi-lo de mudar o comando da polícia.
Aragão não se intimida. “O ministro da Justiça tem um poder hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia no controle disciplinar”, afirma em entrevista aCartaCapital. Com 29 anos de experiência no Ministério Público Federal, ele avalia que o juiz Sergio Moro agiu à margem da lei ao tornar pública a conversa telefônica entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
CartaCapital: Como classificar a divulgação da conversa telefônica entre Lula e Dilma Rousseff? 
Eugênio Aragão: Vamos entender antes o teor da conversa. Aconteceu ali uma coisa singela. Da mesma forma que o ministro Jaques Wagner não pôde vir para a posse, Lulatalvez não pudesse comparecer. Dona Marisa estava doente. A presidenta Dilma agiu, então, da mesma forma como no caso Wagner. Vou mandar alguém aí, que vai lhe entregar o termo de posse, e você assina só em “caso de necessidade”. Ou seja, se você não puder vir, podemos completar o ato. É isso. Aí surgiram as especulações: “Ah, eles queriam dar um salvo-conduto para o Lula, para o caso de ser preso”. Sinto muito, é de uma asneira sem tamanho. Como é possível alguém se preservar com uma posse clandestina?
CC: Do ponto de vista jurídico, é legal a divulgação dos áudios?
EA: A questão passa pelo interesse político. Há um desvio claro da utilização do poder jurisdicional. Primeiro, pois o caso em si não tem substância, mas seu uso político causa uma comoção se é alimentada a suspeita, sem pé nem cabeça, de que aquele termo de posse era um salvo-conduto. O juiz Sergio Moro determinou o fim das interceptações às 11 e pouco da manhã, o que já é estranho. A escuta teria mais dois dias, ele encerrou antes do tempo previsto. Parece que o objetivo era exatamente criar algum tipo de comoção, dois dias antes de uma manifestação convocada pelos movimentos em favor da legalidade.
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O juiz Sergio Moro encerrou as escutas com o objetivo de tornar públicas as interceptações, de causar uma comoção. Há um desvio claro do poder jurisdicional (Foto: Nelson Almeida/AFP)
CC: Moro agiu politicamente?
EA: Agiu. Ele encerrou as escutas com o objetivo de tornar públicas as interceptações. Então é certificado nos autos que a Polícia Federal foi notificada do encerramento, mas a prestadora de serviço continuou a mandar sinal para o Sistema Guardião. Até a companhia telefônica cessar a replicação do sinal leva algum tempo. Ela continuou a abastecer o Guardião com outros telefonemas. Então, às 13h32, vem esse diálogo entre Dilma e Lula. Qual é o procedimento-padrão? A PF manda tudo ao juiz, até para não ser acusada de fazer seleção de diálogo.
CC: A PF não tem responsabilidade nesse episódio?
EA: À primeira vista, não. Eles estavam dentro do padrão. Esse material foi remetido ao juiz, que, ciente de um resto de interceptação fora do período autorizado, mandou fazer um laudo. A transcrição é feita às pressas e, por volta das 17 horas, ele torna público. Moro sabia muito bem que aquele diálogo, se tivesse alguma relevância, deveria ser incluído nos autos e remetido ao Supremo, pois a presidenta da República tem foro privilegiado. Pior: ele deu publicidade a uma prova que não lhe pertencia. 
CC: Usurpou uma competência do Supremo. É isso?
EA: É extremamente grave. Moro demonstrou intenção política, desprezo no que diz respeito à autorização da escuta, que não valia mais, e, por fim, divulgou, sem antes remeter os autos para o Supremo. Evidentemente, isso configura um claro acinte à Segurança Nacional. Em país nenhum do mundo alguém pode sair escutando diálogos de um presidente da República ao telefone. Um juiz não tem esse poder.
CC: Quais providências o governo pretende tomar?
EA: Estamos avaliando, mas não ficará sem resposta. Algumas medidas foram tomadas. A Advocacia-Geral da União conseguiu trazer a investigação relacionada ao ex-presidente para o Supremo, e o relator determinou que todos os diálogos voltassem a ser sigilosos, como manda a lei. A legislação é muito clara: o ato de levantar o sigilo depois da escuta é para garantir a defesa dos acusados. Mas o conteúdo continua sigiloso para o grande público, não está liberado.
O artigo 10 da Lei de Interceptações incrimina quem tomar esse tipo de atitude. Escutas que não se prestam ao processo devem ser destruídas. Aquele diálogo peculiar da ex-primeira-dama (em que Marisa critica os paneleiros) não tem nenhuma utilidade processual. É conversa reservada. Se a gente não pode falar o que quer em conversas privadas, em que país vivemos?
CC: Em que medida esse episódio compromete a Lava Jato?
EA: Quero deixar bem claro que isso não compromete as conclusões e o trabalho regular da operação. Não se trata de atacar o juiz Moro com a finalidade de atacar a investigação. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Precisamos ser republicanos. O governo tem todo interesse de preservar a Lava Jato, mas no que diz respeito aos abusos, que maculam a investigação, deve demonstrar a sua preocupação.
CC: Como o senhor pretende conter os vazamentos, se isso parece ser uma estratégia da força-tarefa para angariar apoio da opinião pública?
EA: Temos três atores: a PF, sob a supervisão do Ministério da Justiça, o Ministério Público e o Judiciário, que têm seus órgãos de controle. Cada um que faça o seu dever de casa. O ministro da Justiça não tem nenhuma ingerência sobre a atividade fim da Polícia Judiciária. Em relação à coleta de provas e à investigação propriamente dita, os agentes da PF prestam satisfação ao Judiciário. Mas o ministro da Justiça tem um poder hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia no controle disciplinar. Se nós verificamos que um agente desvia as suas atribuições, é claro que temos de garantir que esse tipo de atuação seja coibido. Queremos uma polícia de excelência, e isso não se compraz com o vazamento clandestino de informações.
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A respeito da disciplina na Polícia Federal: O Ministério da Justiça tem poder hierárquico (Foto: Rovena Rosa/ABr)
CC: Em que circunstâncias um policial pode ser afastado?
EA: Sei que a grande maioria dos policiais é séria, e sei também que, se vazamento houve, não necessariamente partiu de nossos agentes. A lei permite o afastamento em caso de motivada e razoável suspeita. Quando digo que não precisa de prova, é porque a suspeita é suficiente. É o poder administrativo cautelar que a gente tem, até para não permitir máculas na investigação. Apenas demos uma chamada, para cessar qualquer tipo de intenção de transformar a Lava Jato num factoide político.
CC: O senhor planeja alguma mudança no comando da PF?
EA: Cheguei há uma semana, estou conhecendo os atores, observando seu modo de trabalhar. Também pergunto se desejam continuar. A relação de confiança é bilateral. Ninguém pode ser obrigado a se submeter a um ministro em quem não confia. É perfeitamente possível que alguns não queiram trabalhar comigo, assim como posso não querer trabalhar com eles.
CC: Delegados se manifestaram contra uma possível interferência do senhor. Um partido político entrou até com uma ação para impedi-lo de mudar cargos na PF. O senhor se sente intimidado?
EA: Não, absolutamente não. Apenas não permito que os agentes não observem as normas disciplinares. Entrevistas só podem ser feitas com autorização da direção-geral da PF. Se um delegado der uma entrevista não autorizada, isso pode lhe trazer consequências. Não me refiro à Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. Seus integrantes estão no papel de fazer política. Agora, um policial que, em atividade regular, venha fazer publicamente críticas à administração, isso tem outra conotação. Tenho 29 anos de Ministério Público Federal e sempre atuei dentro das regras. Jamais interferi em investigações, jamais.
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Sobre a tese de que Lula foi nomeado ministro para escapar de Moro: Lenda urbana (Foto: Nelson Almeida/AFP)
CC: O senhor acredita que o procurador-geral Rodrigo Janot deu aval à divulgação dos grampos?
EA: Não acredito que ele tivesse conhecimento dos conteúdos divulgados, até porque esse material não chega ao procurador-geral com essa pressa toda. Isso é do conhecimento da força-tarefa. Se os autos sobem para o STF, aí ele toma conhecimento.
CC: Recentemente, um juiz de Brasília expediu uma liminar contra a posse de Lula em tempo recorde, após ter participado de manifestações pró-impeachment. O ministro Gilmar Mendes tampouco esconde seu antipetismo. Essa politização da Justiça é saudável para o País?
EA: Quem tem de se preocupar com a politização do Judiciário é o Conselho Nacional de Justiça e o STF. Como cidadão brasileiro, posso ficar muito preocupado com essa tendência de politização. Parece-me que isso não contribui muito para a superação da crise em que nos encontramos.
CC: Como o senhor avalia o argumento de que o ex-presidente Lula aceitou o cargo de ministro apenas para obter foro privilegiado?
EA: É lenda urbana. Há tempos o governo precisa de alguém com interlocução mais efetiva com os atores do Legislativo, e o ex-presidente tem esse perfil. Não há vantagem nenhuma em ser julgado pelo Supremo. Além de ter demonstrado nesses anos que não compactua com a impunidade, o STF não oferece instância revisional. Tanto é assim que muitos dos réus do “mensalão” clamaram para ser julgados em primeira instância, onde tinham mais chances de reverter decisões desfavoráveis. 

STF decide que vai julgar se grampos de Lula vão para juiz Moro

Felipe Amorim
Do UOL, em Brasília
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  • Alan Marques/Folhapress
    O ministro Teori Zavascki
    O ministro Teori Zavascki
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmaram, por maioria, nesta quinta-feira (31) a decisão do ministro Teori Zavascki de determinar a remessa ao Supremo dos procedimentos relacionados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que ocorreram interceptações telefônicas autorizadas no âmbito da Operação Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A data do julgamento do mérito da questão ainda não foi marcada. Foram oito votos a favor e dois contra.
Com a decisão, o Supremo terá agora que analisar se o inquérito contra o ex-presidente tramitará no STF ou se poderá ser devolvido ao juiz Sérgio Moro.
O STF não fez nesta quinta-feira o julgamento em definitivo sobre a questão. O que foi decidido é apenas uma espécie de referendo da liminar (decisão provisória) de Teori, que optou por submeter seu julgamento ao plenário do STF. O caso ainda será analisado pelo Supremo para uma decisão definitiva.
A decisão trata apenas dos inquéritos relacionados ao ex-presidente e não analisou a proibição de que Lula tome posse como ministro da Casa Civil. Esse segundo caso é tratado em outra ação no STF, que ainda não tem data para ser julgada
No último dia 22, Teori determinou a remessa ao STF de procedimentos relacionados à Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba em que foram feitas interceptações de conversas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
A decisão de Teori foi tomada após a Presidência da República recorrer alegando que os grampos autorizados por Moro registraram diálogos da presidente Dilma Rousseff e de outros políticos que possuem foro privilegiado, ou seja, só podem ser investigados com o aval do Supremo.
A investigação contra Lula captou conversas do ex-presidente com Dilma, o ministro Jaques Wagner e deputados federais do PT.
Um dos áudios revelou que a presidente Dilma havia enviado antecipadamente a Lula o termo de posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil. Na conversa gravada, Dilma diz a Lula para usar o documento "em caso de necessidade".
 
O diálogo foi interpretado como um sinal de que o governo agia para retirar Lula do alcance do juiz Sérgio Moro. A Lava Jato investiga se o ex-presidente foi beneficiado por empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção na Petrobras. Como ministro, Lula só poderia ser investigado com aval do STF.
A divulgação da conversa deu força a protestos pelo país e ajudou a sustentar decisões judiciais que impediram a posse de Lula no ministério.
Em sua decisão liminar, Teori havia afirmado que apenas o STF poderia decidir sobre em qual instância podem tramitar inquéritos que envolvam autoridades com prerrogativa de foro.
A decisão de Teori também atacou o fato de Moro ter autorizado a divulgação dos diálogos, ao levantar o sigilo sobre os áudios do inquérito
Ao defender que a análise dos grampos pelo STF, o ministro-chefe da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo,  comparou as intercepções telefônicas ao sistema do "Grande Irmão", criado pelo escritor George Orwell, no romance 1984. "Não temos mais o direito à privacidade, estaremos nós no mundo do "Big Brother" do George Orwell?"
Os dois votos contra foram dos ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fuz que discordaram em parte da decisão de Zavascki por entenderem que apenas os fatos relacionados à presidente Dilma Rousseff e autoridades com foro privilegiado deveriam ser remetidas ao STF. 
O ministro Gilmar Mendes estava ausente do plenário em viagem ao exterior e não deu seu voto. 

Opinião

O centro da crise é o Congresso

O país precisa de um parlamento forte institucionalmente, capaz de cumprir suas competências constitucionais
por Fernando Filgueiras — publicado 31/03/2016 04h31

José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas
Congresso Nacional
Sessão conjunta no Senado, em 2015
O cenário político atual não é para principiantes. Antes de pularem do barco, os piratas atearam fogo no seu depósito e o resultado é que nada sobrará à tripulação. No caso, nós, simples mortais.
O fato é que a conjuntura política atual encerrou um ciclo no Brasil, o qual foi inaugurado com a Constituição de 1988. Depois de um governo de transição com Sarney, o solavanco da renúncia de Collor, o governo de transição de Itamar e os governos que chegaram ao fim com FHC e Lula, a nossa atual conjuntura revela que a consolidação da democracia não é garantida, ainda. Mas por que chegamos a este cenário?
É muito inocente crer que isso dependa apenas do temperamento da atual presidente. É fato que este temperamento não ajuda, mas o problema é mais institucional do que propriamente pessoal. E olhar para as instituições neste momento revela alguns desafios para um novo ciclo que se abre.
A Operação Lava Jato abriu a caixa de pandora da política brasileira. Colocou todos os atores políticos fazendo o seu pior, incluindo neste rol as conspirações, as bravatas e as sedições. Do lado da sociedade, atiçou a intolerância, a falta de clareza política e o autoritarismo.
O momento é de olhar para o presente com a luz do nosso passado recente e com a direção para o futuro. O que queremos, afinal?
O motivo para chegarmos no lugar que estamos, é a fraqueza institucional do Congresso Nacional, a péssima qualidade da representação política e um desarranjo nas relações entre os três poderes.
Esta face expõe problemas sérios quanto à qualidade do regime democrático no Brasil. Temos uma democracia. Isto é fato. Mas uma democracia que carece de um sistema representativo sólido, primeiro pela abusiva interferência do dinheiro na política; segundo, pela sua alta fragmentação; terceiro, pela quase ocultação do Congresso no cenário político.
De saída, a interferência do dinheiro na política ocorre no momento da delegação. Isto é, as eleições. A Lava Jato revela não o fato de o governo do PT ser corrupto pela sua natureza. Revela o fato de que todos os atores do sistema representativo dependem do dinheiro de grandes empresas e grandes doadores para que possam se eleger.
Neste caso, é bom guardar nos anais da República que a Odebrecht mantinha um Escritório de Operações Estruturadas. Nome pomposo para um escritório de propinas, que não respeitavam o colorido ideológico. Abrangiam todos os partidos, de situação e de oposição, de esquerda e de direita.
Esta intervenção do dinheiro enviesa a representação política, corrompe o processo eleitoral, corrompe o processo decisório, corrompe as políticas públicas e cria um sistema de ampla exclusão da cidadania. Ao excluir a cidadania da representação, o resultado é a enorme desconfiança institucional com a qual convivemos, tornando qualquer política e qualquer ação pública ilegítima aos olhos da sociedade.
Some-se ao problema da interferência do dinheiro na representação a alta fragmentação partidária, a qual cria problemas para qualquer governo. Presidentes têm que vender a sua alma a este conjunto de representantes dispersos e fragmentados, preocupados mais com o fisiologismo em relação às suas bases do que propriamente com a qualidade das políticas públicas.
Um Congresso que ao longo da história da Nova República veio gradativamente se fragmentando, o que dificulta muito a composição de qualquer governo e a constituição de maioria. O presidencialismo de coalizão até funcionou nos governos FHC e Lula. Mas ao custo da inércia de um sistema político fisiológico e pouco afeito aos seus compromissos institucionais.
Em terceiro lugar, há um desarranjo da relação entre os três poderes. O Congresso brasileiro sempre delegou ao Poder Executivo o protagonismo na construção das políticas públicas e na direção da política. Um erro.
O Congresso deveria participar mais efetivamente nos projetos de políticas públicas conduzidas pelo governo, monitorar e avaliar estas políticas e exercer efetivamente a sua competência para controlar a administração pública.
O Congresso tem meios para isso. O TCU é o seu órgão assessor, mas é deixado à plena autonomia e liberdade, sendo que o Congresso se omite desta sua função. Por outro lado, este mesmo Congresso delega ao Poder Judiciário enorme poder, inclusive para legislar.
O Judiciário deve ser um guardião da Constituição e um profícuo vigilante dos procedimentos institucionais. No entanto, no Brasil, temos uma Corte Constitucional que discute questões materiais, sendo elas retiradas do Congresso.
O melhor sintoma para verificar esta delegação é o fato de uma emenda constitucional que está em tramitação delegar aos órgãos corporativos do mundo jurídico a indicação de ministros para o STF.
Hoje esta indicação é feita pelo presidente da República, cabendo ao Senado Federal aprová-la. O problema não está no presidente fazer a indicação, mas no fato de o Senado não levar a sério as sabatinas dos indicados ao STF e cumprir a sua missão. No entanto, ele quer abrir mão desse poder e delegá-lo às próprias carreiras jurídicas.
No centro de toda a crise política, vejam bem, está o Congresso Nacional. Temos um Congresso institucionalmente fraco, que está sempre a reboque do Executivo e que delega ao Judiciário a discussão das questões substantivas. Sobra a este Congresso apenas a sua composição fragmentada, como um grande Frankenstein, e a pequena política fisiológica.
A Lava Jato revelou o pior do sistema político brasileiro. Em primeiro lugar, uma corrupção sistêmica que afeta todos os partidos. Uma interferência indevida do dinheiro na representação, que exclui a cidadania do processo decisório.
Em segundo lugar, um governo que é refém da fragmentação partidária e que, ao ser cobrado por não interferir na Polícia Federal, é abandonado pelos ratos à sua própria sorte.
Em terceiro lugar, um Judiciário que extrapola suas competências, ao revés da própria legalidade, no afã de fazer justiça a qualquer custo. Por fim, um Congresso Nacional fraco, que se omite das grandes discussões nacionais e que vive a reboque do fisiologismo pequeno e infantil.
O PMDB, neste cenário, se torna sempre o ator político chave. Para o bem e para o mal. Isto porque ele tem um capital político que nenhum outro partido tem.
A capilaridade do PMDB no poder local o torna relevante para qualquer projeto de poder. Estar junto com o PMDB é um problema, porque qualquer agente terá de entregar os dedos para salvar o anel. Estar sem o PMDB significa que ficam sem o anel e sem os dedos. A sua fragmentação e fisiologismo resumem o problema.
O centro dos nossos problemas está no Congresso. Com a corda no pescoço em função da Lava Jato, a esperança dos representantes é que um governo Temer freie a operação e a jogue na vala do esquecimento. Fica o PT sem os dedos e sem o anel.
Mas o próximo passo será combinar com os russos nesta história. Juízes e procuradores aceitarão a vala do esquecimento em nome de um acordão em torno de Temer? Depois do barulho e da agitação que fizeram, aceitarão a pecha da impunidade? Só as cenas dos próximos capítulos nos dirão.
Mas se engana muito quem acha que para resolver o problema precisamos atear fogo no Congresso. Para este momento presente e para a construção do futuro precisamos de um Congresso mais forte institucionalmente. O sistema representativo não é perfeito, mas ele permite vocalizar a soberania popular. E isto conta muito em uma democracia.
Um Congresso que tenha capacidade de fazer as grandes discussões nacionais, ser autor da lei e exercer plenamente as suas competências constitucionais. Um Congresso Nacional fraco cria um governo fraco e um Judiciário que extrapola seus poderes. É a pior mistura que podemos produzir.
Não é por acaso que a primeira providência de qualquer governo autoritário e ditatorial toma é fechar o Congresso. Ditadores sabem o que fazem. E não dão a menor bola para a opinião pública.
*Fernando Filgueiras é diretor de Comunicação e Pesquisa e da Escola Nacional de Administração Pública
POSICIONAMENTO DA ASA ACERCA DA ATUAL CONJUNTURA BRASILEIRA

A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é um fórum que reúne cerca de 3.000 (três mil) organizações da sociedade civil que há décadas atua no Semiárido Brasileiro. Desde 1999, de modo mais sistemático, sua atuação e presença se identificam com ações voltadas para a região, na perspectiva de reforçar o protagonismo de seu povo e a solução de seus problemas, com estratégias e ações direcionadas para a proposição, execução e/ou controle social de políticas de convivência com o Semiárido.
As ações e perspectivas da ASA têm alcançado muita ressonância, nacional e internacionalmente, e múltiplos são os seus parceiros. Seus resultados e impactos também são grandes. Parceira também do Governo Federal, especialmente por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Ministério do Meio Ambiente (MMA), a ASA sempre se manteve autônoma e livre.
O Brasil vive, no atual momento, uma crise institucional, política e econômica que está impactando a vida de todas as pessoas, especialmente as mais excluídas, trazendo no seu bojo o desemprego, a volta da inflação, a diminuição de renda, a ameaça às conquistas sociais construídas pelos Governos e organizações sociais, de modo especial ameaça à convivência com o Semiárido e à segurança alimentar e nutricional. Crise esta de responsabilidade não apenas do executivo, mas também do legislativo e do judiciário.
Neste contexto acima descrito, preocupa-nos de modo especial:

·        O surgimento de uma cultura de intransigência e ódio, com nuances fascistas, bastante apoiada e incentivada pela grande mídia, que vem destruindo a cultura do mútuo respeito, da pluralidade, do direito à diversidade, e que vêm marcando crescentemente o povo brasileiro.

·        A leitura de que a saída para a crise estaria na deposição da atual Presidenta da República. Efetivamente, a Presidenta foi eleita pela maioria do povo brasileiro, em eleições regulares, sendo, assim, legítimo o seu mandato. Deste modo, o processo de impeachment, ainda que um expediente legal e constitucional, torna-se praticamente um golpe, quando levado a efeito sem efetivos crimes de responsabilidade que o fundamentem. Somos, desta forma, contra o impeachment.

Estar a favor do direito de governar da Presidenta Dilma Rousseff não significa concordar com sua política econômica, com a Reforma da Previdência, com as múltiplas ações que inviabilizam as políticas sociais, penalizam os/as trabalhadores e trabalhadoras e desrespeitam seus direitos. Acerca das políticas sociais, reconhecemos a importância e o significado da continuidade de políticas como o “Bolsa Família”, “Minha Casa Minha Vida”, “Programa Cisternas”, “Pronatec”, “Mais Médicos”, “PAA”, “PNAE”, “Assistência Técnica”, “Crédito” e muitas outras que vêm garantindo aos/às mais pobres o acesso a direitos fundamentais.
Estar a favor do direito de governar da Presidenta Dilma Rousseff não significa, também, apoiar a corrupção. Combater a corrupção, é verdade, significa grande passo no aperfeiçoamento da Democracia e das instituições de Estado, garantindo que os recursos públicos cheguem à sua real finalidade. Somos favoráveis a estes processos, desde que andem rigorosamente dentro dos trâmites da lei e sejam investigados todos os suspeitos, quer sejam eles de qual partido for. E se julgue a todos e não apenas alguns hipoteticamente envolvidos, garantindo a cada cidadão o direito de defesa. Contudo, se o Brasil, especialmente suas lideranças, não tiver a coragem de fazer uma profunda e significativa reforma política, o combate à corrupção estará se dando nas folhas das árvores e não nas suas raízes.
Para nós da ASA, o que está em jogo na atual conjuntura não é apenas a manutenção ou substituição de uma Presidenta da República, não é a questão de eliminar ou de ter mais ou menos corrupção, mas sim um projeto de nação. Nesse sentido, colocamos nosso potencial à disposição e nos declaramos a favor de um projeto de nação que:

·        inclua todos os/as cidadãos e cidadãs, criando efetivas oportunidades para que especialmente os/as mais pobres tenham acesso a direitos que sempre lhes foram negados: terra, água, educação, saúde, comunicação, alimento sadio, entre outros;

·        que respeite as diferenças, a multiplicidade de povos, etnias, culturas e modos de ver e viver existentes no Brasil e incentive sua inter-relação;

·        aplique os resultados da Petrobras, do Pré-Sal e do próprio Governo a serviço da população brasileira e não os entreguem ao capital internacional;

·        que, olhando os ganhos que as políticas sociais trouxeram para a construção de um Brasil mais justo, possamos aumentá-las e ampliá-las, caminhando para perspectivas estruturantes que possam garantir sustentabilidade a um processo de transformação social.

Neste âmbito, somos contra a corrupção, somos contra o impeachment, somos pela Democracia, mas, sobretudo, somos a favor de um projeto de nação que inclua a todos e todas, especialmente os/as mais pobres, respeite a pluralidade, os direitos e a vida.


POR UM SEMIÁRIDO VIVO. NENHUM DIREITO A MENOS!!!


Semiárido Brasileiro, 30 de março de 2016

Articulação Semiárido Brasileiro


quarta-feira, 30 de março de 2016

Pediatra nega atendimento à criança por mãe ser petista, e caso vira polêmica no RS

Ronaldo Marques
do BOL, em São Paulo
  • Divulgação
    30.mar.2016 - O filho de Ariane Leitão não foi atendido por médica no RS
    30.mar.2016 - O filho de Ariane Leitão não foi atendido por médica no RS
Imagina a seguinte situação: a pediatra que atende ao seu filho te manda uma mensagem dizendo que não irá mais realizar o acompanhamento médico da criança por conta de seus posicionamentos políticos. O caso aconteceu com a vereadora suplente Ariane Leitão, ex-secretária de política para mulheres do Rio Grande do Sul e filiada ao PT (Partido dos Trabalhadores), em Porto Alegre (RS).
Em um post publicado no Facebook, Ariane Leitão relata que foi surpreendida por uma mensagem da pediatra cancelando uma consulta de rotina com seu filho, Francisco. O desabafo diz ainda que a profissional revelou estar declinando de "maneira irrevogável" de atender o bebê pelo fato da mãe dele ser "petista" (veja abaixo o relato completo de Ariane).
Em entrevista ao BOL, Ariane disse que se sentiu violentada com o que ocorreu. "Não diretamente, mas o meu filho foi privado de um direito, e quando as coisas envolvem seu filho é muito pior do que quando acontece contigo. O que ela fez na mensagem, citando o nome do meu filho, em caráter irrevogável, me causou tristeza e indignação".
Por conta do acontecido, a política formalizou uma denúncia contra a médica, identificada como Maria Dolores Bressan, no Cremers (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul).
O caso ganhou ainda mais repercussão após Paulo de Argollo Mendes, presidente de outra entidade da categoria, o Simers (Sindicato Médico do Rio Grande do Sul), dizer em entrevista ao jornal Diário Gaúcho, que a médica não descumpriu nenhuma regra do código de ética e que ela - a profissional - deveria até "se orgulhar" de ter sido honesta.
Em virtude da declaração polêmica de seu presidente, o Simers divulgou uma nota afirmando que concorda com o posicionamento dele. E cita um trecho do código de ética da entidade: "O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente".
Ao saber da opinião do sindicato, Ariane afirma, resignada, que não acredita mais que a médica será punida. "Acho que ela sofrerá algo pontual. Mas, não quero julgar nada. Todos temos a oportunidade de se defender. Só que depois da mensagem do sindicato, que representa um pouco o posicionamento da entidade, corporativista, eu tive a mesma sensação de quando recebi a mensagem da médica. Falta de solidariedade dentro de uma profissão que trabalha com vidas. Lamentável", afirma.
Ariane também acredita que a ação abre um precedente perigoso, que pode permitir que profissionais comecem a negar atendimentos por diversos motivos com outras pessoas. "O Brasil era visto mundialmente como um país solidário. Deixamos de ser isso. A violência passou dos adultos e está chegando às crianças. Se fosse com o seu filho, o que você faria? Precisamos discutir as garantias dos direitos. A violência está no ambiente infantil. As pessoas estão se sentindo no direito de violentar quem pensa diferente. Eu espero que os pais e as mães reflitam."
A pediatra
Paralelamente a isso, uma versão da mensagem que teria sido enviada pela pediatra Maria Dolores Bressan para Ariane Leitão via WhatsApp viralizou na web.
Na mensagem atribuída a ela, a médica teria dito que não atenderia a criança por conta das filiações políticas de seus pais e que "poderia inventar desculpas, atender de mau humor, mas prefere a honestidade que sempre pautou sua vida particular e pessoal".
O BOL ligou no consultório da pediatra, mas, no momento, representantes dela afirmaram que ela não está comentando o assunto.
Leia mais em: http://zip.net/bls4Ld