Desertificação, mais uma crise omitida pelos jornais
– 23 de fevereiro de 2015
ONU adverte: embora precise elevar produção de alimentos, planeta perde solos férteis aceleradamente. Fenômeno está relacionado a agronegócio e desmascara sua suposta “eficiência”
Por Najar Tubino, em Carta Maior
É uma decisão da ONU, que desde 2013 também
definiu o dia 5 de dezembro como o dia mundial do solo. Em maio, entre
os dias 4 e 7, ocorrerá, na Albânia, a Conferência Internacional do
Solo, com o lema: “O solo sustenta a vida: muito lento para formar,
rápido demais para perder”. Um centímetro de solo demora entre 100 e 400
anos para se formar, e os pesquisadores calculam que um solo produtivo
dentro da normalidade leve de três mil a 12 mil anos para a sua
formação. Mesmo assim, a ONU calcula que até 2050 o mundo perderá um
Brasil inteiro em solo, ou seja, 849 milhões de hectares. São 12 milhões
de hectares por ano. O que é mais importante: somente 5 a 10% dessa
terra chegam ao mar. Onde fica o restante? No leito dos rios, no lago
das represas, tanto de abastecimento de água, como das hidrelétricas,
nos córregos, nos afluentes. Como dizem os chineses: os rios do planeta
estão empanturrados.
O secretário executivo da Convenção das Nações
Unidas contra a desertificação, o africano Luc Gnacadja, do Benin,
pergunta: por que este assunto não está na capa dos jornais? Simples,
porque a mídia tradicional não trata de assuntos importantes realmente, a
não ser com um viés conservador, sempre a favor do mercado. Tratar do
solo, portanto, poderá desmascarar a eficiência do agronegócio, cuja
receita de monoculturas é a mesma no mundo. Mas aí temos as previsões
para o aumento da população e as necessidades de alimentação, o que
reforça a prática destrutiva do modelo industrial de produção de
alimentos. Temos que crescer 50% até 2050, dizem eles. Isso significa
algo como 175 a 200 milhões de novos hectares.
A degradação avança em todo o mundo
A matemática é simples: se nada for feito para
deter a erosão e o desmatamento, os dois principais fatores da
degradação dos solos, em 20 anos teremos perdidos mais 240 milhões de
hectares, calculando 12 milhões ao ano, como faz a ONU. Em 1991, 15% das
terras cultiváveis do planeta estão se degradando, agora são 24%. Eram
110 países que sofriam com o problema da erosão e com o aumento da
desertificação, agora são 168.
“Veja o caso da África”, cita o secretário da
Convenção contra a Desertificação, que é o continente mais vulnerável à
seca e à degradação dos solos. A situação atual aponta para 45% do solo
afetado pela degradação e admite-se que dois terços podem ser perdidos
até 2025”, diz Luc Gnacadja.
Ele completa: “até agora a resposta humana à
degradação dos solos e ao avanço da desertificação tem sido derrubar
mais área de floresta para aumentar a fronteira agrícola”.
Mundo urbano não discute o rural
Um texto sobre outra conferência – em Brasília,
entre os dias 25 a 27 de março — cita alguns argumentos sobre a
importância do solo:
“Os solos constituem insumo fundamental para o
desenvolvimento humano. Nenhum país consegue desenvolver-se plenamente
sem acesso a esse recurso natural e as suas riquezas são incalculáveis.
Em interface com a atmosfera, a hidrosfera, a biosfera e a litosfera o
solo é responsável pelos principais processos biogeoquímicos que
garantem a vida na Terra, estoca a água e recicla nutrientes, protege
contra enchentes, sequestra carbono e abriga 25% da biodiversidade”.
Ocorre que o mundo atual é urbano, digital,
eletrônico e não comporta espaço nem discussão sobre assuntos
considerados rurais, do campo, de outra esfera. A não ser quando da
realidade bate a porta e começa a sumir a água das torneiras e, de
repente, milhões ficarão sem água, como acontecerá em 2015 em São Paulo.
É o que diz um trabalho divulgado pela The Nature Conservancy sobre o
problema da falta de água nas grandes cidades.
Detonaram o mato dos mananciais
Se 14,3 mil hectares dos 493,4 mil hectares que
formam os sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande
fossem reflorestados com mato nativo, isso diminuiria em 568,9 mil
toneladas de sedimentos que são jogados nos cursos d’água, que alimentam
os reservatórios.
“- A sedimentação tem impacto direto na
quantidade e na qualidade da água dos mananciais. Isso ocorre porque não
há cobertura vegetal ao redor dos rios e das represas. O solo exposto,
além de sofrer erosão e não absorver a água das chuvas provoca o
escoamento da terra para os corpos d’água, assoreando o leito e
diminuindo a vida útil dos reservatórios”, como explica Samuel Barreto,
coordenador do Movimento Água para São Paulo.
A região dos mananciais já perdeu 70% da mata
nativa para a pecuária e agricultura. Os números levantados pela
organização não governamental SOS Mata Atlântica são piores – só restam
488km2, ou seja, 21,5%. Não se trata de uma novidade brasileira. A
erosão na China já consumiu 19% da área agrícola e os números apontam
para descarga de terra superior no rio Yang-Tsé, o maior da Ásia,
superior as dos rios Nilo e Amazonas juntos – três bilhões de toneladas
ao ano.
O tempo passa, as cidades inflam, os rios são
empanturrados não somente de terra, de solo perdido, juntamente com seus
nutrientes e dos fertilizantes químicos, mas também de esgoto e lixo de
todo tipo. É uma situação vergonhosa o que acontece no Brasil, onde o
tratamento de esgoto ainda não é considerado uma prioridade, mesmo com
verbas federais autorizadas. O conto do vigário de políticos sem
compromisso com a população não combina com obras que ficam embaixo da
terra. Hoje, ao se fazer uma pesquisa sobre assoreamento de rios e
represas no país, o resultado é revoltante. Sem exceções, todos os
principais rios brasileiros estão assoreados e entupidos de esgoto e
lixo. Seus afluentes, córregos e nascentes foram detonados, sem mato
para proteção. Tudo em nome do progresso e da modernidade, que fede com
os excrementos de milhões de pessoas.
Colapso do sistema público de água
Em 2015, justamente quando o assunto solo
poderá ganhar as páginas da mídia ordinária, o país será usado como
exemplo do que pode ocorrer na maior metrópole, a falta de água nas
torneiras paulistas. O Centro de Desastres Climáticos, do INPE calculou
as estimativas de chuvas até abril – mesmo com fevereiro acima da
média-, além do que a SABESP retira do sistema Cantareira. E a previsão é
que o sistema seca em julho. No início de dezembro passado ocorreu um
encontro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP,
sobre as perspectivas de abastecimento de água na região metropolitana
de São Paulo. O professor Pedro Luiz Cortês, da Uninove, coordenador do
encontro, disse:
“Temos um sistema cada vez mais suscetível a
eventos climáticos, como secas prolongadas, além do consumo cada vez
mais intenso. Desde 2012 sabíamos que entraríamos num regime de falta de
chuvas. O governo deveria vir a público apresentar os cenários com os
quais está trabalhando”.
Outro comentário, agora do professor Reginaldo Berto, do Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP:
“É preciso se preparar para o colapso do sistema público de abastecimento a partir de abril de 2015”.
Enquanto isso, a mídia ordinária faz uma
contagem regressiva ao contrário, dando uma falsa impressão à população
de que as coisas estão melhorando. O Sistema Cantareira, assim como
outros sistemas de abastecimento, começou a entrar em colapso ao longo
dos últimos anos. A essência do problema é que a classe política
conservadora não considera o ambiente como parte da vida e do suporte da
vida, além de combater a noção que vivemos mudanças climáticas, como se
fosse ideia de comunista. E, por essa e outras, que o país, que tem
água doce em grande quantidade, dará um exemplo ao contrário ao mundo.
Claro, que tudo ainda depende da decisão técnica do governador paulista.
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