O saldo anticlimático das eleições e o respiro da bancada do climaNo ano em que a emergência climática se instalou de forma estrondosa no Brasil, das trágicas enchentes no Rio Grande do Sul ao fogo sem tréguas na maior parte do país, o impacto da crise parece não ter se refletido nas urnas. Políticos pouco afeitos a lidar com o problema passaram ilesos – já eleitos no primeiro turno ou ainda em disputa no segundo.
Apesar de as pesquisas em geral mostrarem o brasileiro preocupado com a mudança do clima, isso ainda não se transferiu para as prioridades do eleitor. Ou, ao menos, talvez ele ainda não tenha relacionado o problema – e a solução para ele – ao papel dos prefeitos.
Um pequeno alento foi ver candidatos que se alinharam às iniciativas “Bancada do Clima” e “Vote pelo Clima” sendo eleitos em vários cantos do Brasil, ainda que em uma proporção ínfima considerando a quantidade de cargos que estavam em disputa.
O caso mais óbvio de descompasso entre o cenário de emergência imposto pela mudança do clima e as reações do eleitorado foi a quase reeleição em primeiro turno do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que estava no comando da cidade durante as enchentes de maio.
Se obviamente não foi dele a culpa das chuvas intensas, a tragédia expôs falhas no sistema de proteção contra enchentes e revelou como a capital, mas também as demais cidades gaúchas, estavam despreparadas para os riscos do aquecimento global. Ainda hoje, cinco meses depois da tragédia que deixou 180 mortos e mais de 2 milhões de atingidos, famílias que perderam tudo continuam sem moradia, como mostra reportagem da Agência Pública. Os planos de habitação são pouco claros e não há cronogramas bem definidos para entregas.
Mas cobranças nesse sentido ou pressões para deixar Porto Alegre mais resiliente a eventuais novas chuvas intensas – apesar de terem aparecido durante a corrida eleitoral e terem feito com que a maior parte dos candidatos abordasse a temática em seus planos de governo – não foram o assunto que mobilizou as urnas.
Outros casos que chamam a atenção são de capitais da Amazônia que ficaram cobertas pelas fumaças nos últimos meses, registrando os piores níveis de qualidade do ar, e já elegeram ou encaminharam para o segundo turno candidatos que pouca ou nenhuma atenção dão para a crise do clima.
Tião Bocalom (PL), reeleito em primeiro turno para continuar comandando Rio Branco (AC), até afirma genericamente em seu plano de governo que a sustentabilidade ambiental é “extremamente importante”, como mostramos em outra reportagem da Pública, mas desde que sem “regulamentações excessivas”. E que permita “que o mercado funcione livremente, com foco em soluções baseadas na eficiência e na responsabilidade corporativa”. Sobre as queimadas, disse que a fumaça que atinge o Acre é “importada” de outros estados.
Já Arthur Henrique (MDB), reeleito no primeiro turno em Boa Vista (RR), nem sequer falou sobre queimadas ou sobre a seca que atinge a cidade. O rio Branco, que atravessa a cidade, está em níveis baixíssimos, o que afeta o abastecimento de água e levou a prefeitura a decretar situação de emergência.
Em Manaus, o único candidato que trazia um plano para lidar com a questão climática ficou de fora do segundo turno. O deputado federal Amom Mandel (Cidadania), porém, anunciou apoio a Alberto Neto (PL), com o compromisso de que ele adote suas propostas ambientais.
Em Porto Velho (RO), o embate também seguiu para o segundo turno. O estado é um dos mais afetados pelas queimadas, por desmatamento, a capital teve dias consecutivos com péssima qualidade do ar. Mas lá, como definiu o cientista político João Paulo Viana, da Unir (Universidade Federal de Rondônia) e pesquisador no Legal (Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal), em entrevista ao site Nexo, é como se o meio ambiente fosse uma “antipauta” nas eleições.
“Percebemos em pesquisas com grupos focais o que chamamos de trade-off. É um conflito de escolhas. Ele [o eleitor] fala que o meio ambiente é importante, que não aguenta mais, que crianças e idosos estão passando mal, mas a economia é mais importante. A classe política acaba mantendo o tema afastado porque ele não dá voto”, analisou Viana. |
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