segunda-feira, 21 de outubro de 2024

HISTORIAS QUE NÃO PODEM SER ESQUECIDAS

 

Olá,

Fui para o Rio Grande do Sul no início de setembro. Mais de quatro meses haviam se passado desde as enchentes que se tornaram o maior desastre ambiental do estado. Eu sabia que as coisas não estariam de volta ao normal, mas nada havia me preparado para ver uma destruição ainda tão pujante.

Vieram as eleições, outros desastres, novas polêmicas. Gradativamente, o holofote para a tragédia foi migrando para outros assuntos. Mas os impactados pelas enchentes continuaram ali, precisando de ajuda, mesmo depois que todo mundo foi embora.

Caminhando pelo centro de Porto Alegre, me assustei com a marca que a água barrenta deixou nas paredes, como uma linha cor de terra mais alta que eu. Nos bairros periféricos, onde dificilmente o poder público chega, o estrago foi ainda pior. 
Casa em Sarandi que ficou submersa pelas águas da enchente. Foto: Carlos Macedo. 
Em Sarandi, um dos maiores bairros da capital gaúcha rodeado por córregos e arroios, conheci pessoas que não tinham nada e ainda assim perderam tudo. Suas casas ficaram um mês totalmente submersas em um líquido que não deveria ser chamado de água, haja vista que era uma mistura de esgoto, lixo e produtos químicos que são despejados nos córregos. 

Nas cidades do Vale do Taquari, um dos locais mais impactados, a situação é ainda mais grave. A violência das enxurradas foi tão forte que arrastou casas, pontes, pessoas e bichos, literalmente qualquer coisa que estivesse em seu caminho. Meses depois da catástrofe, ainda há destroços nas ruas de Muçum e Roca Sales, pequenas cidades às margens do rio Taquari. Alguns moradores perderam o que tinham três vezes em menos de um ano, nas enchentes de setembro e novembro de 2023 e do último mês de maio.

Muitas pessoas percebiam meu crachá da Agência Pública e vinham me contar o que passaram naqueles dias de terror. Elas sentem uma necessidade de contar, talvez esse seja um jeito de processar o que aconteceu, de deixar registrado que não são só um número, um dado – eram pessoas que estavam ali, e cujas vidas foram inteiramente atravessadas por um rio.

Publicamos algumas reportagens a partir desta viagem. A primeira, uma 
entrevista com o pesquisador Marcelo Kunrath Silva, sobre como as catástrofes impactaram nas eleições. Ele estava certo, Sebastião Melo (MDB) quase venceu em primeiro turno apesar das falhas no sistema de contenção de enchentes. Depois, falei sobre o cemitério de Muçum, que os moradores acreditam que os mortos ajudaram a salvar os vivos da cidade.

Há alguns dias saiu a reportagem mais longa e também mais dolorosa: sobre pessoas que 
ainda sofrem os efeitos do desastre. Mais de 2 mil ainda estão em abrigos, outras milhares perderam suas casas e não sabem quando vão receber ajuda do poder público. 

Depois, enfim, uma boa notícia: contamos que o assentamento do Movimento Sem Terra em Eldorado do Sul, que ficou semanas submerso, 
já voltou a produzir, ao contrário de seus vizinhos do agronegócio tradicional. E ainda tem mais matéria para sair


São histórias que mexem com quem as lê de coração aberto. Elas merecem ser ouvidas, mesmo que uma parte da mídia nacional não dê mais tanta atenção a elas. Nós damos, porque não são histórias que “vendem mais” que ditam a nossa cobertura. A Pública é movida pelo interesse público. Nossa independência para abordar pautas fora do radar da grande mídia vem do apoio dos leitores, fundamentais para garantir nossa autonomia. Nos ajude a seguir contando histórias que não podem ser esquecidas. 
QUERO FINANCIAR O JORNALISMO INDEPENDENTE
Um abraço,

Amanda Audi
Repórter da Agência Pública

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