quinta-feira, 29 de maio de 2014

AGRICULTURA FAMILIAR E SEGURANÇA ALIMENTAR

Produz 70% dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira
O setor abriga mais de 4 milhões de famílias, das quais metade vive no semiárido
Emprega 74,4% do pessoal no total dos estabelecimentos agropecuários.
É responsável por 38% do valor total da produção dos estabelecimentos agropecuários, o equivalente a R$ 54,4 bilhões.
fonte: Censo Agropecuário 2006. IBGE.

Cadê o embutimento da fiação?

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Um velho ditado referente ao poder diz que, quando não se quer fazer alguma coisa, cria-se uma comissão.

Sinto dizer, mas é o caso do embutimento da fiação elétrica em Recife. Tal decisão, que aparentemente todos querem que aconteça, é, na prática e não explicitamente, boicotada. Hoje, quem provoca o caos da fiação aérea, vista por toda cidade do Recife e em outras metrópoles, são os fios e cabos que distribuem a energia, as linhas telefônicas, os canais de televisão a cabo, a Internet e o que mais houver.

Sinal evidente de que nada vai acontecer de mais relevante nesse terreno ocorreu após a aprovação do Projeto de Lei nº 99/2013, pela Câmara de Vereadores, dispondo sobre a substituição e instalação subterrânea de toda fiação aérea na cidade do Recife. Ao sancionar, tornando a Lei nº 17.984, um mês depois de aprovada, em 13/01/2014, o prefeito vetou o artigo 2º que fixava o prazo de dois anos para cumprimento da medida.

Na oportunidade, em nota oficial, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos informou que, por meio de uma Portaria, foi criado um grupo de trabalho para estruturar a proposta de “enterrar” a rede de cabos aéreos, com prazo de 4 meses para a finalização da proposta.

Concluído o prazo em 13 de maio último, nem uma satisfação à sociedade foi dada. Silêncio total a um problema gravíssimo para aqueles que habitam as grandes cidades, em particular Recife, e que aguardam medidas concretas do poder público.

Mesmo que tardiamente, a iniciativa dos vereadores foi uma medida de interesse público almejada pela população recifense, que reclamava e pressionava os órgãos responsáveis diante do absurdo das frequentes mortes por eletrocutamento ao longo dos últimos anos. Do ponto de vista da segurança, sem dúvida a fiação elétrica embutida contribuirá drasticamente na redução, ou mesmo na supressão, de tragédias fatais; e também permitirá um aumento da confiabilidade do sistema elétrico, que recorrentemente interrompe o fornecimento de energia (“apaguinhos”) aos usuários.

Com relação ao numero de óbitos por choques elétricos, segundo a Agencia de Regulação de Pernambuco (Arpe), 81 pessoas perderam a vida por choque elétrico causados pela rede de fiação de 2011 até maio de 2014.  O que torna Pernambuco um dos estados onde mais se morre por eletrocutamento.

Além do descaso e da falta de transparência, a Prefeitura do Recife age em caminho oposto, permitindo a instalação de novas redes aéreas no município, conforme denúncias mostradas pela mídia.

Outro fato que chama a atenção são os factóides criados com relação à iluminação pública na cidade, também de grande preocupação da população. Manchetes de jornais, que reproduzem os release da comunicação do poder executivo municipal, apresentam a cidade adotando uma iluminação mais eficiente, aquela proporcionada por lâmpadas tipo led (diodos emissores de luz). Tecnologia inovadora cujas principais características é o elevado tempo de vida, mais de 80.000 horas, e um consumo de energia muito econômico, em relação às lâmpadas convencionais.

Lembrando que Recife dispõe de mais de 120.000 pontos de iluminação pública (aproximadamente 70.000 com lâmpadas de vapor de mercúrio, podendo causar graves danos ao meio ambiente e às pessoas, por conter o mercúrio, que é um metal cancerígeno). Portanto, o que propagandeia a Prefeitura é insignificante do ponto de vista dos impactos que 100 ou 200 luminárias com led proporcionarão à cidade. Sem contar que não existe um planejamento estratégico para a substituição gradativa das lâmpadas existentes por luminárias com leds.

De promessas, a população recifense já está saturada. Lembrando ainda que o próprio chefe do executivo municipal, na época candidato, prometeu durante a campanha eleitoral reduzir a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (CIP), cujo valor cobrado depende do consumo. Passado 16 meses desde a posse do atual prefeito, não se falou mais a respeito.


Será que o embutimento da fiação vai trilhar o caminho das promessas não cumpridas, das medidas apenas anunciadas e jamais executadas?  Ou de uma lei que “não pegou”?  

terça-feira, 27 de maio de 2014

Em São Paulo, a vez da memória operária

Periferia reivindica recuperar fábrica de cimento que abasteceu Brasil por três décadas, convertendo-a em Centro de Cultura e Universidade Livre
por Jéssica Moreira e Larissa Gould — publicado 27/05/2014 17:47
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Imagem: acervo de Nelson Camargo
[Este é o blog do site Outras Palavras em CartaCapital. Aqui você vê o site completo]
Por Jéssica Moreira e Larissa Gould
Arlindo nasceu em 1950 no Recanto dos Humildes. Mas foi em 1957 que se mudou para a Vila Triângulo, vila operária da Companhia de Cimento Portland Perus, onde os trabalhadores como o pai de Arlindo, Seu Orlando, moravam com suas famílias. E foi ali, nas imediações da indústria, que se deram as maiores lembranças da infância e juventude do menino. Arlindo, como outros tantos jovens da época, já ocupava aquele espaço, antes das greves ou movimentos culturais.
Naquela época, final dos anos 50, os portões eram abertos, as famílias dos operários eram bem-vindas, fosse para levar as marmitas aos pais e maridos, fosse para as travessuras da molecada. “A gente pegava rabeira no trenzinho da fábrica. Quando tinha vagãozinho de cimento, eu entrava e lá ele [o guarda] não via. Não tinha porta, não tinha degrau, nada”.
A reconstrução da história pela memória
Seja pelas lembranças de infância da criançada, recordações dos trabalhadores ou dos moradores e comerciantes dos arredores, a Fábrica de Cimento de Perus faz parte da memória coletiva do bairro e região.
A construção da história local por meio das memórias da antiga indústria é fundamental para criação da identidade de seus moradores. Para além do resgate histórico, é sempre importante lembrar a importância socioeconômica da fábrica em território nacional.
140527-Perus
Para a história não ser esquecida, há mais de 30 anos os moradores, ex-operários, viúvas e filhos de “queixadas” (ver ao final) lutam para transformar o espaço em um Centro de Lazer, Cultura e Memória do Trabalhador. Em 2013, essa causa ganhou novo sentido, com o Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus, que reúne os já ativos militantes e os novos simpatizantes da causa, incorporando nas reivindicações a construção de uma Universidade Livre e Colaborativa e centros de pesquisa para agregar o conhecimento comunitário.
Mas por que essa luta é tão importante e por que todos nós devemos incorporá-la?
Primeira fábrica de cimento do Brasil
Inaugurada em 1926, a Companhia de Cimento Porland Perus foi a principal abastecedora de cimento de São Paulo da data de seu lançamento até 1957, quando é construída a Cimento Santa Rita, em Itapevi. Segundo a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), a antiga indústria foi também a mais moderna e de melhor produção deste período. Além disso, ela foi expoente essencial em grandes construções da capital paulista, como a Av. 9 de Julho e a Biblioteca Mario de Andrade.
De acordo com o historiador Élcio Siqueira, em dissertação de mestrado sobre a indústria, a capacidade de produção da fábrica em 1927 era de 125 mil toneladas e, em 1930, de 200 mil. Siqueira cruza esses números com dados da Associação Brasileira de Produção de Cimento, que apontam que o Brasil consumia no período 496.582 toneladas de cimento, sendo que 125 mil vinham da fábrica de Perus, demonstrando a importância nacional da indústria.
Não era apenas a economia nacional que se beneficiava. A partir da fábrica, o próprio bairro passou a atrair funcionários de diversas regiões do país e do exterior, o que contribuiu para seu crescimento populacional e alavancou a economia local. Segundo Euler Sandeville, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e integrante do movimento, a fábrica data do início da industrialização paulistana, com uma produção em grande escala. “Até a década de 50, a fábrica oferecia cimento para a construção de SP e outros locais. Integrava também um complexo territorial afastado da área urbanizada. Assim, a fábrica é um testemunho importante de pelo menos duas fases da industrialização paulistana, que deve ser vista em conjunto com o patrimônio industrial e operário ao longo da orla ferroviária, em especial Brás e região, e com os processos de urbanização.”
Uma greve de sete anos
Para além das questões locais e urbanísticas, a fábrica traz a luta persistente dos trabalhadores em busca de seus direitos. Estes operários, conhecidos como “queixadas” (porco do mato que sempre luta em bando), mantiveram durante sete anos uma greve organizada pelo conceito de não-violência (de Mahatma Ghandi), conhecido no Brasil como firmeza-ativa-permanente. Ao final do sétimo ano, conseguiram conquistar boa parte de suas reivindicações e, ainda por cima, o direito de voltar a trabalhar. Dentre as reivindicações conquistadas, destaca-se o salário-família, algo pioneiro no Brasil.
Transformação imediata
A importância da fábrica, no entanto, vai além da historiografia. Ela se mostra como um elemento chave para o fortalecimento da identidade coletiva e social da população peruense. Estigmatizado pela grande mídia por ser um bairro em situação de vulnerabilidade social, Perus tem na trajetória da fábrica a oportunidade de mostrar que a história nacional também se faz nas periferias.
Imagem: Arthur Gazeta
Imagem: Arthur Gazeta
A urgência para a desapropriação e restauração das instalações é grande. O professor Sandeville explica que quanto mais essa reconstrução demora a ser feita, mais cara e difícil se torna. “O prédio fica em risco crescente com o abandono, sem qualquer punição ao proprietário ou qualquer ação efetiva do poder público até o momento. É urgente um estudo e um laudo técnico sobre o edifício. Sempre é possível restaurar, mas os custos aumentam com a deterioração estrutural do edifício”.
Independentemente da ação do poder público, as mudanças já podem ser notadas. Para o professor, a transformação do prédio industrial em uma Universidade Livre e Colaborativa, de certa forma, já está acontecendo. “Não estamos esperando, estamos fazendo criativamente, produzindo conhecimento, cultura, educação e a Fábrica já é nossa sede simbólica mesmo quando somos impedidos ainda de utilizá-la em sua potencia real, como são nossos espaços de aula outros tantos espaços de Perus que nos acolhem”, explica Sandeville, que desde 2012 traz aulas optativas da USP para o espaço.
Nas redes sociais
Assim como os meninos da geração de Arlindo já ocupavam o prédio, as ações do Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus, de outros coletivos e pessoas autônomas já fazem a difeença. Criado pelo movimento, o grupo no Facebook “Eu uso a Fábrica de Cimento para …”, já reúne mais de 300 pessoas, entre artistas, fotógrafos, jornalistas, professores e diversos cidadãos que de alguma forma usam ou usaram a Fábrica. A página oficial do movimento já tem mais de 1.500 amigos. Nos últimos três dias, conquistou 350 novos curtidores, com a divulgação da campanha#usopublicofabricadecimentoperus, que já recebeu mais de 50 contribuições.
Imagem: Sonia Bischain
Imagem: Sonia Bischain
Mas para a completa e legalizada utilização do prédio é imprescindível a desapropriação e regulamentação do terreno e do prédio. O projeto proposto pelo movimento inclui, além das instalações da fábrica, a vila operária e os casarões ao redor da fábrica. “Deve ser pensada em conjunto, a fábrica não é só o edifício produtivo, é um conjunto, e mais, uma configuração de paisagem”, afirma Sandeville.
O professor explica ainda que não é preciso muitas intervenções estruturais para que o prédio possa ser colocado em uso imediatamente. “O uso dessas instalações, para a universidade e o Centro de Memória do Trabalhador pode ser imediato. Com pequenas intervenções, já dá para instalar um núcleo básico, e ir aos poucos ampliando as áreas de uso, através de intervenções de custo muito baixo”.
I Caramanchão Cultural
Para relembrar as memórias e lutas da primeira companhia de cimento do Brasil, o Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus (região noroeste) realiza no dia 31 de maio o 1º Caramanchão Cultural, que acontece das 10h às 22h, em diversos pontos do bairro, inclusive no portão principal da antiga indústria.
Com mais de 20 atividades, a abertura do evento será às 10h, com exposição fotográfica no calçadão em frente à estação de trem da CPTM. Ainda pela manhã, a Praça Inácio Dias, CEU Perus e passarela de pedestres recebem workshops de literatura, brincadeiras, estampa de camiseta e palestra sobre direito à cidade.
A partir das 13h, artistas, moradores e demais participantes se concentram na praça, de onde sobem em cortejo até o refeitório da Fábrica de Cimento. Às 15h, o portão da indústria se transforma em um salão de baile, recordando as antigas festas que lá ocorriam. Para finalizar, bandas e grupos de dança dominam o palco até as 22h. (Vejaaqui a programação completa).
Para conhecer o movimento e a história completa da Fábrica, entre no bloghttp://movimentofabricaperus.wordpress.com/. A plataforma reuni a agenda do coletivo, datas reuniões, eventos e possui ainda um grande acervo de livros, reportagens e teses sobre os mais diversos aspectos da Fábrica de Cimento Portland Perus.
Quem eram os Queixadas?
Queixadas foi como ficaram conhecidos os sindicalistas do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Cimento, Cal e Gesso de São Paulo, que promoveram diversas greves e conquistaram direitos trabalhistas dos quais ainda hoje usufruímos. A greve mais conhecida do grupo foi a Grande Greve, que durou sete anos (1962-1969). O sindicado ficou assim conhecido, pois eram comparados ao porco do mato Queixada, ao fazer referência ao seu modo de enfrentamento “É o único bicho que quando se sente em perigo, se une em grupo, bate o queixo enfrenta a onça ou o caçador; este tem que se esconder” definiu Nelson Coutinho, em assembleia no sindicato.
Serviço
I Caramanchão Cultural
Data: 31/05 (sábado)
Horário: das 10h às 22h
Locais: Praça Inácio Dias, CEU Perus, Portão principal da Fábrica de Cimento, Passarela de pedestres, Calçadão
E-mail: fabricaperus@gmail.comSite :http://movimentofabricaperus.wordpress.com/Facebook: https://www.facebook.com/movpelareapropriacaofabricacimentoperusImprensa: falar com Jéssica Moreira (11) 9-6573-3582/jessicamoreira.mural@gmail.com ou Larissa Gould larissa.gould@gmail.com

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Amazônia

Na Amazônia, a Justiça tarda e falha

O julgamento de um crime de 1985 mostra o fracasso do Estado em lidar com a questão amazônica. Por Felipe Milanez
por Felipe Milanezpublicado 05/05/2014 13:58, última modificação 06/05/2014 16:16
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Reprodução
Mandante da Chacina da Fazenda Princesa vai a júri depois de 30 anos
No mesmo assentamento onde foram mortos Zé Cláudio e Maria, em Nova Ipixuna, também foi assassinado, na mesma semana, em 2011, Erivelton Pereira dos Santos. O crime permanece impune, e contribuiu para o clima de terror na região. Foto de Marcelo Lacerda.
Segundo informa a Comissão Pastoral da Terra: "Acontecerá também em Belém, o julgamento do Fazendeiro Marlon Pidde, acusado de uma chacina em sua fazenda (Princesa), onde cinco trabalhadores foram assassinados no ano de 1985. O caso ficou muito conhecido pela brutalidade das mortes. Os camponeses foram sequestrados, torturados, assassinados e seus corpos amarrados em pedras no fundo do Rio Itacaiunas, próximo de Marabá. Quase 30 anos depois ocorrerá o julgamento do principal acusado. O Estado brasileiro também responde processo na OEA pela demora no julgamento do caso."
O fazendeiro passou 20 anos foragido. Ele só foi preso, ano passado, porque tentou fugir do país. Segundo a CPT, o Ministério Público, tomou conhecimento de que Marlon encontrava-se na sede da Polícia Federal do Estado de São Paulo tentando tirar seu passaporte. O acusado pretendia empreender fuga do Brasil e se furtar do julgamento que deverá ser marcado nos próximos meses. Atendendo ao pedido do MP, o juiz decretou de imediato sua prisão preventiva. Antes, ele havia sido preso em 2006, pela Polícia Federal, enquanto residia em São Paulo, com nome falso. Ficou 4 anos e 8 meses preso até que, em agosto de 2011, o STJ mandou soltar Marlon alegando demora da Justiça Paraense em levá-lo a julgamento.
A morosidade da Justiça paraense é assustadora. Conforme informa a CPT, após a prisão, os advogados da CPT e da SPDDH (que atuam na assistência da acusação), em conjunto com o Ministério Público, ingressaram com Pedido de Desaforamento do julgamento para a comarca de Belém, em junho de 2007, mas o Tribunal só julgou o pedido em 2010 – levou 3 anos para julgar um recurso que deveria levar no máximo seis meses. Em seguida, a defesa de Marlon recorreu contra o desaforamento, e o novo recurso levou mais de um ano para uma simples manifestação. "Somando os dois prazos, o processo passou mais de 4 anos nos corredores do tribunal. Uma demora sem qualquer justificativa. Era o argumento que a defesa de Marlon esperava e precisava para pedir sua liberdade com fundamento no excesso de prazo de sua prisão."
Se a Justiça foi fria e muito morosa até essa semana, os assassinos dos cinco trabalhadores foram cruéis. As torturas levaram mais de dois dias, antes de serem desferidos vários tiros. Os corpos mortos foram amarrados uns aos outros, e em pedras no fundo do rio. Crueldade semelhante dos pistoleiros que mataram Sebastião Pereira e seu filho Clésio, de apenas três anos, em Jacundá, ambos com um tiro na cabeça, na frente da família, na mesma época. Ou o pistoleiro que retirou o capacete de Zé Cláudio para, com uma faca de cozinha, cortar-lhe a orelha enquanto ainda respirava. Ou os seis tiros desferidos contra irmã Dorothy Stang, em Anapu, também por ali, na Transamazônica. Nesses crimes brutais não se trata apenas de eliminar aqueles que são empecilhos para se ganhar dinheiro destruindo a Amazônia, mas em praticar o crime com extrema crueldade e violência, para que sirvam de exemplo em um ambiente de terror.
A Amazônia brasileira é a região mais violenta do mundo contra ambientalistas, defensores do meio ambiente e contra quem luta pela reforma agrária, segundo um relatório recente da organização Global Witness. E o Pará, principalmente o Sul e Sudeste do Estado, os maiores focos de violência. A lista de assassinatos de lideranças políticas é longa, e praticamente toda marcada pela impunidade. "A impunidade é como uma licença para matar", diz o advogado da Comissão Pastoral da Terra em Marabá, José Batista Afonso. Batista é um nome de destaque na defesa dos direitos humanos no Brasil, e ele coordena as investigações para tirar das gavetas e levar a julgamento os principais crimes que as autoridades locais tentam esquecer da lei, mas utilizar para produzir um clima de terror.
O terror no velho oeste da Amazônia opera de muitas formas, e é uma questão debatida na academia desde que a ditadura lançou mão do "grande saque" à região. Um grupo de geógrafos americanos utilizou a analogia de um "teatro da crueldade" para descrever o sul do Pará, "lugar da guerra pela terra e destruição da floresta" em um artigo publicado em uma das mais prestigiosas revistas científicas de geografia, o Annals of the Association of American Geographers, em 2011. A cultura do terror e o espaço da morte é como o antropólogo Michael Taussig descreve o ciclo da borracha e a colonização da Amazônia.
É possível imaginar que um empregador que manda sequestrar, torturar, matar e depois jogar no fundo de um rio, amarrado a pedras, os corpos de seus funcionários, não quisesse apenas livrar-se de uma dívida trabalhista. Era imperioso fazer uso da máxima violência, do terror. "O horror", diz o capitão Kurtz, em Apocalipse Now, "é impossível descrever por palavras para aqueles que não sabem o que o horror significa".
Em 24 de maio completam três anos do assassinato dos ambientalistas e extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em Nova Ipixuna, cem quilômetros de Marabá. Ano passado, dois pistoleiros foram condenados por uma "empreitada criminosa", mas a empreitada ficou sem empreiteiro: o fazendeiro acusado de ordenar o crime foi solto, "escandalosamente absolvido pelo tribunal do juri em Marabá", segundo informa a CPT. A família das vítimas espera justiça, e organiza uma grande manifestação, no dia da morte, para lembrar do casal. A manifestação vai ocorrer dentro do assentamento, como uma romaria, ato em memória do casal e trilha ecológica dentro da floresta que eles defendiam. A causa da morte foi a denúncia de compra ilegal de lotes dentro do assentamento e e o apoio a famílias extrativistas ameaçadas de expulsão. O Incra, além de não retomar a terra que o acusado de ser o mandante comprou ilegalmente, ainda o assentou no mesmo lote que causou o conflito.
As três décadas que passaram tornam a justiça tardia. Há inúmeros problemas na investigação, mas o principal fato é que o acusado, ao menos, vai a julgamento. E o júri irá decidir. Levar a julgamento os acusados é um primeiro passo para se mudar o ambiente de terror no campo no Brasil. Ano passado, 34 pessoas foram assassinadas, sendo 15 indígenas, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Só na Amazônia, há 174 pessoas ameaçadas de morte, em conflitos políticos e ambientais cujo principal instrumento para acumulação de capital (a acumulação primitiva, como dizia Marx, que faz aniversário hoje), é o uso da violência e do terror. Não há desenvolvimento que seja sustentável se construído sobre corpos e sangue.

Abril Vermelho

MST bloqueia rodovias para lembrar Massacre de Eldorado dos Carajás

Ato faz parte da Jornada de Lutas de Abril, ou Abril Vermelho, mas o movimento também aproveitou para protestar por agilidade na reforma agrária
por Redação — publicado 17/04/2014 13:05
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Reprodução/MST
MST bloqueia rodovias no Distrito Federal
O dia 17 de abril de 1996 acabou entrando para a história como uma das ações policiais mais violentas
O grupo fechou trechos das rodovias BR 020 (Belém-Brasília), entre os municípios Planaltina (DF) e Formosa (GO), na altura do km 43, e BR 070, no sentido Aǵuas Lindas de Goiás, por volta das 7h e impediu o trânsito por uma hora, de acordo com o site G1. O ato faz parte da Jornada de Lutas de Abril, ou Abril Vermelho, mas o movimento também aproveitou para protestar por agilidade na reforma agrária no DF.
“O governo tem que se desburocratizar e tirar as políticas do papel. A Reforma Agrária está parada e é um instrumento de acesso à terra para milhares de trabalhadores”, disse a dirigente Maria Lucimar da Silva, segundo informações do site do MST.
O Massacre Eldorado dos Carajás aconteceu durante uma marcha de integrantes do MST para Belém, em 1996.  Na ocasião, os sem-terra bloqueavam a rodovia PA-150 para forçar a desapropriação da área da fazenda Macaxeira, de 35 mil hectares ocupada por 1500 família havia 11 dias. O coronel Mário Collares Pantoja, mandou os policiais para o local a fim de conter a ação do MST.
Mas a operação da polícia, que envolveu 155 PMs armados, levou à morte 19 trabalhadores, deixou outros 69 mutilados e uma centena de feridos. Por isso, o dia 17 de abril de 1996 acabou entrando para a história como uma das ações policiais mais violentas.

Violência no campo

Protestos marcam 3 anos do assassinato no Pará

Familiares de José Claudio e Maria do Espírito Santo e entidades ligadas à questão agrária farão onde o casal residia, em Nova Ipixuna
por — publicado 21/05/2014 10:30, última modificação 21/05/2014 11:13
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Felipe Milanez
Extrativistas
Maria do Espírito Santo e José Claudio, o casal de extrativistas assassinado
No próximo sábado, dia 24, completarão três anos do assassinato do casal de extrativistas José Claudio e Maria do Espírito Santo. O crime ocorreu no interior do Projeto de Assentamento Praia Alta Piranheira, onde o casal era assentado e desenvolvia seu trabalho de preservação da natureza. Os disparos que tiraram a vida do casal foram feitos pelos pistoleiros Lindonjonson Silva e Alberto do Nascimento, ambos condenados a mais de 40 anos prisão.  O acusado de ser o mandante do crime, José Rodrigues Moreira, foi inocentado pelos jurados num julgamento  em que o juiz que o presidiu, Murilo Lemos Simão, foi acusado de ter um comportamento questionável durante a fase processual e durante a seção do tribunal do júri, que na avaliação das entidades de direitos humanos que acompanharam o caso, contribuiu para a absolvição de José Rodrigues Moreira.  A afirmação do magistrado no texto da sentença final, de que "o comportamento das vítimas contribuiu de certa maneira para o crime (...) pois tentaram fazer justiça pelas próprias mãos, utilizando terceiros posseiros, sem terras, para impedir José Rodrigues de ter a posse de um imóvel rural", foi criticada pelos movimentos sociais como uma tentativa de criminalizar as vítimas, manchar a história e a memória do casal.
De acordo com as investigações e provas existentes no processo, José Rodrigues comprou ilegalmente um lote na reserva extrativista onde três famílias já residiam há quase um ano. Tentou expulsar  violentamente as famílias e queimou a casa de uma delas. José Claudio e Maria denunciaram o caso aos órgãos públicos e deu todo apoio para o retorno das famílias para seus lotes. Foi por causa disso que José Rodrigues decidiu mandar matar o casal.
O Ministério Público e os advogados da família de José Claudio e Maria, recorreram da decisão de absolvição de José Rodrigues. Um ano após o julgamento, o recurso de Apelação aguarda decisão da Desembargadora Vera Araújo de Souza, da 1ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado. Sendo anulada a decisão que absolveu o mandante, o próximo passo será pedir o desaforamento do processo da Comarca de Marabá para a Comarca de Belém, onde novo julgamento possa ocorrer com mais imparcialidade.
Após o assassinato do casal, os familiares das vítimas e os movimentos sociais foram surpreendidos pela decisão do INCRA, sob a responsabilidade do então superintendente Edson Bonetti, de promover o assentamento do mandante do crime, no mesmo lote, pelo qual ele é acusado de mandar matar José Claudio e Maria. Um ano e seis meses após essa escandalosa decisão do INCRA, nenhuma ação concreta, administrativa ou judicial, foi encaminhada pelo órgão no sentido de retomar o lote, ilegalmente adquirido.
O Ministério Público Federal, ingressou com uma ação penal contra José Rodrigues e outros alegando que no processo de compra do lote houve prática de crime agrário previsto na Lei 4.947/69 e Estelionato Majorado, previsto no Art. 171 do Código Penal. Ocorre que, faz um ano que o processo está praticamente parado na 2ª Vara Federal de Marabá, devido o oficial de justiça não ter localizado José Rodrigues, mesmo ele  morando no lote do conflito,  para intimá-lo da denuncia do Ministério Público.
Neste sábado e domingo, dezenas de trabalhadores rurais, lideranças sindicais, estudantes estarão se deslocando para o lote onde residia o casal dentro do assentamento para uma extensa programação que lembrará a memória dos três anos do assassinato de José Claudio e Maria. No local haverá exposição cultural, trilha ecológica, caminhada até o local onde foram assassinados e ato ecumênico. Além de manter viva a história e a memória do casal, o ato será também uma forma de pressão pela punição do principal responsável pelo crime.
Marabá/Nova Ipixuna, 21 de maio de 2014.

Familiares de José Cláudio e Maria do Espírito Santo.
Comissão Pastoral da Terra - CPT da Diocese de Marabá.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Ipixuna.
Associação dos Trabalhadores Rurais do Projeto de Assentamento Agro-extrativista.

Sem controle

Assembleia do Amapá gasta mais em diárias que o Senado Federal

Em 2013, os 24 deputados estaduais do estado gastaram 14 vezes mais com viagens oficiais do que os senadores da República
por Por Rodrigo Martins — publicado 23/05/2014 04:44, última modificação 23/05/2014 04:53
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Reprodução / Assembleia Legislativa
Amapá
Assembleia tem gastos descontrolados
Deflagrada em 2012 pelo Ministério Público e pela Polícia Civil, a Operação Eclésia identificou um rombo de 25 milhões de reais nas contas da Assembleia Legislativa. O escândalo levou ao afastamento dos deputados estaduais Moisés Souza (PSC) e Edinho Duarte (PP), à época presidente e primeiro-secretário da Casa, respectivamente. Mas a torneira da corrupção ainda parece aberta.
“Esses 25 milhões foram gastos em serviços inexistentes, como consultorias fictícias e aluguel de carros. Também na compra de produtos nunca entregues, como milhões de litros de combustível. Havia uma imensa quantidade de notas frias para justificar esses pagamentos”, comenta Guimarães, que desde dezembro do ano passado anda com escolta armada e carro blindado, após sofrer ameaças de morte. “Agora, voltamos o foco da investigação para as despesas dos deputados, que tiveram um crescimento espantoso, e estão absolutamente fora da realidade.”
Não é exagero. Em 2011, quando o promotor começou a investigar o caso, a Assembleia Legislativa gastou pouco mais de 4 milhões de reais em pagamento de diárias aos parlamentares. Em apenas dois anos, a cifra mais do que quadruplicou, atingindo o impressionante valor de 17.476.847,77 reais em 2013. Em decorrência das suspeitas de corrupção, 21 dos 24 deputados do Amapá tiveram os seus bens bloqueados pela Justiça.
“É surreal. Enquanto a Assembleia Legislativa dispõe de um orçamento de 156 milhões de reais, a prefeitura de Santana, a segunda cidade mais populosa do Amapá, com 108 mil habitantes, tem 120 milhões para fazer tudo que está ao seu alcance, cuidar das escolas, dos hospitais, da limpeza urbana”, comenta o senador João Capiberibe, pai do governador Camilo Capiberibe, ambos do PSB. “É uma situação muito delicada, porque o parlamento estipula seus próprios gastos e o governador é obrigado a bancar as despesas.”
O senador reconhece que o escândalo atinge todos os partidos representados na Assembleia Legislativa. “Chegamos a denunciar um colega, o deputado Aguinaldo Baliero, ao comitê de ética do PSB. Haverá uma sindicância para avaliar se houve quebra do decoro parlamentar”, afirma. Capiberibe participa de uma campanha para reduzir o orçamento do parlamento amapaense pela metade. O movimento “Reduza Já”, iniciado por quarto partidos (PSB, PT, PSOL, PCdoB, além da Rede), mobilizou a sociedade civil num abaixo-assinado e planeja um grande ato na próxima sexta-feira 23.
Com o valor economizado, o grupo estima que seria possível empenhar 30 milhões de reais na compra de medicamentos e insumos para a saúde pública. Também seria possível concluir as obras do Hospital Metropolitano, paralisadas há mais de 10 anos, por meio de um repasse de 15 milhões à prefeitura de Macapá. Restariam ainda 33 milhões de reais para melhorar a pavimentação das vias urbanas e investir em outras obras de infraestrutura.
CartaCapital não conseguiu localizar o deputado Júnior Favacho, atual presidente da Assembleia Legislativa. De acordo com o diretor do Departamento de Comunicação da Casa, Cléber Barbosa, o parlamentar estava em viagem e não poderia atender ao pedido de entrevista. Barbosa informou, porém, que o orçamento do Legislativo estadual permaneceu congelado nos exercícios de 2012 e 2013 na casa dos 153 milhões de reais. Para 2014, houve um corte de 28 milhões. Pelo acordo firmado com o governo estadual, diz o assessor, o valor deveria ser aplicado no Hospital Metropolitano.
Barbosa argumenta ainda ser injusto comparar despesas de viagens da Assembleia Legislativa com as do Senado. “Os deputados estaduais não têm cotas de passagens aéreas para usar ao longo do mês nem outros benefícios que os senadores têm. Por isso, o gasto é maior, e entra na contabilidade de cada gabinete”.
Capiberibe lembra, porém, que os deputados do Amapá têm direito a verbas indenizatórias, para cobrir gastos com passagens, hospedagens, aluguel de carros, entre outras despesas. “Eles tinham direito a 100 mil reais por mês e, após as denúncias, foram forçados a reduzir essas verbas para 50 mil e, depois, 32 mil mensais. Para compensar essa perda, elevaram os gastos com diárias. Mas elas só deveriam ser usadas no caso de viagens a serviço da Assembleia, e não do mandato”, afirma. “Também desconheço esse acordo para injetar dinheiro no Hospital Metropolitano, até porque ele é administrado pela prefeitura da capital, e não pelo estado.”

PSOL X Rede

Randolfe: “Se a Marina é a nova política, não é ao lado do Eduardo que ela deve estar”

Durante visita ao ABC, o pré-candidato do PSOL disse ainda que Marina Silva "está no momento errado, na chapa errada e na situação errada.
por Camilla Feltrin — publicado 27/04/2014 11:03, última modificação 27/04/2014 11:04
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O pré-candidato a presidente e senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AC).

O senador e pré-candidato a presidência da República Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) fez críticas para a ex-senadora Marina Silva em visita ao ABC paulista nesta sexta-feira 25. Ele repete a posição do correligionário Plínio de Arruda Sampaio, que durante a eleição passada afirmava que era a única candidatura diferente das demais.
“É uma bela companheira que está na chapa errada. Tenho certeza que no intimo, a Marina adoraria votar na gente e estar conosco. Ela está no momento errado, na chapa errada e na situação errada. O local dela não é onde ela está”, afirmou Randolfe. Vice na chapa de Eduardo Campos (PSB), a ex-ministra se juntou ao partido após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)  barrar a criação da Rede. “Se a Marina fala em nova política, não é ao lado do Eduardo que ela deve estar”, completou.
O pré-candidato atacou os defensores do agronegócio e afirmou em discurso aos colegas socialistas que o ponto de partida para uma modernização industrial é maior controle econômico e diminuição da taxa básica de juros, fixada em 11% pela selic e, considerada por ele, valor de agiotagem. “Essa taxa de juros só é possível porque o Banco Central é refém do capital financeiro e dos banqueiros internacionais. E isso, nenhum dos três falam”, disse em referência a Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Campos.
Os economistas Carlos Lessa (UFRJ), Paulo Passarinho (UFRJ) e o sociólogo Ricardo Antunes (Unicamp) devem ser consultados por Randolfe.

Política

O choque de realidade do PSOL

Clécio Luís, primeiro prefeito do partido em uma capital, equilibra-se entre o programa do partido e a realpolitik
por Piero Locatellipublicado 26/05/2014 04:12, última modificação 26/05/2014 09:41
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ABr
Clécio Luís
Clécio Luís herdou uma situação de calamidade
De Macapá
"Dá uma voadora no prefeito!”, gritava um mototaxista em frente à prefeitura de Macapá na quinta-feira 15. Seus colegas seguiram a ordem e esbofetearam um boneco de Clécio Luís, primeiro mandatário do PSOL em uma capital. Pendurado em uma árvore, o boneco foi inundado com gasolina e, após três tentativas frustradas, finalmente incinerado. Cerca de 200 condutores trancavam a avenida em frente à sede da prefeitura e pediam mais fiscalização da atividade ilegal.
No prédio ao lado, na Câmara de Vereadores, cerca de cem professores tentavam barrar um projeto enviado pela prefeitura. Os vereadores aprovaram um aumento abaixo do esperado por parte dos docentes. Uma placa na qual se lia “Clécio traidor” referia-se ao passado do prefeito, professor de geografia e sindicalista. “Eu apoiei ele, gravei até vídeo, mas graças a Deus não foi ao ar. Ele estava na luta com a gente, como não confiar numa pessoa dessas?”, perguntou, decepcionada, a educadora da rede municipal Nádia Serique.
No dia seguinte, em seu gabinete, Clécio se mostrava tranquilo. Segundo ele, as manifestações integram o cenário da cidade. “Macapá experimenta uma sensação de ebulição política há tempos. Com a proximidade das eleições, e com tudo que tem acontecido no Amapá, isso tem se tornado mais frequente.”
Apesar dos protestos, o projeto contava com o apoio do sindicato local e foi aprovado com apenas três votos contrários entre os 23 vereadores. Confrontado pela primeira vez com as restrições impostas pela governabilidade, o PSOL precisou dos votos de partidos como o PR, Pros e PSB, além daquele do único vereador do PT na cidade.
A vitória fácil na Câmara, diz o prefeito, não significa que haja fisiologismo ou acordos escusos. “O principal fator é a pressão popular. O outro é a realidade amapaense. Alguém do PSOL dificilmente cruza com o seu opositor do DEM nos lugares onde vai em um estado como São Paulo. Aqui, a gente cruza com todo mundo no boteco, no supermercado, na quermesse.”
Um dos vereadores a votar contra o projeto da prefeitura foi Lucas Barreto (PSD), aliado do senador José Sarney (PMDB-AP). O parlamentar apoiou o atual prefeito na última eleição. “O Clécio criou uma expectativa de pouco prazo que ele não conseguiu cumprir. Ele é equilibrado, preparado para ser prefeito. Mas vejo que ele está tendo muitos problemas na gestão.”
A administração de Macapá deve ser uma das vitrines do PSOL nesta eleição, dada a origem política amapaense do seu candidato à Presidência, o senador Randolfe Rodrigues. Desde a posse na prefeitura, a principal atividade de Clécio Luís tem sido colocar as finanças em ordem depois da gestão de Roberto Góes (PDT), preso na Operação Mãos Limpas da Polícia Federal ainda durante o exercício do mandato.
O prefeito busca adaptar as contas à Lei de Responsabilidade Fiscal, criticada por seu partido. Para reduzir a folha de pagamento, ele cortou mais de 600 cargos de confiança. “Questionar a LRF é um debate nacional, e o PSOL tem de continuar a fazê-lo. Mas não posso enquanto prefeito. Posso questionar a legislação, mas, se eu não cumpri-la, vou ser condenado igual a qualquer prefeito de direita.”
Reorganizar o Orçamento permitirá à cidade receber repasses do governo federal, principal fonte de renda do exíguo Orçamento de Macapá. Parte da receita é oriunda da terceira fase do PAC, esperança para melhorar o saneamento em um município onde o esgoto só chega a 6% da população. O Programa Mais Médicos também é elogiado pelo prefeito, para quem os cubanos “têm mudado a cara da cidade”. Clécio Luís ainda pretende entregar 3.460 habitações pelo Minha Casa Minha Vida. “O programa é do governo federal, é da Dilma, mas eu fiz festa aqui. Para cidades como Macapá, é um programa muito bom.”
A maior controvérsia em relação ao programa socialista na cidade é a efetivação de uma Parceria Público-Privada. A regulação das parcerias entre empresas e o poder público foi feita pelo ex-presidente Lula em 2004, sob críticas dos petistas que mais tarde formariam o PSOL. Em 2012, Clécio Luís entregou à iniciativa privada o mapeamento da cidade para regularização fundiária. “É um negócio que levaríamos muitos anos para fazer, não teríamos recursos próprios. Eu sou muito acusado por causa disso, mas acho que vale a pena.”
O prefeito rejeita, porém, a comparação entre a sua PPP e as privatizações, e critica o leilão do pré-sal dos campos de Libra, realizado no ano passado pelo governo federal. “O petróleo é um patrimônio, ali você tem um ativo, é um setor estratégico. Uma coisa é entregar esse patrimônio para a iniciativa privada, outra coisa é fazer uma PPP e dar um porcentual para alguém oferecer um serviço que a prefeitura não conseguiria.”
Embora elogie os programas federais, o prefeito diz que sua administração se diferencia daquelas do PT.  Seu principal argumento é o orçamento participativo, que ali ganhou o nome de Congresso do Povo. “É a experiência que o PT teve em prefeituras como Belém e Porto Alegre, mas melhorada. Fizemos um amplo processo de mobilização e nivelamento de informação. O que é a prefeitura? Qual é o seu papel? Como funciona o orçamento? Basicão, o bê-á-bá. O resultado foi extraordinário.”
O caminho do PSOL, vislumbra, está em seguir as bandeiras históricas esquecidas pelos petistas. “Não fui para o PSOL negar a minha história, jogar no lixo a minha militância no PT ou construir o PSTU do B”, compara. “O melhor slogan do PT era: ‘Combater a corrupção e melhorar a vida do povo’. Então, o que nós vamos fazer de diferente é não seguir o caminho que o PT seguiu depois.” Por ora, o sindicalista se equilibra entre os sonhos sem peias da militância e as limitações da realpolitik