sexta-feira, 9 de setembro de 2022

 

O jornalismo está vivo!

Entre as faixas ostentadas nos atos eleitorais do candidato-presidente misturados aos desfiles militares, havia uma com dizeres direcionados diretamente aos profissionais de imprensa: “O jornalismo morreu”, vaticinava. Mas foi desmentida pela própria cobertura do 7 de setembro da qual a Agência Pública também participou. 

Nenhum órgão de imprensa deixou de exibir o tamanho da multidão que se reuniu em torno de Jair Bolsonaro para ouvir de auto-elogios a ameaças ao STF, no Rio e em Brasília, onde o presidente puxou o bordão machista do “imbrochável” ao lado da esposa, minutos depois de assistir ao desfile oficial do bicentenário da Independência. 

Mas a imprensa também não deixou de reportar, quase unânime, o sequestro eleitoral praticado por Bolsonaro - valendo-se do cargo de presidente - de uma comemoração que pertence a todos os brasileiros. Foi um ato de campanha: os cabos eleitorais estavam nas ruas e não havia quase nenhuma autoridade no palanque além do presidente, que foi do desfile militar ao discurso de candidato no carro de som do Movimento Verde Amarelo, como relataram os repórteres Rubens Valente, Laura Scofield e Yolanda Pires. 

A imprensa também apontou o caráter antidemocrático de faixas e falas e os possíveis crimes eleitorais cometidos por Jair Bolsonaro, que teria afrontado a legislação eleitoral e dois artigos constitucionais: o  37 - sobre o princípio da impessoalidade da administração pública; e o 14 - que impede o abuso do exercício do cargo. O PT, PDT e Rede protocolaram manifestação ao STF pelo uso eleitoral do 7 de setembro por Bolsonaro, incluindo recursos públicos e estrutura militar. Os partidos também entraram com pedidos de investigação no TSE. Mas, provavelmente, não haverá resposta a tempo para eventuais punições durante as eleições.

É aí que o jornalismo investigativo entra em campo, levantando a origem dos recursos não apenas públicos, mas também privados, que podem ser doações não declaradas, ilegais, assim como configurar abuso de poder econômico. Os repórteres Alice Maciel e Caio Paes, no calor da cobertura ao vivo, conseguiram descobrir quem bancou a ida dos tratores a Brasília, identificando os proprietários de 24 dos 28 tratores que participaram do desfile militar, a um custo de 4 mil e 15 mil reais, e que teriam negociado sua presença diretamente com o Exército.

Na manhã das manifestações, o repórter Vasconcelo Quadros já havia revelado que um dos líderes agrobolsonarismo, o mato-grossense Antônio Galvan, fundador do Movimento Verde Amarelo e também presente no ato de quarta-feira passada, obteve vantagens do Ministério da Agricultura depois de mobilizar os produtores de soja para participar de atos antidemocráticos no ano passado. Publicada na véspera, uma reportagem de Bruno Fonseca e Matheus Santino também mostrou como foram os preparativos das manifestações nas redes bolsonaristas, prevendo o ataque às pesquisas eleitorais, que substituíram a urna eletrônica como bode expiatório da vez.  

No Rio, Mariama Correia, Paula Bianchi e José Cícero chegaram às excursões e trios elétricos bancados por lideranças religiosas em franca campanha eleitoral, entre eles aquele financiado pelo pastor evangélico Silas Malafaia, que serviu de palanque a Bolsonaro. Em Copacabana, Bianchi também flagrou o ex-porta-voz de Trump, Jason Miller, e entrevistou o empresário, que é dono da plataforma de ultra direita Gettr, que financiou eventos da pré-campanha de Bolsonaro. De São Paulo, Ciro Barros, Rafael Oliveira, Nathallia Fonseca e Clarissa Levy reportaram manifestações pesadas contra o STF e a democracia por bolsonaristas trazidos do interior em caravanas financiadas pelo agronegócio, enquanto a repórter Anna Beatriz Anjos estava no Grito dos Excluídos que reivindicaram comida e democracia, sem bandeiras de candidatos ou partidos. 

Decidimos cobrir os atos de 7 de setembro - uma novidade para a Agência Pública, que se dedica primordialmente às reportagens de fôlego - porque não se tratava de uma parada militar, o que seria corriqueiro, nem de um ato lícito de campanha eleitoral, mas de uma violência contra os direitos dos brasileiros e a democracia. Jair Bolsonaro nos roubou o bicentenário da Independência e os debates importantes que a data suscita, trocando-os por seu discurso monocórdico e vazio. Agrediu a democracia de novo com suas bandeiras distorcidas, a ameaça ao STF, o comportamento hostil às mulheres, à imprensa, e o evidente abuso de poder econômico e político na campanha eleitoral. E isso vai muito além de política partidária. 

Agradecemos à toda equipe da Agência Pública por contribuir para que o jornalismo continue muito vivo, com coragem para chamar as coisas pelo nome e investigar os fatos de interesse público, como exige a democracia, principalmente quando é um autoritário que está no poder. 



Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública

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