terça-feira, 28 de janeiro de 2020

GOLPE DOS CANALHAS

Nosso ministro da Economia anunciou recentemente a ideia de criar o "Imposto do Pecado", que foi (por enquanto) rejeitado pelo presidente da república.
A proposta é tributar entre outras coisas as bebidas alcoólicas, cigarro e alimentos com açúcar.
O mais importante é que você entenda a real intenção que existe por trás dessa ideia, que a princípio pode parecer combinar com a agenda moral do governo mas na prática tem outros propósitos ocultos.
Convido você a assistir uma entrevista que acabei de dar sobre este assunto.

>> CLIQUE AQUI para assistir

Grande abraço!
Edu Moreira

André Motta Araújo: “Houve no caso Petrobras um abandono do governo brasileiro”

Advogado e consultor fala ao GGN sobre os processos que a Petrobras enfrentou nos Estados Unidos graças à Lava Jato. Para ele, o Brasil deveria ter acionado seus canais diplomáticos e lutado contra a intervenção do governo norte-americano nas empresas de interesse nacional
Imagem: Nacho Lemus
Jornal GGN – O governo brasileiro falhou em defender a Petrobras dos processos que tramitaram nos Estados Unidos na esteira da Lava Jato. É o que avalia o advogado, consultor e articulista do GGN, André Motta Araújo.
Em entrevista exclusiva para a série “Lava Jato Lado B – A influência dos Estados Unidos e a indústria do compliance”, Araújo aponta que houve uma “delegação irresponsável” das tratativas internacionais envolvendo a operação Lava Jato. Um erro que ele deposita inicialmente na conta do ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo.
Segundo Araújo, pelo tratado para cooperação jurídica em matéria penal entre Brasil e Estados Unidos, em vigor desde o final do governo FHC, a Petrobras poderia ser enquadrada no artigo que trata de “empresas de interesse nacional”. Sob essa perspectiva, uma batalha mais diplomática que jurídica deveria ter sido travada para afastar a jurisdição da lei anticorrupção norte-americana (FCPA, Foreign Corrupt Pratices Act) sobre a Petrobras.
Na prática, porém, a história foi outra. O Ministério da Justiça acabou perdendo o controle sobre seu papel de “autoridade central”, estabelecido no acordo de 2001, deixando os procuradores da Lava Jato se relacionarem livremente com os norte-americanos.
Mais tarde, com o impeachment de Dilma Rousseff e chegada de Michel Temer ao poder, o comando da Petrobras foi trocado e passou a pregar que o melhor para a petrolífera seria aceitar os termos propostos pelos Estados Unidos e encerrar os processos o quanto antes.
A Petrobras então perdeu quase 3 bilhões de dólares numa única ação movida por acionistas minoritários estrangeiros (class-action), e outros 853 milhões de dólares numa segunda multa aplicada pelo Departamento de Justiça, o DOJ.
A Securities and Exchange Commission (SEC), espécie de agência reguladora do mercado de capitais, estipulou uma terceira cobrança, de mais de 930 milhões de dólares à Petrobras. Mas aceitou descontar esse valor da quantia bilionária paga na class-action.
No final das contas, o que saiu do bolso da Petrobras para se livrar das ações nos Estados Unidos (total de 3,8 bilhões de dólares) supera em mais de quatro vezes o montante já devolvido à estatal pela Lava Jato (4 bilhões de reais) nos últimos cinco anos.
Na visão de Araújo, a única ação legítima é a da SEC, porque desde que se lançou na Bolsa de Nova York, a Petrobras está submetida à legislação que regula o mercado de ações norte-americano.
Mas a ação do DOJ (que fomentou o processo da class-action e vice-versa) poderia ter sido evitada se houvesse interesse (ou reação à altura) do governo brasileiro.
“O governo americano jamais criaria caso com o Brasil. Eles não criaram caso com ninguém”, diz Araújo. “Essa sanção, eu acho que nunca existiria. E seria negociável, diplomaticamente. Quer dizer, o Brasil não usou nenhuma arma diplomática”.
Na entrevista realizada no final de 2019, por Luis Nassif, editor-chefe do GGN, o advogado também comentou a indústria do compliance no Brasil, criada à luz do que é praticado nos Estados Unidos.

Confira os principais pontos abaixo.
***
Luis Nassif: Analisando o contexto da legislação anticorrupção americana, existe espaço para blindagem às empresas estatais? O que o governo brasileiro poderia ter feito para defender a Petrobras e não fez?
André Motta Araújo: Há todo um plano de fundo político nesta questão das empresas estatais e interesses americanos no desempenho dessas empresas. As petrolíferas estatais são 13 das 20 maiores petrolíferas do mundo. Todas elas teriam grandes problemas se fosse aplicado um compliance rigoroso em cima delas. Cito um caso emblemático, que é a Sonangol, a petrolífera estatal de Angola. Ela é uma empresa que tem importância estratégica para os Estados Unidos porque toda a produção dela – que é de 1,6 milhão de barris por dia, mais do que a Venezuela no seu apogeu –  é exportada para os Estados Unidos. É uma empresa que tem o controle de todas as reservas de Angola. E, agora, descobriu o pré-sal, que é a continuação do pré-sal brasileiro. O acordo de exploração do pré-sal [angolano] foi efetuado no ano passado [2018] com a Exxon. A Sonangol tem problemas de compliance lendários. Sumiram mais de 40 bilhões de dólares em 3 anos. A filha do presidente José Eduardo Santos é a mulher mais rica de toda a África. A origem está na Sonangol. No entanto, esse contrato da Exxon com a Sonangol passou pelo Departamento de Justiça [dos EUA] sem nenhum problema. Cabe ao Departamento de Justiça revisar os contratos das empresas de petróleo americanas. Não houve nenhum problema de compliance. O que acontece com isso?
O tratamento que o governo americano dá para as estatais, especialmente as de petróleo, está dentro do quadro geopolítico americano. Eles jamais iriam procurar problemas com o Brasil, jamais. A não ser que o Brasil provocasse essa situação, que foi o que aconteceu.
O acordo judicial do Brasil com os Estados Unidos, de 2001, do governo FHC, tem uma cláusula importante que todos os grandes acordos judiciais têm, chama-se ‘interesse nacional’. Um acordo não é desenhado para que um governo interfira em outro governo, isso não existe, não tem nenhum sentido, seria então um acordo de outro natureza, entre Estados, não um acordo judicial. Esse acordo judicial tem uma cláusula, a de ‘interesse nacional’, pela qual a autoridade central que opera o acordo em cada País (e aqui no Brasil, é o ministro da Justiça, não é o procurador-geral da República. Houve uma delegação irresponsável feita pelo José Eduardo Cardozo para a Procuradoria-Geral, que não deveria existir, mas ele fez isso, transferiu a operação do acordo para a PGR, abrindo mão do poder que era do ministro, porque o ministro que representa o Estado), então, por este acordo, se fosse invocada a cláusula de interesse nacional, [a Petrobras] jamais poderia ser investigada pelo Departamento de Justiça. 

O Brasil bastaria invocar, através de seu canal diplomático, essa cláusula de interesse nacional, [argumentando] que a Petrobras não está sob a jurisdição da lei anticorrupção de 1971, que é a FCPA [a lei anticorrupção norte-americana]. O governo americano jamais criaria caso com o Brasil. Eles não criaram caso com ninguém. Quatro das 20 maiores petrolíferas são chinesas e elas jamais foram procuradas pelo Departamento de Justiça. 
No Brasil aconteceu essa desgraça porque foi levado para lá, foi provocado. O Brasil pediu para que o Departamento de Justiça investigasse a Petrobras. Foi o Ministério Público do Brasil, porque houve uma delegação irresponsável do Ministério da Justiça, que não poderia existir, a ponto de que há uma Secretaria de Relações Internacionais na PGR, o que não cabe. Porque as relações internacionais entre Estados se dão pelo canal diplomático, não pelo canal judicial. Não poderia nunca haver contato, o procurador-geral ir lá [nos EUA]. Quem faz isso é o canal diplomático, porque o Estado é o conjunto, não é só a Justiça. Então quem representa o Estado no acordo é o Ministro da Justiça, mas ele usaria também o Itamaraty para se relacionar com os Estados Unidos. Mas não foi usado nem o Ministério da Justiça, nem o Ministério de Relações Exteriores no caso Petrobras. Foi tudo tratado entre os ministérios públicos, e não existe isso no contexto do direito internacional. Os ministérios públicos não podem fazer tratados entre si porque não são poderes soberanos.
Então houve no caso Petrobras um abandono do governo brasileiro. Que eu saiba, jamais o nosso embaixador em Washington procurou o Departamento de Justiça para interferir a favor de uma empresa de interesse nacional. O fato do governo brasileiro ter a maior parte das ações, e controlar e poder nomear o presidente da Petrobras, faz dela uma empresa do Estado brasileiro. É do Estado, como a Saudi Aramco, da Arábia Saudita, que também nunca vai ser mexida pelo Departamento de Justiça, e tem problema de tudo que é tipo. Ninguém vende um pé de alface na Arábia Saudita sem pagar comissão.
LN: Há casos de intervenções de advogados norte-americanos na Embraer, na Petrobras, na JBS [quando as empresas fecham acordo nos EUA, o DOJ exige a contratação de escritórios para monitoramento]. 
AMA: Há uma tentativa muito antiga no Departamento de Justiça para estender a jurisdição da FCPA a todos os países do mundo em certos contextos. (…) Depende do tutano de cada empresa. Um país muito pequeno não vai resistir, mas um País grande não aceita essa jurisdição. Imagina uma empresa estatal brasileira, você aceitar a jurisdição, a multa de um governo estrangeiro sobre uma empresa que pertence a outro governo. Não tem nenhum caso! É tão absurdo que não tem outro caso. Existem multas do Departamento de Justiça por corrupção às empresas privadas, empresas estrangeiras, por corrupção praticada nos Estados Unidos, mas não fora dos Estados Unidos. A Embraer é outro caso.
A Embraer teve um caso de corrupção na República Dominicana e foi multada no Departamento de Justiça porque os procuradores daqui levaram o caso para lá. Também poderiam ter resistido: por que o governo americano tem que entrar num assunto que não envolve os EUA? É preciso resistir. O governo brasileiro tem bala para isso. O Brasil tem tamanho para resistir a esse tipo de interferência. Muito menos deveria se oferecer a ser jurisdicionado.

Agora, o caso da Comissão de Valores Mobiliários [SEC] é outro. Aí a jurisdição americana foi aceita. Quando uma empresa faz a sua listagem na Bolsa de Nova York, ela assina um termo de compromisso pelo qual ela aceita a jurisdição americana em infrações às ações sobre títulos. Então é aceitável que a SEC multe a Petrobras como multaria qualquer outra empresa.
LN: Qual a diferença entre as ações da SEC e do Departamento de Justiça?
AMA: A SEC ela dá embasamento à cobrança de multas porque eles consideram que a corrupção afeta a regular cotação das ações. O balanço [da empresa] não refletindo a corrupção, ele é falso, está adulterado, [entende-se que] passaram informações inadequadas ou insuficientes aos acionistas. É nessa categoria que se dá a multa e o processo junto à SEC.
Agora, o processo do DOJ é muito mais grave. Além do prejuízo da multa à Petrobras, que uma grande parte retornou ao Brasil [o DOJ abriu mão de 80% da multa em favor das “autoridades brasileiras”], a ação do Departamento de Justiça deu base legal para as ações dos minoritários [class-action]. Aí foi uma perda de quase 3 bilhões de dólares. Quer dizer, só essas duas multas  [DOJ e minoritários] já dá mais do que o [valor] que foi recuperado [pela Lava Jato], muito mais. Fora o dano à própria imagem da empresa, que foi muito grave.

LN: A queda das ações da Petrobras também estava ligada à queda do preço do barril de petróleo e à campanha maciça feita pela Lava Jato…
AMA: Sim, houve uma campanha de desprestígio da empresa, que você não vê em outras. A Siemens teve graves problemas nos EUA, pagou multa sob protesto e as ações nem se mexeram. A própria Lockheed [Martin], que foi a primeira empresa atingida pela FCPA, a única exigência que sofreu foi a troca do presidente. Houve uma multa, mas a Lockheed continua sendo uma das maiores empresas americanas. 
A Petrobras sofreu uma campanha de desprestígio que saiu daqui. A imprensa todo dia saia com a Petrobras em manchete: ‘a maior corrupção da história do mundo’. ‘Da história do mundo!’ A Sonangol era 50 vezes mais [corrupta]. Qualquer corrupção na Rússia também é muito maior.
LN: Em todas as intervenções do DOJ em empresas penalizadas, há grandes escritórios de advocacia envolvidos. Como funciona essa relação?
AMA: Os escritórios de advocacia americanos são imensos e têm alguns com muita ligação com o Departamento de Justila, porque têm muita gente que saiu de lá. Nos EUA não há carreira de procurador federal. São 79 procuradores nomeados pelo presidente. Geralmente são advogados do meio para o fim da carreira. E eles consideram uma honra trabalhar como procurador federal. Ganham 1% do que eles ganhariam no escritório [privado], mas consideram importante para a vida deles, uma prestação de serviço ao País. Então há ligação estreita entre os procuradores do Departamento de Justiça e os escritórios. Nem se fala em corrupção, mas eles têm uma relação de amizade, de confiança. Então há escritórios muito ligados ao Departamento de Justiça, como Baker & Mackenzie [contratado para atuar na Petrobras e Eletrobras depois da Lava Jato].
LN: Temos visto muitos procuradores que participaram da Lava Jato, inclusive na Suíça e nos EUA, montando seus escritórios de compliance e alegando como diferencial justamente a rede de relações que possuem com outros procuradores.
AMA: Sim, vou dar um exemplo. O Departamento de Justiça, no caso da Petrobras, nomeou monitores, que são inspetores que todo mês fazem relatórios para o Departamento de Justiça [saiba mais aqui]. Inclusive trabalham dentro da Petrobras, têm mesa, sala, cadeira. Esses monitores não são promotores públicos, são advogados de escritórios americanos. O Departamento de Justiça escolhe o escritório, e esse escritório vai trabalhar para o Departamento de Justiça, pago pela Petrobras, por 10 anos. A Petrobras já tem isso lá. 
LN: Passando inclusive informações estratégicas?
AMA: Teoricamente passando a parte anticorrupção, mas aí é difícil separar o que é estratégico. É uma intromissão absurda, porque toda empresa de petróleo do mundo tem segredos, de reservas, onde achou petróleo. Ela não divulga logo, ela precisa confirmar. E com essas pessoas lá dentro, como separar essa informação? Então o Brasil aceitou isso, e há um faturamento alto para esses escritórios. Há, sim, uma mistura muito perigosa entre escritórios e o Departamento de Justiça. São todos do mesmo núcleo de pessoas. 
LN: O manual de compliance do DOJ é de uma complexidade extraordinária…
AMA: É de propósito. É um teatro. Só gente que trabalhou lá [no Departamento de Justiça] pode operar [como monitor dos programas de compliance]. Cria-se um mercado. É um teatro porque a altíssima corrupção não se dá nesse nível.
Há realmente um mercado que está sendo criado, mas o Brasil está exagerando. Eu não conheço na Argentina ou em outros países da América Latina essa efervescência do mercado de compliance. Parece que foi criado aqui no Brasil um mercado do nada, porque queremos fiscalizar dentro do guarda-chuva da lei americana. Não precisamos disso, não precisamos operar ou configurar todo o sistema de fiscalização baseado na lei americana. São conceitos diferentes.
LN: Esses valores honorários que Petrobras, Eletrobras e outras empresas estão pagando, não são excessivos?
AMASão. Dou um exemplo: eu, quando era dirigente de uma empresa americana, a primeira conta de advogados que chegou era exatamente do [escritório] Baker & Mackenzie. Eu ia autorizar o pagamento, quando chega um executivo americano na matriz. Eu mostrei a conta para ele e ele deu um pulo. Disse: ‘Você está louco, eu não vou pagar de jeito nenhum isso.’ Pegou o telefone e reduziu para um terço. Os americanos discutem cada centavo da conta. Multinacional americana discute centavo por centavo. 
A impressão que eu tenho – eu não sei ao certo, pois não estou lá dentro – é que a Petrobras não discute as contas porque eles acham que fica mal. Eles põem o escritório num nível mais alto que eles. 
LN: Qual o papel da ex-ministra Ellen Gracie na contratação desses escritórios?
AMA: Me parece que a ministra Ellen Gracie é uma espécie de fiscal dos escritórios estrangeiros. Ela é pessoal de largo trânsito internacional, foi da Corte de Haia, fala perfeitamente inglês e francês, uma pessoa muito culta. Acho que foi contratada para ser espécie de fiscal e até aprovar a indicação [dos escritórios de compliance], porque os escritórios não são iguais. Mas a Petrobras se concentrou muito em dois ou três escritórios, e a contas são absurdamente altas.
LN: No caso da Eletrobras, ela foi acusada de ampliar sem necessidade do escopo de compliance.
AMA: Isso é uma cultura americana que conheci bem de perto. As multinacionais americanas têm desconfiança dos escritórios. Elas usam porque precisam. (…) Tem que tomar muito cuidado, fazer muitas contas, se não você entra em fria e paga uma conta absurda. E lá eles discutem como se estivessem comprando roupa na 25 de março, negociam cada centavo. A impressão que eu tenho é que os brasileiros têm vergonha de discutir. Acham que, ‘imagina, escritório de Wall Street, não vou discutir. Ligado ao Departamento de Justiça? Não vou discutir.’ Não é assim. Eles tentam cobrar mais porque você não tem como controlar o custo.
LN: Como os advogados americanos reagiram à class-action [ação movida por acionistas estrangeiros em busca de reparação pelas perdas que a Petrobras sofreu após a Lava Jato] de quase 3 bilhões de dólares. Foi um acordo razoável?
AMA: Eu só conheço alguns e eles acharam um absurdo. Dava para negociar muito mais. Porque foi pago mais ou menos na primeira pedida. Sempre com medo. (…) Vendiam o medo de que se não fizesse acordo, em vez de pagar 3, iriam pagar 12. Mas isso tudo foi um chute.
LN: Esse cálculo do custo da corrupção, que na verdade saia da margem das empreiteiras, como foi feito nas ações contra a Petrobras?
AMA: Foi tudo chutado. Não foi feito com critério. A defesa brasileira foi muito mal. Nenhuma, praticamente. A defesa deveria ser muito mais violenta. Principalmente o governo do Brasil deveria ter entrado na jogada com todo seu peso diplomático e não aceitar essa multa. Por que qual seria a punição máxima que a Petrobras teria? A punição máxima seria a Petrobras ser ‘deslistada’ da Bolsa de Nova York. 
Considero ainda absurdo pensar que governo americano fosse pensar em sanção contra a Petrobras, que é a maior cliente dos combustíveis dos EUA. A Petrobras importa 20 bilhões de dólares de diesel e gasolina. É cliente que precisa ser tratado com maior cuidado. É uma grande cliente dos EUA. É um combustível que ela poderia comprar em qualquer lugar, não precisava ser nos EUA. Então há interesse em ter um cliente satisfeito, que é a Petrobras. Por que eles iriam sancionar a Petrobras? Essa sanção, eu acho que nunca existiria. E seria negociável isso, diplomaticamente. Quer dizer, o Brasil não usou nenhuma arma diplomática, que seria um telefonema do embaixador, a visita do embaixador do Brasil ao Departamento de Justiça, falar com o secretário de Justiça, o attorney-general, que lá procurador-geral e ministro é a mesma coisa, é uma pessoa só. Então o governo do Brasil teria todo o peso para fazer, e não fez por vergonha ou talvez timidez. Isso é uma coisa que não se trata como subalterno. É de País para País, né? 
LN: Zé Eduardo Cardozo e Dilma Rousseff…
AMA: No acordo judicial de 2001, por que existe a figura da autoridade central representando o Estado? Porque é fundamental que alguém fale pelo País, e não por uma corporação dentro do País. Essa autoridade central é indelegável, nunca poderia ser delegada. Foi delegada naquele tempo [governo Dilma]. O secretário de Relações Internacionais é o Vladimir Aras. Ele é o homem internacional da PGR. Não deveria existir esse homem internacional da PGR, porque não é um poder soberano, não é um País. Que eu saiba, a PGR não usa embaixada, usa a relação direta, procurador com procurador. É a embaixada que tem visão geral do País. O Estado brasileiro não tem interesse entre procuradores, tem o interesse mais geral do País. 
Então a Petrobras é um grande cliente dos EUA, tratariam com todo cuidado, não precisava pagar esse mico que foi pago. E além desse mico pago, tem todos esses escritórios de advocacia que ficam em cima da Petrobras como gafanhotos.
LN: A ligação do DOJ com procuradores de todas as partes do globo, esse fenômeno surge em função do atentado às Torre Gêmeas. Como o Departamento de Estado atua com o DOJ?
AMA: É uma boa pergunta. Eu não vi no caso da Petrobras ou da Embraer, que são os dois casos mais emblemáticos porque são empresas de interesse nacional – e não precisa ser estatal para ser de interesse nacional, basta ser muito grande e importante – eu não vi o Departamento de Estado se envolver nesse assunto. Acho que a questão do compliance passa ao largo do Departamento de Estado.
LN: Quer dizer que a investida sobre as empreiteiras brasileiras no exterior, e na Petrobras e Embraer, foi lógica do Departamento de Justiça. O DOJ é muito permeável à influência de grandes grupos americanos?
AMA: Não, acho que a cultura americana tende a ver o resto do mundo como corrupto e eles não. Quando eles não ganham uma obra no Brasil, eles entendem que foi porque aqui tem corrupção. Estão aplicando essa lógica com a China. Só que com a China não conseguem nada, porque não abrem para [fiscalização do] compliance lá. 
LN: A descoberta do pré-sal, qual foi o impacto disso no Departamento de Estado?
AMA: Foi muito maior do que se imagina, porque há uma lógica nos EUA, de que eles não podem ser vulneráveis a zonas de conflitos permanentes, como é no Oriente Médio. (…) Uma outra coisa que eles estão tentando fazer é usar petróleo de lugares mais próximos. O pré-sal, nesse sentido, serial o ideal. Como em Angola. Eles adoram a Angola porque todo petróleo de Angola vai para os Estados Unidos, não para a Europa.
LN: De alguma maneira, pode ter havido intervenção na Lava Jato por questões geopolíticas?
AMA: Eu acredito que não. Eu acho que são questões separadas lá. O que está acontecendo na Petrobras hoje é consequência da Lava Jato. É a privatização branca, né? Quanto maior for a Petrobras, mais corrupção vai ter. Essa é a lógica. Vamos vender tudo para não ter corrupção. Vamos cortar um pedaço do boi para não ter carrapato. Essa é a lógica que está sendo aplicada em consequência da Lava Jato. A outra consequência é a perda da Petrobras como a grande compradora da indústria nacional. A indústria nacional de tubos, por exemplo, é praticamente baseada na Petrobras. Ela [estatal] está comprando tudo fora hoje porque se comprar aqui, ‘tem comissão’. Como se não tivesse comissão na China.
A Petrobras era a grande geradora da industrialização do Brasil. Eu sei porque eu fui fornecedor. Meu maior cliente durante 20 anos foi a Petrobras. [Vendia] Motores à prova de explosão, desenvolvidos por nós, no Brasil, para a Petrobras. Quantas indústrias nasceram no Brasil por causa da Petrobras? Dentro da lógica da Lava Jato, a Petrobras não compra mais produto nacional. Comprando lá fora não tem Lava Jato.
LN: Você acha que tudo isso foi para o lixo?
AMA: Foi, foi, foi. As empreiteiras brasileiras eram o grande instrumento de projeção da influência do Brasil na África e América Latina. A Odebrecht estava em toda América Latina e África também. Você queimou todo esse canal de influência para abrir espaço para chinesas e empreiteiras do mundo inteiro. Quem vai para a África são as indonésias, tailandesas, turcas, gregas. Eles vão dar comissão também! Saímos nós, entram outras. Que vantagem tem para o Brasil isso? Perdemos tudo isso porque a cruzada moralista liquidou com isso. O Brasil é hoje um nome maldito no Peru, República Dominicana, todo lugar. O Brasil queimou-se lá fora.

Episódio 3 da série “Lava Jato Lado B” estreia na quarta (29/1)

A cada semana, o GGN divulgará um novo episódio da série que explica a influência dos EUA na Lava Jato e expõe a indústria do compliance

Estreia na quarta-feira (29/1), no canal do GGN no YouTube, o terceiro capítulo da série “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance”. A série documental inédita, produzida pela equipe do GGN e parceiros, é fruto de campanha de financiamento coletivo no site Catarse.
Depois de mostrar como os Estados Unidos montaram uma grande estrutura anticorrupção capaz de processar empresas estratégicas para o desenvolvimento de outros países – caso da Petrobras (episódio 1) – e de expor as polêmicas em torno da cooperação jurídica entre as autoridades brasileiras e norte-americanas (episódio 2), o GGN colocará em discussão, no episódio 3, os interesses geopolíticos por trás da Lava Jato.
No total, são cinco capítulos que serão divulgados semanalmente.
Assista aos episódios 1 e 2 abaixo:


Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor

terça-feira, 21 de janeiro de 2020


STF: ministro Marco Aurélio considera denúncia contra Glenn “perigosa”

Ministro do STF diz que ato é “problemático” por se tratar de uma situação que pode comprometer a liberdade de expressão
Jornal GGN – O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), considera “perigoso” e “problemático” o registro da denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista Glenn Greenwald, por se tratar de um ato que pode configurar o cerceamento da liberdade de expressão.
Em entrevista à coluna Painel, do jornal Folha de São Paulo, o ministro explica que o papel dos tribunais é de agir para a correção de decisões erradas e de “iniciativas que conflitam com a ordem jurídica”. Porém, quando se trata de temas que afetam a liberdade de expressão, isso se torna “problemático”.
De acordo com Marco Aurélio, não se pode adotar uma postura que iniba o trabalho de se informar. “Jamais processaria um jornalista, e há colegas em geral, que processam. [Com a denúncia], Você acaba indiretamente cerceando [a liberdade de expressão], o que não é bom em termos culturais, nem em termos de avanço social. É sempre perigoso”.
Editor-chefe do site The Intercept Brasil, Glenn foi denunciado por crimes de associação criminosa e interceptação telefônica ilegal pelo procurador da República Wellington Oliveira. Contudo, o entendimento do Ministério Público Federal (MPF) contraria o da Polícia Federal, que não encontrou evidências de participação de Greenwald em atos ilegais.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A esquerda, os militares, o imperialismo e o desenvolvimento, por José Luís Fiori

Foi depois da Primeira Grande Guerra que o movimento socialista internacional repudiou o colonialismo europeu e transformou o “imperialismo” no inimigo número um da esquerda mundial.


A esquerda, os militares, o imperialismo e o desenvolvimento

por José Luís Fiori

As grandes potências são aqueles Estados de toda parte da Terra que possuem elevada capacidade militar perante os outros, perseguem interesses continentais ou globais e defendem estes interesses por meio de uma ampla gama de instrumentos, entre eles a força e ameaças de força, sendo reconhecidos pelos Estados menos poderosos como atores principais que exercem direitos formais excepcionais nas relações internacionais.
Charles Tilly, Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: EDUSP, 1996, p. 247
————————————————
Foi depois da Primeira Grande Guerra que o movimento socialista internacional repudiou o colonialismo europeu e transformou o “imperialismo” no inimigo número um da esquerda mundial. Assim mesmo, quando os socialistas chegaram pela primeira vez ao poder, na Europa, e foram obrigados a governar economias capitalistas, não conseguiram extrair consequências da sua própria teoria do imperialismo para o plano concreto das políticas públicas. E quando foram chamados a comandar diretamente a política econômica, como no caso de Rudolf Hilferding, entre outros, seguiram o receituário vitoriano clássico, do “sound money and free markets” – até muito depois da Segunda Guerra, quando aderiram, já nos anos 60 e 70, às ideias, propostas e políticas keynesianas. Mas na década de 80, estes mesmos partidos se converteram ao programa ortodoxo da austeridade fiscal e das reformas liberais que levaram à desmontagem parcial do Estado de Bem-estar Social.
Esse mesmo problema reapareceu de forma mais dramática quando lhes tocou aos socialistas e às forças de esquerda governarem países “periféricos” ou “subdesenvolvidos”. Também nestes casos, os teóricos do imperialismo e da dependência tiveram muita dificuldade para decidir qual seria o modelo de política econômica “ideal” para as condições específicas de um país situado no “andar de baixo” da hierarquia mundial do poder e da riqueza.
No caso da América Latina, a CEPAL formulou nos anos 50 uma teoria “estruturalista” do comércio internacional e da inflação, e propôs um programa de industrialização por “substituição de importações” que lembrava as teorias e propostas de Friederich List, economista alemão do século XIX, com a diferença de que as ideias cepalinas não tinham nenhum tipo de conotação nacionalista, ou de coloração anti-imperialista. Na prática, entretanto, dentro e fora da América Latina, os governos de esquerda dos países periféricos acabaram, quase invariavelmente, derrubados ou estrangulados financeiramente pelas grandes potências do sistema mundial, sem terem conseguido descobrir o caminho do crescimento e da igualdade, dentro de uma economia capitalista subdesenvolvida, e no contexto de um sistema internacional assimétrico, competitivo e extremamente bélico. Apesar de tudo, essas experiências deixaram um ensinamento fundamental: que os modelos e as políticas econômicas que funcionam em um país do “andar de cima” não funcionam necessariamente em países situados nos escalões inferiores do sistema, e menos ainda, quando estes países do “andar de baixo” tiveram a ousadia de querer mudar sua posição relativa dentro da hierarquia mundial do poder.
Desta perspectiva, para poder avançar neste debate, é útil distinguir pelo menos quatro tipos ou grupos de países,[1] do ponto de vista de sua estratégia de desenvolvimento e de sua posição com relação à potência dominante em cada um dos grandes tabuleiros geopolíticos e econômicos do sistema mundial. No primeiro grupo, encontram-se os países que lideram ou lideraram a expansão do sistema mundial, em distintos níveis e momentos históricos, as chamadas “grandes potências”, do presente e do passado, desde a origem do sistema interestatal capitalista; no segundo grupo, estão os países que foram derrotados e submetidos pelas grandes potências, ou que adotaram voluntariamente estratégias de integração econômica com as potências vitoriosas, transformando-se em seus dominiums econômicos e protetorados militares; no terceiro grupo devem ser situados os países que lograram se desenvolver questionando a hierarquia internacional estabelecida e adotando estratégias econômicas nacionais que priorizaram a mudança de posição do país dentro do poder e da riqueza mundiais; e por fim, no quarto grupo, podemos situar todos os demais países e economias nacionais situadas na periferia do sistema e que não puderam ou não se propuseram sair dessa condição, ou mesmo sofreram um processo de deterioração ou decadência depois de terem alcançado níveis mais altos de desenvolvimento, como no caso de alguns países africanos e latino-americanos.
No caso da América Latina, a potência dominante sempre foram os Estados Unidos. E desde a Segunda Guerra Mundial, até o final da década de 70 pelo menos, os Estados Unidos defenderam e patrocinaram na sua “zona de influência” um projeto de tipo “desenvolvimentista” que prometia rápido crescimento econômico e modernização social, como caminho de superação do subdesenvolvimento latino-americano. Mas depois da sua crise dos anos 70, e em particular na década de 80, os norte-americanos mudaram sua estratégia econômica internacional e abandonaram definitivamente seu projeto e patrocínio desenvolvimentista. Desde então, passaram a defender, urbe et orbi, um novo programa econômico de reformas e políticas neoliberais que ficou conhecido pelo nome de “Consenso de Washington”, que se transformou no núcleo central de sua retórica vitoriosa depois do fim da Guerra Fria. Combinavam a defesa dos mercados livres e desregulados com a defesa da democracia e da desestatização das economias que haviam seguido seu ideário anterior, que propunha um crescimento econômico rápido e induzido pelo Estado. Foi o momento em que o neoliberalismo se transformou no pensamento hegemônico de quase todos os partidos e governos da América Latina, incluindo os partidos socialistas e social-democratas. Na segunda década do século XXI, entretanto, os Estados Unidos voltaram a redefinir e mudar radicalmente seu projeto econômico para a periferia latina e mundial, defendendo um ultraliberalismo radical e com forte viés autoritário, sem nenhum tipo de preocupação social ou promessa para o futuro, seja de maior justiça ou de maior igualdade.
É nesse contexto hemisférico que se deve ler, interpretar e discutir a trajetória econômica brasileira da Segunda Guerra Mundial até hoje, começando pelo sucesso econômico do seu “desenvolvimentismo conservador”, que foi sempre tutelado pelos militares e apoiado pelos Estados Unidos. Em troca, durante todo esse período, os militares brasileiros submeteram-se à estratégia militar dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, transformando-se no único caso de sucesso no continente latino-americano daquilo que alguns historiadores econômicos costumam chamar de “desenvolvimento a convite”, que se encaixa diretamente no segundo tipo de estratégia e de desenvolvimento da nossa classificação anterior. Ressalva deve ser feita ao governo Geisel, que se manteve fiel ao anticomunismo americano, mas ensaiou uma estratégia de centralização e estatização econômica e de conquista de maior autonomia internacional, que foi vetada e derrotada pelos Estados Unidos e pelo próprio empresariado brasileiro.[2]
É exatamente o período “geiselista” do regime militar brasileiro que deixa muitos analistas confundidos quando o comparam com o ultraliberalismo do atual governo “paramilitar” instalado no Brasil em 2018. Na verdade – excluída a “excrecência bolsonarista” – os militares brasileiros seguem no mesmo lugar, ocupando a mesma posição que ocuparam nos golpes de 1954 e de 1964: aliados com as mesmas forças conservadoras e com a extrema-direita religiosa, e alinhados de forma incondicional e subalterna com os Estados Unidos. E é por isto exatamente que não representa nenhum constrangimento para eles o fato de terem sido “nacional-desenvolvimentistas” na segunda metade do século XX, e serem agora “nacional-liberistas” neste início do século XXI. Acreditam que, uma vez mais, seu alinhamento automático com os Estados Unidos lhes garantirá o mesmo sucesso econômico que tiveram durante a Guerra Fria, só que agora através de mercados desregulados, desestatizados e desnacionalizados.
O que os atuais militares brasileiros ainda não perceberam, entretanto, é que a estratégia de desenvolvimento ultraliberal esgotou-se em todo mundo, e em particular no caso dos Estados e economias nacionais de maior extensão e complexidade, como o Brasil. E que os Estados Unidos já não estão em condições nem querem assumir a responsabilidade pela criação de um novo tipo de “dominium canadense” ao sul do continente americano. Além disso, nesta nova fase os Estados Unidos estão inteiramente dedicados à competição entre as três grandes potências que restaram no mundo;[3] não têm mais nenhum tipo de aliado permanente ou incondicional, com exceção de Israel e Arábia Saudita; e consideram que seus interesses econômicos e estratégicos nacionais estão por cima de qualquer acordo ou aliança com qualquer tipo de país, que por definição será sempre passageira. Por sua própria conta, a agenda ultraliberal pode garantir um aumento da margem de lucro dos capitais privados, sobretudo depois da destruição da legislação trabalhista, e durante o período das grandes privatizações. Mas, definitivamente, a agenda ultraliberal não conseguirá dar conta do desafio simultâneo do crescimento econômico e da diminuição da desigualdade social brasileira.
No entanto, esse “fracasso anunciado” traz de volta o grande desafio e a grande incógnita da esquerda e das forças progressistas, até porque o antigo desenvolvimentismo brasileiro não foi uma obra de esquerda, como já dissemos, mas sobretudo uma obra conservadora e militar que não teria tido grande sucesso se não tivesse contado com o “convite” norte-americano. E exatamente por isso fica muito difícil querer reinventá-lo utilizando apenas novas fórmulas e equações macroeconômicas. Talvez por isto mesmo às vezes se tem a impressão, hoje, de que a esquerda econômica vive prisioneira de um debate circular e inconclusivo, sempre em busca da fórmula mágica ou ideal que supõe ser capaz de responder por si só triplo desafio do crescimento, da igualdade e da soberania.
Nesses momentos de grandes “bifurcações históricas”, é preciso ter coragem de mudar a forma de pensar, é preciso “rebobinar” as ideias, mudar o ângulo e trocar o paradigma. Isto é muito difícil de esperar dos militares porque eles foram educados para pensar sempre da mesma maneira, e foram treinados para fazer a mesma coisa todo dia, em ordem unida. O problema maior, entretanto, vem da resistência dos economistas progressistas que, quando ouvem falar em “imperialismo”, “dependência” ou em “assimetria do poder internacional”, preferem se esconder atrás do argumento velho e preguiçoso de que se trata de uma “visão conspiratória” da História, sem querer enfrentar a dura realidade revelada por Max Weber, quando nos ensinou que “os processos de desenvolvimento econômico são lutas de poder e dominação [e por isto] a ciência da política econômica é uma ciência política, e como tal não se conserva virgem com relação à política quotidiana, a política dos governos e das classes no poder, e pelo contrário, depende dos interesses permanentes da política de potência das nações”.[4]

30 de dezembro de 2019
[1] Fiori, J.L., “História, estratégia e desenvolvimento”, Editora Vozes, Petrópolis, 2015, p: 43 e 44
[2] “O governo Geisel tentou impor um novo movimento de centralização econômica, mas já não encontrou o apoio social e político – nacional e internacional – de início do regime militar. Por isso fracassou, e apesar da aparência em contrário, seu intento acelerou a divisão interna dos militares, que cresceu ainda mais nos anos seguintes e acabou levando-os à impotência final”. FIORI, J.L. Conjuntura e ciclo na dinâmica de um Estado periférico. Tese de Doutoramento, mimeo, USP, 1985, p. 214.
[3] COLBY, E.A. e MITCHELL, A.W. The Age of Great-Power Competition. How the Trump Administration Refashioned American Strategy. Forerign Affairs This Week. December 27, 2019.

A PF de pior a pior. Conversa inútil com um delegado federal, por Armando Coelho Neto

Como crer que na vida mundana, cheia de interesses obscuros, nos limitemos a reproduzir os discursos de quem controla tais interesses? Quem forma nossas opiniões?


A PF de pior a pior. Conversa inútil com um delegado federal

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Meu colega delegado da PF não é nem de direita nem de esquerda. Assim como tantos outros minions, da PF ou não, que assim se declaram, só me repassam mensagens de ataques ao ex-presidente Lula. Costumam repetir à exaustão os mantras produzidos durante o golpe de 2016. Golpe, que a todo custo o STF tentou conferir legitimidade “tabajara”. Aliás, mesmo caminho percorrido pelo Superior Tribunal Eleitoral, que por meio de argumentações obtusas, deu um drible da vaca até na ONU e, finalmente, sacramentou a fraude eleitoral de 2018. Assim, Bozo virou o rei da cocada preta, arauto do terraplanismo mundial.
“O seu ídolo é um corrupto ladrão”, costuma dizer meu colega delegado. Embora já não fale mais de Lulinha como dono da Friboi, diz que a família do ex-presidente está rica; envia vídeos e documentos apócrifos que provariam por A + B a gatunice de Lula. Como sempre, respondo: “pegue esse material todo e mande pro Moro”. Sempre acrescento algo assim ou mais ou menos assim: não seja omisso, se você tivesse feito isso antes, Moro não teria precisado fraudar um processo contra Lula; condenar o ex-presidente sem provas; fazer conluio com MPF, nem usar criminosamente gravações editadas etc. De quebra, mando um irônico “Cadê Queiróz?”
Recentemente, mandei para ele um post com a seguinte nota: “Elogio da tortura, negação da história, anti-intelectualismo, macartismo, desprezo por quaisquer valores democráticos, paranoia nacionalista… notícias falsas, contextos mentirosos para imagens verdadeiras, vídeos internacionais com legendas falsas…”.

Abaixo do post anônimo, destaquei: Eis o novo Cristianismo. Eis a receita com a qual bilionários tentam justificar que 2% de ricos fiquem com 98% da riqueza e os outros 98% tentem sobreviver com 2% das riquezas. Com a bênção de Deus, claro!
A réplica do delegado não demorou: “O seu ídolo é o maior responsável por essa situação. Através do BNDES facilitou a roubalheira praticada pelos marginais amigos, enquanto calava a boca e a fome dos idiotas que ainda recebem a Bolsa Família. Muito triste, mas real”, conclui ele.
Como sei que ele não costuma ler textos longos, tentei, sem muito sucesso, ser sintético dizendo: Amigo! Já pensou o quanto é cômodo se limitar a odiar alguém escolhido pela grande mídia só para isso? Você nem precisa pensar, basta odiar o ódio fabricado, basta exercitar o ódio alheio, que no fundo bate com o seu próprio ódio.
Na ilusão de que pudesse ler, formulei algumas questões. Como crer que na vida mundana, cheia de interesses obscuros, nos limitemos a reproduzir os discursos de quem controla tais interesses? Quem forma nossas opiniões? Por acaso não seriam empresas financiadas pelos grandes interesses? TV Globo, por exemplo? Não seriam esses mesmos grandes interesses que pagam os “bate-volta” do Moro pelo mundo afora?
Esses grandes interesses, ligados aos 2% que detém 98% da riqueza do mundo, estariam preocupados com miséria e/ou moralidade? O que está acontecendo, por exemplo, em nossa América? Seria mesmo corrupção, terrorismo, droga, direitos humanos, democracia? O que petróleo, cobre, ferro, lítio, estanho, chumbo, manganês, nióbio, zinco, ouro, prata, cobre, ferro, bismuto, tungstênio etc, teria a ver com isso? Preciosidades do solo dos países de nossa América. O que dizer de dívidas que não se quer receber, mas apenas receber juros? Mão de obra barata? O que o tabuleiro geopolítico teria a ver com tudo isso?
Aproveitei para lembrar que, quando foi conveniente, toda América virou ditadura. Quando não interessou mais o politicamente correto nem o imperialismo limpinho e cheiroso, nos transformaram outra vez em Repúblicas de Bananas, expostas a brigas por 0,20 centavos, “terrorismo fake”, juizecos, MPF corrupto, com direito a golden shower e Jesus na goiabeira.
Lula foi o ponto fora da curva que interessou ao imperialismo limpinho e cheiroso por curto tempo. Ele atendia às aparências do politicamente correto, mas já não interessa mais. Não por ser ladrão, corrupto, afinal de contas, Sérgio Moro é uma ilha de honestidade cercada de corruptos e ladrões por todos os lados. Tudo que Moro tem na cabeça cabe na mente oca de um evangélico fanático: subserviência e ‘Fórum’ de S. Paulo; vive assustado com comunista debaixo da cama, saguões de aeroporto e vasos sanitários por onde deveria sumir.
Lembre-se, meu caro colega (delegado), que o sistema é ladrão, é corrupto e o mundo tem dono. Não seria melhor tentar contextualizar tudo isso, aprofundar tais questões do que passar o resto da vida discutindo Lula, condenando, recondenando o ex-presidente?
Caro colega, não sei se notou, mas estão vendendo tudo. Solaparam direitos conquistados na luta e no sangue. Acabaram com aposentadoria e direitos sociais. As maldades já batem à porta da PF. Mas, a Globo diz que está tudo bem, tudo bom. Bom pra quem? Para o Tio Sam? Você acha mesmo que os EUA, que participaram de todas as guerras do mundo, subornaram presidentes em todo o planeta, estariam agora preocupados com corrupção? É bom ligar seu desconfiômetro.

Esqueça o Lula, pelo menos sob esse aspecto nefasto. Lula é mais esperança que medo e não é o bandido que Moro/Globo dizem. Por acaso o chefe da maior quadrilha não se contentaria com duas reforminhas de merda? Cadê o roubo do Lula? Lula é tão ladrão quanto um padreco de paróquia, menos que um pastor que construiu o Templo de Salomão. Aliás, quem pagou esse templo? Quem?
Eis que veio a resposta do delegado federal:
“É, meu amigo. Concordo com tudo que você disse, mas ninguém me convence que Lula é inocente. Tenho certeza de que você também acha que a saída para nosso Brasil é a volta dos militares…”.
Agora na versão Sérgio Moro, a PF vai de pior a pior. Eis a síntese de uma conversa inútil com um delegado federal, na prática, síntese de mensagens trocadas com alguns delegados da PF, com os quais pensei ser possível um diálogo civilizado. Com respeito à minoria civilizada…
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.