sexta-feira, 18 de novembro de 2022

 

Medo e delírio nos corações bolsonaristas

Relato etnográfico: um treinador de academia descreve a elite branca que o cerca, na Barra da Tijuca. Nas eleições, ela rumina pós-verdades para esconder seu maior temor: perder privilégios. Ao fazê-lo, revela suas taras, ignorância e colonialismo

Imagem: Ernie Barnes (1938-2009), artista estadunidense

Eram 18h. Naquele momento alguém gritou “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, o Brasil é nosso! O Brasil é nosso!” No número 3100 da Avenida Lúcio Costa, no Rio de Janeiro, centenas de pessoas envoltas em bandeiras verde-amarelas estavam dançando, gritando e cantando o hino brasileiro no auge de seus pulmões. Jair Bolsonaro morava naquele endereço, ele tinha acabado de ganhar as eleições, era outubro de 2018 e a Barra da Tijuca estava se enchendo de um novo tipo de fervor. Quatro anos depois, em outubro de 2022, essa liturgia política era substituída pelo grito de “fraude!”, “CorrupPTo!, “Luladrão!” e, principalmente, “Intervenção Federal (ou seja, militar) já!”.

O bairro, localizado à beira-mar na parte oeste da cidade, representava a área bolsonarista por excelência, aquela nova Beverly Hills saneada que há anos tentava evitar assentamentos informais de favela, e queria adotar um estilo de vida norte-americano, representado não apenas em sua forma urbana, centros comerciais, carros e pistas de alta velocidade, mas em símbolos como uma Estátua da Liberdade e um Centro de Nova York. Os moradores deste bairro, embora diversos, eram geralmente chamados de “emergentes da Barra”, da “Miami brasileira”, uma nova classe culturalmente diferenciada de seus vizinhos da zona sul, e onde os valores de modernidade, segurança, praticidade e self-made eram sua marca. A Barra da Tijuca era o bairro com o mais alto índice de qualidade de vida do Rio de Janeiro, com uma população de aproximadamente 400 mil pessoas. Nas eleições de 2022, mais da metade do bairro votou em Bolsonaro, sendo um dos espaços mais bolsonaristas do Rio.

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A articulação do discurso radical e da polarização política no bairro ocorreu a partir de uma nova cultura comunicativa, caracterizada pela desintermediação, o meme, a descontextualização e as notícias falsas, em uma espécie de populismo digital em que tudo era rápido e antagônico, em um contexto de pós-verdade que questiona o procedimento de construção de verdades baseadas em fatos. Milhares de mentes dispersas acessaram esses artefatos para construir, a partir de suas vidas muitas vezes solitárias devido à própria infraestrutura urbana de medo e isolamento; uma comunidade imaginada para compartilhar e reafirmar tenazmente seus ideais. Embora estes espaços fossem fundamentais para organizar o discurso, esta classe social do bairro, sentindo a falta de um capital cultural representativo no país, compartilhava sua raiva e orfandade nos jardins e campos esportivos dos condomínios. Talvez o espaço mais representativo para estes “órfãos”, agora patrocinado pelo bolsonarismo, fossem academias esportivas dos condomínios.

Ernesto trabalhou como treinador de academia em um desses condomínios de luxo, transitando entre dois mundos. Todos os dias ele deixava seu bairro, numa humilde área do Jacarepaguá, e tomava dois ônibus com a classe trabalhadora que ia para estes condomínios. Lá ele passava por dois postos de controle de segurança armados, chegando finalmente ao ginásio de um prédio de mais de 20 andares. Neste condomínio, Ernesto encontrava e falava diariamente com garis, seguranças, motoristas, trabalhadores de limpeza do prédio, manicures, passeadores de cães, jardineiros, motoristas Uber, taxistas e motoristas de ônibus, e toda uma série de pessoas que geralmente têm que deixar suas casas às três horas da manhã com um objetivo em comum: manter o condomínio em boa forma.

Muitos deles eram negros, mas nenhum deles vivia nos prédios. Não foi surpreendente que o músico negro e comediante Eddie Jr, neste caso em São Paulo, tivesse sofrido ataques racistas por viver em um desses condomínios para a elite branca. Embora o racismo fosse geralmente velado na linguagem, de tempos em tempos frases como “negro”, “feio”, “bandido” ou “macaco de fora” se acendiam. Sempre foi assim.

Ernesto falava com os trabalhadores em seu caminho, muitos votariam novamente em Bolsonaro no segundo turno nas eleições de 2022, pois, segundo eles, estes últimos anos teriam se caracterizado pela seca, pandemia e pela guerra na Ucrânia, e o “homem” precisava de outra chance. A gasolina era barata graças ao “Mito”, o Brasil tinha deflação. Estas palavras eram reproduzidas entre a classe mais despossuída, o que também atrairia um pequeno sorriso de seu pastor. Contra a depravação moral, contra o bandido e a corrupção. Outros sonhavam que, ao se comportarem como seus patrões, um dia ocupariam um espaço semelhante e deixariam a vida nas favelas e comprariam um apartamento com vista para o mar. Mas estes eram poucos, é claro. Para a maioria, sua posição enraizada no subúrbio vinha como algo natural, e nada mudaria jamais.

Ernesto chegava então ao edifício. Levantando a cabeça, ele podia ver as bandeiras nacionais que flamejavam quando o dia 30 de outubro se aproximava, e ele entrava no ginásio, onde todos os dias comparava as frases de seus colegas de classe com as desta elite carioca. Durante os anos do bolsonarismo, entre 2018 e 2022, Ernesto escreveu todos os dias as frases que essas pessoas diziam. Ele observava um espaço comum que eles compartilhavam entre as máquinas esportivas, onde os discursos imaginários das redes sociais adquiriam corpo e matéria por meio de gritos, críticas e assentimento. Algumas destas fotografias representavam o trabalho de Ernesto na captura do discurso violento articulado em academias ao longo dos anos. O silêncio durante sua jornada de trabalho, a raiva e a impotência diante da fragilidade democrática, foi canalizado em seus escritos, no que ele chamou em seu diário de “Beverly Hills Carioca”, e que agora reproduzimos alguns fragmentos:

“Nossas manifestações são educadas, sem violência. Eles não são como os da esquerda, que só tem bandidos, onde quebram tudo e insultam a todos”, disse uma idosa no condomínio, movendo as pernas na máquina de remo. Então, voltando-se para ele, ela disse: “Não entendo por que você não gosta de Bolsonaro, você é um esquerdista”. Uma mulher explicou em outro dia, após uma viagem à Índia: “é um país muito pobre, com castelos de ouro de um lado e pobreza do outro, mas é exótico, você sabe”. Ao mesmo tempo, um homem negro ajoelhou-se para limpar a porta de vidro do ginásio. “Você sabia que a empresa Correios é de esquerda? É por isso que nada funciona”, comentaram dois vizinhos caminhando rapidamente sobre a esteira. “Você só assiste a Globo, é por isso que você não aprende”, outro inquilino ditou paternalisticamente enquanto fazia exercícios de pulso. “A época mais feliz da minha vida foi de 64 até o fim da era militar”, disse um aposentado.

O diário de Ernesto proporcionava uma pequena fechadura pela qual espiar as conversas cotidianas, onde o racismo, o classismo e a heteronormatividade das elites cariocas estavam presentes, como um código de conduta que tinha que ser cumprido para obter reconhecimento na vizinhança. Algumas vezes, como nos discursos anteriores, foram conversas sobre tapetes de chá nas quais a elite tentava explicar o funcionamento do país. Em outros momentos, esses discursos emitiam emoções de ódio, medo e raiva profunda, tentando reafirmar não só a posse de uma verdade produzida, mas também virilidade, força e poder: “Marielle tinha que morrer, ela era uma vagabunda”; “o racismo é vitimização”; “a esquerda recebe sanduíches de mortadela nas manifestações”; “eu também deveria ter uma cota, eu também sou uma minoria, uma minoria de descendente de alemão”, disse um vizinho gaúcho.

Traços violentos assumiram sua expressão mais negacionista e paranoica durante a pandemia: “Ivermectina é nossa única saída”, disse um arquiteto. “Para eles, é interessante que não saibamos a verdade”, especulou um dentista, em oposição à campanha de vacinação. “Bolsonaro não comprou a vacina porque o STF não o deixou”, disse um jovem em sua palestra. “O lockdown não funciona em nenhum lugar, enquanto os criminosos têm festas”, gritou uma senhora.

À medida que a campanha avançava, a histeria em massa foi novamente canalizada para o ataque ao comunismo. “Esse papa é um comunista”, afirmou um casal de idosos. Ernesto achava cada vez mais difícil suportar estas afirmações, e por isso perguntou, com suposta ingenuidade, o que os cavalheiros pensavam que era o comunismo. “O comunismo é o que não funciona em nenhum lugar, tudo para o Estado e nada para o povo”, explicou um homem de 72 anos. “Vou lhe dar um exemplo”, disse a mulher: “Imagine que você tem uma casa com três quartos, mas você só usa um, e o governo o obriga a dar os outros dois a estranhos, isso é justo? Isso é comunismo. O comunismo é defender um ladrão de telefones, um petista do MST que quer tomar sua casa pela força”.

Todas estas mensagens deram forma e interação superficial ao que estava sendo transmitido nas redes sociais. Em uma mistura de diferentes espaços para a construção da retórica, Ernesto viu como, no contexto eleitoral, os grupos de vizinhos da academia adquiriram uma violência e um grau de paranoia particulares. Assim, uma vizinha escreveu no grupo hidro-ginásio de seu prédio:

“Vamos fazer um protesto para que o governo do PT de Lula não entre. Porque nós, cristãos, vamos sofrer. Não vote em Lula, ele está planejando fazer um banheiro misto masculino e feminino, colocar uma imagem de Exu do vento em cada cidade do Rio como guardião. As crianças poderão escolher que sexo podem ser, as mulheres poderão ter um relacionamento com seus animais de estimação que não será um crime, o pastor será obrigado a fazer casamentos gays e lésbicos em sua igreja se ele não o fizer, eles serão presos. Vamos orar para esse Lula não ganhar as eleições. Eu não gosto de política. Mas eu não voto em Lula, ele está fechado com os espíritas, ele fez um pacto com os demônios. Bolsonaro é a favor da família e temente a Deus.”

Da mesma forma, o fim da campanha eleitoral alimentou sentimentos profundos de natureza mais antidemocrática, representados no lançamento de granadas na Polícia Federal e mensagens tirados da gaveta apelando para um golpe militar no WhatsApp, falsificando as palavras das lideranças do exército:

“(…) Nós juramos defender a Pátria! Começou em 1964. Os senhores meus amigos sabem muito bem. Uma coisa leva a outra!!!! Assim estou expressando meu maior sentimento de repúdio a esse Supremo Tribunal da Vergonha. Nós das FFAA sabemos muito bem o que devemos fazer para impedir tudo isso, mas agora cabe saber o que a Sociedade de bem deseja. Será que também vão invadir minha casa? Convoco aqui, como Chefe de Instituição Militar, uma grande mobilização dos nossos amigos oficiais patriotas e que essa carta se espalhe para todos vocês e se unam (…)”.

A defesa racional dos interesses de raça, classe e gênero parecia ser acompanhada por uma espécie de delírio discursivo que chicoteava fantasmas, medos e ódios que dominavam o mais íntimo dos vizinhos do condomínio. O valor da cruz foi apresentado em sua faceta mais punitivista. Isoladas entre quatro paredes, as pessoas construíram uma base complexa de pensamento, poder e desejo, na qual a dominação pós-colonial foi, por sua vez, tecida com demônios potenciais das religiões afro-brasileiras, inseguranças em um universo hiper-masculinizado e medos de transformação em monstros e taras anticristãs que habitariam nas profundezas das almas.

O pensamento bolsonarista foi articulado e solidarizado neste espaço concreto, fortalecendo um sentimento de pertencimento através da repetição de ideias. Como a análise de Trotsky sobre o nazismo, os medos e percepções de ameaças iminentes permitiram a lunática criação de formas inimigas que poderiam muito bem ser categorizadas como pensamento mágico ou paranoia coletiva. Dentro de suas paredes, Ernesto observava como os vizinhos reagiam agressivamente aos avanços civis. Eles procuravam restabelecer aqueles privilégios teoricamente perdidos, e a academia era um espaço de cristalização e reprodução do poder social de elite, onde era legítimo desenvolver uma mentalidade agressiva de Lobo de Wall Street. Nesse espaço, o trabalhador negro, a trabalhadora doméstica ou o jardineiro pobre tinha um papel social claro: uma subalternidade assumida, uma naturalização daquela ordem que tinha que ser recuperada. E claro, o discurso sempre foi construído a partir dos corpos, dos músculos do machista, dos espaços onde as elites levantam pesos, suor e gritos. É a partir desses espaços isolados que a elite bolsonarista imaginou, com raiva e angústia, seus inimigos, como uma polícia de fronteira capaz de legitimar um “nós contra eles”, um “bem contra o mal” eterno.

Ernesto chegou sorridente após a vitória. Silêncio. Essas vozes constantes, antidemocráticas, estavam agora em silêncio. Algo infantil, violentamente infantil, eternamente infantil, era expresso através dos olhos dos vizinhos: a saída do bolsonarismo era pôr fim a um mal inventado, para o qual era importante se organizar rápido, assaltar as estradas, reclamar a fraude, acabar com os inimigos do Brasil. O inimigo não sabia com quem ele estava falando. Muitos destes supostos inimigos também estavam ao seu redor, construindo sua identidade social através da limpeza de seus espaços, apoiando em aparente contradição uma ordem histórica que o bolsonarismo reivindicava.

Os “cidadãos de bem” bolsonaristas suavam, levantavam pesos, expressando uma raiva eterna, selada em sangue, capital e bandeira. “Nossa vingança será ver como o pobre vai se arrepender”, exclamou uma senhora na bicicleta elíptica. Os trabalhadores, quase todos negros, limpavam o chão da academia. Sorte que o Flamengo tinha ganhado a Copa Libertadores, e o futebol se apresentava, mais uma vez, capaz de mediar essa falsa cordialidade. Dessa vez foi o Corinthians e sua torcida quem teve que demonstrar seu papel político na defesa da democracia, sem ocultar debaixo da bola uma eterna luta racial, de gênero e de classe que era representada nesse pequeno microcosmos da academia.

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Mães solo quilombolas e rurais enfrentam insegurança alimentar, enquanto dinheiro da merenda não chega às escolas

Levantamento exclusivo mostra que mais da metade dos municípios mantêm recursos parados nas contas das prefeituras; em cidades do Maranhão e de Alagoas, falta comida nas escolas 

 

Por Adriana Amancio e Anelize Moreira*

“Neste ano, a merenda só chegou na escola em maio, depois de muita briga na Secretaria [Municipal] de Educação. Falam que é falta de dinheiro. Faltou alimentação na maioria das escolas rurais. Tem criança que até passou mal por falta da merenda. Sem merenda é sofrimento, pobreza total e muita luta.” 

Esse é o relato da mãe solo e agricultora Maria de Jesus Laranjeiras, 37 anos, sobre a falta de merenda nas escolas Maria Salete Moreno e Maria Aragão, na zona rural de Itapecuru Mirim, a 108 quilômetros de São Luís (MA). 

Um levantamento feito pela Gênero e Número e O Joio e O Trigo constatou que R$ 714 mil em recursos públicos destinados à compra de alimentação escolar na cidade estavam parados no banco até setembro deste ano. Este saldo equivale a quase metade do R$ 1,45 milhão repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE), órgão do Ministério da Educação, via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no período entre fevereiro e setembro deste ano. 

A situação do município é uma amostra do que acontece no restante do país. Durante a apuração de dados, a reportagem constatou que, até maio deste ano, além desses municípios, outros 2.946 localizados nas cinco regiões brasileiras estavam com recursos parados em conta — mais da metade dos 5.518 municípios brasileiros. Nestes casos, além de não utilizarem a verba deste ano, ainda possuíam resíduos de recursos repassados durante a pandemia. Há municípios que, até maio, mantinham em conta até seis vezes mais do que valor repassado para a merenda escolar.  

A merenda servida na escola ajuda a garantir a alimentação dos três filhos que moram com a agricultora Maria Irani Correia da Silva, de 41 anos, moradora do Quilombo Carrasco, em Arapiraca, no Semiárido de Alagoas. “Ajuda bastante às mães solteiras que nem eu, que sou mãe e pai deles. A gente não tem o alimento em casa, até porque a renda do Bolsa Família não dá pra comprar lanche pra eles levarem para escola.”  

A quilombola Maria Aparecida da Silva, de 33 anos, é mãe de Carlos Eduardo Silva Ferreira, de 9 anos. Ela também vive no Carrasco, local onde nasceram seus avós e pais, todos descendentes de quilombo. Segundo ela, o nome da comunidade vem da árvore Carrasco, usada pelos quilombolas como combustível para o cozimento dos alimentos. 

Ela lembra que antigamente as famílias podiam cultivar milho, feijão, inhame e macaxeira, mas, agora, sem conseguir plantar, as refeições ficaram mais restritas. O dinheiro que recebe do programa social é destinado a comprar apenas o básico. “Arroz, feijão, fubá, um pedacinho de mistura, menos de um quilo. De tudo eu compro um pouquinho. Como somos nós dois, o gasto é menor porque ele fica na escola.”

Nossa investigação apontou que em Arapiraca (AL), onde vivem Maria Aparecida e Maria Irani, há uma situação semelhante. Até setembro deste ano, o município mantinha em conta R$ 510 mil de pouco mais de R$ 2,059 milhões repassados pelo FNDE de fevereiro a setembro. Esse montante representa um quarto do valor total do repasse feito ao município. 

Analista de licitações com experiência em fiscalização na execução dos recursos do PNAE, Joana Barbosa avalia que deixar recursos parados em conta destoa da realidade de parte dos municípios que reclamam do baixo orçamento do programa, que, inclusive, não é reajustado desde 2017. “Ouço muitas pessoas reclamarem que o recurso que o FNDE repassa é pouco. Se é pouco, não é para ter nada na conta. É para esta conta estar zerada”, explica. 

O valor diário por aluno repassado pelo governo federal aos estados e municípios é definido de acordo com a etapa e a modalidade de ensino, tendo como base o censo escolar do ano anterior. Varia de R$ 0,32 para a Educação de Jovens e Adultos a R$ 1,07 para o Ensino Integral. O valor é considerado baixo, especialmente em um ano em que a inflação acumulada sobre os alimentos chegou ao pico de mais de 14%

Em uma simulação, é possível constatar que, se todo valor repassado pelo PNAE, incluindo o que está parado em conta, fosse executado pela Prefeitura de Itapecuru Mirim, seria possível dobrar os valores per capita destinados a estudantes da pré-escola, de R$ 0,53 para R$ 1,06, e para a Educação de Jovens e Adultos, R$ 0,32 para R$ 0,64. Na prática, ocorre o contrário: mesmo com recursos em conta, os alunos tiveram menos merenda ou refeições mais precárias nas escolas citadas na reportagem. 

O caso de Arapiraca chama ainda mais atenção. Para executar o valor per capita praticado pelo PNAE atualmente, atendendo a todos os estudantes matriculados, o município precisaria de um incremento de mais de R$ 600 mil. Entretanto, ele deixou de executar R$ 500 mil, o que certamente impacta em pratos com pouca comida ou comida precária.

Para alguns estudantes do turno da manhã da Escola Maria Aragão, a hora da merenda é bastante esperada, pois é a primeira refeição do dia Foto: Acervo Pessoal Maria/ Aragão

As vozes das Marias, mães solo, negras e rurais representam números alarmantes de territórios historicamente marcados pela miséria. O retorno de índices elevados de fome no Brasil e a alta dos preços dos alimentos, nos últimos anos, fizeram com que mulheres e crianças ficassem mais vulneráveis, sem ter certeza de como irão se alimentar no dia a dia. 

As mulheres chefiam seis de cada dez lares que vivem em insegurança alimentar, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Para as mães negras, a situação é ainda pior: 64% das casas com pessoas pretas ou pardas enfrentam dificuldades para se alimentar e 60% dos lares rurais vivem sem a segurança do que irão comer. 

As Marias de Alagoas e do Maranhão têm muito em comum. Elas dependem da renda do Auxílio Brasil – que seguem a chamar pelo nome anterior, Bolsa Família – e da merenda escolar para conseguir alimentar os filhos. Atualmente, apesar de serem agricultoras, a produção de alimentos para subsistência tem sido afetada pelos efeitos das mudanças climáticas. 

A fome é mulher, mãe solo, negra e rural

A quilombola Maria Aparecida ressalta que só consegue sustentar ela e o filho de 9 anos porque a escola oferece alimentação. Ele estuda em tempo integral na Escola Manoel João da Silva, que fica na comunidade Carrasco, em Arapiraca, sertão alagoano. “Dá para quase um mês [Auxilio Brasil] devido aos dias que ele passa na escola. Ele faz a refeição completa, passa o dia todo na escola, só vem para casa de noite.” 

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“A merenda é muito importante para mim e para ele porque, se faltar em casa, na escola ele tem. A gente sabe que barriga seca não sustenta ninguém e não desenvolve nos estudos. A alimentação é importante para todas as mães que passam dificuldade,” completa.

Maria de Jesus está na mesma situação de Maria Aparecida. Ela mora no assentamento de reforma agrária Cristina Alves, onde vivem cerca de 90 famílias, a 16 quilômetros do município de Itapecuru Mirim – segundo IBGE, 9,1% da população se declara preta, e 72,7%, parda. 

Ela vive apenas da renda do Auxílio Brasil e é a única responsável por botar comida na mesa para ela e cinco filhos. “Fica difícil porque, quando as meninas vão para a escola e não tem merenda, elas pedem: ‘Mamãe, eu quero dinheiro para comprar merenda’, e não tenho nem cinquenta centavos para dar”, lamenta.

A família de Maria de Jesus representa uma das 63,3% em insegurança alimentar no Maranhão, segundo dados do 2º Inquérito Vigisan. Este é o estado do Nordeste com maior número de famílias com crianças menores de dez anos em dificuldades para conseguir alimento. Elas vivem na condição de insegurança alimentar moderada ou grave, o que, na prática, significa que a família se alimenta hoje, mas não sabe se terá a mesma sorte no dia seguinte. 

“Neste mês faltou merenda três dias. Disseram que não tinha lanche e ia largar cedo.” Essa é a estudante Géssica* (nome fictício), de nove anos, relembrando os últimos dias em que faltou merenda na Escola Maria Aragão. Quando perguntada sobre como se sentiu nos dias em que não teve merenda, ela respondeu: “Fraca!”

Talita* de 11 anos, concorda. “Disseram que estavam aguardando a merenda chegar e estavam sem o gás. Nesses dias não era muito bom, não, a minha cabeça começou a doer”, comenta a estudante da escola rural do Maranhão. 

Maria de Jesus acompanha de perto as demandas, porque também é fiscal do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), órgão que monitora a execução da alimentação nas escolas e é composto por representantes do Poder Executivo, trabalhadores da educação, entidades civis e pais de alunos. “Seria bom que não faltasse merenda na escola com tanta frequência, porque às vezes as crianças se alimentam melhor na escola do que em casa, porque os pais não têm condições.”

Maria de Jesus afirma que entre fevereiro e maio a merenda escolar não foi fornecida, deixando a família em família em situação de dificuldade; a mãe teve arrumar serviços informais para conseguir comprar comida| Foto: Acervo pessoal

Alagoas é o segundo estado do Nordeste mais impactado pela insegurança alimentar que atinge famílias com crianças menores de dez anos – são 59,9% no total. A cidade de Arapiraca é a segunda maior do estado, com população de mais de 230 mil habitantes, dos quais 5,6% se autodeclaram pretos e 56,8% pardos, de acordo com a estimativa do IBGE em 2018. O nome Arapiraca vem de uma árvore da espécie de angico branco, comum no agreste e no sertão. 

A mãe solo Maria Irani não nasceu no Quilombo Carrasco, em Alagoas, mas tornou-se quilombola. Há três anos, ela foi morar na comunidade, onde estão 300 famílias, por necessidade. “A partir do momento em que eu cheguei, me senti um deles. Abracei a comunidade como se fosse filha da terra e eles me abraçaram também. Hoje eu me sinto até uma mulher negra.” 

Sem ajuda do pai de seus filhos e sem poder trabalhar por conta de problemas de saúde, na cidade ela teve de passar várias vezes de casa, porque a renda como empregada doméstica era insuficiente para pagar aluguel e arcar com as outras despesas. Foi morar no Carrasco, porque o aluguel era mais baixo. “Na realidade faço o que eu posso, compro o que der, e vamos vivendo do jeito que dá. De vez em quando tem uns vizinhos que me ajudam, me dão umas coisinhas, e cozinho mais na lenha pra economizar”, conta Maria Irani.

Se sobra dinheiro, tem comida saudável no prato?

A má gestão dos recursos do PNAE pelos municípios respinga nas famílias que contam com a merenda escolar como forma de garantir a alimentação para os filhos. O último Inquérito Vigisan apontou que metade das famílias com crianças menores de dez anos da região Nordeste têm dificuldade de conseguir alimento. 

A  nutricionista Jeanice de Azevedo Aguiar trabalha na área de alimentação escolar desde 1989, inicialmente elaborando cardápios das escolas e, hoje, na formação de gestores e merendeiras. Ela explica que em alguns territórios a alimentação escolar é parte das refeições diárias das crianças e dos adolescentes: 

“A alimentação escolar não é o objetivo principal da escola, mas acaba sendo em alguns locais, porque a insegurança alimentar é grande. Além disso, a alimentação escolar também é imprescindível para o aprendizado adequado.” 

Quando falta merenda nas escolas rurais Salete Moreno e Maria Aragão, em Itapecuru Mirim, sertão do Maranhão, geralmente os alunos são dispensados mais cedo. Além da pandemia, a perda de uma hora por dia sem aula é um prejuízo para as crianças.

“Falta merenda, porque a Secretaria [Municipal de Educação] fala que está aguardando chegar material”, explica Leonilde Aguiar, responsável pelas escolas Maria Salete Moreno, que fica na comunidade 17 de abril, e  Maria Aragão, na Vila Cabanagem, dois pólos que recebem alunos de diversas comunidades do entorno. 

Segundo ela, a justificativa da Secretaria de Educação é que a demora se deve às dificuldades em finalizar a licitação, o que impacta na aquisição de alimentos dos pequenos agricultores. No final de outubro (dias 25, 26 e 27), a situação se repetiu e os alunos ficaram, mais uma vez, três dias sem merenda. 

“Tudo que a gente conquistou até hoje, aqui nas escolas, foi com muita luta, embate e resistência. Porque na verdade a escola do campo fica sempre por último”, reforça a gestora.  

De acordo com a nutricionista Jeanice Aguiar, apesar da evolução no papel de orientações técnicas e de gestão da alimentação escolar, ainda há municípios que, por falta de gestão pública e probidade administrativa, não servem alimentação adequada e saudável para as crianças. E é mais comum nas escolas que ficam nos rincões do país, mas também nas capitais, como São Paulo, que possuem um volume maior de recursos. 

“É um grande erro de planejamento. De acordo com a lei de licitações, todo órgão público tem que ter um plano de contratações anual coerente com a realidade escolar. A licitação pode ter tido problemas e pode ter sido impugnada pelo Ministério Público ou Tribunal de Contas. De qualquer forma o gestor vai ter que dar justificativas e recorrer a licitações emergenciais, o que é permitido. O que ele não tem é justificativa para não atender essa criança”, diz Jeanice. 

Biscoito e suco

No cardápio semanal, Géssica e a mãe afirmam que são servidos, duas vezes por semana, “biscoito [tipo maizena] e suco de polpa”. Uma refeição comum é arroz, feijão, frango, macarrão e salada de couve. Antes de sair para escola, a garota costuma tomar café e comer cuscuz. 

Mas, segundo a mãe da criança, “às vezes, ela toma só café, pois não tem nada para comer”. Géssica conta que, nos dias em que sai só com o café na barriga, “chego ruim na escola! Eu fico quieta no meu canto, espero dar 9h [hora do lanche]. Eu queria que tivesse logo comida para comer quando chegar”.

Leonilde Aguiar, gestora das escolas no Maranhão explica que, quando não há os itens do cardápio, o jeito é improvisar: “Tem uma nutricionista do município que elabora os cardápios das escolas, mas nem sempre vem o que está no cardápio. Aí a gente vai usando da criatividade. Vem frango, carne, charque, macarrão, óleo, arroz, feijão. Polpa de fruta e verdura só tem quando as cooperativas do município entregam”. 

O cardápio da merenda precisa estar atrelado ao processo de compras: uma nutricionista faz a lista dos itens que devem ser comprados, mas, no processo de licitação, nem sempre esse pedido é respeitado. 

“É preciso observar se o cardápio está de acordo com o que o FNDE preconiza: quatro dias na semana de carne vermelha, porque ela tem o ferro e vitamina B12, responsáveis por combater a anemia; alimentos fontes de vitamina A; frutas, verduras e legumes todos os dias e 30% dos alimentos da agricultura familiar, além da qualidade sanitária”, explica a nutricionista Jeanice Aguiar. 

Para garantir a alimentação saudável no prato das crianças nas escolas, a Lei nº 11.947, de de 2009, determina que 30% do valor repassado a estados, municípios e Distrito Federal pelo FNDE para o PNAE deva ser utilizado na compra de alimentos diretamente da agricultura familiar, priorizando assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas. 

A execução de 30% do orçamento com compras da agricultura familiar é obrigatória. Caso o município não execute este valor, terá de devolvê-lo aos cofres públicos ou reprogramá-lo, ou seja, solicitar ao FNDE autorização para executá-lo no ano letivo seguinte. 

Em Itapecuru Mirim, os 30% da agricultura familiar correspondem a R$ 430 mil. Segundo o levantamento da reportagem, o município havia comprado R$ 290 mil. Caso o restante não seja executado até o fim do ano letivo, deverá ser devolvido ou reprogramado. As compras da agricultura familiar começarem em julho deste ano, sete meses após o início do ano letivo.

Em Arapiraca os gestores locais aderiram ao cartão PNAE, então não foi possível identificar despesas com a agricultura familiar na compra de alimentos in natura. No sistema do FNDE, consta apenas o valor do débito realizado via cartão. 

Para chegar a essa estimativa tanto em Itapecuru quanto em Arapiraca, comparamos o valor repassado pelo FNDE para o PNAE com a soma das despesas realizadas na compra da merenda, entre janeiro e setembro. No caso de Itapecuru Mirim, calculamos o valor que restava ser gasto com a agricultura e, por isso, deveria estar em conta para ser devolvido ou reprogramado. O cálculo foi feito com base nas informações disponibilizadas no setor de liberações e na seção extratos e movimentações bancárias do portal do Fundo, no dia 24 de outubro de 2022.

Tem ultraprocessado no prato

Segundo a nutricionista Jeanice Aguiar, com a verba do FNDE a escola só pode comprar 25% dos valores em ultraprocessados e no máximo 5% em ingredientes (sal, açúcar, óleo). Ela  ressalta que em locais de difícil acesso é onde se concentram os maiores problemas da alimentação escolar. Muitas vezes essas escolas não têm a infraestrutura mínima para garantir a merenda, como merendeiras ou equipamentos suficientes, o que dificulta  trabalhar com alimentos in natura.  

“Por que os ultraprocessados entraram tão fortemente na alimentação escolar? Na maior parte das vezes, porque é fácil de trabalhar com eles. Quantas vezes não trouxeram nuggets para fazer um teste de aceitabilidade com as crianças? É claro que as crianças gostaram, mas se for ver os ingredientes que tem ali… Se fosse só carne, tudo bem, mas tem farinha, soja, aditivos. Não era aquilo que a gente queria trazer para alimentação escolar”, completa a nutricionista. 

Para mães quilombolas, agricultoras que vivem de transferência de renda e do pouco que conseguem colher na roça, a merenda escolar é essencial para compor o cardápio alimentar das crianças| Foto: Jessica Pires e Joselma Pires

A qualidade da merenda também preocupa as mães quilombolas e rurais.  “Gostaria que melhorasse a merenda, porque tem uma carne moída que eles trazem que não é muito agradável, a gente não sabe como foi produzida. A gente tenta manter os alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, mas fica difícil!”, queixa-se a agricultora Maria de Jesus. 

A reportagem entrou em contato com as Prefeituras de Itapecuru Mirim e Arapiraca, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

 


Matéria feita em parceria com

 

Que Petrobrás quer Lula?

Publicado em 17/11/2022

Faltando menos de sete semanas para a troca de poder ainda não há definição sobre o papel da maior empresa do Brasil.

 

Nesta quarta-feira (16), foram indicados os nomes que compõem o Grupo de Trabalho “Minas e Energia” no governo de transição. Nele se discutirá o papel da Petrobrás no novo governo. Os nomes indicados são:

MINAS E ENERGIA
•    Anderson Adauto;
•    Deyvid Barcelar;
•    Fernando Ferro;
•    Giles Azevedo;
•    Guto Quintela;
•    Ícaro Chaves;
•    Jean Paul Prates;
•    Magda Chambriard;
•    Mauricio Tomasquin;
•    Nelson Hubner;
•    Robson Sebastião Formica;
•    William Nozak.

Às vésperas do segundo turno, a AEPET perguntava: O que nos reserva o dia 31 de outubro?.

A AEPET não indica e nem veta nomes. Entretanto tem um documento claro, apontando oito pontos essenciais para o futuro soberano do Brasil e da Petrobrás:

1-Restauração do monopólio estatal do petróleo, exercido pela Petrobrás;

2- Reversão da privatização dos ativos da Petrobrás, destacando a BR Distribuidora, refinarias, malhas de gasodutos (NTS e TAG), distribuidoras de GLP e gás natural (Liquigás e Comgás), produção de fertilizantes nitrogenados (FAFENs), direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural e as participações na produção de petroquímicos e biocombustíveis;

3- Reestruturação da Petrobrás como Empresa Estatal de petróleo e energia, dando conta de sua gestão, com absoluta transparência, ao controle do povo brasileiro;

4- Alteração da política de preços da Petrobrás, com o fim do Preço Paritário de Importação (PPI), que foi estabelecido em outubro de 2016, e restauração do objetivo histórico de abastecer o mercado nacional de combustíveis aos menores preços possíveis;

5- Limitação da exportação de petróleo cru, com adoção de tributos que incentivem a agregação de valor e o uso do petróleo no país;

6- Recompra das ações da Petrobrás negociadas na bolsa de Nova Iorque (ADRs);

7- Desenvolvimento da política de conteúdo nacional e de substituição de importações para o setor de petróleo, gás natural e energias potencialmente renováveis;

8- Estabelecimento de um plano nacional de pesquisa e investimentos em energias potencialmente renováveis, sob a liderança da Petrobrás.

Mesmo que Lula e o vice eleito Alckmim afirmem que os escolhidos para os grupos de transição não necessariamente serão ministros, dois nomes de integrantes do grupo de transição de Minas e Energia, o senador Prates (PT-RN) e o da ex-diretora geral da Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP), Magda Chambriard, parecem atrair os holofotes.

Sobre o senador, Felipe Coutinho, vice-presidente da AEPET escreveu “Jean Paul Prates revelado”.

Causa estranheza ainda que o nome de Chambriard seja cogitado. Seria indicação do atual presidente da Alerj, André Ceciliano (PT-RJ), que teve uma derrota contundente na eleição para o Senado.

Magda Chambriard é engenheira formada pela UFRJ, com pós-graduação na Coppe. Em 2002, deixou a Petrobrás para trabalhar na Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural (ANP). Em 2012, indicada por Dilma Roussef, assumiu a diretoria geral da Agência. Sua atuação foi fundamental para permitir o Leilão de Libra, em 2013.

Já no final de seu mandato e após o golpe que afastou Dilma da presidência, Chambriard mostrou sua verdadeira face ao apoiar abertamente as propostas de senador Serra para diminuir a presença da Petrobrás no pré-sal.

Em outubro de 2016, ela afirmou: “as mudanças em curso, como o aprimoramento das regras de conteúdo local e o fim da obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única do pré-sal, são positivas para o setor.” (https://www.biodieselbr.com/noticias/regulacao/r/magda-chambriard-deixa-anp-satisfeita-mudancas-regulatorias-curso-181016 )

Para a AEPET, redefinir o papel da Petrobrás na construção da soberania nacional sem devolver à empresa os instrumentos necessários listados acima nos Oito Pontos é desmerecer a História e apequenar-se.