quinta-feira, 28 de abril de 2016



Mídia

O olhar da imprensa internacional sobre o impeachment no Brasil

Diferentemente dos veículos nacionais, a imprensa estrangeira cobre a crise política revelando os reais interesses por trás do pedido de impedimento
por Intervozes — publicado 28/04/2016 15h05
New York Times
The New York Times: cobertura crítica aos corruptos que tentam derrubar a Presidenta
Por Camila Nóbrega*
“O deputado votou ‘sim’ pela abertura do processo de impeachment e disse que fez a escolha pelo futuro do Brasil e por sua esposa e filhos”, traduzia um repórter da BBC Internacional, em flash com imagens diretas da Câmara dos Deputados no domingo 17 de abril, seguido de uma análise sobre a ausência de argumentos relacionados às acusações feitas à presidenta nos discursos dos parlamentares.
“O presidente da Câmara brasileira, Eduardo Cunha, que conduz a votação no dia de hoje, é acusado de corrupção e alvo da Lava Jato”, explicava o canal Euronews. “Milhares de pessoas estão nas ruas, divididas; enquanto há quem comemore, são muitos os brasileiros e brasileiras que denunciam um golpe em curso”, esclarecia a jornalista da Al Jazeera ao vivo, apenas alguns minutos antes da confirmação da abertura do processo.
Durante as cerca de oito horas de votação, o Brasil esteve nas notícias mais importantes (“breaking news”) de centenas de canais de televisão, jornais, rádios e sites de todo o mundo.
E, durante todo este tempo, jornalistas enfrentavam em diferentes sotaques o desafio de explicar o emaranhado de relações de poder e alianças no Congresso brasileiro e a construção de um discurso conservador e autoritário, no caminho que levou à abertura de processo para julgamento de um possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Entre os veículos de comunicação que adotaram uma linha mais crítica e apostaram na apuração jornalística própria, especialmente com correspondentes enviados ao Brasil ou até mesmo a partir de escritórios instalados no País, os obstáculos não eram menores.
Afinal, imagine o desafio de explicar que vários dos parlamentares que tinham direito ao voto naquele momento figuravam na lista da operação Lava Jato sob graves acusações de corrupção, incluindo o presidente da Casa.
Se a tarefa de esclarecer a situação é árdua entre brasileiros, imagine o fardo de quem precisa fazer isso para pessoas que não estão sequer familiarizadas com o contexto político do País, apresentando a biografia extensa desses parlamentares que ali vociferavam contra a “corrupção”.
Some a isso a necessidade de traduzir, além de centenas de dedicatórias a filhos e esposas, declarações como a do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que homenageou Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido pela Justiça Brasileira como torturador.
Em meio às dificuldades – e também às facilidades, é bom lembrar – impostas pelo distanciamento, a cobertura internacional de um dos principais momentos na história recente brasileira marcou grandes diferenças em relação ao que figurou na mídia tradicional nacional. E, acima de tudo, marcou uma virada.
Onde, apenas um mês atrás, veículos descreviam os protestos nas ruas com um certo glamour de luta contra a corrupção, os espaços de questionamento cresceram. Veio à tona o fato de que os motivos para a abertura de um processo de impeachment são, no melhor dos casos, duvidosos, assim como a credibilidade e idoneidade dos deputados que estavam à frente do processo.
A narrativa na imprensa internacional
Enquanto a imprensa brasileira seguiu retratando a votação do impeachment como um jogo de futebol, ficou a cargo da mídia internacional o chamado a reflexões e à garantia de princípios jornalísticos de apuração.
Ganharam espaço detalhamentos sobre o processo da votação em si, o que aconteceria daqui para frente e o fato de que a crise política não se encerraria na votação, independentemente do resultado.
Foram órgãos de mídia internacionais também os responsáveis por pautarem e explicarem os motivos que levam uma grande parcela da população brasileira a denunciar um golpe em curso.
Assim seguiu a semana com uma cobertura mais equilibrada vinda dos meios de comunicação estrangeiros. Entre os impressos, o jornal britânico The Guardian, após o resultado da votação na Câmara, optou por reportar a situação dando espaço à fala do líder do governo na Câmara, José Guimarães, que pediu aos brasileiros e brasileiras contrários ao golpe que permaneçam mobilizados.
O jornal é um dos poucos a dar nome e sobrenome ao processo. Afirmou abertamente que há uma ansiedade da oposição em conseguir o impeachment de Dilma Rousseff a fim de instalar no Brasil o primeiro governo de centro-direita em 13 anos.
O periódico é um dos que também tem feito questão de ressaltar as acusações nas costas do presidente da Câmara.
Aliás, se a ficha de Cunha está longe de ganhar destaque no Brasil, ela é considerada elemento central por muitos veículos da mídia internacional. A versão brasileira do jornal El País também ressaltou na última semana o preço que a oposição aceitou pagar para que o impeachment passasse, em referência à aliança com Cunha e à ocultação de seus milhões não declarados no discurso que passou a apontar apenas a presidenta e o ex-presidente Lula como focos dos escândalos.
Os mesmos questionamentos também ganham espaço nos três principais jornais norte-americanos, de linha liberal: The New York TimesThe Wall Street Journal e The Washington Post, que têm destacado as suspeitas de corrupção contra vários parlamentares à frente do impeachment.
Já a revista alemã Der Spiegel, apesar de manter em seu site um vídeo da votação mostrando apenas as manifestações verde-amarelas, descreveu o processo de votação como “a insurreição dos hipócritas”.
Na América Latina, a cobertura dos jornais hermanos também têm tido um papel importante. O colombiano El Espectador ressaltou a falta de argumentos dos deputados durante a votação, apontando que falas com cunho religioso e até mesmo contra “o comunismo” foram feitas de forma absolutamente descontextualizada.
La Nación, da Argentina, afirmou que a crise política está longe de acabar e apontou que o País tem uma presidência “na porta da saída de emergência, um Congresso que festeja com euforia a crise política que divide o País e um novo eventual mandatário também suspeito de corrupção”.
Agências independentes de notícias como a Pressenza – International Press Agency, que tem foco na América Latina – ficam a cargo de análises mais aprofundadas e questionamentos que posicionam a crise política no cenário e de interesses econômicos internacionais.
A crítica internacional à mídia brasileira
A emissora do Catar Al Jazeera trouxe como alvo de questionamentos a própria mídia brasileira, fazendo crescer a discussão sobre o cenário de concentração dos meios de comunicação no Brasil e tocando no calcanhar de Aquiles dos principais veículos do País.
A Al Jazeera foi uma das primeiras a utilizar com mais clareza a palavra “golpe”, explicitando o posicionamento crítico de grande parcela da população em relação à tentativa da oposição de centralizar acusações e investigações sobre o Partido dos Trabalhadores e sobre a presidenta, passando por cima de processos e instituições democráticas e protegendo um número considerável de parlamentares envolvidos nos escândalos da Lava Jato.
A publicação online norte-americana The Intercept também têm colocado a mídia nacional em xeque, principalmente por meio das reportagens do jornalista Glenn Greenwald, que mora no Brasil e se tornou conhecido após publicar reportagens sobre os documentos revelados por Edward Snowden.
No último mês, Greenwald publicou textos no The Intercept sobre a concentração da mídia brasileira e o papel dos veículos do País na construção do discurso conservador contra a corrupção e a favor da retirada de Dilma Rousseff.
The Intercept também apontou, na última semana, a possível investida do vice-presidente Michel Temer em angariar apoios de setores nos Estados Unidos, por meio de uma viagem de um senador Aloysio Ferreira Nunces (PSDB-SP) ao País.
Por esses exemplos e outros mais, a cobertura internacional tem desempenhado um papel importante nesse momento da história brasileira e tem ganhado status de mais equilibrada, contundente e aprofundada.
A situação, porém, está longe de ser ideal. Os casos relatados acima ganharam repercussão aqui no Brasil exatamente por conterem informações ocultadas pela mídia brasileira. No entanto, a maior parte do que é divulgado sobre a crise política no País ainda se limita a reproduzir fragmentos de agências internacionais e a superficialidade da cobertura dos canais nacionais.
A agência Press Trust of India, principal daquele país, limitou-se, por exemplo, a falar da votação. A leitura descontextualizada não dá sequer a dimensão da divisão de opiniões.
A cobertura restrita se repete também nas agências de notícia russas, que só agora começaram a falar do tema, após semanas de silêncio. A Russian Information Agency só deu espaço ao caso no Brasil após a votação do impeachment na Câmara.
Logo após, o jornal Russia Today publicou uma matéria intitulada “As Olimpíadas serão um sucesso, independentemente do impeachment”, tentando apaziguar os ânimos para os jogos.
Alguns russos têm interpretado o silêncio da imprensa local sobre o que se passa no Brasil como uma tentativa de não trazer ao debate público um caso de impeachment em um dos BRICS – e assim não inspirar críticos de Putin.
Fugindo das armadilhas
Nessa análise sobre cobertura internacional, é importante não cair em algumas armadilhas. Os elogios à cobertura internacional devem ser ponderados, para não resultar em mais retrocessos. Uma coisa é sabida por todo correspondente internacional: é sempre mais fácil falar dos problemas alheios.
É natural que a mídia local tenha mais dificuldades de falar de problemas do próprio território. Com menos relações diretas com poderes locais, às mídias estrangeiras sobra mais liberdade.
Isso não significa, entretanto, que essas mesmas mídias poderão chegar a fazer associações mais amplas, questionando as relações de seus países de origem com escândalos em outras nações, como o que ocorre no Brasil, por exemplo.
Segundo ponto: não faltam exemplos de como a globalização no campo da comunicação também traz prejuízos às narrativas. Nesse olhar geral de contexto mundial faltam, entre outros aspectos, espaço para o esclarecimento sobre o que aconteceu com o Brasil nas décadas que sucederam a ditadura militar e que mantiveram no poder parlamentares que lá estão desde então, assim como as características de coronelismo, que permanecem.
A falta dessas perspectivas a partir de uma mídia brasileira não será suprida por veículos e jornalistas internacionais. Não nos iludamos.
Por fim, um dos maiores erros é olhar para a cobertura internacional como uma idealização em termos de técnica jornalística. As mídias independentes que têm surgido no Brasil são uma boa imagem disso. Se aqui não há espaço para uma boa cobertura, isso nada tem a ver com um padrão de jornalismo. Colocar as coisas nesses termos seria aceitar um enquadramento realizado de fora para dentro, fazendo com que nosso olhar acabe se rendendo a uma análise eurocêntrica.
A falta de qualidade na cobertura feita pela imprensa brasileira é uma questão principalmente política, resultado, entre outros fatores, da concentração dos meios de comunicação do País – cenário que não foi modificado nos governos Lula e Dilma.
A América Latina é um dos principais locais de criação de novas formas de expressão dentro do jornalismo, a partir de novos olhares e narrativas. O que falta no Brasil é enfrentar o assunto politicamente. Falta lugar de fala, que vem sendo negado e violado sem trégua.
* Camila Nóbrega é jornalista e integrante do Intervozes.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Entrevista - Antônio Augusto de Queiroz

"Votos da Câmara caracterizam acerto de contas com o governo"

Diretor do Diap critica as justificativas do deputados pelo impeachment e defende mudanças na lei eleitoral para aumentar a qualidade do Congresso
por Ingrid Matuoka publicado 20/04/2016 04h05

Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
Câmara dos Deputados
"Causa vergonha a qualquer um que saiba qual é o papel de um parlamentar"
Antônio Augusto de Queiroz, analista político e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), foi responsável pela pesquisa de 2014 que revelou o Congresso brasileiro mais conservador desde a redemocratização, com aumento significativo da presença de militares, religiosos e ruralistas nas bancadas.
A conclusão de dois anos atrás ficou evidente ao longo das sessões deliberativas na Câmara dos Deputados sobre o impeachment de Dilma Rousseff, com ápice no domingo 17, quando citações a Deus e à família dominaram as justificativas dos parlamentares.
Para Queiroz, trata-se de uma evidência de quão conservadora e atrasada é a Câmara. É, também na visão do pesquisador, um sinal de que o processo é mais uma vingança contra o governo petista do que um julgamento que deveria considerar a Constituição e os crimes de responsabilidade.
CartaCapital: Que análise fez da votação?
Antônio Augusto de Queiroz: Os deputados aproveitaram aquele espaço para mandar mensagens para a família, homenagear parentes, sem o cuidado devido de verificar o objeto central da denúncia: se houve ou não crime de responsabilidade que justificasse a saída da presidente Dilma Rousseff.
CC: O que esse desvio do tema central diz sobre o Congresso?
AAQ: Ficou evidente que a Câmara foi influenciada por dois fatores que não têm relação nenhuma com o processo de impeachment: as denúncias envolvendo a conduta de agentes públicos apuradas na Lava Jato e a crise econômica, a recessão, o desemprego, a queda na receita.
Os votos da Câmara caracterizam mais uma disputa política, uma espécie de acerto de contas com o governo principalmente por parte de Eduardo Cunha, e menos um julgamento que deveria considerar a Constituição e os crimes de responsabilidade, que não foram devidamente apurados.
Diferentemente do impedimento de Collor, que foi antecedido por uma CPI, Dilma é acusada por meras insinuações de pedaladas fiscais e edição de decreto de abertura de crédito sem aprovação do Congresso, algo que acabou acontecendo posteriormente.
CC: As justificativas para os votos com base em família e Deus confirmam o diagnóstico do Diap de 2014, de que temos o Congresso mais conservador desde 1964?
AAQ: Sim, o Congresso Nacional tem uma composição que pode ser considerada conservadora do ponto de vista social, liberal do ponto de vista econômico e atrasado do ponto de vista dos direitos humanos e do meio ambiente.
E é esse Congresso, financiado pelo poder econômico e a serviço desse poder, que se encontra descontente com a presidente. Então esses doadores de campanha têm instigado, cobrado dos que foram financiados, uma postura de hostilidade ao governo.
CC: A exposição por horas a fio desses parlamentares em rede nacional pode ter um efeito didático para a população ou, por outro lado, serviu para os deputados se promoverem?
AAQ: Essa exposição faz ver a qualquer cidadão o tipo de congressista que eles elegeram, totalmente desqualificados para o exercício de uma função dessa relevância. No lugar do julgamento de um processo de impedimento, homenagens aos filhos, netos, aproveitando esse espaço na televisão para se exibir. A média dos pronunciamentos foi de muito mau gosto, causa vergonha a qualquer um que saiba minimamente qual deve ser o papel de um parlamentar.
CC: O conservadorismo não é uma novidade, mas parece que desde 2014 ele se intensificou. O senhor concorda? O que teria levado a isso?
AAQ: O diagnóstico está correto. Houve uma eleição muito polarizada em que as forças conservadoras assumiram essa condição sem culpa, considerando que já havia uma espécie de contestação a essa postura mais à esquerda em função também das manifestações de junho de 2013.
A Operação Lava Jato em curso, o moralismo justiceiro e o fato de que a população tem se pautado muito pelo diagnóstico, que realmente é bastante negativo, sem se preocupar com o prognóstico, também influenciaram essa postura.
Tudo isso deu aos conservadores um ambiente ideal para que se expusessem, mas eles se apresentam contra tudo sem dizer o que querem no lugar. E, quando dizem, é geralmente algo muito pior do que temos hoje, como pedir o impeachment de Dilma sem ter ideia do que significa o projeto “Ponte para o futuro”, de Michel Temer, para sua eventual gestão como substituto da presidente Dilma.
Outros fatores que tiveram parte nesse crescente conservadorismo vêm dos erros cometidos pelos governos do PT, entre eles, de não politizar e reforçar as noções de cidadania dos brasileiros, somado ao papel que a mídia tem exercido nos últimos tempos. Grande parte dos veículos de comunicação tomou uma oposição clara de oposição ao governo e passou a replicar isso nas redes sociais, que se ampliaram muito.
E não houve a preocupação com a formação de novos quadros dos movimentos sociais, sindical, estudantil e dos próprios partidos. Isso fez com que houvesse espaço para a pregação conservadora da grande mídia alcançar um universo grande da população sem questionamentos mais profundos ou alguém que pudesse dar o outro lado com o mesmo impacto.
CC: A instabilidade está mais centrada no Congresso do que no Executivo atualmente?
AAQ: Acho que não. Apesar de avaliar o processo de impedimento da presidente, o Congresso não teria tanto poder assim porque há uma limitação muito grande em termos de iniciativa legislativa. Um parlamentar não pode tratar por iniciativa própria de matérias previdenciárias, orçamentária, tributárias, entre outras. O que ele pode é dificultar a aprovação de iniciativas do governo.
CC: O impeachment pode adicionar ao presidencialismo brasileiro mais um fator de instabilidade?
AAQ: O impeachment vai trazer algumas lições, como entender que a banalização desse processo não interessa a ninguém. Além disso, vai contribuir para que haja uma mudança cultural nos partidos políticos, nas lideranças, de perceber que não se pode mais ganhar a eleição com um programa e governar com outro. Tampouco fazer alianças apenas para ampliar espaço no horário eleitoral gratuito, como tem sido o caso indistintamente de partidos.
E faz-se necessária uma mudança na legislação para, não necessariamente reduzir o número de partidos, mas reduzir o número de siglas com representação no Congresso, ou seja, proibir coligações e criar a federação de partidos, em que eles só se juntam em federação se tiverem identidade programática e ideológica. Juntar PT com PP, PR, PROS, PSD é um desrespeito ao eleitor, porque esses grupos pensam de forma diametralmente oposta.
CC: O que o Congresso precisa fazer para trazer mais estabilidade? Parte do que já foi implantado da reforma política, como o fim do financiamento de campanha por empresas, pode colaborar?
AAQ: O fim do financiamento empresarial de campanha pode colaborar, mas nas próximas legislaturas, porque na atual foi cobrada a fatura dos atuais parlamentares. Muitos empresários que doaram ou fizeram recomendação para que doassem, pediram posicionamento a favor do impeachment, como uma espécie de pagamento.
Mais especificamente sobre o Congresso, estamos passando por uma crise econômica extremamente grave e o governo está perdendo receita de modo significativo. Assim, a Casa teria de aprovar uma combinação de corte de despesas com aumento de receita, como a CPMF e outras propostas que incrementariam a receita para manter os investimentos na área social e no PAC.

MEL DE RAPADURA

UMA BOA RAPADURA DE 1.700G, QUEBRADA E COLOCADA EM UMA PANELA COM 01 LITRO DE ÁGUA E LEVADA AO FOGO POR 01 HORA, ESTÁ PRONTO UM EXCELENTE MEL QUE PODE SER SABOREADO COM FUBA DE MILHO, PREFERENCIALMENTE  OU COM FARINHA DE MANDIOCA. DIZEM QUE NO SERIDÓ É CONSUMIDO COM FILHÓS. CADA REGIÃO COM SEUS COSTUMES.

FUBA DE MILHO

NÃO É  FARINHA DE MILHO NEM  FUBÁ E FUBA DE MILHO, QUE É FEITO A PARTIR DA TORRA DO MILHO QUE PODE SER FEITO EM UMA PANELA DE BARRO COM AREIA DO RIO E EM SEGUIDA VAI PARA A FORRAGEIRA PARA A MOAGEM, SAINDO UM PRODUTO DE EXCELENTE GOSTO QUE PODE SER CONSUMIDO PURO COM AÇUCAR OU PREFERENCIALMENTE COM MEL DE RAPADURA. 

CHOURIÇO

Chouriço doce, ou simplesmente chouriço, é um doce típico das regiões sertanejas do CearáPiauíParaíba e do Rio Grande do Norte, preparado à base de sangue de porcofarinha de mandiocarapadura e temperos que podem ser gergelim, castanha de caju , leite de coco, erva-doce, cravo, canela, gengibre, pimenta-do-reino entre outros.

PROGRAMA ÁGUA NAS ESCOLAS

Carta do I Encontro Nacional de Avaliação do Programa Cisternas nas Escolas
“Por uma educação pública de qualidade, inclusiva e contextualizada”
Nós, representantes legais, coordenadoras/es, monitoras/es pedagógicas/os,
animadoras/es, assessoras/es, gerentes das organizações executoras do Programa
Cisternas nas Escolas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), reunidas/os nos dias
13 e 14 de abril, em Gravatá – PE, no Encontro de Avaliação do programa,
posicionamo-nos frente à situação de degradação e abandono da educação pública
brasileira, especificamente à educação pública do campo do Semiárido brasileiro.
Desde janeiro de 2015, colocamos a disposição da sociedade nossa capacidade de
mobilização para articularmos 2.500 escolas de 256 municípios da região semiárida
em um processo de formação de seus profissionais e de implementação de cisternas
de 52 mil litros de armazenamento de água da chuva, para continuidade das aulas nos
períodos de estiagem.
Fomos privilegiadas/os em dividir momentos dessa articulação com mais de 9.500
companheiras e companheiros da educação escolar que participaram de oficinas e
cursos em uma ação que resultou na capacidade de armazenamento de 130 milhões
de litros de água que atenderam mais de 230 mil educandas e educandos do campo.
A presença no campo nos fez vivenciar de perto também a situação de descaso para
com as crianças e jovens do Semiárido. Profissionais da educação são deixados a sua
própria sorte e esforço para garantir a educação dos/as educandas e educandos.
Esse não é um processo isolado, e nem ao acaso. É fruto de um projeto para o campo
brasileiro que pretende a desocupação campesina dos territórios e, para tanto,
inviabiliza a vivência e construção de valores locais pela população mais jovem.
Pautados somente pela lógica da economicidade, representantes do poder público
pretendem centrar todo recurso para a educação em áreas citadinas, tornando o
campo um “não lugar”, desconsiderando a importância de suas culturas,
conhecimentos e valores. Por isso, denunciamos que a realidade da educação do
campo convive com:
- Estrutura de aprendizado precária (carteiras quebradas, goteiras, falta de ventilação
e de materiais como quadros, entre outros problemas);
- Não valorização dos profissionais da educação;
- Desrespeito à Lei de Educação do Campo, que exige formação específica para
docentes que trabalham em áreas rurais;
- Descumprimento da Lei de fechamento de escolas, que estabelece a obrigatoriedade
de anuência da comunidade onde a escola está inserida para conclusão do processo;
- Ausência de controle da aplicação dos recursos destinados como investimento direto
à escola (Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE);
- Insegurança alimentar proveniente de uma alimentação inadequada, baseada em
produtos industrializados e processados, pobre em soberania alimentar;
- Ensino descontextualizado incapaz de relacionar os conhecimentos locais, chegando
muitas vezes a desmerecê-los e a repetir preconceitos contra os saberes do campo.
Os problemas aqui elencados são agravados quando deparados com questões
relativas à diversidade que representa a população brasileira.
Nossas companheiras estão inseridas em uma realidade machista de violência, e as
crianças e adolescentes não estudam e não debatem sobre essa realidade. As
discussões em sala de aula permitiriam criar um futuro igualitário entre homens e
mulheres no respeito, e nos direitos e deveres. Ao contrário, são impedidas a
aprofundarem o tema de gênero, reproduzindo assim os valores da sociedade
patriarcal. Essa é uma realidade com a qual nos deparamos no decorrer da execução
do projeto e que não pode ser silenciada ou invisibilizada.
A diversidade sexual e configurações de diferentes modelos de família no Semiárido, a
exemplo de casais do mesmo sexo e de famílias monoparentais são ignoradas. A
escola, espaço que deveria prezar pelo descobrimento dos potenciais individuais, a
partir do respeito a/o outra/o e da interação coletiva, acaba por ser mais um espaço,
dentre tantos outros, de repetição de preconceitos e de práticas desumanizadoras.
Na execução do programa, pudemos dividir o trabalho com 58 comunidades
quilombolas e 80 aldeias indígenas, o que nos possibilita afirmar que as diferentes
etnias, raças e povos que formam nossa nação são ignorados pela nossa educação.
Em um projeto de homogeneização, a política de educação brasileira quer igualar o
inigualável. Dentro de um discurso de igualdade, acaba por excluir as diferenças e não
promove equidade. Não proporcionando, assim, justiça frente às diferenças
resultantes da nossa história de dominação, exclusão e violência aos povos negros e
indígenas.
É preciso que a educação pública brasileira abra as portas para diversidades de cores,
raças, orientações sexuais e gêneros que formam nosso Semiárido. Para que as
comunidades se reconheçam dentro da escola e cuidem desta como se fosse uma
extensão de suas casas, uma continuidade do processo educativo que se inicia no lar.
Reafirmamos que nossa capilaridade concretizada nas mais de 3 mil organizações da
sociedade civil espalhadas por todo Semiárido está à disposição da luta por uma
educação pública de qualidade, inclusiva e contextualizada como forma de resistência
ao projeto de expulsão dos povos do campo, esclarecendo a população dos seus
direitos e engrossando assim as fileiras dessa luta.
Seguiremos em frente, disponibilizando às escolas de nossas crianças e jovens o
conhecimento de educação popular construído no decorrer de nossa luta, em um
processo de permanente reflexão, diminuindo, como orientou o mestre Paulo Freire: a
distância entre o que se diz e o que se faz. Zelosas e zelosos nós mesmas/os de não
reproduzimos os princípios conservadores da sociedade que não queremos para nós,
mas da qual fazemos parte.
Por último, sabedoras e sabedores de que as forças que impulsionam o processo de
Impeachment da presidenta Dilma representa tudo o que denunciamos – descaso e
desprezo aos povos do campo, nós estaremos em vigília, nas ruas e estradas de
nosso país, até que se assegure o direito de governar da presidenta eleita, em luta
pela liberdade e justiça de todo nosso povo.
Gravatá, 14 de abril de 2016.
#SemiáridoPelaDemocracia #NãoVaiTerGolpe

terça-feira, 26 de abril de 2016

CARDEIRO

OS CARDEIROS ESTÃO COBERTOS DE FLORES NESTAS NOITES DO SERTÃO DO POTENGI DE  CHUVAS  MOLHADAS  E ESTIOS PROLONGADOS. AS FLORES SÃO SINAIS DE CHUVAS, DE ACORDO COM A MUSICA DE LUIZ GONZAGA, MAS, NA REALIDADE OS TEMPOS ESTÃO MUDANDO, MESMO COM AS CHUVAS ALTERNADAS.

CADÊ NOSSOS PRODUTOS?

FIZ ALGUMAS PERGUNTAS A UMA SENHORA DONA DE UM RESTAURANTE EM SANTA CRUZ, EU PERGUNTEI SOBRE: BUCHADA, SOURICHO, ESPECIE, LINGUIÇA DO SERTÃO, SOLDA PRETA,FUBA DE MILHO, MEL DE RAPADURA E OUTRAS IGUARIAS DESTE NOSSO SERTÃO DE VEREDAS E HISTÓRIAS.

EDUCAÇÃO DO CAMPO

NESTA CAMINHADA DO P1+2, REALIZAMOS UMA REUNIÃO NA COMUNIDADE DE CAIÇARINHA- SANTA CRUZ PARA APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA E DISTRIBUIÇÃO DE ALGUMAS TECNOLOGIAS( 14 CISTERNAS ENXURRADA E 02 CISTERNAS CALÇADÃO), A REUNIÃO FOI MARCADA PARA UMA  SALA DE UM COLÉGIO DA COMUNIDADE, ENTRAMOS NA SALA ERAM 2 HORAS DA TARDE, ALGUMAS JANELAS POSTAS PARA MELHORAR O AMBIENTE, SÓ QUE TINHA UMA DETALHE, O LADO DE ONDE VEM O VENTO NÃO TEM NENHUMA JANELA, OU SEJA, NENHUMA OBSERVÂNCIA DE CONFORTO  PARA A OBRA E SEUS OCUPANTES, NO CASO OS ALUNOS.
A SALA BASTANTE QUENTE E DESCONFORTÁVEL, LEVANDO A COMUNIDADE A CANCELAR AS AULAS PELO TURNO DA TARDE, RESTANDO AULA SOMENTE PELA MANHÃ. INFELIZMENTE ESTE É O DESCASO COM A NOSSA EDUCAÇÃO DO CAMPO, QUANDO VAMOS REVERTER ESTE QUADRO?
ESTA É A QUESTÃO QUE NOS ACOMPANHA, QUEM TRABALHA NO MEIO RURAL E O TOTAL DESCASO COM A EDUCAÇÃO, PASSANDO PELAS ESTRUTURAS E PROFESSORADO.

mpeachment

Golpe e resistência

Ironicamente, deve-se à direita a reaglutinação das forças de esquerda
por Roberto Amaral publicado 26/04/2016 03h59

Levi Bianco/Brazil Photo Press/AFP
Manifestante
As emoções desses dias enunciam embates profundos
Na sua inexcedível capacidade de superar a fantasia, a política rasteira nos transportou, no domingo 17, para o imaginário de Macondo, promovendo o encontro do realismo fantástico com o espírito de Macunaíma, no que ele tem de moralmente grotesco e de lassidão. A sociedade, preocupada com os destinos de seu país, postou-se diante da tevê para saber como votavam seus representantes chamados a decidir o destino do mandato da presidenta da República.
Mas, no lugar de um espetáculo cívico, presenciou uma ópera-bufa. Por horas, assistiu incrédula e, certamente, constrangida ao desfilar tragicômico de personagens ridículos que se sucediam diante das câmeras. Assim, o Brasil conheceu a Câmara e seus deputados. Aplausos para as exceções.
Não se ouviu dos adeptos do “sim” um só conceito político ou jurídico, um só desenvolvimento de raciocínio adulto, lógico, mas, tão só, um desalentador desfilar de sandices e pieguices: referências domésticas, familiares, expressões de uma religiosidade primitiva... Absoluta ausência de senso e decoro. Ao fundo, a algaravia de mercado persa, incompatível com uma Casa de Leis. Mestre de cerimônia do espetáculo burlesco, reinou impávida essa figura abjeta representada pelo ainda presidente da Câmara, deputado-réu, materialização de Frank Underwood, que salta da série estadunidense e dos esgotos do Capitólio para conviver conosco.
O espetáculo grotesco oferecido pela Câmara Federal expõe à saciedade quão imperiosa é a reforma, profunda, do sistema eleitoral que a produziu. Mas como esperar que nossos parlamentares livrem a legislação das mazelas e vícios que garantem a reprodução de seus mandatos? Pois essa Câmara abriu o processo de impeachment.
Uma Casa de maioria hegemonizada por um agrupamento de acusados, presidida por um parlamentar consabidamente desonesto, no comando de um processo de cassação de uma presidenta consabidamente honesta. E, se esse processo tiver curso no Senado, há risco de vermos uma presidenta legitimamente eleita por 54,5 milhões de votos ser substituída por um vice perjuro, sem um só voto.
Pobre política brasileira.
A crise da democracia representativa nacional está exposta à luz do sol e pode atingir o paroxismo, que certamente tomará as vestes de crise institucional, no iminente encontro da desmoralização parlamentar com o exercício da Presidência por um vice sem legitimidade.
Longe de promover o encontro da Nação com seu destino, de liderar a distensão política a caminho da união nacional, o hipotético governo será instrumento de desagregação, agravando a até há pouco escamoteada luta de classes, que será aprofundada, independentemente do que fizerem os movimentos sociais, em razão das características da crise e do remédio prometido pelo receituário neoliberal e exigido pelos financiadores da caríssima campanha pró-impeachment: menos investimentos, mais superávit primário e menos compensações sociais, flexibilização do trabalho e reforma da Previdência (contra os aposentados),  mais privatização, mais recessão, mais desemprego. E, cereja do bolo, a entrega do pré-sal às multinacionais do petróleo. Ao fim e ao cabo, mais crise social.
Aliás, deve-se à direita o desmanche das ilusões de conciliação de classe que por tanto tempo encantaram lideranças petistas, imobilizando-as diante da luta ideológica, a que renunciaram, como renunciaram seus governos às reformas que poderiam, sem ferir o sistema, alterar a estrutura do Estado e promover uma correlação de forças favorável às massas. Renunciaram a uma reforma tributária progressiva, renunciaram à reforma política (daí a Câmara de hoje, que será sucedida por outra ainda pior), à democratização dos meios de comunicação de massa, à reforma do Poder Judiciário, à reforma agrária, à reforma do ensino militar, para citar as mais ingentes.  
Um governo de origem popular, recém-saído de uma refrega eleitoral para cujo desfecho a esquerda foi decisiva, opta pelos entendimentos de cúpula que cevaram as forças que o trairiam na primeira oportunidade. Para agradar ao “mercado”, opta por um reajuste fiscal recessivo, afasta-se de suas bases e não conquista a classe dominante, para quem acenava. Essa continuou no comando do golpe, do qual o 17 de abril não é nem o ponto de partida nem o ponto de chegada.
O processo histórico é, porém, contumaz em pregar peças, e assim ficamos a dever à direita brasileira a reaglutinação das esquerdas e do movimento social, e a virtual unidade, na ação, do movimento sindical. Foi a ameaça da captura do Estado, sem voto, para alterar a agenda de prioridades, projeto da classe dominante brasileira, que reconciliou o governo com as massas, quando essas descobriram que o golpe era mesmo contra elas, isto é, contra os direitos dos trabalhadores, agora em 2016 como em 1954 e em 1964.
A iminência do golpe de Estado, operado a partir das entranhas do Estado, por setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Judiciário, mas articulado de fora pelas forças de sempre (o monopólio ideológico dos meios de comunicação liderados pelo sistema Globo), ensejou às esquerdas, como mecanismo de defesa que logo se transformou em instrumento de luta, a unidade na ação, de que resultou a Frente Brasil Popular, e, com ela, a unificação dos movimentos populares e as grandes mobilizações.
A consigna “Não vai ter golpe, vai ter luta”, que em outras palavras significa a retomada, pela esquerda, da questão democrática, e a decisão pelo enfrentamento, tanto funcionou como discurso aglutinador quanto orientou a ação. Nas ruas, as massas redescobriram sua força, e não pretendem refluir. O movimento social, assim, está na fronteira de um salto de qualidade que lhe permitirá caminhar da defesa da legalidade e da democracia para as eleições e a construção de um novo tipo de sociedade. Golpeadas pela farsa do impeachment, as esquerdas se preparam para unir a luta parlamentar à luta nas ruas.
As emoções desses dias parecem enunciar embates de duração, intensidade e profundidade impossíveis de prever. 
*Ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente do PSB, partido do qual se desfiliou.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Opinião

Em meio à crise, o patriarcado contra-ataca

Este é mais um golpe de tantos outros do patriarcado heteronormativo branco
por Joanna Burigo publicado 20/04/2016 09h40

Antonio Augusto / Câmara dos Deputados
Impeachment
Deputados anti-Dilma erguem placas "Tchau, querida": o patriarcado se move
O termo realpolitik refere-se à política feita a partir de considerações práticas em detrimento de noções ideológicas, mas o termo é comumente utilizado de forma pejorativa para indicar políticas coercitivas, imorais ou maquiavélicas.
Proponho um desdobramento do conceito para aplicação no nosso atual cenário político: vivemos a era da surrealpolitik, na qual democracia é o que se quer ainda que alguns dos caminhos para chegar nela sejam antidemocráticos, que as famílias dos parlamentares apareçam como justificativa para votar a favor de um novo governo feito pelo povo, e que uma cusparada dirigida a um defensor declarado da ditadura cause mais ultraje do que seu discurso...
A maior parte da representatividade política global é marcada maciçamente pelo gênero, classe e cor dos candidatos e representantes eleitos. Até aí, nenhuma novidade, e no Brasil a configuração não é diferente: no poder, a maioria é de homens brancos e ricos.
Sabe como as feministas chamam o paradigma que normaliza que instituições de poder sejam regidas por homens? Patriarcado. É o patriarcado que o feminismo denuncia, expõe, critica, resiste, e contra o qual luta.
Frequentemente a palavra “patriarcado” vem seguida de outras palavras, como “heteronormativo” e “branco”. Esta tríade sintetiza um conjunto de estruturas institucionais que organiza nossa sociedade, e que tem outros eixos. Mas o patriarcado heteronormativo branco existe, e é incontestável: basta observar os corpos e discursos de quem ocupa o maior número de assentos nos cargos mais altos de poder político, econômico, simbólico e social.
O feminismo aponta os ritos do ‪patriarcado como quer que eles se manifestem, e a votação acerca da abertura do processo de impedimento de Dilma Rousseff que ocorreu na Câmara no domingo 17 foi indubitavelmente patriarcal.
Na sessão, uma maioria esmagadora de homens brancos, ricos e (ao menos declaradamente) heterossexuais, ofereceu seu sim a um novo governo do povo com discursos contraditoriamente individualistas. Pela minha família, por deus, pelos meus. Pela mesma coisa de sempre. Pelo que é meu.
A proporção de homens e mulheres na sessão, aliada aos valores explicitados nas justificativas, acabou por nos oferecer o espetáculo da transmissão do ‎patriarcado, ao vivo e em rede nacional. E quem assistiu viu: foi mimimi puro. Quanta ironia.
Um dos deputados chegou a declarar o seguinte: “Para me reencontrar com a História, voto sim". Esta fala é muito significativa quando o presidente é uma presidenta. Com o que, exatamente, este senhor quer se reencontrar?
E aquele outro deputado, também branco e muito rico cujos filhos ocupam um sem-fim de cargos políticos, que dedicou seu sim ao golpe de 1964? A cusparada entre homens vira novela de meme e debate do dia. Surrealpolitik patriarcal.
Se o que está se desenvolvendo vai ficar marcado na história como golpe, com dor ou alívio logo ficará certo. Mas um golpe já é certo: este, mais um dos que recebemos do patriarcado heteronormativo branco.
O “tchau, querida” é extensivo a todas nós.
Além dos horrores misóginos, racistas, homofóbicos e fascistas que compuseram uma parte muito significativa dos discursos do sim durante votação, uma profusão de memes jocosos sobre o que acontecia na noite invadiu as redes durante a sessão. 
O meme é a linguagem por excelência das redes sociais, um favorito da internet. Memes são especialmente bons no Brasil, onde fazemos chacota e deboche de tudo, e rapidamente. O compartilhamento de memes durante a votação própria não surpreende, mas dado seus conteúdos e o que ocorria, revelaram-se a falta de atenção e o peso seletivo que se dá para discursos de ódio.
A maior parte da produção feminista sobre política foca em atos e falas misóginas, no poder de significação das palavras, e em alertas sobre discursos de ódio e o que acontece quando eles se materializam.   
Expomos, por coerência, ataques misóginos direcionados a todas as mulheres. Rousseff vem sendo alvo constante de ataques misóginos de toda sorte, mas esta semana mesmo – que semana –  saiu uma matéria na revista Veja sobre Marcela Temer, enaltecendo-a amplamente por ser “bela, recatada e do lar”.
Ela é bela, talvez recato seja seu estilo, e do lar, bom, é elogio, mas isso não é sobre ela, e sim sobre marcar quais são os o espaços onde as boas mulheres pertencem.
Demonstração da permanência do machismo institucionalizado nos meios de comunicação, que elogiam mulheres com adjetivos que denotam subserviência aos valores do patriarcado. Haja #greloduro.
Mulheres não têm equidade política, social e econômica, e coisas como a violência material e simbólica de gênero, ou as barreiras institucionais à nossa autonomia corporal, são formas de manutenção do paradigma patriarcal.
Patriarcado é o sistema, misoginia é a indicação de sua existência, machismos são seus atos. Na linguagem, no simbólico onde circulam informação e poder, encontramos evidências de todos.
A concepção de deus e família invocada na votação, por exemplo, existe no feminismo, e existe lutando para não servir de bandeira para promoção da violência nem manta que a acoberte. Feministas: exposição do patriarcado, sempre de dentro dele, analisando todos os seus códigos.
A conclusão é que a opressão das mulheres é, apesar das diferenças materiais e simbólicas entre culturas, uma constante.  
Imagino que muitos dos que creem que a saída de Rousseff seja o melhor para o País tenham se envergonhado com o que assistiram. A comemoração efusiva do resultado adicionou mais uma camada de surrealismo à nossa política. Visto o que vimos, não parece haver o que celebrar.
Mas venha o que vier, de nossa parte é garantido: seguiremos falando e denunciando, como fazemos há tempo. Seguiremos expondo o patriarcado, sua linguagem, seus códigos, seus instrumentos de propaganda, seus métodos, e suas consequências, apesar de quaisquer binarismos ou surrealpolitik que nos atravesse.
Falamos já há muito, com experiência, dados, estudos e textões sem fim, sobre as causas e consequências graves que os horrores da seara do simbólico têm quando a materialidade de seus discursos se expressa na violência brutal contra corpos que dissentem.
Falamos. Falar é um modo de resistir. Hesito em finalizar o texto com isso, mas dada a surrealpolitik patriarcal, não custa torcer para que seja possível poder continuar falando livremente.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Opinião

O absurdo já não nos impressiona

Nem a mais absurda ficção tem conseguido competir com nosso momento político, um show de personagens e enredos surreais
por Aline Valek publicado 19/04/2016 10h49

Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Deputados
A enorme quinta série de domingo
São tempos difíceis para a ficção. Diante da concorrência de uma realidade cotidianamente doida, onde disputas políticas são protagonizadas por bonecos infláveis e o noticiário começa a se parecer com enredo de novela, a ficção estremece e teme engrossar a fila do desemprego.
Impressionar as pessoas com histórias surreais não será mais o mesmo depois de testemunharmos uma votação no Congresso se transformar em uma enorme quinta série descontrolada que deixaria qualquer professor com problemas psicológicos para o resto do ano.
Teve beijinho pra mamãe, filhinho e netinha, homenagem a torturador, voto rimado, profetização, bandeira enrolada no pescoço tal qual capa do Superman, e voto pelo fim da corrupção dedicado a papai na cadeia, ou a marido que seria preso no dia seguinte.
E deputados trabalhando com tamanha disposição em pleno domingo? Surreal é pouco.
Perto disso, o que é acordar de sonhos intranquilos e perceber-se metamorfoseado em um inseto gigante? Fichinha. Coisa pouca. Alguns diriam até que seria um alívio. Antes se transformar num personagem kafkiano do que permanecer numa realidade em que os insetos gigantes governam e legislam sobre nossas vidas.
“Pelo fim da infestação de insetos!”, gritam energicamente as baratas reunidas, roçando as antenas com as patinhas peludas.
Dessas coincidências que só deixam a coisa toda com mais cara de inventada, esse show de horrores teve lugar na história num dia 17 de abril, mesma data em que, no já longínquo ano de 2014, morria o escritor Gabriel García Márquez.
Certa vez numa entrevista, quando perguntando sobre a magia contida em suas narrativas, García Márquez respondeu:
“A vida cotidiana na América Latina nos demonstra que a realidade está cheia de coisas extraordinárias. Conheço gente inculta que leu Cem Anos de Solidão com muito prazer e muito cuidado, mas sem surpresa alguma, pois afinal não lhes conto nada que não pareça com a vida que eles vivem”.
De fato, a literatura latino-americana se fortaleceu no campo do realismo fantástico, gênero literário que busca explorar o absurdo ao mostrá-lo como algo cotidiano e comum.
Talvez o histórico de violações, exploração, desigualdades e longos períodos de ditadura nesses países tenha algo a ver com isso. Introduzir elementos fantásticos vistos com normalidade dentro da história teria sido uma forma de apontar para os absurdos da própria realidade.
Além de Gabriel García Márquez, foram grandes nomes nesse gênero os argentinos Julio Cortázar e Jorge Luis Borges.
Nossos vizinhos podem ter conseguido mais destaque trabalhando com o absurdo no campo da literatura, mas isso não apaga nosso brilho, não: aqui no Brasil levamos o absurdo tão a sério que ele não nos basta apenas na ficção. Incorporamos no nosso dia a dia. Misturamos com arroz e feijão.
Aqui, a mídia é que lança o raio normalizador no surreal que nos cerca, conseguindo o efeito do realismo fantástico de apresentar o estranho como comum. Afinal, não deve ter nada de mais num presidente da Câmara citado em tantos escândalos que até parece empenhado em quebrar um novo recorde mundial nas olimpíadas da pilantragem. Não, imagina, absolutamente normal.
Acostumados demais a entrar na internet ou ligar a TV e nos deparar com histórias mais doidas do que as performances da Carreta Furacão (em que um Fofão genérico e um Ben 10 fazem parte do mesmo universo, é bom ressaltar), acabamos ficando insensíveis; uma história precisa transbordar de insanidade se quiser ao menos nos fazer cócegas.
Não é mais qualquer coisa que nos surpreende ou nos choca. Mas tem muita gente se esforçando para romper os limites da loucura a fim de nos fazer sentir qualquer coisa, nem que seja uma mistura de nojo com vontade de se transformar numa barata para não precisar mais lidar com essa realidade. O problema é que, atualmente, não foram os escritores que ficaram com esse papel de nos revirar a cabeça. Em matéria de absurdo, a política tem sido imbatível: todo dia um 7x1 da realidade em cima da ficção.