segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O XRACK, A MATERNIDADE E O PODER PÚBLICO

Segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O crack, a maternidade e o poder público

Adoção de crianças e, mais que tudo, adoção de bebês nos enternece e emociona. Quase sempre olhamos para aqueles que adotam com olhar de admiração. Se adotam grupos de irmãos, então, crescem os elogios! Se o adotante é branco e adota um negro, mais “óhhs” e mais palavras de reconhecimento. Tudo levando a adoção para um patamar pouco real, simbolizado, e que em muito onera tal medida aplicada para proteger crianças e adolescentes.
A adoção, no entanto, não existe exclusivamente para atender ao humano desejo de alguém constituir uma família, buscando filhos por tal via legal. O ato de adotar deve ser, antes de tudo, uma medida protetiva para a criança e adolescente, medida de caráter excepcional, vez que antes dela devem ser utilizados e esgotados todos os recursos para mantê-los em sua família de origem (ECA, art. 39, par. 1o).
O Brasil ostenta número expressivo de crianças afastadas de sua família, por algum ou vários motivos, e que vivem em inúmeras instituições de acolhimento. Esses locais, também chamados de abrigos, uns bons, outros não, devem ser morada temporária delas, tempo de espera mínimo, para retornarem para casa dos pais,  ou seguirem para um novo lar.
Acontece que do texto legal, que expressa tudo isso, para a realidade há um abismo profundo.
Faz mais de vinte anos que sabemos a lição: criança e adolescente são sujeitos de direitos; direitos esses que tem que ser garantidos pela família, pelo comunidade em geral, pela sociedade e pelo Estado.  E tudo com prioridade absoluta. Se a família falha, ou acaba mesmo antes de existir, se a comunidade não está presente, ao poder público caberia agir, e rápido, pois o tempo de ser de um bebê, de um menino de 2 anos, o tempo de uma adolescente de 12, é tempo de viver e não para!
Quando uma criança/adolescente se mostra carente de cuidados, toda uma rede de proteção, que envolve atores vários, deve estar apta e pronta para por em prática políticas e serviços que protejam, acolham, e garantam o direito desses pequenos e jovens cidadãos e cidadãs.
Porém, o poder público, quase sempre, caminha com dificuldade e não consegue dar o suporte temporal e suficiente para que famílias que estão em ruptura se restabeleçam, superem problemas e que a criança, mesmo que dali afastada temporariamente, para lá retorne, com brevidade. Há famílias em estado de abandono. O pai perde o emprego, a mãe adoece, a casa pega fogo ou dela são todos despejados. E as crianças acabam indo para os abrigos, e muitas lá ficam, por um tempo longo, quase toda a infância, senão até os 18 anos, quando, então, terão que sair dali, com autonomia, e ser um “bom cidadão”.
Dai que nesse vácuo da omissão e do descaso, a adoção surge, plena, muita vez como solução. Porque muitas ações são pífias e tardias, muitas crianças tem na adoção a única chance para viver em família. E, fator cruel, é que a adoção nem sempre acontece. Adotantes no Brasil ainda preferem, em maioria, adotar bebês de tenra idade. Faz pouco que crianças de 2 a 5 anos estão sendo adotadas com mais facilidade, porque passaram a ser  reconhecidas como ainda pequenas, na fase inicial de seu desenvolvimento. E nessa toada, ficam “para sempre” nos abrigos, os maiorzinhos, os que tem algum “problema”, e os adolescentes.
Dia desses, uma notícia, com o sempre apelo emocional, ocupou os meios de comunicação, nos contando que há pessoas que agora estão dispostas a adotar crianças “filhas de mães do crack”. (Se a gente reparar bem, podemos em alguns casos dizer “netas do crack,” talvez). Essa rotulação – mães do crack – essa simplificação da origem, acalma nossa culpa cristã, nos faz sentir bons cidadãos e lemos a matéria com a sensação de alivio, porque afinal, reconhecemos que “tem gente boa no mundo”.

Diariamente, em cidades grandes, bebês são apartados de suas mães e levados à adoção. Ao Judiciário a questão chega pronta – “mãe do crack”, família sem contato, criança em abandono.

Mas, há algo mais a se fazer. Cabem  perguntas: Quem são as mães do crack? Estão gerindo suas vidas? Odeiam seus bebês? Querem mesmo perdê-los, ou vendê-los a traficantes que as assediam toda hora, oferecendo-lhes por eles umas pedras? De quem são filhas essas mães do crack? Talvez, muitas sejam filhas dessa roda viva, dessa espiral de abandono, vida em abrigo, solidão, rua e drogas.
Agora que o novo prefeito da capital paulistana anuncia modificações no Programa Braços Abertos cabe lembrar que já tarda na cidade um serviço específico com as adolescentes e mulheres que vivem pelas ruas, grávidas, sem qualquer proteção ou cuidado quanto ao destino de seus filhos. Quem sabe, Sr. Prefeito, um programa que, após abrir para elas os braços do poder público e seus serviços, acolha-as num sincero abraço, indique-lhes novos caminhos fora da rota da droga, busque membros da família e atue no reatamento dos laços rompidos, ajude-as (se não todas, muitas querem!!)  a fazer a transformação necessária, para virem a ser mães, fora do crack. Apenas mãe.
O município de Campinas, através de convênio com entidade social, tem, há um ano, projeto com esse viés – Casa da Gestante – e vem somando sucesso, com acolhida de mulheres oriundas da rua e da droga, que encontram ali um espaço de ser, de se livrar do vício  e de se desenvolver,  cuidando de si e do filho que traz no ventre. A cidade de São Paulo merece isso também. As mulheres, adultas ou adolescentes que dão à luz seus filhos e os perdem (bem como perderam a si mesmas) para a droga fazem jus a esse olhar do poder público e a garantia de tal direito – viver em família, ser mãe, ter filhos e deles cuidar com dignidade. As adoções, processo legal que guarda a necessária complexidade e importância na vida de tantos, continuarão a ser necessárias para muitas crianças, por óbvio, mas não podem constituir solução para um problema de saúde pública e social que está tão escancarado na capital paulista e em muitas cidades do Brasil.
Dora Martins é juíza da Vara de Infância.

Política de drogas

Exigir abstinência no combate ao crack é equívoco, aponta relatório

por Débora Melo publicado 30/01/2017 00h00, última modificação 30/01/2017 02h41
Estudo também sugere que moradia é essencial na luta contra o vício. Em São Paulo, Doria deve exigir teste antidoping em troca de domicílio

Rovena Rosa/Agência Brasil
Cracolandia
Iniciativas que resgatam a autonomia dos usuários de crack funcionam melhor, diz Open Society.
Os programas de combate ao crack têm mais chances de sucesso quando não exigem abstinência de quem consome a droga. Essa é umas das conclusões a que chegou o relatório Crack: Reduzir Danos – Lições Brasileiras de Saúde, Segurança e Cidadania, que será lançado na terça-feira 31 pela Open Society Foundations (OSF).
O documento compila dados de pesquisas a respeito dos programas De Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, e Atitude, do governo de Pernambuco, e traz ainda a experiência da ONG Redes da Maré, do Rio de Janeiro, que traçou o perfil da população em situação de rua instalada em uma região específica do Complexo da Maré onde o uso de drogas é visível, a Rua Flávia Farnese.
Os projetos têm, em comum, uma abordagem pautada pelo respeito aos direitos humanos, com baixa exigência para o acolhimento dos usuários de drogas.
Em São Paulo, embora diversas entidades já tenham manifestado apoio ao De Braços Abertos, o modelo desenvolvido pela gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) parece estar com os dias contados. Tão logo tomou posse, o prefeito João Doria (PSDB) anunciou a criação de um novo programa, batizado de Redenção, previsto para abril – até lá, as ações do programa petista estão mantidas.
De acordo com o secretário municipal de Saúde, Wilson Pollara, o Redenção vai exigir que os usuários se submetam a testes antidoping frequentes para ter direito à moradia assistida.
Ao não exigir abstinência para a oferta de residência, o De Braços Abertos utiliza o modelo conhecido internacionalmente como “Housing First” (moradia antes), que entende a oferta de moradia permanente e estável como estratégia fundamental para a ressocialização dos cidadãos em situação de rua.
Tal conceito é oposto à ideia de “Treatment First” (tratamento antes), segundo a qual só depois que o usuário estiver engajado em um tratamento contra o abuso de drogas ele estará “qualificado” para receber um teto.
Secretária da Assistência Social na gestão Haddad, Luciana Temer afirma que garantir moradia a usuários de crack em situação de rua é parte fundamental do processo de resgate da autoestima. “O princípio do programa é: eu cuido de você, e você começa a cuidar de você”, diz.
Em 2014, a então secretária viajou a Amsterdã (Holanda) para conhecer iniciativas de combate ao abuso de drogas. “O programa de redução de danos existe há 20 anos em Amsterdã. No início houve muita resistência, mas hoje o projeto está completamente assimilado, por conta dos benefícios que proporcionou. No mundo inteiro há um repensar de como enfrentar o uso abusivo de drogas."
A pesquisa realizada com 80 beneficiários do De Braços Abertos constatou que mais de 65% afirmam ter reduzido o consumo de crack. A conclusão do levantamento, conduzido em 2015 pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas, é que o acesso a direitos fundamentais reforça a autonomia do cidadão para desenvolver rotinas mais saudáveis.

O relatório da OSF afirma que as abordagens de redução de danos desenvolvidas em São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro “apresentaram resultados positivos para os usuários e as comunidades em que estão inseridos” e “já abrem caminhos e apontam soluções nacionais para lidar com pessoas em situação de rua que usam crack”.
O documento ainda critica políticas pautadas em repressão, encarceramento, internações e remoções forçadas, que marginalizam ainda mais os cidadãos ao não tratar o crack como problema social. Como exemplo de tentativas de “higienismo social” fracassadas, o relatório cita a Operação Limpeza (2005), a Operação Dignidade (2007) e a Operação Sufoco (2012), ações policiais realizadas na região conhecida como Cracolândia, em São Paulo.
“Essas ações repressivas fracassaram porque não atingiram as raízes dos problemas sociais que levaram ao surgimento das cracolândias e que seguem as alimentando nos dias de hoje. O erro foi concentrar esforços apenas sobre os territórios e desconsiderar os indivíduos que ali vivem”, diz o documento.
A cena de consumo de drogas que se consolidou na Maré surgiu dessa forma, a partir de operações policiais e remoções forçadas. Com o avanço das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Complexo do Alemão, em Manguinhos e em Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense, um grupo de usuários de crack passou a ocupar a Avenida Brasil, chamando a atenção da imprensa e das autoridades.
Em 2014, intervenções policiais fizeram com que a ‘cracolândia’ migrasse para a Maré – que nunca teve UPP –, em uma "terra de ninguém" localizada entre territórios dominados por grupos rivais: Comando Vermelho, Terceiro Comando e milícia.
Na Rua Flávia Farnese vivem hoje cerca de 80 usuários de crack. Com o apoio do Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (Niac) da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSEC) da Universidade Candido Mendes, a ONG Redes da Maré iniciou um processo de aproximação com o grupo.
A partir de uma entrevista com 59 dos 80 usuários em situação de rua, verificou-se que, independentemente da cidade onde viva, essa população tem, no geral, um perfil socioeconômico parecido: são pessoas de baixa renda, com baixa escolaridade e extenso histórico de exclusão social.
A Redes da Maré buscou, então, uma parceria com a gestão do então prefeito Eduardo Paes (PMDB), mas a questão esbarrou em um “obstáculo moral”.
“A gente queria criar um espaço de convivência, para tirá-los da rua. Mas o que a gente ouviu foi o seguinte: ‘se vamos levá-los para dentro de um espaço, eles vão ter que parar de usar crack’”, conta Eliana Sousa Silva, coordenadora da ONG. “Essas pessoas demandam coisas muito básicas, mas a preocupação era se elas estavam ou não usando crack. Não conseguimos avançar."
A não exigência de abstinência é apontada como um dos fatores responsáveis pelo êxito do projeto Atitude – Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares, criado em setembro de 2011 pelo governo de Pernambuco, durante a gestão de Eduardo Campos (PSB).
Como parte do Pacto pela Vida, programa que derrubou os índices de homicídio no Estado, um dos objetivos do Atitude é reduzir os índices de violência associados ao consumo de drogas, especialmente o crack. O programa é focado em usuários ameaçados, que estejam em situação de rua ou que tenham problemas na Justiça, a fim de evitar o encarceramento em massa. Aos beneficiários são oferecidos desde banho e refeições até aluguel social.
No levantamento sobre o Atitude, realizado em 2015 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Política Pública de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (NEPS-UFPE), foram analisados os bancos de dados de quatro municípios atendidos (Recife, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo Agostinho, reunindo 5.714 usuários), além de 191 questionários e 30 entrevistas com beneficiários.
Dos que responderam ao questionário, 77% disseram se sentir protegidos pelo programa. A pesquisa também apontou que, embora a abstinência não fosse uma exigência, uma parcela dos beneficiários reduziu o consumo de crack e 36% afirmaram ter deixado de usar a droga.
Para o professor do departamento de Sociologia da UFPE José Luiz Ratton, que coordenou a pesquisa, o Atitude tem tido êxito em proteger os cidadãos. "É um programa que tenta trabalhar com uma perspectiva de redução de danos, ao mesmo tempo em que acolhe e oferece proteção a pessoas em situação de altíssima vulnerabilidade à violência."

São Paulo

Vereadora critica leitura da Bíblia na Câmara de Araraquara

por Tory Oliveira publicado 30/01/2017 06h00, última modificação 30/01/2017 14h27
Católica, Thainara Faria (PT) diz discordar da prática porque ela exclui os adeptos de outras religiões. "Na Constituição, o Estado é laico"

Reprodução/Facebook
Thaianara Faria
Em seu primeiro mandato, Thaianara é a primeira mulher negra na Câmara dos Vereadores de Araraquara.
Em Araraquara (SP), todos os dias, antes da abertura de cada sessão na Câmara dos Vereadores, cinco versículos da Bíblia são selecionados e lidos pelos parlamentares, como determina o regimento interno da Casa.
No início de janeiro deste ano, porém, uma vereadora questionou a tradição. Eleita pela primeira vez, Thainara Faria pediu a palavra e, para espanto dos colegas, disse discordar da prática, uma vez que ela feria a laicidade do Estado e não contemplava as demais religiões.
“Quis me posicionar na Câmara porque sou católica, mas estou aqui para servir ao povo e à Constituição. E lá está previsto que o nosso Estado é laico”, justifica a vereadora do PT.
Primeira mulher negra e a mais jovem da história a ser eleita para o cargo, Faria, 22 anos, conta que não esperava tanta repercussão. “Isso deveria ser um posicionamento natural para um legislador, mas muitos são omissos.Não fiz para causar, mas entre as minhas bandeiras está a tolerância religiosa. Infelizmente, no Brasil algumas religiões ainda sofrem muita perseguição”.
Oriunda da periferia e estudante de Direito, Faria relata que a cidade de 200 mil habitantes não escapa da intolerância, inclusive com episódios de perseguição às religiões de matriz africana. Em setembro de 2015, um terreiro de umbanda foi atacado na cidade. O caso é investigado como suposto crime de ódio.
Localizada a 270 quilômetros da capital São Paulo, metade da cidade professa a religião católica. A seguir, as religiões mais populares são a evangélica e a espírita. Os ateus ou sem religião declarada são cerca de 12 mil. Os que se declaram adeptos do candomblé ou umbanda também são relativamente poucos, mas existem: são cerca de 700 pessoas declaradas, segundo o Censo do IBGE.
Assim, a vereadora sugeriu aos outros 17 colegas na Câmara a ampliação do leque espiritual, contemplando a leitura de outros livros sagrados, como Evangelho Kardecista, lido pelos espíritas, o Alcorão dos muçulmanos ou mesmo textos sobre o ateísmo.
“A Casa do Povo não pode ter religião, é absurdo. É como dizer que o Brasil é só de católicos ou de evangélicos. Ao ler apenas trechos da Bíblia, estamos excluindo parcelas da população que não seguem o Evangelho”.
O discurso gerou muitas caras feias. “Não tive nenhuma reação positiva. Temos uma Câmara de pastores e outros religiosos, então foi difícil a reação dos colegas. Mas não é por ser uma tradição que é correto, precisamos defender a laicidade do Estado”, justifica.
Em média, a cada três dias chega uma denúncia de intolerância religiosa à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, segundo dados reunidos entre 2011 e 2014. Fiéis de religiões de matriz africana, o como o candomblé e a umbanda, são um terço dos atingidos por esse tipo de violência.
Em 2015, no Rio de Janeiro, uma menina de 11 anos levou uma pedrada quando saía de um culto de candomblé. Em São Paulo, um terreiro também foi alvo de pedradas e xingamentos.  

Análise

Crise econômica: como chegamos aqui e como superá-la

por Ricardo Carneiro* — publicado 30/01/2017 11h31
A recuperação prometida pelo governo Temer não se confirmou. A recessão brasileira é mais profunda e as medidas adotadas até agora não são a solução

Walter Campanato/Agência Brasil
Henrique Meirelles
A magia do ministro Meirelles não se concretizou.
A decepção do empresariado brasileiro e do governo Temer com a continuidade da crise e a não confirmação das expectativas de uma recuperação imediata sugerem que se discuta em maior profundidade a sua natureza e o caráter peculiar das medidas necessárias para superá-la.
De início, é forçoso assinalar: vivemos uma crise comandada pelos estoques e não uma convencional determinada pelos fluxos. Vale dizer, uma recessão originada nos balanços. Entre 2011 e 2014, o movimento predominante é o da deterioração dos fluxos, como resultado da desaceleração do crescimento. No biênio posterior, 2015/2016, a característica essencial é a dos choques simultâneos, promovido pela política macroeconômica, a crise política e a consequente degradação dos balanços.
Iniciemos pela exceção, o setor externo, para o qual o ciclo de liquidez em declínio, mas ainda favorável, a sólida posição do setor público como credor líquido, em razão do volume de reservas de cerca de 380 bilhões de dólares e o mecanismo de autocorreção nas transações correntes evitaram a mudança de natureza da crise.
O desequilíbrio de fluxo, expresso em um déficit em transações correntes da ordem de 4,5% do PIB, no início de 2015, foi progressivamente corrigido pela recessão, chegando ao final de 2016 à marca de 1% do PIB. A conta financeira deteriorou-se, embora tenha sido suficiente para financiar o déficit corrente em declínio e importantes movimentos negativos dentro dela.
No setor privado, em particular na indústria, uma grande parte das empresas vivencia hoje uma situação Ponzi. Mais da metade delas, 55%, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, não gera recursos suficientes para servir a dívida.
Isto resultou de um longo processo. Entre 2011 e 2104, crescimento do fluxo de caixa se reduz e as dívidas aumentam, mas ainda a uma velocidade moderada. Por quê? Enquanto a desvalorização do real empurra estas últimas para cima, a redução da Selic e dos spreads contêm seu crescimento.
O quadro é diferente a partir de 2015. Do lado corrente, a recessão, a desvalorização cambial e o tarifaço deterioram o fluxo de caixa. Mas, apesar de sua intensidade, este não é o efeito principal. O choque de juros e a depreciação do câmbio jogam o custo da dívida para níveis elevadíssimos. Em um ano, 2015, a relação fluxo de caixa bruto/despesa financeira, cai pela metade e passa de 1,53 para 0,78, indicando a situação Ponzi.
A situação das famílias, de acordo com os dados da Confederação Nacional do Comércio, é grave.  A percentagem com algum tipo de dívida, flutua em torno de 60%, entre 2011 e 2014. Em paralelo, a inadimplência lato senso declina, reduzindo-se tanto o número de famílias com contas em atraso quanto aquelas em default.
Esse quadro muda radicalmente após 2015 com o choque de juros e o aumento dos spreads. A percentagem de famílias endividadas dá um salto brusco para 67% e passa a cair, indicando que aquelas que podem começam a se livrar das dívidas. Ao mesmo tempo, a inadimplência aumenta substancialmente tanto em relação aos atrasos, de 18% para 25% de todas as famílias endividadas, quanto para o default, que avança de 5% para 10% do total.
A situação do setor público é similar. Entre 2011 e 2014, o saldo primário desaparece. Um superávit de 3,2% do PIB em 2011 vira um pequeno déficit de 0,5% em 2014. A despeito disso, a dívida pública declina na maior parte do período, sob o impacto da desvalorização do real e da queda da taxa de juros.
Apenas em 2014, as dívidas bruta e líquida aumentam levemente em cerca de três pontos percentuais do PIB. O quadro é completamente distinto em 2015 e 2016, biênio no qual a dívida bruta aumenta em vinte pontos percentuais do PIB, e a líquida, em doze. A despeito do crescimento do déficit primário para o patamar de 2%, ele tem muito menos relevância na explicação do aumento da dívida movida sobretudo pela carga de juros e, em menor escala, pelo custo dos swaps cambiais.
A análise anterior indica a dupla natureza da crise atual: o declínio dos fluxos de renda e o aumento intenso do endividamento. Este último se comporta como uma espécie de buraco negro, impedindo o efeito multiplicador do gasto. Diante desse quadro, se a evolução do setor externo permitir, a reativação da economia dependerá de dois tipos de medidas: o refinanciamento das dívidas, uma condição necessária, somada à reativação do circuito do gasto-renda, condição suficiente. A despeito de o setor público estar em situação financeira delicada, as iniciativas devem partir dele, em razão de seu tamanho e maior grau de liberdade.
No plano financeiro é necessária uma ampla renegociação das dívidas. Sua condição essencial é uma redução da taxa básica de juros, a Selic, e dos spreads bancários. Quanto à primeira, não só a queda da inflação, mas a taxa interna superior à externa permite sua redução. Os bancos públicos, que não tem a imperiosidade de obtenção de lucratividade semelhante aos privados, poderiam tomar a iniciativa de reduzir os spreads e renegociar as dívidas. A criação de incentivos para o setor bancário privado aderir à renegociação também é crucial.
A queda da Selic reduz a carga de juros e a pressão sobre a dívida pública, abrindo espaço fiscal para o aumento temporário do déficit primário. Este deveria financiar gastos com elevado multiplicador, como políticas sociais direcionadas às camadas de baixa renda e a retomada de obras de infraestrutura paralisadas.
Por outro lado, seria importante incentivar o investimento do setor privado, mormente na infraestrutura por meio de condições especiais de financiamento. A constituição de um pool de recursos postos à disposição dos bancos poderia dar conta desta tarefa. Esses recursos podem ter origem em mudanças na composição dos ativos do setor público, com impacto nulo sobre as dívidas. A securitização da dívida tributária do setor privado e o uso de parte das reservas internacionais seriam os dois candidatos mais imediatos a gerar os recursos desse fundo.
 * Professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e ex-diretor pelo Brasil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de julho de 2012 a junho de 2016.

Queda de avião

O que se sabe sobre o acidente que matou Teori Zavascki?

por Redação — publicado 24/01/2017 16h04, última modificação 25/01/2017 10h09
Segundo as primeiras informações, não houve pânico na cabine e piloto tentou pousar duas vezes antes da queda. Desorientação pode ter contribuído

Reprodução / Twitter / Aeroagora
Aeroagora
Mergulhadores durante tentativa de resgate nos destroços do avião, em 19 de janeiro
A queda do avião Beechcraft C90GT King Air que levava o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, além de outros três passageiros e do piloto, criou um momento de expectativa na vida política brasileira.
Teori estava em uma posição sensível, como relator da Operação Lava Jato no STF, e sua ausência pode ter implicações para os resultados da investigação, assim como para a continuidade do governo federal.
Algumas teorias da conspiração surgiram ao redor do acidente, assim como apelos para investigações efetivas sobre o episódio. As primeiras informações oficiais começaram a ser divulgadas, mas o suspense deve prosseguir até uma definição por parte das autoridades. Entenda, abaixo, o que se sabe até aqui.
Quem está investigando o acidente que matou Teori?
Quatro instituições estão realizando a investigação do acidente. A Aeronáutica, por meio do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa), é responsável pela investigação técnica. O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal instauraram inquérito civil, sob responsabilidade da procuradora da República Cristina Nascimento de Melo, do MPF em Angra dos Reis (RJ), e do delegado da PF em Angra Adriano Antonio Soares. A Polícia Civil também está no caso.
A investigação está sob sigilo? Por quê?
Sim, o sigilo foi determinado pelo juiz da 1ª Vara Federal de Angra dos Reis, Raffaele Felice Pinto. O sigilo é comum em investigações de desastres aéreos no País e está previsto na lei 12.970 de 2014.
Essa legislação foi aprovada para facilitar o recebimento de informações pelo Cenipa, órgão responsável pela apuração dos acidentes aéreos com o intuito de prevení-los. Antes de essas informações serem colocadas sob sigilo, o Cenipa via suas investigações prejudicadas porque fontes temiam que as informações repassadas fossem usadas em inquéritos e tornadas públicas.
Agora, as autoridades policiais podem usar as informações obtidas pela Aeronáutica, mas se houver autorização judicial e se elas estiverem sob sigilo.
Mas a Aeronáutica divulgou informações sobre o acidente. Quais são elas?
Segundo a legislação, o Cenipa pode divulgar informações que achar convenientes. No fim da manhã desta terça-feira 24, o órgão divulgou uma nota informando que conseguiu extrair com sucesso os dados do gravador de voz da cabine do avião em que Teori Zavascki viajava. Segundo o órgão da FAB, "em uma análise preliminar, os dados extraídos não apontam qualquer anormalidade nos sistemas da aeronave."
De acordo com o chefe da divisão de operações, coronel Marcelo Moreno, o equipamento gravou os últimos 30 minutos de áudio do voo e isso inclui não só informações de voz, mas outros sons que serão importantes para a investigação. "Nós analisamos sons diferentes, em que possamos identificar, hipoteticamente falando, o ruído de um trem de pouso sendo baixado, a aplicação de algum grau de flap ou outro equipamento aerodinâmico da aeronave".

O que mais se sabe sobre a gravação?
Técnicos do Cenipa citados por veículos de imprensa divulgaram informações adicionais sobre o áudio, ainda não confirmadas oficialmente pela Aeronáutica.
Segundo a TV Globo, a análise do gravador de voz da caixa-preta do avião aponta que o piloto da aeronave fez duas tentativas de pouso no aeroporto de Paraty (RJ) antes de cair no mar. Ainda segundo a emissora, os áudios mostram que não houve pânico dentro da aeronave antes da queda.
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o áudio também mostra que o piloto disse que iria esperar a chuva passar antes de pousar.
Também segundo a Folha, a Cenipa avalia preliminarmente que uma desorientação do piloto (por exemplo a respeito do espaço do avião em relação ao solo), é a única hipótese plausível, até o momento, para explicar o acidente.
Há testemunhas do acidente? O que elas dizem?
As testemunhas do acidente ainda serão ouvidas oficialmente pelas autoridades responsáveis, mas há relatos conflitantes. Célio de Araújo, barqueiro de 50 anos, disse à Folha de S.Paulo na quinta-feira 19 que estava em um passeio próximo à ilha da Rapada e viu fumaça saindo da asa esquerda do avião.
Lauro Koehler, que estava em um outro barco de passeio no local, relatou ao jornal O Estado de S.Paulo a forte chuva no momento da queda, acrescentando que a visibilidade dentro da embarcação foi extremamente prejudicada.
Koehler disse não ter visto fumaça, mas sim o avião fazer uma curva fechada para a direita. "Não houve fumaça, não houve explosão, não houve nada no avião. O avião simplesmente fez uma curva fechada demais, se inclinou demais. Acredito que isso tenha feito ele perder a sustentação", disse.
"À medida que ele foi fazendo a curva foi perdendo altitude e ficando cada vez mais inclinado. Quando ele estava acabando de fazer a curva de 180 graus, já estava tão baixo, tão inclinado que bateu com a asa na água. Nós só vimos a coluna d'água levantar", afirmou.
E os destroços da aeronave, onde estão?
Nesta terça-feira 24, os destroços foram recolhidos do mar e levados para o porto de Paraty (RJ). De lá, seguirão para a Base do Aeronáutica, no aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro, onde ficarão aos cuidados da Cenipa.

Aposentadoria

Reforma da Previdência esconde concessões ao setor privado

por Mariana Haubert — publicado 27/01/2017 14h24, última modificação 27/01/2017 17h21
Em debate realizado em Brasília, especialistas criticam as mudanças propostas pelo governo de Michel Temer

Sergio Amaral
Denise Gentil
'Não estamos com déficit pelos excessos de concessões feitas ao sistema financeiro', diz Denise Gentil.
De Brasília
O déficit da Previdência de 2016 apresentado pelo governo nesta quinta-feira 27, de 149,7 bilhões de reais, esconde, entre as causas apresentadas, as políticas macroeconômicas que repercutem diretamente nos resultados do setor. Esta é a opinião da economista Denise Gentil, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Gentil defende que a reforma proposta pelo governo de Michel Temer atribui o resultado fiscal do setor de fora para dentro, ou seja, ele não é auferido por seus parâmetros internos, mas pela política macroeconômica que provoca uma depressão na economia do País.
“Não estamos com um déficit por causa dos gastos da Previdência mas pelos excessos de concessões feitas a um sistema financeiro”, afirmou. Seu argumento é de que o governo retira recursos da Seguridade Social para financiar outras despesas.
“As desonerações excessivas sem contrapartida das empresas, o aumento da DRU [Desvinculação de Receitas da União] que retira recursos principalmente da Seguridade Social, a não cobrança da dívida ativa, são só alguns dos motivos que levam à fuga de recursos que deveriam ser usados para custear os pagamentos das aposentadorias. Agora, o trabalhador que vai ter que pagar a conta”, completou.
A professora participou do seminário “Em defesa do direito à aposentadoria para todos”, realizado pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e pela Associação Nacional dos Participantes de Fundo de Pensão (Anapar), em Brasília, nesta sexta-feira 27. Centrais sindicais e outras entidades representativas também acompanham o evento. A cobertura é de CartaCapital.
Denise integrou a primeira mesa de discussão. Em sua exposição, ela mostrou que dos 271 bilhões de reais concedidos em desonerações em 2016, 54% foram retirados da Previdência.
A professora sustentou que a reforma proposta em um cenário de ajuste fiscal não vai ter efeito imediato, ou seja, não será capaz de ajudar a resolver a crise que o País enfrenta. A professora alertou ainda para a possibilidade de esvaziamento da própria previdência, uma vez que os contribuintes, ao não vislumbrarem que poderão receber o benefício, irão desistir de contribuir ao longo do tempo.
“Essa reforma vai dinamitar de vez o regime geral porque as pessoas vão se sentir desestimuladas. E quem vai ganhar com isso são os bancos, que irão vender mais fundos de previdência privada e outros produtos financeiros”, disse Gentil
Ela defendeu também a tese de que a reforma tem como objetivo oculto a privatização do setor, assim como aconteceu com a Saúde. “Você acaba com o sistema e obriga as pessoas a procuraram serviços privados”, disse. De acordo com ela, no ano passado, os bancos tiveram um aumento, de janeiro a outubro, de cerca de 21% na compra de fundos de previdência privada.
Em uma exposição didática, Gentil esmiuçou os principais pontos da reforma que passa a exigir a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres. O tempo de contribuição mínima será de 25 anos e quem se aposentar com esse período, receberá cerca de 79% do valor do seu salário. Para receber o valor integral, o tempo de contribuição passa para 49 anos.
“Os engravatados da Esplanada não conhecem a realidade do trabalhador neste País. O tempo estipulado é fora da realidade”, afirmou.
A proposta de emenda à Constituição foi enviada pelo governo ao Congresso no fim do ano passado e já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Agora, a Casa instalará uma comissão especial para discutir a proposta. A previsão do governo é de que a reforma seja aprovada até março.
O jornalista Luís Nassif, também integrante do seminário, também afirmou que as estratégias adotadas na história recente do País levaram a uma deterioração das despesas públicas, o que levou aos ajustes fiscais.
“Até para o FMI começa a ficar claro que não se constrói um país sem distribuição de renda. É simples. Tem que ter o empresário que produz e o trabalhador que compra”, afirmou.
Para Nassif, a política do ajuste fiscal já foi revista por economistas estrangeiros que verificaram que a estratégia não dará resultados. “Tem uma mudança em todo esse pensamento que vai tornar anacrônico esse neoliberalismo que está sendo implementado aqui”, afirmou.
O jornalista disse ainda que a chamada “ponte para o futuro”, usado como slogan do governo Temer, significa apenas a chance de o governo aproveitar o curto prazo e o momento posterior a uma catarse social, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, para promover políticas que irão impor todo tipo de reforma que interessa ao mercado financeiro em curto prazo.
Nassif também comentou que o fenômeno das redes sociais e a segmentação dos movimentos sociais acabaram por desorganizar o sistema de informação, que acaba por levar a fenômenos como a chamada pós-verdade, em que fatos são descontextualizados ou até mesmo criados para se atingir determinado objetivo. “A informação disciplinada é a base da democracia”, disse.
O jornalista criticou ainda a forma como o presidente Michel Temer está implementando as suas reformas, sem discussão com a sociedade. Para ele, as medidas adotadas pelo governo Temer estão tendo um efeito ainda não mensurado corretamente que é o de voltar a unir espectros de esquerda em torno do combate às medidas apresentadas, como a reforma da previdência e trabalhista. 

Opinião

O governo Temer quer inviabilizar as terras indígenas?

por Erika Yamada — publicado 24/01/2017 09h38
Aprovação, revogação e substituição de portaria do Ministério da Justiça levanta dúvidas sobre a legitimidade da atual administração

Marcelo Camargo / Agência Brasil
Indígenas
Direitos rifados: indígenas protestam contra a PEC 215 em Brasília, em fevereiro de 2016
Ao anunciar uma nova portaria dias depois da publicação da polêmica Portaria MJ 68/2017, o governo seguiu desconsiderando a exigência legal de consulta aos representantes indígenas e excluindo o diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista e especialistas.
Agora, com menos explicações, a medida abala ainda mais a confiança na imparcialidade das instituições e a legitimidade dos próprios atos da administração do governo Temer.
Com a Portaria MJ 80/2017, muda-se a forma mas não no conteúdo. Como anunciado na proposta vazada na imprensa de um decreto presidencial e na portaria revogada pelo ministro Alexandre de Moraes, há um grave intuito de se abrir o processo técnico de demarcação de terras indígenas sob pressão política em favor de interesses particulares.
Tal medida busca inviabilizar as demarcações de terras indígenas e anular procedimentos já em curso ou concluídos, a partir da exigência de critérios que contrariam a Constituição Federal e que negam o direito dos povos indígenas de viverem em suas terras de acordo com suas culturas, religiões ou cosmovisões e planos coletivos de vida.
Em setembro de 2016, Victoria Tauli Corpuz, a relatora das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, levou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sua preocupação com a ausência de avanços na defesa dos direitos dos povos indígenas e com os retrocessos institucionais e as ameaças de retrocessos legais constatados em sua visita ao Brasil.
Esse cenário se confirma com as portarias do MJ. Para a relatora da ONU, esses retrocessos estariam levando a situações de etnocídio no país que durante muito tempo foi exemplo para o mundo no que concerne à proteção de terras indígenas.
Assim, foram feitas recomendações ao Brasil no sentido de se concluir os processos de demarcação das terras indígenas; fortalecer as instituições que atuam na defesa dos direitos dos povos indígenas, como a Funai e o MPF; combater e punir o racismo, inclusive institucional, e as violências praticadas contra comunidades indígenas; e garantir o direito de consulta e consentimento livre prévio e informado estabelecido pela Convenção 169 da OIT e pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
A Declaração da ONU foi aprovada em 2007, assim como a Convenção 169 da OIT e reconhece a urgente necessidade de se respeitar e promover os direitos dos povos indígenas no mundo, especialmente os direitos a suas terras, territórios e recursos.
De acordo com os instrumentos internacionais, os Estados devem assegurar o reconhecimento e a proteção jurídica dessas terras, respeitando os costumes, as tradições e os sistemas indígenas de usufruto da terra. 
A hipótese de reparação por perda de terras, territórios e recursos prevista na declaração é excepcional, e deve acontecer primeiramente com a oferta de terras de igual qualidade e extensão, nos casos em que não é mais possível o retorno ao território indígena.
No caso do Brasil, tal orientação deve ser lida em conjunto com o artigo 231 da Constituição Federal, visando à proteção dos direitos territoriais originários. Ou seja, a reparação não pode ser entendida como possibilidade para a não demarcação das terras indígenas mediante oferta de indenização pelas terras que ainda existem.
A inversão de lógicas para a desproteção dos direitos humanos é um alarme do atual cenário nacional e se agravará caso a matéria seja seja rifada ao Congresso Nacional.
Em 2017, o Brasil passará por exame no Conselho de Direitos Humanos da ONU com relação à situação dos direitos humanos nos últimos quatro anos, devendo prestar contas das medidas adotadas pelo País para cumprir recomendações expedidas pela ONU nos diversos temas.
A pauta dos direitos humanos dos povos indígenas, assim como do direito de participação e manifestação da sociedade, das violações dos direitos das mulheres e a pauta do sistema prisional devem aparecer com força e grande preocupação. Sem diálogo nem demarcações, o Brasil terá poucos avanços a anunciar.

*Erika Yamada, doutora em Direito e Política Indígena pela Universidade do Arizona e perita do Mecanismo de Peritos da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Judiciário

Cármen Lúcia homologa delações da Odebrecht: o que isso significa?

por Redação — publicado 30/01/2017 09h43
Presidenta do STF faz avançar a Operação Lava Jato e atrapalha os planos do governo Michel Temer

Carlos Humberto / STF
Cármen Lúcia
Cármen Lúcia: ela chama para si a continuidade da Lava Jato/
Com a homologação, Cármen Lúcia chama para si a responsabilidade da continuidade da Lava Jato, ameaçada pela morte do ministro Teori Zavascki, relator das investigações no Supremo e que ainda não tem substituto.
Na semana passada, a presidente do STF já havia autorizado o gabinete de Teori a retomar delações da Odebrecht. Assim, juízes auxiliares realizaram as audiências com os funcionários da empreiteira que colaboraram com a Lava Jato.
Por que Cármen Lúcia homologou as delações? Ela não deveria ter esperado o novo relator da Lava Jato no STF?
Como presidenta do STF, Cármen Lúcia tem a prerrogativa de decidir sobre questões urgentes enquanto estiver em vigor o recesso do Judiciário, que acaba nesta terça-feira 31. Nesta situação, o presidente do Supremo atua como um ministro plantonista e pode resolver temas que necessitem de decisões imediatas.
As delações da Odebrecht eram um assunto urgente?
Essa decisão cabe ao presidente do STF e Cármen Lúcia considerou que sim, tratava-se de tema urgente. A morte de Teori gerou inúmeras dúvidas sobre a continuidade da Lava Jato.
Essa decisão afeta o governo Temer?
Sim. De acordo com relatos, o Palácio do Planalto defendia o adiamento da homologação. Auxiliares de Temer desejavam que Cármen Lúcia primeira escolhesse um novo relator para a Lava Jato e só então esse ministro analisasse as delações.
O temor da equipe presidencial é de que o conteúdo das delações se torne público e isso gere instabilidade, pois muitos dos integrantes do atual governo devem aparecer nos documentos.
Apenas em uma das delações, do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, e Cláudio Melo Filho, que se vazou em dezembro, Temer era citado 43 vezes. Seu ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, era mencionado 45 vezes.
Em meio a novas denúncias, o governo teria dificuldade para aprovar seu diversos planos draconianos, como a reforma da Previdência.
Essas delações homologadas seguem sob sigilo?
Sim, Cármen Lúcia homologou as delações, mas não retirou o sigilo sobre elas.
E o que é a homologação de uma delação?
Ao homologar a delação, o STF valida o acordo feito entre os delatores e a Procuradoria-Geral da República (PGR), que implica em redução de penas para os delatores caso esses sejam condenados. A diminuição da pena é o "prêmio" que o delator recebe por contar o que sabe sobre o esquema de corrupção.
Para onde vão as delações da Odebrecht agora?
Agora as delações vão para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Com o material em mãos, ele poderá pedir a abertura de inquéritos no Supremo (contra as pessoas que detêm foro privilegiado), incluir as provas obtidas em investigações que estejam em andamento ou mandar as citações sobre pessoas sem foro privilegiado para o MPF nos estados.
E quem será o relator da Lava Jato no Supremo? 
Ainda não há definição sobre isso. Deve haver um sorteio, mas não se sabe se ele incluirá todos os ministros do STF ou apenas aqueles da 2ª Turma do Supremo (Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello), à qual pertencia Teori Zavascki.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Teori ia pegar Temer-II

Gilmar não faltará ao amigo, segundo o Janio
publicado 29/01/2017
bessinha golpeologia.jpg

O Conversa Afiada já observou que o ministro Teori avisou ao filho que 2017 ia ser pior que 2016, ou seja, que ele ia pegar o Traíra, também chamado, na lista de alcunhas da Odebrecht, de "MT".
A mesma observação está no Globo Overseas Investment BV, numa outra entrevista de Francisco Zavascki, filho do ministro:
- Ele falava muito pouco. Não abriu nada. Ele só comentou, na véspera do falecimento, que estava muito preocupado em como o país iria reagir daqui para a frente. Como seriam as coisas com o conteúdo das delações. Ele estava realmente aflito porque pelo jeito a coisa era muito séria, e é muito séria por envolver o poder brasileiro e pessoas de destaque no Brasil.