segunda-feira, 22 de agosto de 2022

 

Uma ameaça de proporções amazônicas

Regularmente, propostas de gestão internacional da região retornam à pauta. Sob discursos nobres de proteção à floresta e aos indígenas, espreita a cobiça imperialista. Área é estratégica em todas as dimensões: ecológica, econômica, política e militar

Imagem: Sebastião Salgado

A soberania da Amazônia é um tema fundamental no debate atual, em função do contexto de crise econômica inusitada no mundo, possivelmente a mais grave da história. Com todos os riscos que isso implica. Ao par da crise econômica, há uma grande crise política, social e militar, que envolve o centro imperialista mundial, especialmente a sua cabeça, os EUA. Este país sofre grande crise porque, inclusive, não está conseguindo exercer a hegemonia, da mesma forma que manteve durante tantas décadas no mundo. Praticamente mandando no mundo, interferindo em inúmeros países, invadindo outros, mais ainda após a dissolução da União Soviética, em 1991.

Assistimos a derrota do imperialismo no Afeganistão, no ano passado, país do qual os EUA saíram escorraçados, numa situação de humilhante derrota, para um exército teoricamente muito inferior, o Talibã, que dispunha do mínimo de recursos (dinheiro, armamentos modernos etc.). Estamos assistindo há seis meses a crise causada pela atitude da Rússia, que decidiu enfrentar as provocações dos Estados Unidos na Ucrânia, impedindo que este país, a mando das potências imperialistas, instalasse armas nucleares às portas de Moscou.

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A partir deste quadro impressionante é fundamental entender o que está acontecendo na Amazônia, porque a ambição imperialista sobre a região está mais exacerbada do que nunca, justamente em função desse aprofundamento da crise internacional. Como os países ricos dispõem de muito dinheiro para propaganda, a versão quase única que circula é a de que a Amazônia está sendo destruída por quem não tem consciência ecológica. E no lado oposto, os países ricos estariam se empenhando ao máximo em “salvar” a Amazônia.

Recentemente (em 18 de junho), um jornalista de O Globo, Ascânio Seleme, afirmou com todas as letras, que “A floresta não pertence ao Brasil ou Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Guianas.” Usando uma série de argumentos, e descrevendo os graves problemas da região, o jornalista defendeu no artigo que a Amazônia não corre risco em função dos interesses estrangeiros. O perigo de perda de soberania na Amazônia seria uma falácia, não haveria nenhuma ameaça externa. Para o jornalista, os interesses dos EUA, da França e dos demais países imperialistas na região seria apenas o de preservar a floresta e garantir a segurança das populações nativas da Amazônia. Em face dos gravíssimos problemas da Amazônia, enormemente piorados no governo incompetente e entreguista de Bolsonaro, nessa interpretação os países ricos aparecem como “salvadores da pátria”, dispostos a investir e “trabalhar duro” pela preservação da floresta e suas populações nativas.

Nada poderia ser mais enganoso e perigoso do que esse tipo de perspectiva. Possivelmente não exista região em qualquer parte do globo terrestre que disponha de mais recursos naturais do que a Amazônia. O potencial de existência de grandes quantidades de minerais raros, gás, petróleo, naquela região, é enorme. Obviamente a Amazônia tem graves problemas que requererão muito planejamento, vontade política, tempo, e dinheiro para serem resolvidos. Mas certamente a solução não está em colocar a administração do galinheiro nas mãos das raposas.

O atual debate sobre gestão internacional da Amazônia, obviamente, está sendo fomentado pelos grandes capitais internacionais, que querem simplesmente rapinar (roubar) os recursos da área. Essas ambições são disfarçadas por objetivos indiscutivelmente nobres, como a proteção das populações indígenas, preservação do meio ambiente, da fauna etc. Uma das teses cada vez mais difundidas é a de que o Estado brasileiro é incompetente para administrar a Amazônia e que, portanto, estaria justificada a ideia do jornalista, de ser realizada a gestão da floresta através de um conjunto de países. Inclusive de fora da Região Amazônica, já que os demais países amazônicos seriam também incapazes. Os países ricos seriam mais “organizados” e “civilizados”, portanto, mais preparados para administrar a Amazônia.

Neste momento de grande turbulência internacional, de crise econômica e política, e de imensa voracidade dos capitais, esse debate é singularmente perigoso. Está se falando em entregar para administração internacional 59% do território brasileiro, compreendido pela Amazônia Legal, que é distribuído por 775 municípios. A Amazônia compreende nada menos que 67% das florestas tropicais do mundo. Se fosse um país, como querem alguns, a Amazônia Legal seria o 6º maior do mundo em extensão territorial.

No Brasil, há dois principais territórios geográficos para a região: bioma Amazônia e a Amazônia Legal. O primeiro possui 4,2 milhões de km², e é definido como um conjunto de ecorregiões, fauna, flora e dinâmicas e processos ecológicos similares. Ele é composto por florestas tropicais úmidas, extensa rede hidrográfica e enorme biodiversidade. Somente o bioma Amazônia representa 48% do território brasileiro. A Amazônia Legal, que inclui o bioma Amazônia, além de parte do bioma Cerrado e do Pantanal, possui aproximadamente 5 milhões de km². Ela abrange todos os estados da Região Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), Mato Grosso e parte do Maranhão.

A chamada Pan Amazônia é um território que se distribui também entre outros oito países, tendo uma área estimada em 7,8 milhões de km², das quais o Brasil detém 64%. Em seguida vem o Peru (10%), Bolívia (6%), Colômbia (6%), Venezuela (6%) e o restante (8%) que se distribui entre Equador, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. A população da Pan Amazônia está estimada em 38 milhões de habitantes (equivalente a 84% da população da Argentina). Somente a Amazônia Legal tem 28,1 milhões de habitantes, 13% da população brasileira. É uma imensidão de biodiversidade que desperta forte “apetite” nos países imperialistas. A região é extremamente estratégica sob todos os pontos de vista: econômico, ecológico, político, social e militar.

Enquanto isso, uma delegação brasileira com representantes de 18 organizações da sociedade civil visitou os EUA, na última semana de julho, para solicitar ao governo de Washington uma posição em relação ao processo e aos resultados das eleições no Brasil. Esse fato revela os perigos que o Brasil corre neste momento. Os EUA são, com folga, na história mundial, o país que mais organizou golpes de Estado, em todos os continentes. Seguramente, na casa dos milhares. Os golpes de 1945, 1954, 1964, 2016, no Brasil, sabidamente, foram todos coordenados pelos norte-americanos. As ditaduras mais sanguinárias da América Latina, incluindo a de Augusto Pinochet, Jorge Rafael Videla e Emílio Médici, foram todas alavancadas e sustentadas pelos EUA. Essa ingenuidade e subserviência aos interesses dos países estrangeiros, por parte de alguns brasileiros, mesmo que sejam bem-intencionados, pode nos custar muito caro.

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