Em conversa com a imprensa durante o III Encontro Internacional de Reitores, ocorrido no Rio de Janeiro nos dias 28 e 29 de julho e organizado pelo Banco Santander, o reitor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antonio Zago, falou sobre as principais metas da instituição e os desafios da educação brasileira e sugeriu que existe a possibilidade de a USP adotar o Enem como forma de acesso. Para ele, "todas as universidades brasileiras estão atrasadas" e "para uma universidade ter qualidade não é preciso que ela seja cobrada".
No evento, que reuniu mais de 1 mil reitores de universidades de 33 países, Zago presidiu a mesa de debate "Pesquisa, inovação e transferência" e explorou novas parcerias e caminhos para a internacionalização da instituição. Confira a opinião do reitor sobre alguns temas abordados na conversa:
Política de internacionalização da USP
O futuro das relações internacionais na USP tomará um aspecto diferente. Não vai ser por meio de escritórios em Singapura, Boston e Londres. Todos foram fechados com o término do programa em 25 de janeiro. A política de internacionalização será de compartilhamento, de troca de representantes entre a USP e algumas universidades parceiras, por exemplo, a Universidade de Lyon (França), a Universidade de Salamanca (Espanha).
Qualidade e gratuidade
A USP é a universidade de melhor qualidade do Brasil, provavelmente da América Latina, e é gratuita. Para uma universidade ter qualidade não é preciso que ela seja cobrada. Esta é uma questão muito controvertida. Alguns entendem que há uma necessidade em cobrar daqueles que podem pagar, seria uma medida de justiça social. A nossa posição é que esta não é uma questão importante a ser resolvida neste momento.
Queda no ranking do Quacquarelli Symonds (QS) entre as universidades da América Latina para a PUC do Chile
Não podemos comparar a missão de duas universidades tão diversas. A PUC-Chile tem 25 mil alunos, é particular e está em um país cujo Ensino Secundário (Médio) tem maior qualidade. Na USP são 90 mil estudantes, é gratuita e num país cujo Ensino Secundário é pior.
Ensino superior público X particular
Ninguém planejou que teríamos no Brasil 70% de Ensino Superior no setor privado e 30% no público. Tal quadro foi consequência de uma expansão grande da população jovem brasileira. Como o governo não teve condições de bancar a expansão das universidades públicas, as particulares encontraram aqui um filão, um grande negócio. Houve um esforço para expandir o Ensino Superior público, mas ele ainda é reduzido. São Paulo dedica 9,5% de toda a sua arrecadação para as suas três universidades públicas (USP, UNESP, Unicamp). É um recurso vultoso. Por outro lado, no mesmo estado, 460 mil jovens terminam o Ensino Secundário (Médio) anualmente. Destes, apenas 20 mil entram nas três universidades públicas e outros 20 mil, nas Instituições de Ensino Paula Souza. Ou seja, todo o sistema de educação superior do Estado de São Paulo dá conta de menos de 10% dos jovens.
Ensino médio e desigualdades sociais
A atenção principal do País deveria ser para os ensinos primário e secundário (os atuais Fundamental e Médio), porque há dados objetivos que mostram que não estamos bem comparativamente a outros países do mundo. Em segundo lugar, os que chegam ao Ensino Superior não são bem preparados. Em terceiro - e talvez seja o mais crítico - é que no Ensino Secundário se aprofundam as diferenças sociais que vão permanecer pelo resto da vida. É neste momento que os filhos de famílias mais abastadas recebem um ensino de melhor qualidade e se tornam competitivos para o resto da vida. Na universidade, esta diferença fica evidente. Dos 460 mil concluintes do Ensino Secundário, 80 mil vêm do ensino privado e 380 mil, do ensino público. Entretanto, do total de inscritos na Fuvest 63% são do ensino privado e apenas 37% , do público. Entre os 11 mil aprovados na USP, 32% são do ensino público. Os sociólogos dizem - e eu acredito ser verdade - que a grande maioria dos alunos da rede pública desiste do vestibular da USP porque percebe não ter nenhuma chance.
Cotas sociais e raciais
A política de cotas poderia ser uma solução (para os alunos da rede pública entrarem na USP), mas existe uma confusão entre cotas sociais e cotas raciais. Se nós considerarmos apenas as cotas sociais, as raciais já ficam contempladas porque nos extratos mais baixos da população predomina a população mais negra. A USP aplica uma política cotas embora isso não seja dito abertamente. Nunca dissemos que iríamos reservar 50% das vagas para o ensino público, mas que até 2017 esperamos ter 50% dos nossos alunos vindos do ensino público. Este ano tivemos 32% porque aplicamos uma política de bônus - quem vem do ensino público e tem bom desempenho tem pontos acrescidos. Como o exame é muito competitivo, isto faz diferença.
Enem como acesso à USP
Nada se impõem na USP. Não se chega e diz agora é assim. É preciso convencer as pessoas, discutir. Acho o Enem um exame muito bom. Mas uma coisa é certa: a USP já está reestudando seu vestibular e as formas de acesso. O Enem é uma possibilidade. Não posso adiantar porque é o conselho universitário que decide essas coisas.
*A repórter viajou a convite do III Encontro Internacional de Reitores/Universia