segunda-feira, 31 de março de 2014

Ditadura

Senadores pedem revisão da Lei da Anistia em sessão para lembrar o golpe de 1964

Os parlamentares vão apoiar a campanha da Anistia Internacional
por Agência Brasilpublicado 31/03/2014 15:28
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Geraldo Magela/Agência Senado
João Capiberibe (PSB-AP),
Para Capiberibe (PSB-AP), Brasil hoje tem mais liberdade para tratar sobre os crimes praticados na época
A colaboração dos parlamentares foi anunciada durante uma sessão do Senado marcada para lembrar os 50 anos do golpe de 1964. No evento, o senador João Capiberibe (PSB-AP), autor do requerimento para que a solenidade ocorresse, disse que o país tem hoje mais liberdade para tratar sobre os crimes praticados na época, mas alertou que é preciso continuar desvendando fatos e punindo criminosos.
“As oportunidades de informar a sociedade sobre o golpe e suas consequências foram raras ao longo dos últimos 50 anos. Pela primeira vez estou sentindo que a comunicação está fluindo e a população tem a oportunidade de saber de fato o que aconteceu. Havia denúncias de pessoas presas, torturadas, exiladas, corpos desaparecidos, mas não havia debate amplo. A imprensa não informava com a liberdade que está informando hoje”, afirmou.
Capiberibe lembrou que a divulgação da verdade sobre os fatos que marcaram os anos de chumbo é fundamental para que a democracia seja fortalecida. “Os desaparecidos não são apenas os políticos. Temos milhares de Amarildos. A maioria deles desaparecidos depois de presos por agentes do Estado. Para acabar com isso e essa insegurança é necessário rever a Lei da Anistia, punir os torturadores do passado e combater os torturadores do presente”, explicou.
O senador lembrou que foi preso, torturado e conseguiu fugir da prisão, ficando nove anos exilado. “Nossas lembranças são muito duras e não queremos que isso se repita. Por isso fazemos o esforço de trazer para as gerações do presente a história desse país”, disse. Capiberibe defendeu que as próprias Forças Armadas deem início a um debate aprofundado sobre os crimes cometidos na época. “Os que estão hoje no comando não têm as mãos sujas do sangue do povo brasileiro, então eles têm a obrigação de rever historicamente esse comportamento do Exército, da Marinha e Aeronáutica que estavam sob comando político. A tortura era determinação política de quem comandava o país naquele momento”, afirmou.
Randolfe Rodrigues (AP), líder do PSOL, criticou a posição defendida por um grupo de brasileiros que aponta conquistas do período da ditadura e a Marcha da Família, realizada há uma semana, em que manifestantes exaltaram o regime militar. “A ditadura criou uma das maiores concentrações de renda da América Latina, destruiu famílias brasileiras e produziu um país de desigualdade que mesmo os anos de redemocratização não conseguiram reconstruir. O bolo econômico só serviu para criar uma legião de miseráveis e de analfabetismo”, afirmou.
Líder do PSB, o senador Rodrigo Rollemberg (DF) também destacou a importância do período militar ser lembrado “para que o Brasil não mais seja governado por uma ditadura”. Rollemberg lembrou que recentemente o Congresso aprovou leis importantes como a da ficha limpa e a de acesso à informação, mas, segundo ele, os parlamentares precisam se voltar agora para aprofundar ainda mais a democracia no país. “Temos que refletir o que precisamos fazer para aprofundar essa democracia. O que fazer para aproximar a política da população quando vivemos uma grave crise do modelo de representação do país”, disse.
Os 50 anos do golpe militar também serão lembrados com uma série de eventos na Câmara ao longo da semana. Amanhã (1º), Maria Thereza Goulart, viúva do ex-presidente João Goulart, é a principal convidada de uma sessão solene sobre a data. A cassação de João Goulart foi um marco inicial para a ditadura.
Além da solenidade e de exposições montadas para lembrar o regime militar, deputados esperam ouvir na quarta-feira (2) o general reformado do Exército José Antônio Nogueira Belham sobre a prisão, tortura, morte e ocultação de cadáver do ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi cassado após o golpe militar de 1964, ficou exilado por um período e quando retornou ao Brasil, em 1971, foi preso. Paiva morreu no dia 21 de janeiro.
Belham, que comandava o Destacamento de Operações e Informações (DOI), onde Paiva ficou preso, é apontado como um dos responsáveis pelo desaparecimento do cadáver do ex-parlamentar.
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Especial 50 anos do golpe

A grande imprensa apoiou o golpe e a ditadura

Os grandes veículos se passam por adversários da ditadura, mas colaboraram com ela e não tiveram papel relevante para o fim do regime
por Beatriz Kushnir — publicado 31/03/2014 04:54
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Reprodução
FSP MARIGHELA.png
Notícia sobre morte de Marighella
Se tais premissas correspondessem aos fatos, restaria explicar: por que houve apenas restritos episódios de resistência vinculados igualmente a pequenos grupos? Por que se permitiu aprovar uma Anistia recíproca, que mesmo nestes 50 anos após o golpe civil-militar, ainda é tema espinhoso de revisão?
A luta contra o arbítrio, de forma armada ou não, definitivamente não caiu nas graças do povo deste berço esplêndido. E, certamente, os meios de comunicação de massa – a grande imprensa e posteriormente, a TV – têm um papel preponderante nas escolhas sociais implantadas.
São clássicos os editoriais do Correio da Manhã nas vésperas do 1º de Abril de 1964, clamando por “Basta” e “Fora” a Jango. Igualmente, é emblemática a noção de que este jornal, ao realizar um “mea-culpa” e se colocar em oposição ao novo regime, foi punido com perseguições que levaram a sua falência. Esquecem-se, contudo, os amplos problemas de gerenciamento vividos por Niomar Moniz Sodré.
Ícones de resistência são lembrados, afirmados, expostos e sublinhados maciçamente para ratificar a tradição democrática brasileira, como: a meteorologia para o 14/12/1968, no Jornal do Brasil; as receitas de bolo do Jornal da Tarde; os poemas de Camões no Estadão; os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos; etc., que definiriam a grande imprensa brasileira como resistente ao golpe e, posteriormente, ao arbítrio. Mesmo com todo este esforço, o processo ditatorial perdurou por mais de duas décadas.
Meio século depois e com inúmeros textos publicados sobre a mais recente ditadura brasileira, poder-se-ia ressaltar que nunca a grande imprensa brasileira estampou na primeira página dos periódicos um aviso claro afirmando: “Este jornal está sob censura”. As estratégias acima apontadas e outras, que frequentemente voltam à tona para reforçar a ação resistente, contavam com a capacidade do público leitor em decifrar pistas.
O jornalista Oliveiros Ferreira, que por décadas trabalhou no Estadão, narrou as ligações recebidas pela redação indagando que a receita de bolo na primeira página do Jornal da Tarde estava errada. O bolo solava. Ou, como definiu Coriolano de Loyola Cabral Fagundes, censor desde 1961 e que atuou no Estadão, os poemas de Camões foram ali uma concessão. Certamente a censura federal apostava que o leitor não entenderia o seu porquê, ou se tranquilizaria na (efêmera) ilusão que mesmo no arbítrio lhe eram permitidos lampejos de resistência, os quais, efetivamente nada alteravam. Algo semelhante, contudo, não foi autorizado à (antiga) Veja, que, durante a “distensão” do governo Geisel, substitui as matérias censuradas por imagens de diabinhos, já que não se podiam publicar espaços em branco. Advertida, teve que parar, pois certamente o leitor de Veja à época entenderia o recado. Certamente como compreendeu a mensagem da revista quando da morte de Vlado, numa nota pequena de desculpas por não poder nada mais expressar.
Os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos sofreram estas horríveis barbáries enquanto atuavam como militantes das esquerdas, em ações armadas ou como simpatizantes, como demonstram os processos que arrolam os seus nomes. Da mesma forma, existiram imposições governamentais de expurgos nas redações. Tais limpezas ocorreram logo depois do golpe e perduraram até e inclusive no governo Geisel, que impunha a bandeira do fim da censura. Muitos jornalistas/militantes poderiam ser citados como vítimas destas ações, já que, como pontuava lúcida e ferinamente Cláudio Abramo, “nas redações não há lugar para lideranças. Os donos dos jornais não sabem lidar com jornalistas influentes que, muitas vezes, se chocam com as diretrizes do comando. O jornalista tem ali uma função, mas ‘ficou forte, eles eliminam’.”
Os meios de comunicação são empresas que buscam o lucro, vendendo a visão particular sobre um fato e, como Abramo por vezes demarcou, um “equívoco que a esquerda geralmente comete é o de que, no Brasil, o Estado desempenha papel de controlador maior das informações. Mas não é só o Estado, é uma conjunção de fatores. O Estado não é capaz de exercer o controle, e sim a classe dominante, os donos. O Estado influi pouco, porque é fraco. Até no caso da censura, ela é dos donos e não do Estado. Não é o governo que manda censurar um artigo, e sim o próprio dono do jornal. Como havia censura prévia durante o regime militar, para muitos jornalistas ingênuos ficou a impressão de que eles e o patrão tinham o mesmo interesse em combater a censura”.
Existiram pouco mais de 220 censores federais, muitos deles com o diploma de jornalista – sendo que o primeiro concurso público para o cargo ocorreu em 1974, quando Geisel prometia o fim da censura. Estas duas centenas de pessoas atuavam reprimindo: cinema, TV, rádio, teatro, jornais, revistas, etc., entre 1964 e 1988, em todo o território nacional. Para que as expectativas governamentais dessem certo, os donos das empresas de comunicação tinham de colaborar – e não resistir.
Inúmeros arquétipos podem corroborar tal ideia, até porque a autocensura não é desconhecida das redações, e não se iniciou no pós-1964 no Brasil. No Jornal do Brasil, por exemplo, editou-se, em 29/12/1969, como me cedeu o seu exemplar o secretário de Redação, José Silveira, uma circular interna de cinco páginas, elaborada pelo diretor do jornal, José Sette Câmara, para o editor chefe, Alberto Dines, denominada “Instruções para o controle de qualidade e problemas políticos”, criada com o objetivo de “instituir na equipe um (...) Controle de Qualidade (...) sob o ponto de vista político”.
Estabelecida dias antes do Decreto-Lei 1.077, de 26/01/1970, que legalizou a censura prévia, e um ano após o AI-5, a diretriz de Sette Câmara pontuava que “não se trata de autocensura, de vez que não há normas governamentais que limitem o exercício da liberdade de expressão, ou que tornem proibitiva a publicação de determinados assuntos. Em teoria há plena liberdade de expressão. Mas na prática o exercício dessa liberdade tem que ser pautado pelo bom senso e pela prudência”, já que “a posição do JB ao proferir que este não é a favor nem contra, (...) não é jornal de situação, nem de oposição. O JB luta pela restauração da plenitude do regime democrático no Brasil, pelo retorno do estado de direito. (...) Enquanto estiver em vigor o regime de exceção, temos que usar todos os nossos recursos de inteligência para defender a linha democrática sem correr os riscos inúteis do desafio quixotesco ao Governo. (…) O JB teve uma parte importante na Revolução de 1964 e continua fiel ao ideário que então pregou. Se alguém mudou foram os líderes da Revolução. [Nesse sentido, o JB deverá] sempre optar pela suspensão de qualquer notícia que possa representar um risco para o jornal. Para bem cumprirmos o nosso maior dever, que é retratar a verdade, é preciso, antes de mais nada, sobreviver”. Sette Câmara termina decretando que, “na dúvida, a decisão deve ser pelo lápis vermelho”.
Em meados da década de 1970, foi a vez da Rede Globo – uma concessão pública – formalmente instituir o “Padrão Globo de Qualidade”, ao contratar José Leite Ottati – ex-funcionário do Departamento de Polícia Federal – para realizar a censura interna e evitar prejuízos advindos da proibição de telenovelas. Segundo Walter Clark, a primeira interdição da censura na Globo ocorreu em 1976, na novela Despedida de casado. Para blindar a emissora, o “Padrão Globo de Qualidade” receberia o auxílio de pesquisas de opinião feitas por Homero Icaza Sanchez – o “Bruxo” –, encarregado de identificar as motivações da audiência.
Definindo toda essa tática, Clark explicou que, “(...) enquanto a Censura agia para subjugar e controlar a arte e a cultura do país, perseguindo a inteligência, nós continuávamos trabalhando na Globo para fazer uma televisão com a melhor qualidade possível.” Organizada a autocensura, o “Padrão Globo de Qualidade” teve acrescidos outros ingredientes para o seu sucesso. Em sintonia com a imagem, divulgada pelo governo autoritário, de um “Brasil Grande”, formulou-se também uma “assessoria militar” ou uma “assessoria especial” composta por Edgardo Manoel Ericsen e pelo coronel Paiva Chaves. Segundo Clark, “ambos foram contratados com a função de fazer a ponte entre a emissora e o regime. Tinham boas relações e podiam quebrar os galhos, quando surgissem problemas na área de segurança”.
Esquema semelhante a este foi adotado pela Editora Abril, exposto em uma correspondência de Waldemar de Souza – funcionário da Abril e conhecido como “professor” –, a Edgardo de Silvio Faria – advogado do grupo e genro do sócio minoritário Gordino Rossi –, na qual comunicava o contato tanto com o chefe do Serviço de Censura em São Paulo – o censor de carreira e jornalista José Vieira Madeira –, como com o diretor do Departamento de Censura de Diversões Públicas – Rogério Nunes – para facilitar a aprovação das revistas e a chegada às bancas sem cortes.
Estes vínculos do “professor” com membros do governo são anteriores a esse período e justificam seu potencial de negociação. Desde novembro de 1971 o relações-públicas do DPF, João Madeira – irmão de José Vieira Madeira –, expediu uma carta ao diretor-geral da Editora Abril na qual ratificava o convite do general Nilo Caneppa, na época diretor do DPF, a Waldemar de Souza para que fosse a Brasília ministrar um curso especial aos censores. Em maio de 1972, o próprio general Caneppa enviou a Vitor Civita, diretor-geral da Abril, uma correspondência de agradecimento pelas palestras sobre censura de filmes, que Waldemar de Souza proferiu na Academia Nacional de Polícia. Para continuar colaborando, no ano seguinte, Souza formulou uma brochura intitulada “Segurança Nacional: o que os cineastas franceses esquerdistas já realizaram em países da América do Sul e pretendem repetir aqui no Brasil”. E, em 1974, com o general Antonio Bandeira no comando do DPF, Waldemar de Souza, em caráter confidencial, expôs o porquê de censurar Kung Fu e sua mensagem que “infiltra a revolta na juventude”.
Por fim, mas não menos importante, há a atuação do Grupo Folha da Manhã, proprietário da Folha de S. Paulo e da Folha da Tarde, entre outros, no período. Em dezessete anos, entre 19/10/1967 e 7/5/1984, o país foi dos “anos de chumbo” ao processo das Diretas Já, e a Folha da Tarde vivenciou uma redação tanto de esquerda engajada – até o assassinato de Marighella –, como, a partir daí, de partidários e colaboradores do autoritarismo.
Durante uma década e meia sob o comando de policiais, o jornal adquiriu um apelido: o de “maior tiragem”, já que muitos dos jornalistas que ali trabalharam eram igualmente “tiras” e exerciam cargos na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A partir deste perfil de funcionários, a Folha da Tarde carrega a acusação de “legalizar” mortes decorrentes de tortura, se tornando conhecido como o Diário Oficial da Oban.
Isto explica o porquê de os carros do Grupo Folha da Manhã serem incendiados por militantes de esquerda, nos dias 21/9/1971 e 25/10/1971. A ação era uma represália, já que o grupo era acusado de ceder automóveis ao Doi-Codi que, com esse disfarce, montava emboscadas, prendendo ativistas.
Nesse momento de ponderações sobre os 50 anos do golpe, recordo-me que, quando dos 30 anos do AI-5, o jornalista Jânio de Freitas publicou na Folha de S. Paulo uma advertência não cumprida por seus pares, inclusive agora, nas reflexões dos periódicos aos 50 anos do golpe civil-militar de 1964. Corroborando com tudo o que foi exposto aqui, Freitas lembrava em 1998 que “a imprensa, embora uma ou outra discordância eventual, mais do que aceitou o regime: foi uma arma essencial da ditadura. Naqueles tempos, e desde 64, o Jornal do Brasil [...] foi o grande propagandista das políticas do regime, das figuras marcantes do regime, dos êxitos verdadeiros ou falsos do regime.  (...) Os arquivos guardam coisas hoje inacreditáveis, pelo teor e pela autoria, já que se tornar herói antiditadura tem dependido só de se passar por tal”.
O jornalista ao finalizar, adverte, e peço-lhe licença para me utilizar aqui, de suas conclusões. Trocarei 30 por 50 anos, AI-5 por golpe civil-militar de 1964, e o que estiver entre colchetes é de minha autoria. Assim: precisamos aproveitar os 50 anos do golpe civil-militar de 1964 para mostrar mais como foi o regime que [se instaurou a partir dali], eis uma boa iniciativa. Mas não precisava [como fizeram muitas narrativas recentes] reproduzir também os hábitos de deformação costumeiros naqueles tempos.
* Beatriz Kushnir é historiadora, doutora em História pela Unicamp, autora, entre outros de, Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Boitempo, 2012)

DOSE DUPLA DE MENTIRAS

Na TV, estamos com propaganda eleitoral de dois partidos. Não sei quem é mais  cara de pau,  adenubio melo  com o seu PSC ou rogério marinho com o PSDB, num verdadeiro varal de mentiras e absurdos, são verdadeiros caras de pau.

ABSURDO

Estamos no municipio de São Tomé,cidade do Potengi, cidade de algumas construções antigas como: centro social,prédio da prefeitura, o mercado. E aí deparo com um absurdo, a destruição da parte da frente do prédio da prefeitura para construção da agência do Banco do Brasil, lembrando que anteriormente foi destruída uma praça antiga para construção da sede do Banco do Brasil. 
Não sei o que passa na cabeça de um governante que negocia a desfiguração de uma fachada tão antiga da nossa cidade.
Infelizmente mais um absurdo provocado pelos nossos prefeitos, anteriormente foi o coreto que sumiu da praça principal da cidade.
fotos do absurdo numa arquitetura antiga, que está sendo totalmente desfigurada pela sandice de um prefeito totalmente despreparado para administrar o patrimônio publico e a cultura de um local, jogado no lixo. Que tal destituir este governante?.

domingo, 30 de março de 2014

O ser e o nada

O retorno de Roberto D’Ávila à TV trouxe uma interessante entrevista, do ponto de vista do entrevistador, com Joaquim Barbosa. Por Nirlando Beirão
por Nirlando Beirãopublicado 30/03/2014 09:28, última modificação 30/03/2014 10:18
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Reprodução de vídeo
TV
O ego inflado de Barbosa enfrenta a elegância de D'Ávila
Foi uma interessantíssima entrevista, do ponto de vista do entrevistador. Para o entrevistado, um desastre. Mostrou que, por trás da toga punitiva, existe um vazio abissal. Barbosa é um nada estrepitoso. Duvido que um único dos torcedores partidários do ministro não tenha chegado ao fim daquela hora inteira de platitudes sem saborear insuportável decepção. Barbosa não produziu uma escassa ideia. Ele não tem nada a dizer além dos autos de sua particular Inquisição. Foi constrangedor.
D’Ávila, com luvas de pelica, jogava a isca e Barbosa, encouraçado em sua arrogância, nem sequer percebia. D’Ávila indicava, na delicadeza das perguntas, saída lisonjeira para a resposta. “O senhor lê muito, não é? Balzac?” Barbosa estufou o ego: “É, Balzac”. E mais não disse. “O que o senhor escuta?” “Tudo.” “Beatles ou Rolling Stones?” “Os dois.”
O único momento em que Barbosa demonstrou alguma emoção foi ao falar de racismo. Daquele jeito. O rancor pauta a vida dele. Deve ter sido mesmo muito humilhado. Sugeriu até que Lula nomeou-o para o STF de olho na cota, não em reconhecimento por seu currículo, brilhante, cosmopolita. Fica difícil assim: deixar de nomear um negro teria sido racismo. Nomear também é?

Especial - 50 anos do golpe

A ditadura vista da escola: uma memória

Não havia como escapar do clima de repressão: oito anos de doutrinação tosca e forçada na escola deixaram em mim uma aversão ao hino nacional
por Antonio Luiz M. C. Costapublicado 11/03/2014 10:07, última modificação 12/03/2014 12:12
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Fickr / somel
bandeira
'Doutrinação resultou em aversão a símbolos patrióticos'
Como a ditadura afetou infâncias e juventudes? No meu caso, menino de classe média criado no bairro do Planalto Paulista, em São Paulo, de forma bem visível. Do golpe em si, ocorrido aos meus seis anos, tenho vagas lembranças: recordo minha avó a me levar para longe de uma manifestação no centro da cidade, provavelmente um pouco antes, e de meu pai conversar com meu tio sobre o que achava que ia acontecer, creio que pouco depois.
Na escola, porém, não havia como escapar do clima de repressão. Meu pai não era exatamente um direitista – pelo contrário, deixou Portugal, em parte, por rejeitar o salazarismo –, mas tinha ideias conservadoras sobre disciplina e educação. Escolheu para mim, e depois para meu irmão, um “Ateneu” particular, ainda existente, dirigido por um imigrante húngaro que, como vim a compreender muito mais tarde, era um fascista, talvez mesmo um refugiado da queda do regime do almirante Horthy, aliado de Hitler cujo país acabou ocupado por tropas soviéticas no fim da II Guerra Mundial. Curiosamente foi a mesma escola onde estudou o atual prefeito Fernando Haddad, alguns anos depois.
Que os alunos (meninos e meninas em metades separadas dos pátios e das salas de aula) tivessem de se alinhar em ordem unida quando tocava o sinal, alinhados do mais baixo ao mais alto, talvez nem fosse excepcional para a época. Nem que tivessem de cantar o hino nacional. E depois rezar o pai-nosso ao iniciar as aulas. Mas é constrangedor lembrar que o alinhamento de cada fila de alunos era vigiado e supervisionado por um deles, distinguido por bom comportamento com uma braçadeira verde e amarela, mesmo se não tenho certeza se a analogia mais correta é com um Kapo de campo de concentração ou com um Rottenführer da Juventude Hitlerista.
Houve um episódio, que não presenciei, no qual algum militante jogou panfletos de esquerda para dentro do pátio da escola. A polícia foi chamada e várias crianças interrogadas para se tentar descobrir algo sobre os “terroristas”. Lembro-me do “golpe dentro do golpe”, quando o diretor chamou alunos de sete a onze anos para explicar por que a junta militar havia tomado o poder após o AVC do ditador Costa e Silva. Não me lembro dos detalhes da explicação ou se chegou a mencionar o nome de Pedro Aleixo, mas sim da sensação de que devia ter acontecido algo muito errado para que o velho autoritário sentisse a necessidade de  dar às crianças uma hesitante justificativa.
Seguiram-se o retrato do ditador Garrastazu Médici no corredor e das canções e trabalhos escolares de exaltação obrigatória ao regime, principalmente na época do “alargamento” do mar territorial para 200 milhas, da Copa de 1970, da construção da Transamazônica e do Sesquicentenário da Independência. Das aulas de Educação Moral e Cívica, dadas por um búlgaro cujo maior orgulho era ter lutado na guerra por seu país, ou seja, ao lado do Eixo e em nome do regime filonazista de Bogdan Filov e Dobri Bozhilov. Não à toa, era um dos favoritos da diretoria. Nelas aprendíamos as virtudes das eleições indiretas e da subordinação do indivíduo à Família, desta à Pátria da nação a Deus ou a uma Igreja ideal (a real tinha uma relação mais complicada com o regime) e por que o patriotismo era a maior das virtudes. Por estranho que pareça, as aulas de Educação Física eram quase igualmente doutrinárias. Na maior parte do tempo, consistiam em fazer crianças do fundamental (na época, primário e ginásio) marcharem pelo pátio, obedecer comandos militares (“direita, volver”), como se estivessem às vésperas de prestar o serviço militar.
Ao lado das aulas teóricas de reacionarismo, havia aulas práticas de nepotismo. A professora de música, inamovível por ser cunhada do diretor, era uma completa incompetente, incapaz de fazer alunos de 11 ou 12 anos fazer mais do que decorar trivialidades do beabá da teoria musical e desafinar em coro. Seu repertório era constituído da soma das mais ridículas e antiquadas canções de roda infantis com os hinos cívicos e militares oficiais. O que tinha de mais moderno e popular eram as canções ufanistas de Don e Ravel.
A maioria dos demais professores se mostrava, porém, menos afinada com o regime do país e da escola. Daí a intromissão constante do diretor nas aulas e de professores repreendidos por deixar alunos debater e dar sua opinião sobre um assunto ou outro – e de uma professora demitida por ser homenageada pelos alunos por ser democrática. E do medo de fazer uma pergunta “errada”. Foi meu caso durante uma prova de geografia, na qual por alguma razão a professora havia faltado e o diretor a aplicou. Uma das questões mandava listar os países da América Central. Perguntei se isso incluía as ilhas. “Que ilhas? Dê um exemplo”, pediu ele. Eu, pensado em termos estritamente geográficos, citei Cuba. “Cuba não é uma ilha, é uma ameaça para o Brasil e o mundo”, explodiu ele, furioso. Não, não era para incluir as ilhas.
Esses oito anos de doutrinação tosca e forçada deixaram a mim, e provavelmente a muitos outros da minha geração e seguintes, uma aversão quase instintiva a cantar o hino nacional, aos desfiles e festas da Independência e outros símbolos patrióticos, festejados com naturalidade em tantos países da América Latina. Um caso exemplar foi uma comemoração de “Dia da Árvore” (21 de setembro) com direito a hinos, jograis, desfile pseudomilitar, discurso cívico e desfraldar da bandeira, tudo para acompanhar o plantio de uma muda em frente à escola. No dia seguinte, a pobre arvorezinha e a cerquinha que a protegia apareceram completamente despedaçadas, como se tivessem alguma culpa daquilo tudo.
Em casa, conversas e alusões sobre política eram desencorajadas. Havia uma tia a quem perguntei o que era comunista e ela disse que era uma pessoa que matava outra arrancando pedaços do seu corpo. Havia uma avó cujas ideias eram uma mistura de getulismo, racismo e vago anti-imperialismo, confusa demais para proporcionar uma visão alternativa consistente dos fatos. Ao fim do ginásio (9° ano, em termos atuais), eu estava farto do autoritarismo do Ateneu, mas só ao passar ao segundo grau, no Colégio Arquidiocesano, onde havia um pouco mais de abertura para professores progressistas, pude acompanhar discussões de questões sociais e políticas e alunos mais maduros e interessados. Apesar de ter também vícios autoritários, hoje ridículos.
Alunos homens eram obrigados a cortar cabelos curtos, mas podiam conseguir uma dispensa se provassem que tocavam numa banda de música (alguns as inventavam). Havia obrigatoriedade de participar de missas e, é claro, aulas de religião nas quais se explicava que o ateísmo era absurdo e impossível. A mais atroz foi uma na qual chamaram um rabino para falar de sua religião. Foi constrangedor ouvir um padre argumentar com ele que “só Cristo pôde dizer que era o caminho, a verdade e a vida”. Quem não tinha ideias preconcebidas teve de admitir que o judeu, racional e elegante, ganhou o debate por dez a zero. Mas o início da minha real formação política foram duas viagens à Europa, nas quais meu pai, português, passou em primeiro lugar por sua pátria. A primeira foi em 1973, ainda sob o salazarismo, quando um dos hotéis em que estivemos ficava em frente a uma sede da PIDE, a polícia política do fascismo. A segunda foi em 1975, no auge da Revolução dos Cravos, quando em frente ao hotel se reuniu um grande comício comunista, com direito a inúmeras bandeiras vermelhas. Era a primeira manifestação política que eu via desde aquela driblada por minha avó, quando eu ainda não ia à escola. O contraste foi impressionante e também foi a primeira vez que ouvi pessoas discutirem abertamente o socialismo (juntamente com os lamentos de parentes mais conservadores do ramo luso da minha família).
Quando cheguei à faculdade, o debate político explodia. No meu primeiro ano, logo depois do assassinato de Vladimir Herzog, ocorriam as primeiras passeatas estudantis de São Paulo desde os anos 1960. Apesar da repressão violenta de algumas delas e do AI-5 ainda em plena vigência (cassações de deputados continuaram a ser feitas em 1976 e 1977), tendências estudantis de todos os matizes da esquerda debatiam abertamente – e também alguns de direita, sendo a Opus Dei a mais ativa no meu meio. Nesse período eu me tornei marxista (não ortodoxo, muito menos pelos padrões da época) e participei de manifestações, assembleias e do centro estudantil do meu curso, mas nunca me filiei a nenhuma das tantas organizações que disputavam os estudantes. Não me agradava a maneira como a maioria delas conduzia as assembleias estudantis, nem o discurso dogmático e radicalizado que me soava superficial e pouco coerente com as posturas pessoais (muito menos com a realidade política).
Como eu, muitos daqueles que não eram militantes se interessavam por política e questionavam o sistema. Para  uma turma de Engenharia de Produção da Politécnica, a minha foi surpreendentemente politizada e rebelde, organizando-se várias vezes para criticar e fazer reivindicações junto aos professores e à administração. Claro que não queria dizer muito em comparação a quase qualquer outra faculdade da USP, mas foi o suficiente para levar professores a recomendar a organizações de empresários que não nos contratassem, como soubemos às vésperas da formatura. Atitude mesquinha e perigosa: o regime já caminhava para a abertura, mas o risco de retrocesso ainda existia, como mostrou o atentado do Riocentro, poucos meses depois. E dispensável: minha percepção de que a radicalização tinha muito de superficial se confirmou.
Mais de uma dúzia de meus colegas de curso militaram em organizações trotskistas (principalmente a famosa “Libelu”, avessa a qualquer concessão à democracia burguesa), do PCdoB (“Caminhando”), do PCB (apelidado “Reforma” pelas tendências de discurso mais radical) e da esquerda independente vinda da Ação Popular (“Refazendo”). Mas passados dois anos da formatura, só dois, os que tinham seguido carreira acadêmica, ainda se consideravam de esquerda. Os demais se calavam ou riam embaraçados quando eram lembrados do passado recente. Creio que em geral se tornaram conservadores ou liberais silenciosos, mas pelo menos uma antiga amiga ex-Libelu se tornou ardente malufista, assim como alguns de seus ex-colegas de militância em outros cursos se tornaram Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli.
*Antonio Luiz M. C. Costa é editor da seção Nosso Mundo de CartaCapital. Seu relato é o segundo de uma série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, que lembra os 50 anos do golpe militar.
Sociedade

Especial - 50 anos do golpe

Golpes, perseguições, feridas e cicatrizes

Os camponeses que viviam ali, naquele sertão da Bahia, jamais haviam testemunhado tamanha barbárie. O que se passou dentro de casa foi um suplício familiar
por Thaís Barreto — publicado 23/03/2014 07:40
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Arquivo Pessoal
greve de osasco
Greve de Osasco, em 1968

Preso político? O que é isso? Eu nasci em 1984 e devia ter uns 6 anos de idade quando escutei essa denominação em uma estranha conversa dos meus pais. Meu pai teve o cuidado de me convencer que eu não entenderia naquele momento. Guardei aquele dia como se fosse hoje e, aos poucos, a expressão ganhou contornos. Lembro de ter acompanhado diversos jornalistas indo entrevistá-lo lá naquele sertão, em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Por que tantas entrevistas? Carlos Lamarca, José Campos Barreto (Zequinha), Iara Iavelberg, Otoniel Barreto, Luiz Antônio Santa Bárbara, quem eram essas pessoas?
A grande oportunidade para entender melhor veio quando eu tinha 9 anos, pois foi lançado o filme Lamarca dirigido por Sérgio Rezende com base no livro Lamarca: O Capitão da Guerrilha escrito pelos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda. Nas cenas do filme vizualizei um cenário de guerra no entorno e dentro da casa dos meus avós no povoado de Buriti Cristalino. Aqueles torturadores assassinos buscavam Lamarca e Zequinha. Um era capitão do Exército que recusou servir à ditadura saindo em 1969 e o segundo era um operário que esteve sob tortura do Dops de São Paulo por estar à frente da greve da Cobrasma, em 1968. Os dois passaram a viver na clandestinidade e suas vidas se cruzaram decisivamente.
Foram cassados como bichos para serem exterminados, e para isso o Exército brasileiro e toda sua estrutura civil-empresarial de colaboração armou a famigerada Operação Pajussara, liderada pelo então major Nilton Cerqueira e pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Primeiro mataram Iara Iavelberg que havia fugido com Lamarca mas estava em Salvador no dia 20 de agosto de 1971. Outra equipe seguiu para localizar o paradeiro de Lamarca e Zequinha. Cercaram a casa no povoado de Buriti Cristalino fazendo todos que estavam dentro reféns no dia 28 de agosto de 1971. Jamais esquecerei a descrição que ouvi do meu pai, Olderico Campos Barreto, sobre a tortura que viveu. Arrancaram todas as suas unhas enquanto indagavam sobre o paradeiro de Lamarca e Zequinha. Ele não entregou nem essa nem nenhuma outra informação. Esse local foi um campo de concentração da ditadura brasileira que marcou a violência contra camponeses no Brasil. Há um documentário recente intitulado Do Buriti à Pintada: Zequinha e Lamarca na Bahia, que contém importantes depoimentos das vítimas da época inclusive das cidades vizinhas. A família Barreto abrigou o capitão em sua pequena propriedade pois este foi um dos homens respeitáveis do Exército que resolveu lutar ao lado de quem era alvo do plano de opressão e exclusão.
Os camponeses que ali viviam jamais haviam testemunhado tamanha barbárie. O que se passou dentro da casa foi um suplício familiar. Santa Bárbara que também estava escondido tombou com um tiro na cabeça dentro da casa. Meu avô, José de Araújo Barreto, de tanta tortura gritava. Otoniel, seu filho de 19 anos, ficou desesperado e chegou a atirar em um soldado (mas não acertou) para tentar encerrar aquela dor provocada no seu pai. Saiu correndo e foi alvejado. Caiu morto. Sérgio Paranhos Fleury disputou com os outros soldados a autoria da morte. Olderico foi torturado na frente de toda população. Levou tiros, teve seus ferimentos como ponto de tortura onde jogaram produtos químicos e o costuraram sem nenhuma anestesia. Ao menos no seu rosto e na sua mão posso tocar as cicatrizes. No dia 17 de setembro de 1971 Lamarca e Zequinha foram assassinados no povoado de Pintada que pertence ao município de Ipupiara. No local foi construído o Memorial dos Mártires onde se deseja sepultar os filhos da terra mortos pela ditadura. Se for desejo da família, os restos mortais de Lamarca também podem ser transferidos.
A ditadura fez vítimas e ela sempre renegará. Na Bahia, o coronelismo já configurava suficientemente um regime opressor, e 1964 veio apenas para intensificar as dificuldades de vida das populações isoladas ou esquecidas país afora. Adelaide Campos Barreto, conhecida como dona Nair, minha avó, para mim também foi vítima. Ela recebeu como um golpe a informação contida em um telegrama em julho de 1968 o qual dizia que Zequinha estava preso e sofrendo por participar da greve. A ferida resultou em um câncer de mama, e dona Nair faleceu em 1970. Soube depois pelo bispo dom Luiz Flávio Cappio que meu avô relatou que chegou a se ajoelhar no chão agradecendo a Deus por ela não ter presenciado tamanha violência naquela casa em 1971. Me perguntei: que dor é essa que foi provocada capaz de suplantar a dor que o próprio já carregava por ter se despedido tão cedo da sua esposa a quem tanto amou?
Neste ano de 2014 completarão 50 anos do golpe e há quem diga que tudo isso que passou com a minha família e tantas milhares de outras não merece sequer ser lembrado. Enquanto isso, aquelas cicatrizes que toco no rosto e na mão do meu pai simbolizam uma ferida que inevitavelmente se abriu em mim. Nunca consegui visitar o túmulo dos meus tios durante as idas no cemitério do Campo Santo em Salvador, onde foram enterrados, pois não há nenhuma identificação e os registros antigos não estavam lá. Os assassinos privaram a família de ter por perto os restos mortais dos entes queridos e os levaram. Meu pai estava preso e não lhe foi permitido acompanhar o enterro. Espero que a existência da Comissão Nacional da Verdade possa proporcionar a exumação dos corpos de Zequinha e Otoniel e os devolva para a família ao menos cultuar a lembrança desses exemplares brasileiros.
Na foto, Zequinha Barreto e Lamarca mortos (Crédito: Arquivo Nacional)
CartaCapital*Thaís Barreto é jornalista, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos  e  assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. Seu relato é parte de uma série de artigos que o site de CartaCapital publica sobre os 50 anos do golpe-civil militar de 1964
Sociedade

Especial - 50 anos do golpe

Um golpe contra o Brasil

O objetivo da ditadura era implantar um projeto econômico e social cujo alvo eram os trabalhadores, escreve Ivan Seixas
por Ivan Seixas — publicado 25/03/2014 08:55, última modificação 25/03/2014 09:23
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Veronica Manevy
ivan
Ivan Seixas no antigo prédio do DOI-Codi. Ele acompanhou o assassinato do pai

Engana-se quem acha que a ditadura foi implantada , em abril de 1964, com uma quartelada ou alguma ação improvisada de militares furiosos. Foi um golpe de Estado anticomunista, antioperário e antinacional, dentro da histeria da Guerra Fria, em uma agressão escancarada para impor um minucioso projeto econômico e social desenvolvido segundo os interesses do capitalismo estrangeiro e seus aliados nacionais.
Para impor esse projeto econômico e social era necessário impor o arrocho salarial e medidas impopulares sem precedentes. E para que isso se efetivasse era necessário o terrorismo de Estado e a cumplicidade e cooperação do empresariado nacional. A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. Para garantir a repressão, uma extensa rede de repressão se instala desde os primeiros momentos da ditadura sob o comando do temido SNI - Serviço Nacional de Informações, complementada por agentes de repressão particular dentro das fábricas, contratados pelos empresários. Essa cooperação é prevista no organograma do SISNI – Sistema Nacional de Informações, que destaca as “Comunidades Complementares” com os convênios com “Entidades privadas conveniadas”.
Toda essa rede de arapongas a serviço do empresariado foi detectada pela Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, com base em documentos oficiais do SNI, guardados no Arquivo Nacional. Do mesmo modo, o Arquivo do Estado de São Paulo guarda documentos que mostram que as empresas entregavam as fichas funcionais de seus empregados ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social para que fossem perseguidos pela temida repressão política e essa perseguição servir de desculpas para demitir e colocar o nome do perseguido nas “listas negras” daqueles que não poderiam conseguir emprego mais. Suas famílias passavam fome e os empresários impunham assim o medo da demissão e a submissão dos trabalhadores dentro do projeto implantado em abril de 1964.
A Comissão Estadual descobriu também os livros de entrada e saída no DOPS. Não o livro de entrada de presos, mas o de visitantes do departamento. Sem nenhuma dúvida, o visitante mais constante era um funcionário da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Geraldo Resende de Mattos, homem de confiança do chefe da entidade patronal. Suas visitas nem sempre têm registrado o horário de saída. Numa dessas vezes, a entrada foi pouco antes das seis da tarde e sua saída se dá no dia seguinte quase sete horas da manhã. Óbvio que o funcionário da FIESP ia lá organizar a repressão ao movimento sindical já amordaçado, reprimido e duramente perseguido. Mais uma vez o projeto econômico e social implantado em 1964 era garantido pela repressão política da ditadura sem nenhum disfarce, bem longe da civilidade ou legalidade.
Outro que visitava muito aquele órgão de repressão, tortura e extermínio e opositores à ditadura militar era Claris Halliwell, graduado membro do consulado geral dos EUA, que entrava e saía com muita frequência e também não tinha horário de saída registrado ou só saía no dia seguinte. Em geral, sua presença lá coincidia com os dias em que aconteciam terríveis sessões de tortura a membros da resistência ao estado de terror imperante. Sua entrada acontecia junto com conhecidos torturadores do DOI-CODI de São Paulo como o tenebroso Capitão Ênio Pimentel Silveira, notório torturador e assassino de presos políticos. A entrada dos dois indica que participavam das sessões de torturas, como é o caso do dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique, barbarizado por quase três dias seguidos e assassinado ao fim dessa jornada.
Torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao movimento sindical e de trabalhadores em geral. A ligação que há entre Mister Halliwell e Geraldo Resende de Mattos é o projeto econômico e social implantado em 1964, com orientação, apoio e acompanhamento do governo americano ao Estado usurpado pelos golpistas civis e militares, que se perpetuaram por longos 21 anos seguidos no poder. Causaram danos em, pelo menos, três gerações de brasileiros e estão impunes até hoje.
Nesse momento em que se marcam os cinquenta anos do assalto ao poder por gente que não tinha compromisso com a democracia e menos ainda com o País, devemos refletir o que se pode fazer para o Brasil continuar e aperfeiçoar suas instituições. Cometeram crimes de lesa-humanidade e também crimes de lesa-pátria, pois causaram danos ao povo trabalhador, aos jovens, à cultura nacional, à economia nacional e às instituições nacionais. E continuam impunes. As mortes são imperdoáveis, mas o que se pode dizer da fome causada aos trabalhadores colocados nas chamadas “listas negras”? Não eram “apenas” os trabalhadores, mas todos os componentes de suas famílias. Danos morais, políticos e econômicos em mulheres, crianças e idosos. Não há como perdoar. Tudo cometido em nome de um maldito projeto econômico e social de uma potência estrangeira.
*Ivan Seixas, ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), foi torturado ao lado do pai, assassinado pelo regime. Hoje Seixas preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964
Sociedade

Comissão da Verdade

"Matei quanto foi necessário", diz torturador

As descrições do coronel Paulo Malhães sobre métodos de tortura e ocultação de cadáver chocam durante depoimento no Rio
por Redação — publicado 26/03/2014 09:21, última modificação 26/03/2014 19:31
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Arquivo
greve de osasco.jpg
Repressão durante greve de Osasco.

"Matei tantas pessoas quanto foram necessárias". Esta foi a resposta do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, de 76 anos, ao ser questionado sobre quantas pessoas havia matado no centro de torturas clandestino conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis, durante a ditadura.
Durante o depoimento à comissão, Malhães disse não se arrepender das mortes e não soube precisar quantas pessoas torturou durante o período.
Malhães surpreendeu quem acompanhou a sessão por demonstrar frieza ao descrever os métodos de tortura e ocultação de cadáver. “A tortura é um meio. Se quer saber a verdade, tem que apertar." Entre as suas atribuições, disse, estava o de desaparecer com os corpos sem deixar rastros. “Naquela época, não existia DNA. Quando você vai se desfazer de um corpo, quais partes podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais. Então você quebrava os dentes. As mãos, cortava daqui para cima”, explicou.
Malhães chamou as vítimas da repressão de “terroristas” e disse que elas não teriam sido mortas se, em vez da militância, tivessem ficado em casa, “ao lado da esposa e dos filhos”.
O torturador confirmou ter recebido ordem do coronel Coelho Neto, então subchefe do Centro de Informações do Exército, para ocultar a ossada do ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971. Mas, diferentemente do que relatou recentemente ao jornal O Globo, desta vez disse não ter executado a tarefa.

50 anos do Golpe

O inaceitável risco da igualdade

Quando se delineia, mesmo ao longe, a chance da demolição da casa-grande e da senzala, a vocação golpista dos privilegiados se estabelece
por Mino Cartapublicado 28/03/2014 06:26, última modificação 28/03/2014 16:37
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Arquivo Agência O Globo
golpe
Foi uma guerra sem inimigo, para derrubar um presidente que sempre se portou como democrata
Como Moniz Bandeira logo adiante escreve, o governo dos Estados Unidos teceu, de caso pensado ou de crença própria (de americanos tudo cabe esperar), um magistral enredo de pura ficção para mobilizar, debaixo de sua bandeira, diplomatas, espiões, mestres em tortura, tropa e até um porta-aviões. Segundo os ficcionistas de Washington, o Brasil preparava-se para enfrentar uma guerra civil, provocada pela insurgência de comunistas de inspiração cubana, como se sabe canibais de criancinhas. Os reacionários nativos, instalados solidamente na casa-grande, engoliram mais um best seller ianque, e lhe acrescentaram capítulos decisivos, com a colaboração dos editorialistas dos jornalões.
Soprava o entrecho que a subversão ensaiava sua marcha e a intervenção militar era recomendada, ou melhor, indispensável. A invocação prolongou-se in crescendo desde o instante em que o vice-presidente João Goulart assumiu o posto abandonado por Jânio Quadros, o tragicômico homem da renúncia, antes contida enquanto durou o imbróglio parlamentarista, enfim em tons de desespero quando Jango mandou às favas o sistema de governo inventado para cerceá-lo e retornou ao presidencialismo. A história prova que Goulart era um democrata sincero, nenhuma das suas atitudes, do começo ao fim do mandato constitucional, demonstra o contrário. Quanto à marcha da subversão, nunca a vi passar.
Outra marcha desfilou diante dos meus olhos estupefactos, a “da família, com deus e pela liberdade”. Dirigia então a redação de Quatro Rodas, instalada na capital paulista em um prédio da Rua João Adolfo, esquina da Avenida 9 de Julho. Na tarde do 19 de março de 1964, dia de São José, o resignado padroeiro da família, deixei a redação e andei não mais que 500 metros para alcançar a esquina da Rua Marconi com Barão de Itapetininga, onde estacionei para assistir ao desfile.
Vinham na frente os sócios do Harmonia, clube mais elegante de São Paulo, acompanhados por seus fâmulos, mucamas, aias, capatazes, colonos, jardineiros, motoristas, cocheiros, massagistas, pedicuros, manicures etc. etc. Em seguida trafegaram os sócios do Clube Paulistano (sinto por eles, menos faustosos que o Harmonia), também seguidos por seus serviçais, em número menor e mesmo assim expressivo. Depois passaram os demais, em ordem decrescente, ditada ou pelo clube frequentado, ou pelo bairro da residência. Na rabeira, os remediados, irrefreáveis aspirantes a inquilinos da casa-grande. Sobrevoava o cortejo o governador Adhemar de Barros, de helicóptero em voo quase rasante, desfiava o rosário guardado na algibeira do colete.
A “marcha da família”, capaz de incomodar o Altíssimo e negar a liberdade que diziam defender, revela a verdadeira natureza do golpe de Estado que precipitou a ditadura. A qual é, ou não é. Como a de Hitler, de Mussolini, de Stalin. E não excluamos Franco, ou Salazar, e os fardados de quepe descomunal em toda a América Latina. No caso de Fidel Castro, é natural que tenha merecido uma avaliação especial por parte de quem viveu a condição de relegado ao quintal dos Estados Unidos. De minha parte, confesso, não me agradam personagens que atravessam a vida de uniforme.
Irrita, de todo modo, que seja comum ler ou ouvir a referência à ditadura militar brasileira. Quiséssemos ser precisos, afirmaríamos ditadura civil e militar. A bem da verdade factual, há de se reconhecer que nos começos de 1964 não seria missão impossível atiçar os nossos fardados, e na tarefa o governo americano, e os privilegiados do Brasil, por meio dos seus porta-vozes midiáticos, saíram-se à perfeição. A tal ponto que eles próprios, jornalistas inclusive, acabaram por acreditar no enredo criado em Washington, pelo qual a guerra civil batia às portas. Houve até civis graúdos que estocaram armas nos porões e nas adegas.
Calibrados para a intervenção, os militares cumpriram o seu papel de gendarmes da casa-grande, de exército de ocupação, e com notável aparato partiram para a refrega de fato impossível. A renúncia de Jânio Quadros deveria ter sido lição profícua. Este sim, ao contrário de Jango, pretendia provocar a reação popular e errou dramaticamente. No mesmo dia, o Santos jogava em terra estrangeira e o povo comprimia-se nos bares para ouvir a irradiação. Reação houve, delirante, aos gols de Pelé.
A 1º de abril, ou 31 de março, que seja, vieram os blindados e os canhões, Carlos Lacerda armou-se de fuzil e fez do Catete uma trincheira. O golpe se deu, porém, com a imponência de um corriqueiro desfile de 7 de setembro. Houve um ou outro episódio de violência aqui e acolá, enfrentamento nunca. As calçadas não ficaram manchadas de sangue. Os militares executaram o serviço sujo com a eficácia e o risco de quem vai à guerra sem inimigo. Do outro lado, havia idealistas, sonhadores, nacionalistas, esperançosos de um futuro melhor para um país que amadurecia lentamente demais para a contemporaneidade do mundo.
O Brasil padeceu de várias desgraças ao longo de cinco séculos. A colonização predatória, a matança dos aborígenes, três séculos e meio de escravidão, uma independência sem sangue, uma proclamação da República perpetrada por obra de um golpe de Estado militar, a indicar o caminho convidativo daí para a frente. O entrecho de desgraças, entre elas a carga mais deletéria representada pela escravidão, cujos efeitos permanecem até hoje, influenciou profundamente a história do século passado. Dominada em boa parte por Getúlio Vargas, um estadista, decerto, ao pensar um Brasil moderno, e também ditador no primeiro período da sua atuação, o que não depõe a favor.
O golpe de 1964, reforçado na sua essência daninha pelo golpe dentro do golpe de 1968, uma vez imposto o Ato Institucional nº 5, é a última das desgraças. A mais recente, e de repercussões duradouras. Leiam, por exemplo, o texto de Vladimir Safatle, mais adiante. A derrubada de Goulart assinala o enterro de um processo que levaria o Brasil bem mais longe do que se encontra hoje. Não imagino, está claro, a chegada da marcha da subversão para impor uma ditadura também, embora de esquerda, mesmo porque as lideranças disponíveis, os cassados daquele momento, estavam longe de mirar neste alvo. Digo lideranças como o próprio Jango, Brizola, nem se fale de Juscelino.
Mudanças sensíveis se dariam aos poucos, caso não ocorresse uma reviravolta armada, no espaço de uma ou mesmo duas décadas, a partir das chamadas reformas de base, encabeçadas pela reforma agrária, indispensável em um país em que 1% da população é dona de cerca de 50% das terras férteis. As circunstâncias favoreceriam o surgimento de partidos autênticos em lugar de clubes recreativos de uns poucos sócios, a representarem, quase todos, os interesses do privilégio. Baseado no parque industrial paulista, o mais desenvolvido de todo o Hemisfério Sul, brotaria um proletariado consciente da importância e da força do seu papel, e portanto sindicatos dignos deste nome.
O golpe de 1964 aconteceu exatamente por causa da perspectiva renovadora que apavorava os senhores. Chega a ser ridículo invocar a ameaça da guerra civil, como alega Célio Borja na entrevista à Folha de S.Paulo, e como alegam muitos outros como ele, convictos de que é da conveniência do Brasil ser satélite de Tio Sam, bem como manter de pé a casa-grande e a senzala, da qual vale convocar eventuais marchadores. Os senhores escravocratas do século XXI ainda se movem ao sabor das crenças de 50 anos atrás (ou de 500?), certos do velho axioma, melhor prevenir do que remediar. Daí a oposição sistemática aos governos Lula e Dilma. Aquele já fez alguns estragos, esta é sua criatura, donde para ela a berlinda é automática.
Sempre que ouço pronunciar a palavra redemocratização padeço de um sobressalto entre o fígado e a alma. É justa e confiável a democracia em um país que ocupa o quarto lugar na classificação dos mais desiguais do mundo? Os senhores do privilégio querem é uma democracia sem povo e um capitalismo sem risco. De qualquer forma, à democracia não basta promover eleições periódicas, mas algo é mais grave, nesta instância do pós-ditadura: o espírito golpista ainda lateja nas entranhas da sociedade, como vocação inapagada e impulso natural.
De um lado há a fé em um recurso extremo, porém disponível ad aeternitatem, como aspiração latente em caso de necessidade. Do outro lado, o medo, enraizado nos demais, mal acostumados. Raros os brasileiros que, ao se arriscarem a vislumbrar a possibilidade de uma situação de agitação social, não temam a solução golpista. Há quem suponha que, a esta altura, exageram em temores. Há também quem sustente que basta pensar para tornar o pior admissível.
Agrada-me relembrar Raymundo Faoro, que sustentava a competência da direita, tranquila vencedora em 1964. A respeito discutíamos. Na minha opinião, o nível da competência é determinado pela qualidade do adversário. O que me impressiona, isto sim, é a ausência de adversários à altura desta direita tão, como direi, medieval, responsável pelo brutal oximoro: um país grande por natureza e forte por vocação se vê tolhido por uma elite prepotente, arrogante e ignorante. Deste ponto de vista, a ditadura brasileira tem, aquém ou além da tragédia, ou a despeito da tragédia, um aspecto patético. Quantos perseguiu e até matou e agora são, ou seriam, tucanos convictos, inequivocamente bandeados para a reação?
Com a premissa de que o acaso é entidade insondável, faltou uma esquerda capaz de acuar os donos do poder, como se deu em muitos outros países habilitados à democracia e à civilidade. Para ser de esquerda atualmente é suficiente empenhar-se a favor da igualdade, conforme recomenda Norberto Bobbio, cujo ensaio a respeito Fernando Henrique leu sem proveito algum. Nesta quadra, pretensamente de redemocratização ou, pelo menos, de democratização, o Brasil não conta, na quantidade necessária, com batalhadores da igualdade. Salvo melhor juízo.