domingo, 31 de julho de 2022

 

RN é uma das áreas com mais atividade sísmica do mundo dentro de uma placa tectônica, atesta geofísica

É ensinado nas escolas que o Brasil está no centro de uma placa tectônica e, por isso, não sofre abalos sísmicos mais intensos. Mas o Rio Grande do Norte é uma área estudada como exceção. Os tremores de terra que acontecem no estado não são novidade, atingindo grandes magnitudes na década de 1980.

A principal causa é a Falha de Samambaia, entre as cidades de João Câmara e Poço Branco, de acordo com a geofísica Victória Cedraz, doutoranda em Geodinâmica e Geofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A pesquisadora foi a entrevistada do Programa Balbúrdia nesta terça-feira (19), para falar sobre tremores no território potiguar. O assunto está em debate no 1º Geopotiguar, realizado de 18 a 22 de outubro pela Associação dos Geólogos do Rio Grande do Norte (Agern) e a Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo).

“A maior parte dos terremotos são gerados em bordas de placas. Só que 5% da energia de terremotos do mundo que acontece no interior de placas tectônicas e a gente faz parte desses 5%. O rio Grande do Norte é uma das áreas mais ativas que a gente tem no Brasil e no mundo dentro da placa tectônica”, detalha a especialista.

Victória Cedraz explicou também que os terremotos não são comuns, previsíveis e destrutivos como em outros lugares do mundo, a exemplo do Japão.

“A gente não deve se preocupar com terremotos tão grandes. Talvez nem aconteçam. Mas isso não quer dizer que a sismicidade não existe e a que destruição não possa vir”, disse a geofísica.

Cedraz tranquiliza ao dizer que o registro numeroso de pequenos abalos recentes pode estar relacionado à maior precisão dos novos equipamentos instalados para aferição. Apesar disso, alerta que a tecnologia usada pode ser perdida por falta de renovação dos projetos, já que o Brasil passa por constante desinvestimento na Ciência.

“O Laboratório de Sismologia atua hoje, junto com a Defesa Civil, com os órgãos de governo, pra assessorar a comunidade; quando acontece um evento desses, a gente se encaminha pra lá, faz a leitura, conversa com a população. É um preocupação muito grande. A população depende muito do Laboratório quando esses eventos acontecem”, lamenta.

 

CIDADANIA

UFRN confirma que dois abalos foram registrados no RN neste domingo (31)

A terra tremeu duas vezes no Rio Grande do Norte neste domingo, 31 de julho. Às 19h05 UTC (16h05, hora local), um evento sísmico, de magnitude preliminar calculada em 3.7 mR, foi registrado pelas estações sismográficas operadas pelo Laboratório Sismológico da UFRN na região litorânea do estado do RN. Diversas pessoas, incluindo moradores da capital potiguar, relataram sentir o tremor de terra, inclusive publicando em suas redes sociais sobre o ocorrido.

No início da madrugada, às 3h34 UTC (0h34, hora local), outro tremor, desta vez de magnitude preliminar 2.4 mR, também foi registrado pelo LabSis/UFRN no litoral do estado do Rio Grande do Norte. Segundo informações recebidas via Whatsapp, o tremor de terra foi sentido por moradores das regiões de Maxaranguape e Maracajaú.

O último evento registrado e divulgado pelo LabSis/UFRN no estado do Rio Grande do Norte ocorreu no dia 24 de junho, às 19h39 UTC, na região do município de São Paulo do Potengi. O evento teve sua magnitude preliminar calculada em 2.0 mR. O Laboratório Sismológico segue monitorando e divulgando toda atividade sísmica que ocorra no estado do Rio Grande do Norte e também da região Nordeste do país.

RN é uma das áreas mais atingidas por abalos

O Rio Grande do Norte é uma área estudada como exceção. Os tremores de terra que acontecem no estado não são novidade, atingindo grandes magnitudes na década de 1980. A principal causa é a Falha de Samambaia, entre as cidades de João Câmara e Poço Branco.

A informação foi tema de entrevista a SAIBA MAIS da geofísica Victória Cedraz, doutoranda em Geodinâmica e Geofísica da UFRN, em outubro de 2021. “A maior parte dos terremotos são gerados em bordas de placas. Só que 5% da energia de terremotos do mundo que acontece no interior de placas tectônicas e a gente faz parte desses 5%. O rio Grande do Norte é uma das áreas mais ativas que a gente tem no Brasil e no mundo dentro da placa tectônica”, detalha a especialista.

Victória Cedraz explicou também que os terremotos não são comuns, previsíveis e destrutivos como em outros lugares do mundo, a exemplo do Japão. “A gente não deve se preocupar com terremotos tão grandes. Talvez nem aconteçam. Mas isso não quer dizer que a sismicidade não existe e a que destruição não possa vir”, disse a geofísica.

Cedraz tranquiliza ao dizer que o registro numeroso de pequenos abalos recentes pode estar relacionado à maior precisão dos novos equipamentos instalados para aferição. Apesar disso, alerta que a tecnologia usada pode ser perdida por falta de renovação dos projetos, já que o Brasil passa por constante desinvestimento na Ciência.

 

PF encontra transações entre ‘laranjais’ de deputado do PL e de suspeitas na Codevasf

Os dados mostram uma empresa que tem o congressista como sócio formal, além de outra que é apontado como dono oculto

A Polícia Federal encontrou transações financeiras entre empresas que são alvos de duas investigações até agora paralelas. Uma trata de supostas fraudes com verbas da estatal federal Codevasf, enquanto no outro caso é apurado se o deputado licenciado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) comandou um esquema de desvio de emendas parlamentares.


Os dados em posse dos investigadores mostram que uma empresa que tem o congressista como sócio formal, além de outra da qual ele é apontado como dono oculto, fizeram repasses a construtoras ligadas ao empresário Eduardo José Barros Costa.

Conhecido como Eduardo DP ou Eduardo Imperador, o empresário foi preso no último dia 20, e solto três dias depois, em ação da PF sobre suposto desvio de dinheiro em convênios da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) com prefeituras do Maranhão.

A polícia não citou no pedido de prisão uma ligação entre os esquemas atribuídos pelos investigadores a Eduardo DP e a Maranhãozinho.


A Folha verificou as conexões ao cruzar os dados das apurações relativas à Codevasf com os dos autos do inquérito em trâmite no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o parlamentar.


Ainda que os agentes concluam que há relação entre estes casos, Maranhãozinho tem prerrogativa de foro e só pode ser alvo de apurações por determinação do STF.

Relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras analisados pela PF mostram que a Construtora Madry, que pertence formalmente ao congressista, transferiu R$ 100 mil para a E. R. Distribuição de Asfalto, que tem Eduardo DP como sócio oculto, segundo as apurações policiais. Este valor foi repassado entre setembro de 2019 e o mesmo mês do ano seguinte.


A investigação ainda encontrou repasses de ao menos R$ 215 mil da Águia Farma, da qual o deputado é suspeito de ser sócio oculto, para a Construservice, empreiteira pivô de investigações sobre fraudes com verbas da Codevasf.


O empresário Eduardo DP é sócio oculto da Construservice, como mostrou a Folha em maio. A empresa utiliza laranjas para vencer obras de pavimentação com verbas da Codevasf.

A transação entre a Águia Farma e a Construservice foi feita entre 2016 e junho de 2021, segundo a PF. Os dados foram analisados dentro da investigação sobre o desvio do dinheiro da estatal federal.


Após diligências, os policiais ainda concluíram que a Construservice e a E. R. são, na prática, a mesma empresa e que os próprios funcionários delas reconhecem Eduardo DP como o real proprietário.


Já uma a investigação contra Maranhãozinho em trâmite no STF aponta que o congressista é o dono de fato da Águia Farma. Nesta apuração, o deputado licenciado é suspeito de desviar dinheiro de emendas parlamentares.

A Águia Farma estaria formalmente registrada em nome de laranjas do deputado, uma delas empregada doméstica de Maranhãozinho, afirma o mesmo inquérito no Supremo.


O congressista ainda foi formalmente sócio da Águia Farma de agosto de 2013 a julho de 2015, mas depois deu lugar a esta suposta laranja, segundo uma apuração do Ministério Público no Maranhão.


Além da Águia Farma e da Construtora Madry, da qual Maranhãozinho é dono, aparecem nos relatórios da PF sobre a suposta fraude com verbas da Codevasf uma terceira firma, cujo controle de fato também é atribuído ao parlamentar no STF.


É a Joas Empreendimentos e Serviços, que no papel pertence à suposta empregada doméstica do deputado, além de outra pessoa. A firma repassou R$ 158 mil à E. R.


Levantamento da Folha nos registros da Câmara dos Deputados mostra que a Joas, cujo nome fantasia é TV Maranhão, recebeu do gabinete do parlamentar R$ 12 mil para divulgar nas redes sociais as atividades do parlamentar.


A Joas ainda emitiu notas fiscais de R$ 8.000 para prestar o mesmo serviço ao gabinete do deputado federal Paulo Marinho (PL-MA), suplemente de Maranhãozinho.


Eduardo DP também utiliza ao menos um funcionário particular como laranja em empresas.
Um dos dois sócios formais da Construservice é o motorista Adilton da Silva Costa.


Em depoimento de 2015 para investigação da polícia civil do Maranhão, ele reconheceu trabalhar para a família do empresário desde 1982 e disse que recebia um salário mínimo, sem carteira assinada, para fazer serviços gerais.


A Folha não conseguiu contato com a Joas e Águia Farma nem com os sócios formais destas empresas. Procurada, a E. R. não se manifestou. Os advogados de Maranhãozinho também não se manifestaram sobre os dados levantados pela PF.


O deputado licenciado é filiado ao mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro (PL). Após a revelação de casos como o da Codevasf, o mandatário passou a adaptar o discurso sobre corrupção de seu governo.


A estatal federal foi entregue por Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio político.


No último dia 20, a PF cumpriu 16 mandados de prisão em operação contra fraudes na empresa pública, com apreensão de cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro, além de itens luxuosos, como relógios importados. O empresário Eduardo DP foi preso durante esta ação e solto dias depois.


A Codevasf afirma que os convênios que motivaram a ação contra Eduardo DP e a Construservice não são de responsabilidade da estatal.


“A Codevasf não é responsável por licitar obras ou contratar empresas no âmbito de nenhum tipo de convênio firmado com municípios”, afirmou a companhia.


A empresa pública ainda disse que nenhum de seus empregados ou dirigentes foram alvos da operação. Também declarou que colabora com o trabalho das autoridades policiais e que enviou para a auditoria interna os processos que envolvem a Construservice

sábado, 30 de julho de 2022

AUSÊNCIA DA ANVISA EM RELAÇÃO AOS AGROTÓXICOS

 
A atuação da Anvisa em relação aos agrotóxicos está na mira do PL 6.299, apelidado “Pacote do Veneno”. O projeto que tramita no Senado prevê concentrar no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a responsabilidade pela aprovação de novos produtos, retirando o poder da Anvisa e do Ibama. Atualmente, para que um novo agrotóxico possa ser registrado no país, precisa ser aprovado pelos três órgãos. Luiz Cláudio Meirelles analisa que a aprovação do PL 6.299 significaria o fim do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa. “Se tirar a competência da Saúde [para registro de agrotóxicos], dificilmente a Agência vai ficar priorizando o Programa”, diz. Meirelles avalia que houve piora na área que trata de questões vinculadas aos agrotóxicos.

Pixabay
Ausência de monitoramento impede brasileiros de saberem quanto de resíduos de agrotóxicos há em alimentos
Brasil não tem outros programas regulares de impactos de agrotóxicos, critica pesquisador
O primeiro relatório do PARA divulgado pela Anvisa continha informações sobre a quantidade de agrotóxico em alimentos entre 2001 e 2007, e informava que o programa seria implementado gradualmente, por razões de infraestrutura (como escassez de laboratórios públicos que fazem as análises) e articulação com as vigilâncias públicas estaduais. Os três relatórios seguintes foram anuais (2008, 2009 e 2010). Depois, passou a condensar anos de forma irregular, com relatórios monitorando amostras de 2011 e 2012, e na sequência de 2013 a 2015.

Para a integrante da ANA, Fran Paula, a oscilação dos períodos divulgados já demonstrava uma desestruturação do programa. “Transmitia a sensação que está tudo bem, que não precisa mais monitorar os alimentos”, avalia.

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Em resposta à reportagem, a assessoria da Anvisa informou que “a decisão sobre o período a ser divulgado depende prioritariamente da obtenção e consolidação de todos os resultados das amostras analisadas, além de se considerar o contexto da execução do Programa”.

O ex-gerente da Anvisa lembra que, mesmo quando realizado, o programa já seria insuficiente, porque monitora apenas alimentos in natura. “[O governo] teria que monitorar alimentos processados, de origem animal, além da água, para ter uma ideia melhor de como estão os níveis de contaminação por agrotóxicos no país, que é campeão em uso de venenos”, afirma. Tais monitoramentos não são feitos ou divulgados de forma sistemática pelo governo brasileiro, mas há iniciativas que investigam e divulgam as situações. Um exemplo é o Mapa da Água, publicado pela Agência Pública e Repórter Brasil, que revela dados públicos para mostrar que há agrotóxico na água que sai das torneiras em várias cidades do país. Outro exemplo é a pesquisa realizada pelo Idec que encontrou pesticidas em 60% de alimentos ultraprocessados, como bisnaguinha, bolachas e bebidas lácteas.

Além do PARA, executado pela Anvisa, o Mapa também monitora resíduos de agrotóxicos em alimentos. “Há uma grande diferença, porque o PARA [Programa da Anvisa] é o único que faz análise de resíduos de agrotóxicos no alimento que vai para mesa da população, na gôndola do supermercado. O programa do Mapa faz as coletas na área de produção”, avalia Fran Paula. “Entre o local de produção e o consumo tem um caminho muito grande. Uma laranja produzida no Rio Grande do Sul pode demorar cinco ou seis dias até chegar no Mato Grosso, por exemplo, e teria inclusive maior aplicação de produto químico. Então é preciso considerar que há diferença entre os programas e sua finalidade”, diz.

Pixabay
PARA é o único que faz análise de resíduos de agrotóxicos no alimento que vai para mesa da população
Anvisa mudou tom da divulgação sobre agrotóxicos em alimentos no último relatório
Mudanças significativas já foram alvo de críticas na última pesquisa realizada pela Anvisa, divulgada em 2019. O relatório teve tom otimista, informando que “alimentos vegetais são seguros”. Pela primeira vez, a Anvisa avaliou o potencial de risco crônico (a longo prazo) para a saúde, além do risco agudo (a curto prazo). Para isso, foram usados dados sobre quanto os brasileiros consomem em média de cada alimento e o peso dos consumidores a partir de 10 anos de idade, ou seja, ignorando o risco para crianças de zero a 10 anos.

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Laranja, pimentão e goiaba: alimentos campeões de agrotóxicos acima do limite
Saiba quais são os alimentos com mais agrotóxicos proibidos ou acima do volume permitido e aqueles que oferecem risco imediato à saúde do consumidor. Cálculo de intoxicação da Anvisa ignora crianças com menos de 10 anos

“Não foram identificadas situações de potencial risco à saúde dos consumidores”, informa o documento em relação aos riscos crônicos. O relatório identificou risco agudo em apenas 0,89% das amostras, ou seja 41 amostras de frutas e legumes. Destas, 27 eram laranjas. O documento não colocou de forma clara informações que foram destaque na divulgação de relatórios anteriores.

O relatório não dava destaque, por exemplo, para a informação de que, a cada 14 laranjas vendidas nos mercados, uma tinha agrotóxico suficiente para causar intoxicação imediata. Cinco laranjas analisadas apresentaram mais de cinco vezes o limite de segurança de exposição, todas para o agrotóxico carbofurano, um inseticida proibido no Brasil desde 2017 por causar malefícios ao sistema nervoso, como a morte de neurônios.

Análise independente deste mesmo relatório conduzida pelo Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Fiocruz aponta que em 34% das amostras foram identificadas misturas de agrotóxicos, variando de dois a 21 tipos diferentes de ingredientes ativos. “Quando mudou a metodologia, que colocou a dose de referência aguda como parâmetro, acabou! É claro que não vai ter uma quantidade de resíduo de agrotóxico que provoque este efeito agudo em alguém — apenas em casos muito raros. Mas não é isso o que importa em uma avaliação toxicológica de resíduo, porque em sã consciência ninguém quer comer uma alface com 15 diferentes tipos de agrotóxicos”, finaliza Meirelles.  Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão. Seja nosso Aliado

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

ALIMENTOS COM AGROTÓXICOS PROIBIDOS OU ACIMA DO LIMITE NO RELATÓRIO DIVULGADO EM 2019

 Alimentos com agrotóxicos proibidos ou acima do limite no relatório divulgado em 2019
Nos últimos anos, o Brasil teve uma média anual de aprovação de 500 novos produtos, como mostra relatório da organização Amigos da Terra, de autoria das pesquisadoras Larissa Mies Bombardi e Audrey Changoe. “Ao mesmo tempo em que o governo pede que a Anvisa acelere o registro de novos agrotóxicos, não mantém programas como o PARA”, avalia Fran Paula, integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e engenheira agrônoma. Segundo ela, a função da Agência de garantir a saúde da população brasileira estaria sendo deturpada para atuar a serviço de indústrias químicas. “O Programa é um exemplo desse ataque e tentativa de mudar o foco de atuação da própria Agência”, afirma.

ANVISA SUSPENDE TESTES DE AGROTÓXICOS NOS ALIMENTOS HÁ MAIS DE DOIS ANOS

 Anvisa suspende testes de agrotóxicos nos alimentos há mais de dois anos
Arquivo/Agência Brasil
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, só houve divulgação de alimentos coletados até 2018; programa monitora pesticidas em produtos vendidos em supermercados e feiras

10 de maio de 2022
12:00
Júlia Rohden, Agência Pública/Repórter Brasil
 ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO
Anvisa alega ter suspendido monitoramento devido à pandemia, desde 2020 não houve novas coletas
Última edição do monitoramento mostrou que a cada dez pimentões, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido
Atuação da Anvisa em relação aos agrotóxicos está na mira do PL 6.299, apelidado "Pacote do Veneno"
Desde 2020, os brasileiros não sabem quanto de resíduos de agrotóxicos há em maçãs, laranjas, tomates, pimentões e outros alimentos que são vendidos em feiras e supermercados pelo país. Isso porque o principal programa de monitoramento do Governo Federal não divulgou o resultado de coletas feitas desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL). A última publicação foi justamente em 2019, a partir de amostras coletadas em 2017 e 2018.

Criado em 2001, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) teve sete relatórios publicados. “Na medida em que o próprio governo avalia e autoriza agrotóxicos, que são substâncias que comportam perigo à saúde humana, o monitoramento se torna obrigatório. [O programa] é o que permite saber o que está acontecendo depois que libera determinado agrotóxico, o que está sendo contaminado e em qual proporção”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz que também foi um dos fundadores do PARA quando era gerente de toxicologia na Anvisa. 

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Anvisa parou de coletar alimentos para testar presença de agrotóxicos em 2020
Em agosto de 2020, a Anvisa informou que as coletas seriam suspensas temporariamente devido à pandemia de Covid-19. Não foram divulgados os resultados das coletas feitas no ciclo do segundo semestre de 2018 e 2019, e desde 2020 não houve novas coletas para avaliar as frutas e verduras consumidas pela população. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão respondeu que o relatório com os dados de 2018 e 2019 está previsto para ser divulgado no segundo semestre deste ano. Em relação às novas coletas, a assessoria respondeu que “estão dando andamento às atividades preparatórias para execução das coletas e análises de amostras a partir do segundo semestre de 2022”.

O resultado da última edição foi avaliado pela Agência Pública e Repórter Brasil e constatou que laranja, pimentão e goiaba foram os principais alimentos com agrotóxicos acima do limite. A cada dez pimentões, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido, já 42% das amostras de goiabas, 39% das cenouras e 35% dos tomates testados estavam em desconformidade. Foram 14 frutas e legumes analisados na última edição do Programa e as amostras foram recolhidas entre agosto de 2017 e junho de 2018 – ou seja, antes do início do governo de Jair Bolsonaro, que lidera o recorde histórico de liberação de agrotóxicos.



AGROTÓXICOS PERIGOSOS

 Agrotóxicos perigosos
A pesquisa também traz outro dado preocupante. Em 37% dos produtos foi possível detectar glifosato. O ingrediente ativo é classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) e é o mais utilizado no Brasil. Apesar de ser um dos pesticidas que mais matam brasileiros, a Anvisa optou por manter o seu registro após uma reavaliação que durou 12 anos.

O glifosato não é o único que levanta o alerta dos pesquisadores. Dos oito agrotóxicos detectados, seis estão relacionados ao aparecimento de doenças crônicas. O glufosinato, utilizado como alternativa ao glifosato, está relacionado à má formação embrionária e a problemas no sistema nervoso central, segundo testes realizados em ratos.

A bifentrina, fipronil e cipermetrina são classificados como possivelmente cancerígenos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Environmental Protection Agency, na sigla em inglês). Já o clorpirifós está associado a problemas de desenvolvimento neurológico, principalmente em crianças. No ano passado a agência americana baniu o uso deste agrotóxico no país. Já no Brasil ele segue na lista dos 10 pesticidas mais vendidos.

O coordenador do Idec ainda chama a atenção para as consequências para a saúde que a combinação de vários agrotóxicos podem trazer. “Foram cinco ingredientes diferentes encontrados no nuggets, nove encontrados na bisnaguinha em 2021. O estudo mostra que além de por si só os agrotóxicos serem isoladamente potencialmente carcinogênicos, tem o coquetel que deixa o risco mais elevado”, pontua Rioja.

De acordo com o pesquisador, faltam estudos para analisar a interação dessas substâncias nos organismos e regras que definam limites para essa mistura tanto nos alimentos quanto na água. A União Europeia, por exemplo, possui uma regulação específica que determina os valores máximos dos coquetéis em cada litro de água. Por aqui, a Anvisa define apenas limites individuais.

Sem previsão de novos limites
Apesar de a possibilidade de aparecimento de agrotóxicos nos produtos ultraprocessados já ser de conhecimento dos órgãos governamentais e das empresas, nada foi feito para criar regras que definam limites máximos de resíduos para esses alimentos.

De acordo com o Idec, os resultados da pesquisa foram “bem acolhidos e recebidos pela Anvisa”. A agência já analisa alguns produtos processados – derivados diretamente de alimentos in natura – em seu Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). É o caso da farinha de trigo e da bebida de soja.

Em resposta à Repórter Brasil e Agência Pública no ano passado, o órgão disse querer incluir aos poucos novos produtos ao seu monitoramento. Contudo, além de não ampliar o número de alimentos analisados, desde 2019 a Anvisa não publica os novos resultados do PARA.

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Pesquisa detectou pesticidas em 60% dos alimentos ultraprocessados, incluindo bisnaguinha, bolachas e bebidas lácteas; glifosato foi encontrado em mais da metade dos produtos

Procurada pela reportagem novamente, a Anvisa informou que o programa de análise de alimentos está previsto para ser publicado ainda este ano e disse que a inclusão de produtos ultraprocessados”requer um estudo preliminar, a fim de verificar quais produtos melhor representam o consumo do alimento pela população brasileira e ainda a possibilidade de detecção de resíduos nesses produtos, observando fatores de processamento, que retratam a proporção do ingrediente ativo e metabólitos que permanecem no alimento processado”.

A Vigor disse à reportagem que não teve acesso  aos dados técnicos da pesquisa realizada pelo Idec para que pudesse analisar e rastrear o lote do produto. “A companhia reforça que realiza constantemente programas de controle interno em todas as suas unidades fabris e postos de captação de leite, bem como o monitoramento através de laboratórios credenciados na rede brasileira de qualidade do Leite-RBQL, não tendo verificado a presença de inseticidas, acaricidas e agrotóxicos em seus produtos”. O instituto responsável pela pesquisa afirma ter entrado em contato com todas as companhias citadas no estudo.

A Aurora Alimentos afirmou que não iria responder os questionamentos feitos pela Repórter Brasil e pela Agência Pública e que iria solicitar esclarecimentos sobre a metodologia dos testes realizados pelo Idec. (Leia as respostas das empresas na íntegra aqui).

Procurada, a produtora de laticínios Itambé não respondeu os questionamentos até o fechamento desta reportagem.  Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão. Seja nosso Aliado

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.


DAS LAVOURAS DE SOJA AOS ULTRAPROCESSOS

 Das lavouras de soja aos ultraprocessados
Há cerca de um ano, o Instituto já havia revelado que 59% dos alimentos consumidos principalmente por crianças, como cereais matinais, bolachas e bebidas lácteas, também tinham algum tipo de agrotóxico em sua composição. Desta vez, os pesquisadores decidiram testar produtos de origem animal para verificar se mesmo depois da metabolização pelo organismo desses animais e do processamento da carne e do leite ainda seria possível identificar resíduos desses venenos, o que foi comprovado.

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Os pesticidas aparecem nos derivados de leite e de carne de duas maneiras. A primeira é de forma direta, por exemplo, a partir da aplicação de substâncias nos animais para evitar a infestação por parasitas. A segunda é por meio das rações produzidas a partir da soja, do milho e de outros grãos, culturas que utilizam agrotóxicos de forma intensiva. Pesquisas mostram que 63% dos venenos usados no Brasil vão para a cultura da soja e 77% da produção do grão viram ração para animais.

“Os dados são preocupantes porque tecem um panorama de que cada vez mais os alimentos que chegam na mesa da população brasileira, seja para crianças, adultos ou idosos, estão com resíduos de agrotóxicos”, afirma Rafael Rioja, coordenador de consumo sustentável do Idec.

Lucas Malfa/Repórter Brasil e Agência Pública
Análise não encontrou agrotóxicos em bebidas lácteas sabor chocolate e iogurte ultraprocessado, nem nas seguintes marcas: requeijão Nestlé (Nestlé), linguiça suína calabresa Sadia (BRF) e Perdigão (BRF), mortadela Sadia (BRF)

SALSICHA, HAMBÚRGE E NUGGET: PESQUISA IDENTIFICA AGROTÓXICOS EM ALIMENTOS

 
REPORTAGEM
Salsicha, hambúrguer e nugget: pesquisa identifica agrotóxicos em alimentos
Brett Jordan/Unsplash
Campeão de veneno foi o empanado de frango, com resíduo acima do permitido; pesquisadores acharam agrotóxicos potencialmente cancerígenos nos alimentos

27 de julho de 2022
18:00
Hélen Freitas, Agência Pública/Repórter Brasil
 ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO
Uma pesquisa inédita publicada nesta quarta-feira (27) revela que alimentos de origem animal consumidos todos os dias por milhares de brasileiros, como mortadela, requeijão industrializado e linguiças, contêm resíduos de agrotóxicos.

O segundo volume do estudo ‘Tem veneno nesse pacote’, realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), analisou 24 alimentos ultraprocessados feitos à base de carne e lácteos e constatou a presença de agrotóxicos na composição de 58% dos produtos. Foram detectados pelo menos um pesticida em todas as marcas de salsicha, hambúrguer de carne bovina e empanados de frango analisados no estudo.

O campeão de venenos foi o empanado de frango Seara. Segundo a pesquisa, foram encontradas cinco substâncias nele, dentre elas glifosato e glufosinato. Já o requeijão Itambé e os nuggets de frango da Sadia e da Perdigão possuíam uma concentração de substâncias maior do que o permitido em seus alimentos base.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não estabelece limites máximos de resíduos de agrotóxicos em produtos ultraprocessados, mas indica bases comparativas a partir de alimentos base. No caso do empanado de frango, por exemplo, os pesquisadores puderam identificar a presença acima do permitido do agrotóxico pirimifós metílico, que possui limite máximo de resíduo para o frango ou subproduto que serve de base para a produção dos nuggets. Outros agrotóxicos, como a bifentrina, não possuem limites máximos definidos para o alimento usado como matéria-prima do ultraprocessado, o que impede a análise da presença de pesticidas acima do permitido.

À reportagem, a Anvisa não respondeu se um produto que exceda o limite estabelecido para seu alimento base pode ser retirado do mercado. A Agência apenas informou que nos casos em que se detectam resíduos de agrotóxicos acima do permitido, é necessário realizar uma avaliação de riscos e identificar o potencial risco à saúde do consumidor. “Primeiramente é importante esclarecer que os resíduos acima do LMR [Limite Máximo de Resíduo] reportam um tipo de inconformidade que não necessariamente representa risco à saúde do consumidor. O LMR é um parâmetro agronômico, derivado de estudos de campo simulando o uso correto do agrotóxico pelo agricultor”, afirmou a Anvisa. (Leia a resposta completa do órgão aqui).

Para o Idec, a Anvisa precisa retirar esses produtos das prateleiras a fim de garantir a segurança dos consumidores.

Procurada pela reportagem, a Seara Alimentos afirmou que “todos os produtos avaliados respeitam os parâmetros para itens alimentares regulamentados pela Anvisa”. Já a BRF Foods, dona das marcas Sadia e Perdigão, ressaltou que “aplica internamente rigorosos padrões de qualidade que atendem à regulamentação da própria Anvisa e do MAPA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] e são reconhecidos por diversos organismos de controle”. (Leia as respostas das empresas na íntegra aqui).

Tanajura Filmes/Divulgação JBS
Empanado de frango da marca Seara, do grupo JBS, foi o alimento com o maior número de agrotóxicos identificados, entre eles glifosato e glufosinato

 

AEPET apresenta ao Congresso novos parâmetros para uma política de preços dos combustíveis

Publicado em 18/02/2022 Escrito por  Editorial AEPET Lido 1842 vezes

Propostas analisadas no Congresso tem pouca eficácia

 

As quatro propostas tramitando no Congresso Nacional com o objetivo de conter a alta dos preços dos combustíveis têm pouca eficácia na redução da volatilidade dos preços ao consumidor e praticamente nenhum impacto na redução dos preços nas bombas.  As propostas somente levarão à transferência de renda da população para as distribuidoras de combustíveis. Perderão os governos, os consumidores e a sociedade brasileira, porque não discutem a origem do problema: a falta de competição na distribuição de combustível e o Preço Paritário de Importação (PPI). Com a privatização da BR distribuidora, as competições nos mercados regionais foram reduzidas. Este é o cerne do problema que levaram os preços dos combustíveis ao máximo alcançável e alta volatilidade, e que o congresso deveria discutir.

A AEPET pede a rejeição dos quatros projetos de “Irresponsabilidade Fiscal” que tramitam no Congresso, que através de visões míopes e ideológicas, propõem a lesiva transferência do patrimônio público de US$ 3,05 bilhões anuais para as onze companhias distribuidoras de combustíveis e de lubrificantes.

Os números demonstram que a competição, menor preço alcançável de combustível e baixa volatilidade só retornarão ao mercado, se a Petrobrás voltar ao mercado de distribuição.

Em contrapartida às quatros propostas do Congresso, a AEPET propõe a restauração da verticalização da Petrobrás, a volta ao mercado de distribuição de combustíveis e o fim da imposição à Petrobrás dos preços de paridade importação (PPI), como política pública, para alcançar o menor preços dos combustíveis e a redução da volatilidade dos preços do combustível aos consumidores.

Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil tem mais de 500 distribuidoras de combustíveis, sendo a grande maioria de distribuidoras regionais. As atividades das distribuidoras abrangem o armazenamento, transporte, controle de qualidade e comercialização de combustíveis líquidos de derivados de petróleo, álcool e biocombustíveis, glp, lubrificantes e outros combustíveis automotivos.
A cadeia de suprimentos das distribuidoras consiste em empresas transportadoras rodoviárias e ferroviárias, bases primárias e bases secundárias.

As distribuidoras recebem nas bases primárias os combustíveis das refinarias ou das bases dos importadores através de dutos ou navios. As bases primárias têm infraestrutura necessária para receber, armazenar, misturar, embalar e distribuir os derivados de petróleo.

As distribuidoras, por sua vez, enviam para suas bases secundárias. As bases secundárias tem capacidade para receber, armazenar e distribuir para os TRR (Transportador-Revendedor-Retalhista), pequenos distribuidores, revendedores varejistas e postos de vendas ao consumidor.

Dependendo do porte da distribuidora, as bases primárias e secundárias podem ser próprias ou em pools (ativos compartilhados por diversas empresas distribuidoras que participam com um percentual de investimento), ou bases operadas por terceiros, na qual a empresa distribuidora possui apenas os produtos movimentados, e depende dos ativos de terceiros para viabilizar a movimentação de seus produtos.

Os dados da ANP mostram que apenas três distribuidoras concentram 63% do mercado: BR distribuidora (Vibra), Shell (Cosan/Raizen) e Ipiranga (Ultrapar). Constata-se nos dados que as bases primárias são apenas 36,4% do total das bases, contudo, essas bases primárias respondem por 72,5% da capacidade total de armazenagem de combustíveis líquidos.

Praticamente, estas bases primárias estão quase todas nas mãos das onze principais companhias distribuidoras de combustíveis e de lubrificantes: BR Distribuidora, Shell, Ipiranga, Raízen, Moove, Petronas Lubrificantes, Iconic, Castrol, Total e YPF. Deve-se lembrar que Raízen, Moove e Cosan são controlados ou tem participação societária da Shell.

Segundo os dados do Sindicom, as onze distribuidoras, que concentram os volumes de armazenamentos das bases primárias, vendem apenas 21% dos combustíveis diretamente aos consumidores, enquanto repassam 79% dos combustíveis importados e comprados das refinarias para os TRR e revendedores. Esses dados é uma clara evidência de concentração de mercado de distribuição de combustíveis.

Os dados da ANP também destacam que a maioria das distribuidoras têm baixa capacidade de armazenamento e mantém estoque semanais de combustíveis. Os dados apontam que as distribuidoras têm planejamento de fornecimento de 30 dias em média, podendo chegar a 60 dias no máximo para as grandes distribuidoras. Em outras palavras, as distribuidoras emitem pedidos de compra de combustíveis para a Petrobrás ou para importadores entre 30 e 60 dias de antecedência. Deve-se destacar que os preços pagos por estas compras é o preço do dia da entrega do combustível, ou seja, o dia da emissão da nota fiscal.

Outra característica logística das grandes distribuidoras é que elas contratam empresas transportadoras de combustíveis que pertence ao mesmo grupo controlador. A maiorias das distribuidoras possuem ativos como caminhões tanques para distribuição para os postos, e terceirizam o transporte dos combustíveis entre suas bases primárias e secundárias. O transporte de combustíveis entre as bases primárias e secundárias e aos clientes é o maior custo das distribuidoras. Desta forma, os vínculos entre as distribuidoras e as empresas transportadoras é forte indício de concentração de mercado.

As distribuidoras explicam que para reduzir o risco de perdas financeiras, devido à baixa capacidade de armazenamento, os compromissos de compras de combustíveis e a alocação de logística antecipadas em até 60 dias, adotam uma estratégia de repassar imediatamente os preços dos combustíveis nas bombas quando os preços sobem, e retardam o repasse dos preços em pequenas reduções em até 60 dias, quando os preços caem. As distribuidoras alegam que essa é única forma de garantia de uma margem de receita positiva em períodos de incertezas do câmbio e alta dos preços do petróleo. Ou seja, as distribuidoras ganham sempre, com alta dos combustíveis, e principalmente com queda dos preços. Quem paga o preço são sempre os consumidores.

Isso mostra apenas que o governo não tem qualquer ferramenta de controle para atuar nas distribuidoras, e que qualquer política governamental para diminuir os preços de combustíveis ou reduzir a volatilidade nos postos implicará numa compensação para as distribuidoras da diferença entre os preços de compra e o preço de repasse aos postos.

A ANP publica que o consumo médio diário de diesel no Brasil nos últimos cinco anos é 988 M bbl/d (milhões de barril/dia) e alcançou 1070 M bbl/d em 2021. O volume médio diário de importação de diesel é 187 M bbl/d, enquanto as refinarias produziram 801 M bbl/d (81% do consumo). No caso da gasolina, o consumo médio diário é 699 M bbl/d e um volume médio diário de importação é 57 M bbl/d e a produção nacional é 522 M bbl/d (74,6% do consumo). Lembrando que a conversão de barril para litros é 159 l/bbl.

Do ponto de vista financeiro, estes números levam a um dispêndio de U$ 5,96 bilhões anuais com importação de diesel e U$ 1,63 bilhões anuais com gasolina (U$ FOB). Somente o consumo de diesel e gasolina representa um mercado direto para as distribuidoras de cerca de U$ 50 bilhões anuais FOB. Se incluirmos toda a cadeia de suprimento e os impostos, a distribuição de diesel e gasolina movimenta diretamente em torno de U$ 130 bilhões anuais.

Considerando a capacidade de armazenamento, os compromissos de compras de combustíveis e a alocação de logística antecipadas das distribuidoras, é necessária uma compensação de 60 dias as distribuidoras para obter previsibilidade de preço e redução de volatilidade aos consumidores.

Em 2021, os preços da gasolina e diesel subiram cerca de 46%, uma média mensal de 3,85%. Para compensação de 60 dias as distribuidoras, estima-se que seria necessário um fundo de compensação da ordem de U$ 584 milhões a cada 60 dias,  levando em conta somente o dispêndio de importação de diesel e gasolina.

Em outras palavras, seria necessário a transferência de U$ 3,05 bilhões anuais da sociedade brasileira para as onze companhias distribuidoras de combustíveis e de lubrificantes, todas empresas privadas.

No congresso, hoje, existem duas linhas de projetos que versam sobre estas compensações as distribuidoras, os projetos que propõem um fundo para repassar parte da receita da Petrobrás e da união para as distribuidoras, e os projetos que usam a redução de impostos federais, estaduais e municipais para reduzirem os preços aos consumidores.

Na linha dos projetos de criação de fundos de compensação, existem duas propostas: PL 1472/2021, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), e a PEC 1/2022, do senador Carlos Fávaro (PSD-MT).

A PL 1472/2021 cria um fundo financiado por um imposto sobre exportação do petróleo bruto e pelo lucro extraordinário da Petrobras com o aumento do preço do barril de petróleo. Este projeto estabelece um escalonamento para tributação de exportação do petróleo bruto de 2,5 a 20 %, progressivo com o preço internacional do petróleo acima de U$45,0/barril. Além disso, propõe o uso dos dividendos da Petrobras distribuídos à União, uso das reservas cambiais semestrais do Banco Central no caso de balanço positivo; e uso da participação da União dos resultados do regime de concessão e de partilha de produção de óleo e gás.

A PEC 1/2022 também propõe que os dividendos da Petrobras obtidos pela União, mais os recursos provenientes dos leilões do pré-sal previstos para 2022, façam parte do fundo social. Esta PEC ainda permite que União, Estados e municípios reduzam os impostos incidentes sobre os combustíveis até 2023, tais como, IPI, IOF, Cide, PIS/Pasep, Cofins, IE, e ICMS.

A chamada de “PEC da Irresponsabilidade Fiscal” também estipula um auxílio diesel de até R$ 1.200 por mês para caminhoneiros autônomos. Repasse de até R$ 5 bilhões de recursos da União a Estados e municípios, para assegurar o acesso de idosos ao transporte público coletivo. E amplia o subsídio do Vale Gás de 50% para 100% do valor do botijão para famílias de baixa renda poderem adquirir gás de cozinha.

Em resumo, estes dois projetos propõem repassar parte da receita da Petrobrás com exportação de petróleo, a receita gerada pelo pré-sal para união, e dividendos pagos pela Petrobrás ao governo para as distribuidoras que importam combustíveis.

Em 2021, a receita com exportação de petróleo chegou a U$ 30,5 bilhões anuais, para um volume de exportação diária de 1,387 M bbl/d. Em outras palavras, seria repassado as distribuidoras privadas praticamente 10% de toda receita de exportação de petróleo nacional de uma empresa estatal.

Outro impacto forte destas propostas é a redução de receita da Petrobras, e consequentemente, redução dos impostos e dividendos pagos pela Petrobrás para os governos e acionistas. Além da apropriação de recursos do banco central e da união para transferir a um grupo seleto de empresas privadas.

Finalmente, esses projetos não estabelecem qualquer ferramenta de controle do governo e nenhuma contrapartida das distribuidoras.  
Na segunda linha de projetos no congresso que propõem redução de impostos, estão o PLP 11/2020, do deputado Emanuel Pinheiro (PTB-MT), e a recente proposta de emenda à Constituição apresentada pelo deputado federal Christino Áureo (PP-RJ);

A PLP 11/2020, aprovado em outubro de 2021 pela Câmara, se restringe a diminuir o ICMS, que é o imposto estadual, sobre combustíveis. O projeto determina que os Estados estabeleçam um valor fixo anual e fixa também um teto a ser cobrado de ICMS por metro cúbico de combustível vendido.

A proposta do deputado Christino Áureo também propõe a permissão da redução total ou parcial dos impostos que incidem sobre os combustíveis, e estende a permissão para que outros impostos que não estejam inseridos nos combustíveis possam ser reduzidos até 2023, e sem qualquer compensação.

Mais uma vez, estas duas propostas não criam nenhum mecanismo de controle ou contrapartida para as distribuidoras. Logo, sem controle, a possível redução dos impostos teria um impacto de curto prazo e não garantiria que ocorra a redução dos preços dos combustíveis no longo prazo, porque as distribuidoras se apropriariam desta redução, e aumentariam suas margens de lucro. Outro problema, é que a redução dos impostos não teria nenhum impacto na volatilidade dos preços com a variação do dólar e dos preços internacionais, uma vez que as distribuidoras continuariam praticando a política de aumento imediato e redução escalonada nas variações para cima e para baixo dos preços de venda.
Nenhuma proposta do congresso discute a origem do problema dos preços altos e voláteis dos combustíveis, que é a redução da competição das distribuidoras com a privatização da BR Distribuidora.

A BR Distribuidora, verticalizada com a Petrobrás, alcançava o menor preço e volatilidade porque, na época da sua privatização, possuía uma rede de bases primárias e secundárias, postos de gasolina e presença em quase todos os aeroportos. A BR Distribuidora estava presente praticamente em todos os mercados regionais do território nacional com eficiência logística, e proporcionava o menor custo operacional entre todas as distribuidoras nacionais. A BR distribuidora competia em todos os mercados regionais com o menor preço alcançável sem comprometer a sua margem de distribuição em seus resultados financeiros.

A BR, integrada a Petrobrás, sempre acompanhou a variação de preço das refinarias, aumentando seu fluxo de caixa pelo crescimento das vendas e de sua eficiência. A isonomia de fornecimento e preço nas refinarias e terminais da Petrobras ocorriam no preço de paridade de exportação, e a BR distribuidoras praticava o menor preço alcançável nos mercados regionais.  O preço praticado pela BR distribuidoras era a média ponderada entre o preço Petrobrás, considerando a produção nas refinarias, e o preço de paridade de importação ponderado pela quantidade de combustíveis importados pela BR. Isso garantia o menor preço e menor volatilidade alcançável em todos os mercados regionais onde a BR estava presente.

Entretanto, com a implantação da política de Preços de Paridade de Importação (PPI) nas refinarias da Petrobrás, desde 2016, e com a privatização da BR, os concorrentes da Petrobrás (importadores e distribuidoras) se viram livres para adicionar seus custos de logística, operacional, impostos, seguros, taxas portuárias e maximizar o lucro incorporados aos preços, maximizando seus resultados em prejuízo aos consumidores brasileiros e à economia nacional.