Opinião
O povo de Aécio
Quem saiu às ruas no domingo 13 não representava o conjunto da sociedade. Era rico, branco e eleitor do tucano
por Marcos Coimbra
—
publicado
21/03/2016 05h22
André Tambucci/Fotos Públicas
O sistema político foi dormir menos sobressaltado, mas ainda preocupado, depois das manifestações do domingo 13.
Nada de verdadeiramente novo aconteceu “nas ruas” e o fato
significativo foi de que algumas nuvens no horizonte ficaram mais
escuras.
A mídia procurou amplificá-las, em manchetes de jornal e
na cobertura intensiva na televisão. Chamou os acontecimentos de “maior
ato da história”, em risível exercício de negação da própria história.
Maiores que alguns protestos na década de 1960, como a Passeata dos 100
Mil, no Rio de Janeiro? Maiores que as manifestações em favor das
eleições diretas nos anos 1980?
Pretender que eventos tão distantes sejam comparáveis é
forçação de barra. Em um Brasil com um terço da população atual e em
plena ditadura, 100 mil cidadãos nas ruas para protestar significam
muito mais do que foi visto agora na Praia de Copacabana. Os “comícios
das Diretas” não foram simultâneos e os participantes tinham consciência
do risco que corriam ao confrontar o regime militar. Como dizer que
foram menores?
Em relação às manifestações, tanto no dia 13 quanto ao longo de 2015, a questão relevante nunca foi de “quantos”, mas de “quem”.
É exatamente o inverso das mobilizações durante a ditadura, nas quais a
quantidade era atributo fundamental, a ponto de aquela “dos 100 mil”
haver se tornado memorável pelo simples fato de atrair tanta gente.
Embora as pesquisas
a respeito das características dos manifestantes do domingo tenham sido
feitas em poucas cidades, revelam um quadro sempre igual: quem foi às
ruas não espelha nossa sociedade.
Seria de se esperar que a principal diferença entre eles e
aqueles que não aderiram às passeatas estivesse no grau de interesse e
de envolvimento com a política: os motivados saíram de casa e os
desmotivados ficaram (ou foram fazer outra coisa). Mas não é isso que as
pesquisas mostraram.
Os manifestantes não representam a parcela politicamente
mobilizada da sociedade, apenas um segmento dela. Não são “o Brasil que
se opõe” a alguma coisa, mas uma parte que não expressa o todo, nem do
ponto de vista socioeconômico nem em termos político-partidários.
Em todas as cidades, as pesquisas apontaram que os
participantes eram mais ricos, tinham mais educação formal e eram mais
brancos que a média da população. Que a proporção de cidadãos mais
velhos era maior, assim como a de empresários e profissionais liberais.
O mais importante é, porém, o fato de os
manifestantes não exprimirem a diversidade de opiniões existente na
sociedade. Em São Paulo, 79% daqueles que participaram do ato votaram em
Aécio Neves em 2014. Em Porto Alegre, 76%. Nas duas cidades, somente 3% dos entrevistados disseram ter votado em Dilma Rousseff.
Não se trata apenas de ricos e brancos.
Quem desfilou pelas ruas é fundamentalmente rico, branco e eleitor de
Aécio Neves. É esse o perfil de quem atendeu às convocações dos partidos
políticos, das lideranças e dos meios de comunicação claramente
oposicionistas.
Ao se considerar o vasto investimento na organização das manifestações e o esforço da mídia,
em especial do Sistema Globo, para engrossá-las, o acréscimo nos
números, em relação ao início de 2015, foi modesto. Não conseguiram que
crescessem como desejavam e foram incapazes de diversificar e ampliar o
recrutamento de participantes, a fim de torná-los mais representativos.
Além dessa mídia,
que pôde perceber que seu poder é menor do que imaginava, quem deve
estar preocupada é a oposição. Se em São Paulo quase 80% dos
manifestantes eram eleitores do PSDB, como justificar as vaias recebidas
por seus expoentes? Como explicar que o antigo eleitorado tucano
prefira opções ainda mais à direita? Quem achava que mais lucraria ao
acender a fogueira saiu chamuscado.
Tanta coisa aconteceu de domingo para cá que as
manifestações parecem longínquas. Mas é bom ter em mente o que foram
efetivamente, para evitar a prevalência de versões falsificadas capazes
de atrapalhar a interpretação do nosso momento tão delicado. O “povo
brasileiro” não se manifestou, mas os eleitores de Aécio. Tinham todo o
direito de fazê-lo, mas não são o País.
Nenhum comentário:
Postar um comentário