segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Eleições 2016

Como a esquerda brasileira continua correndo atrás do próprio rabo

por Maíra Kubík Mano publicado 31/10/2016 10h01
Enquanto nos digladiamos pela melhor análise do cenário eleitoral e apontamos o dedo uns para os outros, a direita sorri e avança

Fernando Frazão/Agência Brasil
Marcelo Crivella vence eleição no Rio
De quem é a culpa da derrota de Freixo e do PSOL no Rio?
Ao verificar o mapa eleitoral, algumas análises começam a colocar a culpa da derrota no Rio de Janeiro ao fato de o PSOL e o Marcelo Freixo não "saberem falar como as massas" - como se as massas fossem algo inerte, acrítico e apolítico,uma postura típica de quem está no lugar de dominante, não de dominado.
Sobre tal perspectiva, alguns militantes mais envolvidos com a campanha do psolista respondem dizendo que o problema foi a Igreja Universal e a Record, que seria muito difícil uma vitória quando o outro lado tinha essas máquinas por trás e que precisaríamos voltar a fazer trabalho de base para conseguirmos nos contrapor a eles.
Uma generalização bastante grosseira do evangelismo, como se houvesse apenas uma denominação, e não muitas, e como se elas funcionassem todas da mesma maneira em todos os locais.
Daí o primeiro grupo, em sua análise rasa, retruca que isso não é desculpa porque Freixo teve a Globo a seu favor no segundo turno e não adiantou.
E então os militantes do segundo grupo tiram da manga a carta "vamos-lembrar-de-quem-Crivella-foi-ministro" para ver quem contribuiu mais para ele se tornar uma figura tão pública, seu tio Edir ou o lulismo?
O único acordo entre as duas argumentações é que o voto nulo, em branco ou simplesmente a ausência nas urnas foi o verdadeiro vitorioso, mostrando que a aversão à política institucional é uma herança forte do processo de insatisfação que eclode nas jornadas de junho de 2013 e que é reforçado pelas inúmeras denúncias de corrupção e pelo traumático golpe parlamentar-jurídico-midiático denominado "impeachment".
As milícias ficaram em segundo plano nesse debate, o que me parece um equívoco. Os relatos que chegaram dão conta de que em diversos lugares do Rio foi muito difícil fazer campanha, havendo com frequência intimidação armada e cercos.
E, em último plano mesmo, ficou a possibilidade de fazermos uma análise mais complexa, que agregue todos esses elementos. Da dificuldade de uma candidatura que saiu da zona Sul em dialogar com a população - e ganhá-la de volta para a participação política - ao poder paralelo do tráfico, passando pela disputa dos meios de comunicação entre dois gigantes que não estão dispostos a se democratizar, até chegar ao frangalho das esquerdas, ao interminável balanço dos governos petistas e de como a ausência no chão das ruas deu lugar aos evangelismos crescentes. (E certamente outras questões que meu ponto de vista parcial não me permite enxergar).
Se não conseguirmos colocar lentes interseccionais mais aguçadas para vermos o mundo lá fora vai ser muito difícil sairmos desse lugar. Enquanto nós nos digladiamos pela melhor e mais correta análise, que na prática significa disputar para quem, dentre nós, vamos apontar o dedo e apresentar a conta final da derrota, Crivella sorri e diz que vai promover valores familiares e contra a "ideologia de gênero".
Por fim, quero mesmo é ficar com a energia boa que saiu da campanha do Freixo - e de diversas outras Brasil afora, com destaque para Edmilson em Belém e Aurea Carolina em Belo Horizonte.
Sem idealizações, que obviamente também podem surgir desses movimentos, e sem achar que encontramos o novo caminho que deveríamos seguir - como se houvesse apenas um.
Mas, sim, com uma disposição que tem potência de transformação, sem fórmulas tão certas, sem tantas verdades absolutas, mas com muita vontade de acertar o rumo, acreditando que um outro mundo é sim possível e que ele não é construído apenas de dois em dois anos, quando das disputas eleitorais, mas cotidianamente.

PEC 241: Temer invoca Thatcher

Nem os Conservadores ingleses pronunciam mais o nome dela...
publicado 31/10/2016
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Pinochet à Thatcher: chama o Temer para a foto!

Como se sabe, o próprio Partido Conservador destituiu a "Dama de Ferro", aquela que melhor do que ninguém - depois do FHC Brasif - pôs em prática o neoliberalismo radical dos Chicago Boys do Pinochet!
Aliás, ela era muito amiga do Pinochet!
Thatcher quebrou a Inglaterra de forma irremediável.
Destruiu-lhe a indústria e transformou a Economia inglesa numa agência bancária americana, especializada em lavar dinheiro!
Nenhum político inglês invoca mais o nome do Thatcher.
Ela é multipartidariamente odiada!
Como breve, nenhum invocará o do Traíra
É duro ser colonizado...
No PiG Cheiroso:
O presidente Michel Temer voltou a fazer menção, em cerimônia no Palácio Itamaraty nesta segunda-feira, à medida do governo de ajustar as contas públicas com um limite para o crescimento do gasto público no país.
(...)
“Ela disse: não vamos pensar que o Estado pode fazer projetos generosos e achar que existe um dinheiro público diferente do dinheiro privado. O dinheiro público nasce do dinheiro privado, precisamente dos tributos. Então é preciso muitas vezes conter a despesa pública porque você só pode gastar o que arrecada”, relatou Temer.
(...)
Em tempo: no ostracismo, Thatcher não podia mais se defender de tudo o que diziam dela. É que ela foi acometida daquela doença que, segundo o Nassif, atingiu o Padim Pade Cerra: a decrepitude.
Ou isso não passa de um golpe para se esconder da delação da Odebrecht, em que foi flagrado com R$ 23 milhões, na Suíça?

urista argentino quer destituir Moro

TRF-3 também não pode sair do Brasil...
publicado 31/10/2016
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Zaffaroni: e assim se chegou ao Nazismo...

Para Zaffaroni, decisão que arquivou acusação contra Moro é um “escândalo jurídico”
Em artigo publicado no jornal argentino Página 12, Eugenio Raúl Zaffaroni, ex-ministro da Suprema Corte, professor emérito da Universidade de Buenos Aires e um dos maiores penalistas do mundo, classificou como “escândalo jurídico” a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) que arquivou o processo que apurava o vazamento deliberado pelo Juiz Federal Sérgio Moro das conversas entre Dilma e Lula em um dos processos da Operação Lava-Jato.
A conduta de Moro em divulgar as provas sigilosas para o Jornal Nacional da Rede Globo foi relevada e o processo foi arquivado pelo Tribunal por 13 votos a 1. O relator do caso, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, usou da exceção para argumentar que as questões da Lava Jato “trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.
No artigo publicado, Zaffaroni manifestou assombro com a decisão. Como explica, “a excepcionalidade foi o argumento legitimador de toda inquisição ao largo da história, desde à caça às bruxas até nosso dias, passando por todos os golpes de Estado e as conseguintes ditaduras”.
O jurista lembrou a trajetória de Carl Schmitt, filósofo jurídico do período nazista, que desenvolveu sua teoria com base no poder sobre a exceção para legitimar o poder de Hitler e destruir a Constituição Alemã (Constitição de Weimar) – “Assim, Carl Schmitt destruiu a Constituição de Weimar hierarquizando suas normas e argumento que o princípio republicano permitia, em situações excepcionais, ignorar todas as demais normas”.
Zaffaroni ainda afirmou que decisões como essa escondem um revanchismo político por integrantes de carreiras políticas – “Infelizmente, encontramos um revanchismo exercido sob a legitimação de discursos com muito baixo nível de desenvolvimento: como no julgamento brasileiro, dá a impressão de que ele se exibe sem tentar a menor dissimulação”.
Vazamento dos áudios impulsionou impeachment e sofreu críticas de juristas de renome mundial
A divulgação pelo magistrado para o Jornal Nacional da TV Globo da conversa entre a então Presidenta Dilma e o ex Presidente Lula sobre sua nomeação para o cargo de ministro da Casa Civil causou profundo impacto político.
O Jornal abordou durante todo tempo o conteúdo da fala, levando pessoas a ocuparem a Avenida Paulista por 38 horas, além de causar uma intensa movimentação na mídia sobre a nomeação ao cargo, a qual durou menos de uma tarde, uma vez que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, suspendeu os efeitos da posse.
Na época, o Justificando entrevistou o Professor da Universidade de Roma, Pierluigi Petrillo, que também ficou espantado com a conduta do magistrado. Relembre:

SP não governa o Brasil

Conheça a Rádio Navalha, podcast exclusivo para os assinantes do C Af
publicado 31/10/2016
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Na Rádio Navalha de hoje, PHA analisa a cobertura do segundo turno das eleições municipais. Para o PiG, parece que o PSDB venceu o Trump e a Hillary e venceu a eleição nos Estados Unidos! Quá, quá, quá!


Esta é a amostra de mais um episódio da Rádio Navalha, o podcast exclusivo para os assinantes do Conversa Afiada. A Rádio Navalha é o nosso programa de rádio na web, com comentários de PHA sobre a política brasileira e análises sobre o PiG e seus efeitos (deletérios).
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Dino: vitória da Direita não dura

Lava Jato vai determinar futuro do Governo Temer
publicado 31/10/2016
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Dino: Vitória significa se deslocar para o centro da sociedade, ampliar as alianças (Reprodução: UOL)
ansioso blogueiro entrevistou por telefone, na segunda (31/X), o governador do Maranhão, Flavio Dino, do PCdoB, que confirmou uma ampla vitória nas eleições para prefeitos no Estado, inclusive, no segundo turno, em São Luís, com Edivaldo Holanda Jr, do PDT.
PHA: Primeiro, o que significa essa vitória em São Luís?
Dino: Duas questões fundamentais explicam essa importante vitória. Primeiro, a capacidade de gerar resultados positivos para a população - políticas públicas, obras, serviços. E, em segundo lugar, destaco uma articulação política ampla, uma ampla frente de partidos, capaz de sustentar a candidatura do Edivaldo e leva-lo à vitória. Acho que a combinação dessas duas coisas explica o sucesso que tivemos em São Luís e na imensa maioria das cidades do estado.
PHA: O senhor concorda com a tese, hoje, na manchete dos jornais principais daqui do Sul, de que houve uma guinada significativa à direita e uma vitória acachapante do PSDB?
Dino: Em primeiro lugar, é claro que houve uma guinada à direita. Não me parece duradoura, mas é significativa, sem dúvida. Acho que é típica de períodos de crise econômica muito profunda, já se estende por quase uma década, dizimando empregos e perspectivas de progresso social.
Não me parece, contudo, que você possa identificar uma força partidária como vitoriosa na eleição. Isso me parece mais torcida do que propriamente análise. Na verdade, o que nós tivemos foi a vitória de uma ideologia, hoje, hegemônica, marcada pela anti-política. E isso se traduziu, por exemplo, na vitória do absenteísmo no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Porto Alegre - e em São Paulo também, no primeiro turno.
Então, na verdade, nós temos mais uma hegemonia da anti-política do que, propriamente, a vitória de um único ator partidário isolado. A bem da verdade, quem perdeu a eleição foi a política. De um modo geral, o sistema partidário da Nova República foi posto em cheque. Basta olhar que foram candidatos inorgânicos, desvinculados a essa trajetória, que venceram em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte.
PHA: O senhor falou que a vitória não é duradoura. O que fazer para que, em 2018, o campo de esquerda possa ganhar de novo?
Dino: É preciso uma revisão programática, olhar menos para trás e mais para a frente. Acho que seria um grande erro incorrer nessas armadilhas dos setores conservadores, que cobram uma suposta autocrítica. Acho que não é esse o esforço principal.
Na verdade, é preciso reconstituir um programa baseado nas ideias de desenvolvimento e de direitos sociais e serviços públicos. E, a partir desse programa, constituir uma frente política ampla, capaz de sustentá-lo, e de dialogar com o eleitor médio - o chamado centro político.
Quando eu me refiro ao centro, não falo do partido A, B ou C, mas, sim, ao centro na sociedade. Esse eleitor médio que acabou optando ou por alternativas exóticas, especialmente nesse segundo turno, ou por, simplesmente, se ausentar. É esse cidadão, é essa cidadã quem deve ser novamente atraído pela esquerda a partir de um novo programa.
PHA: O seu companheiro de partido, o ex-ministro Aldo Rebelo, e o próprio presidente Lula, com quem estive recentemente, falam que é preciso fazer um movimento em direção ao centro do espectro político. É a isso que o senhor se refere?
Dino: Não me refiro a isso em termos partidários, porque me parece que isso, hoje, é até inviável. Me refiro mais do ponto de vista da sociedade. Acho que, por uma série de razões, inclusive pelo massacre midiático pós-2013, a esquerda acabou indo muito pro canto do ringue, ficando muito até no gueto, num certo sentido, reduzida a 20% ou 25% da sociedade.
Quando eu refiro a disputar o centro, me refiro menos a partidos, a legendas partidárias, e mais ao que se passa na sociedade, em que esse eleitor, que não se identifica com a ideologia A ou B, acabou, nesta eleição - ao meu ver, em razão da crise econômica -, sendo atraído por figuras bastante esquisitas, bastante estranhas. Ou pela ideia de que a política não é capaz de resolver seus problemas. Isso se traduz nessa enorme ausência das urnas.
Eu acho que o sistema partidário vem como uma consequência dessa compreensão, de que você precisa ter um discurso mais amplo. Acho que a derrota dos candidatos do PSOL no segundo turno mostra que é um grande equívoco você não procurar dialogar com setores sociais mais amplos. Muito mais do que partido A ou B.
Não sei exatamente o que Lula e Aldo estão pensando, mas eu imagino que isso, uma reorganização partidária, é consequência mais de uma atitude política em relação à sociedade do que propriamente você olhar apenas pro Congresso Nacional.
PHA: O que que o senhor imagina que será o governo Temer daqui pra frente? Ele dura?
Dino: Depende de um fator imponderável na conjuntura, que ninguém domina, ninguém de dentro do sistema político institucional domina, que é a Operação Lava Jato. Acho que essa é a variável bastante poderosa pra responder essa questão, pra definir isso.
Acho, portanto, equivocada essa ideia de que houve um plebiscito em 2016 e, nesse plebiscito, o Golpe foi vitorioso. Acho que não foi nada - rigorosamente nada - disso. Essa questão não passou na cabeça do povo na hora de votar. Muito mais pesou a crise econômica, o desemprego, a quebra de perspectiva de melhoria da qualidade de vida do que propriamente questões pertinentes à corrupção ou Golpe ou algo do tipo.
Portanto, acho que a eleição municipal de 2016 não responde à tua pergunta. Acho que tua pergunta está muito mais vinculada ao que vai acontecer com a Operação Lava Jato - que, acho, está num momento crucial de responder, inclusive, às críticas quanto à seletividade de suas atitudes.

Nada impede STF de rasgar a CLT

Temer e o Congresso não sujarão as mãos
publicado 31/10/2016
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Conversa Afiada reproduz do Vermelho agudo artigo do professor Jorge Luiz Souto Maior:
Jorge Luiz Souto Maior: A Constituição não será empecilho
As duas mais recentes decisões do STF sobre direito trabalhista deixaram muito claro que a Constituição não será empecilho para a escalada do Golpe.
Por Jorge Luiz Souto Maior
A essa altura ninguém mais tem dúvida – ou ao menos não poderia ter – de que o golpe de Estado em curso no Brasil se deu para levar adiante, de forma mais evidenciada e ilimitada, o movimento de retração de direitos imposto à classe trabalhadora desde o advento de outro golpe, o de 1964, sendo que, na situação presente, a quebra institucional se deu para suplantar o empecilho da Constituição de 1988, que alçou as garantias trabalhistas a direitos fundamentais.

Ocorre que diante do desgaste para um governo que possui uma rejeição recorde, acabou se conferindo um papel decisivo ao Supremo Tribunal Federal para a execução dessa tarefa, pois, embora seja o órgão responsável pela salvaguarda da Constituição, é, em verdade, um ente político, já que seus membros são livremente escolhidos pelo Poder Executivo, com aval do Congresso Nacional, e, assim, pode se dispor a reformular a Constituição fora de um procedimento efetivamente democrático.

A atuação danosa do STF aos direitos trabalhistas já se expressou em diversos julgamentos, conforme relatado em outro texto. Mas as duas mais recentes decisões do STF deixaram muito claro que a Constituição não será empecilho para essa escalada.

No dia 07 de outubro, na Reclamação 24.597, de autoria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), o Ministro Dias Toffoli, em decisão monocrática, passando por cima do TST, revogou decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que havia determinado a manutenção de 70% dos serviços do respectivo hospital durante a greve.

Disse o TRT da 15ª Região:
“O direito de greve encontra-se assegurado na Lei 7.783/89 que reconhece ser legítimo e juridicamente válido o exercício de tal direito, desde que, é claro, ele seja utilizado pelos trabalhadores com a finalidade de pressionar o empregador a cumprir, adotar ou rever condições contratuais de trabalho. O empregador, por seu turno, não pode adotar medidas que frustrem o exercício do direito constitucional de greve, haja vista a regra preconizada no § 2º do art. 6º da referida lei. Todavia, no caso, cumpre observar que as atividades executadas pelo suscitante caracterizam-se como essenciais, nos termos do art. 10, II e III, da Lei nº 7.783/89. Assim, deve ser observada a manutenção das atividades indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, haja vista o disposto no art. 11 da Lei nº 7.783/89. Presentes, pois, os requisitos dofumus boni iuris e do periculum in mora, concedo em parte a liminar postulada para determinar a manutenção de 70% (setenta por cento) dos trabalhadores e da prestação dos serviços de todos os setores da suscitada (…), sob pena de incidência de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) por trabalhador que não cumprir a ordem.”

A Procuradoria do Estado de São Paulo achou pouco e levou o caso ao Supremo, considerando que no julgamento do MI 712/PA, a Suprema Corte havia consignado que durante a greve deve ser garantida a “continuidade do SERVIÇO INADIÁVEL”.

O que se pretendia na Reclamação, de todo modo, era que se definissem quais seriam as atividades inadiáveis no hospital, para que nestas se fixasse o percentual de 100% dos serviços, mas o Ministro Toffoli, de ofício, alterou o limite do processo dizendo que “o que se defende nesta reclamatória é a possibilidade de que os trabalhadores contratados por entidade autárquica sejam privados do exercício do direito de greve em razão de o serviço de saúde possuir natureza essencial e inadiável para a população atendida pelo Sistema Único de Saúde”.

O Ministro Toffoli, então, apoiando-se em Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7), conseguiu formular a seguinte lógica: “Não há dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum.”

E, assim, concluiu: “Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça – onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária – e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito”.

A Constituição, no entanto, garante, expressamente, aos servidores públicos o direito de greve, sem qualquer exclusão (art. 37, VII), podendo-se pensar em limites quanto aos percentuais de continuidade dos serviços, para “atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (art. 9º), que, segundo a Lei n. 7.783/89, aplicável aos servidores públicos por decisão do próprio Supremo (MI 712), devem ser definidos por acordo entre o empregador e o sindicato ou a comissão de greve (arts. 9º e 11).
Fato é que sem que a Constituição de 1988 tivesse sido formalmente revisada, o Ministro Dias Toffoli deu a ela um sentido próprio, desconsiderando completamente o contexto histórico em que foi promulgada, para o efeito de fazer retroagir a greve ao período da ditadura militar, negando o direito de greve não apenas aos trabalhadores da saúde, de modo geral, como também aos servidores do Judiciário.

No dia 14 de outubro, o Ministro Gilmar Mendes, na Medida Cautelar para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 323, em decisão com 57 laudas, a pedido da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, também passando por cima do Tribunal Superior do Trabalho, reformulou decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª e da 2ª Regiões, que se apoiavam no teor da Súmula 277 do TST, a qual estabelece a ultratividade das cláusulas fixadas em acordos e convenções coletivas de trabalho, ou seja, a sua integração aos contratos individuais do trabalho até que nova negociação a elas se referira expressamente.

Lembre-se que a compreensão do TST, firmada na Súmula 277, em 2012, foi um avanço determinado pela EC 45, acolhendo, inclusive, corrente doutrinária respaldada em debate mundial.

No entanto, o Ministro Gilmar Mendes, simplesmente desconsiderando toda a história por trás desse avanço jurisprudencial, que se estabeleceu, inclusive, em perfeita consonância com o teor docaput do art. 7º da Constituição Federal, achou por bem dizer que: “Ao melhor analisar a questão, inclusive após o recebimento de informações dos tribunais trabalhistas, pude ter percepção mais ampla da gravidade do que se está aqui a discutir. Em consulta à jurisprudência atual, verifico que a Justiça Trabalhista segue reiteradamente aplicando a alteração jurisprudencial consolidada na nova redação da Súmula 277, claramente firmada sem base legal ou constitucional que a suporte”.

Citando, expressamente, decisões do TST, notadamente, “AIRR-289- 22.2014.5.03.0037, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, Sétima Turma, julgado em 8.6.2016; ARR-626-22.2012.5.15.0045, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Oitava Turma, julgado em 25.11.2015; RR-1125- 52.2013.5.15.0083 Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Oitava Turma, julgado em 07.10.2015”, o Ministro Gilmar Mendes acusou tais decisões de serem casuísticas e de aparentemente favorecerem apenas a um lado da relação trabalhista.

Antes de enfrentar o mérito propriamente dito, na decisão de 57 páginas, o Ministro Gilmar Mendes usa 33 páginas para justificar a legitimidade e a pertinência da medida. Depois, transbordando o limite do processo, discorre sobre a “tendência” do Supremo em “valorizar a autonomia coletiva da vontade e da autocomposição dos conflitos trabalhistas”, fazendo referência ao RE 590.415-RG, Rel. Ministro Roberto Barroso.

Na sequência, refere-se ao precedente do AI 731.954-RG, no qual o Supremo, em decisão da lavra do Ministro Cezar Peluso, considerou que o debate em torno da ultratividade, que antes não estava garantido pela Súmula 277 do TST, era matéria de índole infraconstitucional. Mas, agora, que a Súmula 277 do TST, embora tratando do mesmo tema, a ultratividade, mudou seu teor, o Ministro Gilmar Mendes, porque não concorda com o novo entendimento que fora fixado pelo TST, considerou que a ultratividade passou a ser matéria de índole constitucional.

Em seguida, o Ministro Gilmar Mendes apresenta manifestações de parte da doutrina trabalhista nacional. Desprezando o posicionamento de Augusto César Leite de Carvalho, Kátia Magalhães Arruda, Maurício Godinho Delgado e Rodolfo Pamplona Filho, e apoiando-se em Julio Bernardo do Carmo, Antônio Carlos de Aguiar e Sérgio Pinto Martins, conclui: “É evidente, portanto, em breve análise, que o princípio da ultratividade da norma coletiva apresenta diversos aspectos que precisam ser levados em consideração quando de sua adoção ou não. São questões que já foram apreciadas pelo Poder Legislativo ao menos em duas ocasiões – na elaboração e na revogação da Lei 8.542/1992 – e que deixam claro tratar-se de tema a ser definido por processo legislativo específico.”

No julgamento da questão propriamente dita, o Ministro Gilmar Mendes disse que o TST, na Súmula 277, proferiu uma “jurisprudência sentimental”, em um “ativismo um tanto quantonaif”, ou seja, “ingênuo” ou “popularesco”.

Preconizou que: “Há limites que precisam ser observados no Estado democrático de direito e dos quais não se pode deliberadamente afastar para favorecer grupo específico.”

E disse mais:

“Não cabe ao Tribunal Superior do Trabalho agir excepcionalmente e, para chegar a determinado objetivo, interpretar norma constitucional de forma arbitrária.”

Em suma, o Ministro Gilmar Mendes, seguindo entendimento do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que havia sido vencido no TST, considerou que a questão da ultratividade só poderia ser definida em lei e que a alteração da Constituição, promovida pela EC 45, no sentido de garantir aos trabalhadores que a sentença normativa proferida em Dissídio Coletivo preservasse “as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente” (§ 2º, art. 114), não se estenderia às negociações coletivas.

Assim, determinou “a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas”.

Claro que a decisão do Ministro Gilmar Mendes cai em contradição, pois ao tentar favorecer a demanda de retirada de direitos trabalhistas por meio da prevalência do negociado sobre o legislado, acaba dizendo que essa prevalência tem prazo limitado.

O mais importante, no entanto, é destacar que o Ministro Gilmar Mendes interpretou a Constituição, a partir de sua exclusiva visão de mundo, e chamou aqueles que não têm a mesma visão de ingênuos.

Até aí tudo bem, pois no peito dos ingênuos também bate um coração.

A grande questão é saber o que o Ministro Gilmar Mendes, já que afirmou que “não cabe ao Tribunal Superior do Trabalho agir excepcionalmente e, para chegar a determinado objetivo, interpretar norma constitucional de forma arbitrária”, teria a dizer sobre a decisão do Ministro Dias Toffoli que, por ativismo judicial, dizimou o direito constitucional de greve dos servidores do Judiciário e da saúde, de modo geral, assim como se não seria ativismo a definição acerca da índole constitucional de uma matéria quando se está de acordo ou não se está de acordo com o posicionamento jurídico adotado nas demais Cortes.

Além disso, importante que esclarecesse, já que também disse que “há limites que precisam ser observados no Estado democrático de direito e dos quais não se pode deliberadamente afastar para favorecer grupo específico”, se o ato do STF de chegar sistematicamente a interpretações contrárias aos interesses dos trabalhadores, conforme verificado nos dois processos acima e nos processos: ADI 3934 (05/09); ADC 16 (11/10); RE 586.453 (02/13); RE 583.050 (02/13); RE 589.998 (03/13); ARE 709.212 (13/11/14); RE AI 664.335 (9/12/14); ADI 5209 (23/12/14); ADI 1923 (15/04/15); RE 590.415 (30/04/15); RE 895.759 (8/09/16); e ADI 4842 (14/0916); sendo que se já deu indicações de que poderá seguir o mesmo direcionamento nos processos: ADI 1625; RE 658.312 e RE 693.456; deixando antever, ainda, que o mesmo pode advir nos processos: (ARE 647.561 – dispensas coletivas); (AI 853.275/RJ – direito de greve); (ARE 713.211 – ampliação da terceirização), não seria, exatamente, um favorecimento de um grupo especifico da sociedade, qual seja, o setor econômico?
 
Em tempo: O Conversa Afiada recomenda artigo de Isaías Dalle: Daqui a 10 dias, de uma tacada só, STF pode detonar a CLT

domingo, 30 de outubro de 2016

Janio: Moro ​quer tudo!

Lava Jato perdeu o controle das delações, né Serra?​ - PHA
publicado 30/10/2016
Bessinha PSDB.jpg

O Conversa Afiada reproduz a coluna de Janio de Freitas na Fel-lha:
Confronto entre Congresso e Judiciário ainda deve se agravar
O confronto entre Judiciário e Congresso está destinado a agravar-se, sem que pareça possível levar a algo positivo, de qualquer ponto de vista. O incidente que incluiu Renan Calheiros não foi ocasional, fez parte da tensão entre as duas instituições. Mas não é a causa do agravamento previsível e ameaçador.
Nos dias que precediam o incidente, Sergio Moro deu várias estocadas no Congresso. Como sempre, não falou só por si. Chegou mesmo a um mal disfarçado ultimato. Não foi em entrevista ligeira, pouco pensada. Foi na Assembleia Legislativa do Paraná que concitou o Congresso a "mostrar de que lado se encontra nesta questão" –a corrupção.
Quatro dias antes, Moro dirigia-se a juízes e servidores do Paraná ao dizer que, se aprovado o projeto contra abuso de autoridade (não só de magistrados), a decisão do Congresso "vai ser um atentado à independência da magistratura". Tidas mais como provocações do que defesa de ideias, as investidas de Moro têm exacerbado irritações, no Congresso, a ponto do senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB a serviço de Temer como líder do governo, dizer que "Moro se considera o superego da República".
O juiz de primeira instância que se sobrepôs ao Supremo Tribunal Federal e ordenou a ação policial no Senado agiu, no mínimo, sob influência da autovalorização que juízes e procuradores fazem, no caso combinada com o desprestígio do Congresso. Fez útil demonstração para aferir-se o ponto em que está a desarmonia funcional e institucional de Judiciário e Congresso. Como antecipado pela própria presidente do Supremo, com a reafirmação do radicalismo corporativo exposto, para muitos pasmos, já no discurso de posse.
É nesse ambiente que os congressistas estão para injetar dois excitantes poderosos. São os processos de votação, com as discussões preliminares e emendas, do projeto contra abuso de autoridade, proposto pelo Senado; e do projeto de pretensas medidas de combate à corrupção, de iniciativa da Lava Jato e complacente com abusos de autoritarismo.
Moro dá a entender que pode admitir alguma emenda nos dez pontos originários do seu grupo. Mas Deltan Dalagnol dá o tom da exigência beligerante: as dez medidas devem ser "aprovadas em sua totalidade". Explica: "Para trazer para o Brasil o que existe em países que são os berços da democracia mundial". Mas não explicou o que é isso –democracia mundial.
Democracia alguma tem leis que permitam práticas abusivas de policiais, procuradores e juízes se feitas com "boas intenções", como quer o projeto da Lava Jato. Muitas "democracias" têm CIA, M-15, M-16, Mossad; outros têm NKVDs variados. Por aqui já tivemos DOI-Codi, SNI, esquadrões da morte oficializados. Todos esses na criminalidade inconfessa como parte da hipocrisia "democrática", e não de imoralidade legal.
Tudo indica que os dois projetos recebam emendas que lhes excluam fugas ostensivas e autoritarismos covardes. Para obter o que quer, porém, a Lava Jato não pôde evitar alguma perda de controle das delações. E isso muda a divisão de forças na Câmara e no Senado, em vários aspectos. Um deles, referente ao Judiciário, à Lava Jato e a determinadas legislações. A propósito, já se leu ou viu que Romero Jucá fez escola com sua convocação para "acabar com essa sangria" de tantas delações.
De outra parte, tudo indica que os contrariados pelas emendas, frustrados nesse capítulo dos seus planos tão pouco ou nada brasileiros, adotem formas de acirrar as tensões e os enfrentamentos, como réplica ao Congresso. E o façam de acordo com as liberdades extremadas e as prepotências que se permitem.
Perspectivas, portanto, que não fogem à regra do Brasil atual. Quando o que é dado como favorável é infundado.

DCM: Moro-Youssef. O ​que um sabe do outro

Quem vai reabrir as páginas sujas do Banestado ​
publicado 30/10/2016
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Paulo Muzell, publicado pelo DCM:
Moro e Youssef: personagens de uma longa história
Os dois são paranaenses, quarentões. Sérgio Moro de Maringá, Alberto Youssef de Londrina. O primeiro vem de uma família de classe média alta, filho de professor universitário, formou-se cedo em direito, fez pós-graduação, tornou-se juiz federal, estudou no exterior. O segundo, o Youssef não teve a mesma sorte. Filho de imigrantes libaneses pobres, aos nove anos já vendia pastéis nas ruas de Londrina. Muito esperto, ainda guri, pré-adolescente, já era um ativo sacoleiro. Precoce, antes de completar 18 anos já pilotava monoplanos o que lhe possibilitou uma mudança de escala, um considerável avanço nas suas atividades de contrabandista e doleiro. Com menos de trinta anos tornara-se um bem sucedido “homem de negócios”, dono de poderosa casa de câmbio, especialista em lavagem de dinheiro e remessa ilegal de dólares para o exterior. Em meados dos anos noventa operava em grande escala repassando recursos que “engordavam” o caixa 2 das campanhas de políticos importantes do Paraná e de Santa Catarina, dentre eles Álvaro Dias, Jayme Lerner e Jorge Bornhausen.
Alberto Youssef foi, também, figura central na transferência ilegal de bilhões de dólares oriundos de atividades criminosas e de recursos desviados na farra das privatizações do governo FHC.
Em novembro de 2015, o jornalista Henrique Berangê publicou na revista Carta Capital uma instigante matéria com o seguinte parágrafo inicial: “O juiz Sérgio Moro coordena uma operação que investiga sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas intermediadas por doleiros paranaenses. Foram indiciados 631 suspeitos e remetidos para o exterior 134 bilhões de dólares, cerca de 500 bilhões de reais.” Operação Lava Jato, 2014? Não, ele se referia ao escândalo do Banestado ocorrido no final dos anos 90. A privatização desse banco estatal comprado pelo Itaú segundo estimativas trouxe um prejuízo de no mínimo 42 bilhões de reais aos cofres públicos do país. Mas antes do banco ser vendido, sua agência em Nova York foi o porto seguro dos recursos bilionários para lá transferidos pelos fraudadores.
Na segunda metade dos anos noventa através das contas CC5 o então presidente do Banco Central Gustavo Franco escancarou as portas para uma sangria de recursos que daqui migraram para engordar as polpudas reservas de empresários, políticos, grupos de mídia no exterior. Sem dúvida o maior episódio de corrupção da história do país. Foi aberta uma CPI no Congresso, virou pizza; o Banco Central boicotou as investigações e a imprensa silenciou. Só a Globo enviou 1,6 bilhões de dólares, mais de 5 bilhões de reais. Além das grandes empreiteiras na lista dos fraudadores lá estavam também outros grupos da mídia: a editora Abril, o Correio Brasiliense, a TVA, o SBT, dentre outros. A justiça foi convenientemente lenta, os crimes prescreveram, só foram punidos alguns integrantes da “arraia miúda”. Ironias da história: a corporação Globo, futura “madrinha” de Moro cometeu os mesmos ilícitos que mais tarde seriam por ele denunciados na operação Lava Jato. Desta vez, porém, as diligências policiais e ações judiciais não foram arquivadas e Moro pôde posar de “campeão na luta contra a corrupção, herói nacional.”
O silêncio da mídia repetiu-se em 2015 quando a operação Zelotes denunciou que membros do Conselho de Administração de Recursos Fiscais, o CARF estavam recebendo propinas para livrar grandes empresas de multas aplicadas por prática de sonegação de impostos. Bilhões de reais de dívidas da Gerdau, da RBS, do Banco Safra, do Banco de Boston, da Ford, do Bradesco, dentre outras empresas e grandes grupos da mídia. As apurações preliminares estimaram que mais de 20 bilhões de dólares foram desviados dos cofres públicos, sendo este montante apenas a “ponta do iceberg”. Certamente a continuidade das investigações chegaria a valores muito maiores.
Começou lá nos primeiros anos da década passada, o idílio Moro-Youssef, em 2003 para ser mais preciso. Apesar do protagonismo central do doleiro na prática de ilícitos, ele foi beneficiado pela delação premiada, ficando livre, leve e solto. Prosseguiu, é claro, na sua longa e bem sucedida carreira de crimes bilionários. Observe-se que na delação premiada a redução da pena ou o perdão é concedido ao réu sob expressa condição de promessa de ilibada conduta futura.
É claro que a biografia de Youssef não poderia alimentar nenhuma esperança de regeneração, de que ele abandonasse as práticas ilícitas.
Onze anos depois, em março de 2014, na fase inicial da operação Lava Jato, Youssef foi novamente preso por Moro. Foi constatado que ele era o principal operador das propinas que alimentaram o caixa das campanhas de inúmeros políticos especialmente do PP e do PT no chamado Mensalão 2, ocorrido em 2005. O primeiro, o Mensalão 1, o da compra dos votos para a reeleição de FHC não teve consequências porque Geraldo Brindeiro, o Procurador Geral da República das 626 denúncias criminais dos seus oito anos no cargo (de 1995 a 2003), arquivou mais de 90% delas, encaminhando para indiciamento pelo Judiciário apenas 60, justamente as de importância menor e que envolviam personagens secundários. Brindeiro ficou por isso nacionalmente conhecido como o “engavetador-geral da República“. A grossa corrupção que marcou os dois períodos do governo Fernando Henrique foi varrida para de baixo do tapete: o Ministério Público Federal e o Poder Judiciário taparam o nariz e fecharam os olhos.
A delação premiada de Youssef realizada em 2014 e 2015 foi justificada por Moro pela importância que teve para a obtenção de provas que culminaram em dezenas de indiciamentos e prisões de importantes figuras, possibilitando a comprovação de desvios bilionários. Fala-se que a Lava Jato apurou pagamentos de propinas de valores acima dos 10 bilhões de reais, valor expressivo mas que, pasmem, representa apenas 1,7% dos valores desviados dos cofres públicos nos episódios do Banestado e da operação Zelotes.
Segundo o noticiado, Youssef foi indiciado em nove inquéritos. Algumas ações com sentenças já transitadas em julgado resultaram em condenações que totalizaram 43 anos de prisão em regime fechado. Há ainda outras ações que, na hipótese de ocorrer a condenação, poderiam resultar em 121 anos e 11 meses de prisão. Sérgio Moro anunciou este mês que pela contribuição que a delação de Youssef trouxe para a operação Lava Jato, sua pena foi fixada em três anos, dois quais dois anos e oito meses já cumpridos. A partir de novembro ele deixará o regime fechado e vai passar os meses restantes em prisão domiciliar.
A legislação penal tipifica o ilícito e determina a pena de acordo com sua gravidade. Cabe ao juiz na sentença aplicar a sanção que a lei determina. O que pode ser questionado na delação premiada é que não existe na lei a dosimetria que imponha ao magistrado um limite para a redução da pena. O caso de Youssef é um exemplo típico: Sérgio Moro, se considerarmos as graves ilicitudes, os valores envolvidos e as inúmeras reincidências do doleiro foi extremamente indulgente, generoso. Alberto Youssef estaria certamente fadado a morrer na prisão cumprindo as penas a que foi condenado. Em novembro, no entanto, já estará em casa e em março do ano que vem solto. Muito provavelmente preparado e disposto a cometer novos crimes.