domingo, 28 de abril de 2019

Poucos suportariam com tanta dignidade o reverso da fortuna como Lula, diz Reinaldo Azevedo

Publicado em 28 abril, 2019 1:01 pm
Lúcido, o ex-presidente é uma fonte de inspiração Foto: Reprodução/Twitter
Em sua coluna no Uol, o jornalista Reinaldo Azevedo analisa a entrevista de Lula à Monica Bérgamo.
Goste-se ou não de Lula, o fato é que ele tem no sangue, nos gestos, no olhar, na linguagem, nos esgares, o prazer da política. Falar sobre o assunto, como se viu na entrevista concedida aos jornalistas Mônica Bergamo e Florestan Fernandes Jr., da Folha e do El País, respectivamente, o revigora. E, nesse particular, ele é o oposto de Jair Bolsonaro.
Assisti à entrevista em busca de anacolutos, de expressões soltas, de palavras sem função sintática que atravancam o discurso. Nada! A fala é límpida — isso independe de o ouvinte, ou espectador.
Louvem-se, assim, de saída, a sua resiliência e, à diferença do que afirmou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a sua sanidade mental. Não se percebeu, em nenhum momento, sinal de confusão, de perda do fio, de palavras ao léu.
Preso desde 7 de abril do ano passado, é a primeira vez que fala com liberdade. Fez um uso político do tempo.
Poucos, caminhando para ninguém, suportariam com tanta dignidade o reverso da fortuna.
Na sua passagem pelo poder, fez-se uma liderança mundialmente respeitada, reverenciada por governantes das mais variadas tendências e de todos os quadrantes do planeta.
A elite brasileira que hoje lhe vira as costas praticamente se ajoelhava a seus pés.
Contrasto aquele que chegou a ser tratado quase como um imperador absolutista com o presidiário de agora, recolhido a uma cela — que ele prefere chamar “sala” —, em absoluta solidão, vendo o mundo pelo noticiário de TV, preenchendo as suas horas, como disse, com filmes que lhe passam em “pen drives”, longe da verdadeira cachaça de que é dependente: não é a pinga, mas a política. Em dois anos, viu morrer a mulher, Maria Letícia; o irmão de que era mais próximo, Vavá, e, supremo sofrimento, o neto Arthur, de apenas sete anos.
Já vi gente se debulhar em lágrimas de autocomiseração por muito menos e por contrastes bem mais suaves, não conseguindo suportar com altivez revezes muito mais brandos.
Lula, e qualquer especialista em saúde mental certamente poderá atestá-lo, está inteiro.
Enfrentou com frieza a primeira e dura questão de Mônica Bérgamo: está preparado para não sair da cadeia? E, ainda que se mostre compreensivelmente obcecado por sua absolvição, a resposta inequívoca é “sim”.

(…)

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