AEPET apresenta ao Congresso novos parâmetros para uma política de preços dos combustíveis
Publicado em 18/02/2022
Escrito por
Editorial AEPET
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Propostas analisadas no Congresso tem pouca eficácia
As quatro propostas tramitando no Congresso Nacional com o objetivo
de conter a alta dos preços dos combustíveis têm pouca eficácia na
redução da volatilidade dos preços ao consumidor e praticamente nenhum
impacto na redução dos preços nas bombas. As propostas somente levarão à
transferência de renda da população para as distribuidoras de
combustíveis. Perderão os governos, os consumidores e a sociedade
brasileira, porque não discutem a origem do problema: a falta de
competição na distribuição de combustível e o Preço Paritário de
Importação (PPI). Com a privatização da BR distribuidora, as competições
nos mercados regionais foram reduzidas. Este é o cerne do problema que
levaram os preços dos combustíveis ao máximo alcançável e alta
volatilidade, e que o congresso deveria discutir.
A AEPET pede a rejeição dos quatros projetos de “Irresponsabilidade
Fiscal” que tramitam no Congresso, que através de visões míopes e
ideológicas, propõem a lesiva transferência do patrimônio público de US$
3,05 bilhões anuais para as onze companhias distribuidoras de
combustíveis e de lubrificantes.
Os números demonstram que a competição, menor preço alcançável de
combustível e baixa volatilidade só retornarão ao mercado, se a
Petrobrás voltar ao mercado de distribuição.
Em contrapartida às quatros propostas do Congresso, a AEPET propõe a
restauração da verticalização da Petrobrás, a volta ao mercado de
distribuição de combustíveis e o fim da imposição à Petrobrás dos preços
de paridade importação (PPI), como política pública, para alcançar o
menor preços dos combustíveis e a redução da volatilidade dos preços do
combustível aos consumidores.
Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP), o Brasil tem mais de 500 distribuidoras de combustíveis, sendo a
grande maioria de distribuidoras regionais. As atividades das
distribuidoras abrangem o armazenamento, transporte, controle de
qualidade e comercialização de combustíveis líquidos de derivados de
petróleo, álcool e biocombustíveis, glp, lubrificantes e outros
combustíveis automotivos.
A cadeia de suprimentos das distribuidoras
consiste em empresas transportadoras rodoviárias e ferroviárias, bases
primárias e bases secundárias.
As distribuidoras recebem nas bases primárias os combustíveis das
refinarias ou das bases dos importadores através de dutos ou navios. As
bases primárias têm infraestrutura necessária para receber, armazenar,
misturar, embalar e distribuir os derivados de petróleo.
As distribuidoras, por sua vez, enviam para suas bases secundárias.
As bases secundárias tem capacidade para receber, armazenar e distribuir
para os TRR (Transportador-Revendedor-Retalhista), pequenos
distribuidores, revendedores varejistas e postos de vendas ao
consumidor.
Dependendo do porte da distribuidora, as bases primárias e
secundárias podem ser próprias ou em pools (ativos compartilhados por
diversas empresas distribuidoras que participam com um percentual de
investimento), ou bases operadas por terceiros, na qual a empresa
distribuidora possui apenas os produtos movimentados, e depende dos
ativos de terceiros para viabilizar a movimentação de seus produtos.
Os dados da ANP mostram que apenas três distribuidoras concentram 63%
do mercado: BR distribuidora (Vibra), Shell (Cosan/Raizen) e Ipiranga
(Ultrapar). Constata-se nos dados que as bases primárias são apenas
36,4% do total das bases, contudo, essas bases primárias respondem por
72,5% da capacidade total de armazenagem de combustíveis líquidos.
Praticamente, estas bases primárias estão quase todas nas mãos das
onze principais companhias distribuidoras de combustíveis e de
lubrificantes: BR Distribuidora, Shell, Ipiranga, Raízen, Moove,
Petronas Lubrificantes, Iconic, Castrol, Total e YPF. Deve-se lembrar
que Raízen, Moove e Cosan são controlados ou tem participação societária
da Shell.
Segundo os dados do Sindicom, as onze distribuidoras, que concentram
os volumes de armazenamentos das bases primárias, vendem apenas 21% dos
combustíveis diretamente aos consumidores, enquanto repassam 79% dos
combustíveis importados e comprados das refinarias para os TRR e
revendedores. Esses dados é uma clara evidência de concentração de
mercado de distribuição de combustíveis.
Os dados da ANP também destacam que a maioria das distribuidoras têm
baixa capacidade de armazenamento e mantém estoque semanais de
combustíveis. Os dados apontam que as distribuidoras têm planejamento de
fornecimento de 30 dias em média, podendo chegar a 60 dias no máximo
para as grandes distribuidoras. Em outras palavras, as distribuidoras
emitem pedidos de compra de combustíveis para a Petrobrás ou para
importadores entre 30 e 60 dias de antecedência. Deve-se destacar que os
preços pagos por estas compras é o preço do dia da entrega do
combustível, ou seja, o dia da emissão da nota fiscal.
Outra característica logística das grandes distribuidoras é que elas
contratam empresas transportadoras de combustíveis que pertence ao mesmo
grupo controlador. A maiorias das distribuidoras possuem ativos como
caminhões tanques para distribuição para os postos, e terceirizam o
transporte dos combustíveis entre suas bases primárias e secundárias. O
transporte de combustíveis entre as bases primárias e secundárias e aos
clientes é o maior custo das distribuidoras. Desta forma, os vínculos
entre as distribuidoras e as empresas transportadoras é forte indício de
concentração de mercado.
As distribuidoras explicam que para reduzir o risco de perdas
financeiras, devido à baixa capacidade de armazenamento, os compromissos
de compras de combustíveis e a alocação de logística antecipadas em até
60 dias, adotam uma estratégia de repassar imediatamente os preços dos
combustíveis nas bombas quando os preços sobem, e retardam o repasse dos
preços em pequenas reduções em até 60 dias, quando os preços caem. As
distribuidoras alegam que essa é única forma de garantia de uma margem
de receita positiva em períodos de incertezas do câmbio e alta dos
preços do petróleo. Ou seja, as distribuidoras ganham sempre, com alta
dos combustíveis, e principalmente com queda dos preços. Quem paga o
preço são sempre os consumidores.
Isso mostra apenas que o governo não tem qualquer ferramenta de
controle para atuar nas distribuidoras, e que qualquer política
governamental para diminuir os preços de combustíveis ou reduzir a
volatilidade nos postos implicará numa compensação para as
distribuidoras da diferença entre os preços de compra e o preço de
repasse aos postos.
A ANP publica que o consumo médio diário de diesel no Brasil nos
últimos cinco anos é 988 M bbl/d (milhões de barril/dia) e alcançou 1070
M bbl/d em 2021. O volume médio diário de importação de diesel é 187 M
bbl/d, enquanto as refinarias produziram 801 M bbl/d (81% do consumo).
No caso da gasolina, o consumo médio diário é 699 M bbl/d e um volume
médio diário de importação é 57 M bbl/d e a produção nacional é 522 M
bbl/d (74,6% do consumo). Lembrando que a conversão de barril para
litros é 159 l/bbl.
Do ponto de vista financeiro, estes números levam a um dispêndio de
U$ 5,96 bilhões anuais com importação de diesel e U$ 1,63 bilhões anuais
com gasolina (U$ FOB). Somente o consumo de diesel e gasolina
representa um mercado direto para as distribuidoras de cerca de U$ 50
bilhões anuais FOB. Se incluirmos toda a cadeia de suprimento e os
impostos, a distribuição de diesel e gasolina movimenta diretamente em
torno de U$ 130 bilhões anuais.
Considerando a capacidade de armazenamento, os compromissos de
compras de combustíveis e a alocação de logística antecipadas das
distribuidoras, é necessária uma compensação de 60 dias as
distribuidoras para obter previsibilidade de preço e redução de
volatilidade aos consumidores.
Em 2021, os preços da gasolina e diesel subiram cerca de 46%, uma
média mensal de 3,85%. Para compensação de 60 dias as distribuidoras,
estima-se que seria necessário um fundo de compensação da ordem de U$
584 milhões a cada 60 dias, levando em conta somente o dispêndio de
importação de diesel e gasolina.
Em outras palavras, seria necessário a transferência de U$ 3,05
bilhões anuais da sociedade brasileira para as onze companhias
distribuidoras de combustíveis e de lubrificantes, todas empresas
privadas.
No congresso, hoje, existem duas linhas de projetos que versam sobre
estas compensações as distribuidoras, os projetos que propõem um fundo
para repassar parte da receita da Petrobrás e da união para as
distribuidoras, e os projetos que usam a redução de impostos federais,
estaduais e municipais para reduzirem os preços aos consumidores.
Na linha dos projetos de criação de fundos de compensação, existem
duas propostas: PL 1472/2021, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), e a
PEC 1/2022, do senador Carlos Fávaro (PSD-MT).
A PL 1472/2021 cria um fundo financiado por um imposto sobre
exportação do petróleo bruto e pelo lucro extraordinário da Petrobras
com o aumento do preço do barril de petróleo. Este projeto estabelece um
escalonamento para tributação de exportação do petróleo bruto de 2,5 a
20 %, progressivo com o preço internacional do petróleo acima de
U$45,0/barril. Além disso, propõe o uso dos dividendos da Petrobras
distribuídos à União, uso das reservas cambiais semestrais do Banco
Central no caso de balanço positivo; e uso da participação da União dos
resultados do regime de concessão e de partilha de produção de óleo e
gás.
A PEC 1/2022 também propõe que os dividendos da Petrobras obtidos
pela União, mais os recursos provenientes dos leilões do pré-sal
previstos para 2022, façam parte do fundo social. Esta PEC ainda permite
que União, Estados e municípios reduzam os impostos incidentes sobre os
combustíveis até 2023, tais como, IPI, IOF, Cide, PIS/Pasep, Cofins,
IE, e ICMS.
A chamada de “PEC da Irresponsabilidade Fiscal” também estipula um
auxílio diesel de até R$ 1.200 por mês para caminhoneiros autônomos.
Repasse de até R$ 5 bilhões de recursos da União a Estados e municípios,
para assegurar o acesso de idosos ao transporte público coletivo. E
amplia o subsídio do Vale Gás de 50% para 100% do valor do botijão para
famílias de baixa renda poderem adquirir gás de cozinha.
Em resumo, estes dois projetos propõem repassar parte da receita da
Petrobrás com exportação de petróleo, a receita gerada pelo pré-sal para
união, e dividendos pagos pela Petrobrás ao governo para as
distribuidoras que importam combustíveis.
Em 2021, a receita com exportação de petróleo chegou a U$ 30,5
bilhões anuais, para um volume de exportação diária de 1,387 M bbl/d. Em
outras palavras, seria repassado as distribuidoras privadas
praticamente 10% de toda receita de exportação de petróleo nacional de
uma empresa estatal.
Outro impacto forte destas propostas é a redução de receita da
Petrobras, e consequentemente, redução dos impostos e dividendos pagos
pela Petrobrás para os governos e acionistas. Além da apropriação de
recursos do banco central e da união para transferir a um grupo seleto
de empresas privadas.
Finalmente, esses projetos não estabelecem qualquer ferramenta de
controle do governo e nenhuma contrapartida das distribuidoras.
Na
segunda linha de projetos no congresso que propõem redução de impostos,
estão o PLP 11/2020, do deputado Emanuel Pinheiro (PTB-MT), e a recente
proposta de emenda à Constituição apresentada pelo deputado federal
Christino Áureo (PP-RJ);
A PLP 11/2020, aprovado em outubro de 2021 pela Câmara, se restringe a
diminuir o ICMS, que é o imposto estadual, sobre combustíveis. O
projeto determina que os Estados estabeleçam um valor fixo anual e fixa
também um teto a ser cobrado de ICMS por metro cúbico de combustível
vendido.
A proposta do deputado Christino Áureo também propõe a permissão da
redução total ou parcial dos impostos que incidem sobre os combustíveis,
e estende a permissão para que outros impostos que não estejam
inseridos nos combustíveis possam ser reduzidos até 2023, e sem qualquer
compensação.
Mais uma vez, estas duas propostas não criam nenhum mecanismo de
controle ou contrapartida para as distribuidoras. Logo, sem controle, a
possível redução dos impostos teria um impacto de curto prazo e não
garantiria que ocorra a redução dos preços dos combustíveis no longo
prazo, porque as distribuidoras se apropriariam desta redução, e
aumentariam suas margens de lucro. Outro problema, é que a redução dos
impostos não teria nenhum impacto na volatilidade dos preços com a
variação do dólar e dos preços internacionais, uma vez que as
distribuidoras continuariam praticando a política de aumento imediato e
redução escalonada nas variações para cima e para baixo dos preços de
venda.
Nenhuma proposta do congresso discute a origem do problema dos
preços altos e voláteis dos combustíveis, que é a redução da competição
das distribuidoras com a privatização da BR Distribuidora.
A BR Distribuidora, verticalizada com a Petrobrás, alcançava o menor
preço e volatilidade porque, na época da sua privatização, possuía uma
rede de bases primárias e secundárias, postos de gasolina e presença em
quase todos os aeroportos. A BR Distribuidora estava presente
praticamente em todos os mercados regionais do território nacional com
eficiência logística, e proporcionava o menor custo operacional entre
todas as distribuidoras nacionais. A BR distribuidora competia em todos
os mercados regionais com o menor preço alcançável sem comprometer a sua
margem de distribuição em seus resultados financeiros.
A BR, integrada a Petrobrás, sempre acompanhou a variação de preço
das refinarias, aumentando seu fluxo de caixa pelo crescimento das
vendas e de sua eficiência. A isonomia de fornecimento e preço nas
refinarias e terminais da Petrobras ocorriam no preço de paridade de
exportação, e a BR distribuidoras praticava o menor preço alcançável nos
mercados regionais. O preço praticado pela BR distribuidoras era a
média ponderada entre o preço Petrobrás, considerando a produção nas
refinarias, e o preço de paridade de importação ponderado pela
quantidade de combustíveis importados pela BR. Isso garantia o menor
preço e menor volatilidade alcançável em todos os mercados regionais
onde a BR estava presente.
Entretanto, com a implantação da política de Preços de Paridade de
Importação (PPI) nas refinarias da Petrobrás, desde 2016, e com a
privatização da BR, os concorrentes da Petrobrás (importadores e
distribuidoras) se viram livres para adicionar seus custos de logística,
operacional, impostos, seguros, taxas portuárias e maximizar o lucro
incorporados aos preços, maximizando seus resultados em prejuízo aos
consumidores brasileiros e à economia nacional.