segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 

“Tua espada volta à luta”

 por:outrasmidias

Em 1974, um comando guerrilheiro invadiu o Museu Quinta de Bolívar, a poucas quadras do centro de Bogotá. Sem muito escândalo, a espada de Bolívar, que repousava no quarto do Libertador, foi levada. Foi o ato fundante do Movimento 19 de Abril (M-19), o Eme, como ainda é conhecido o grupo insurgente onde o atual presidente do país iniciou sua militância.

Os responsáveis pela ação vinham das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), mas tinham decidido deixar o grupo para empreender seus próprios caminhos. O ideólogo e primeiro comandante da nova organização armada foi Jaime Bateman, um costeño de 33 anos que na guerrilha comunista havia estado sob as ordens do lendário Manuel Marulanda, codinome “Tirofijo”. “Queríamos fazer um movimento para o país, para as pessoas comuns. E o nacionalismo ali era um fator essencial que não víamos nas FARC. Começamos a pensar em um tipo de operação político-militar que se relacionasse com Bolívar, para reivindicá-lo, para tirá-lo dos livros da história”, explicou Bateman à época.

A ação foi muito similar à realizada por um grupo da Juventude Peronista onze anos antes, em 1963. No 12 de agosto daquele ano, o grupo assaltou o Museu Histórico Nacional, que se encontra no Parque Lezama, em Buenos Aires, e levou o sabre de San Martín. Mas os guerrilheiros colombianos mencionavam outra ação como inspiração: a recuperação da bandeira dos Trinta e Três Orientais que José Gervasio de Artigas havia criado durante suas lutas emancipatórias. Essa ação havia ocorrido em um museu de Montevidéu, pelas mãos da Organização Popular Revolucionária “33 Orientales”, em 1969. Ações armadas de alto impacto propagandístico e baixo risco, como estas retomadas de símbolos da história da libertação nacional, foram um elemento muito comum entre as guerrilhas urbanas latino-americanas de então.

“Bolívar, tua espada volta à luta”, dizia a proclamação que os guerrilheiros deixaram no museu, sobre os vidros quebrados da vitrine que até então a alojava. Também tinham levado os estribos e as esporas do Libertador. Todos esses elementos, juntamente com o sabre desembainhado, aparecem em uma foto que mostra também a bandeira da organização, os braços de um guerrilheiro empunhando um fuzil e, ao fundo, um mapa da América Latina.

Para assumir a autoria da ação escolheram a primeira edição da revista Alternativa, dirigida por Gabriel García Márquez, que foi lançada em fevereiro de 1974, um mês depois do Eme assaltar o museu. “Apareceu a espada de Bolívar. Está na América Latina!”, diz a legenda da foto, com certa cumplicidade.

Matéria do 1º número da revista Alternativa. Fevereiro de 1974.

Em poucos dias a espada foi levada para a casa do enxadrista Boris de Greiff, filho do consagrado poeta León de Greiff. O jovem considerou que o artefato estaria mais seguro na casa de seu pai, e ali permaneceu durante algum tempo. Quando o então presidente da República Alfonso López Michelsen visitou o poeta, ele esteve, sem saber, achegado ao objeto mais procurado da Colômbia. A espada repousava na biblioteca da sala de estar, oculta atrás de alguns discos de acetato de 75 RPM. Os descendentes de Greiff não conseguem informar se o velho, então com 80 anos – hoje reconhecido como um ícone da poesia nacional – colaborava com a atividade clandestina do M-19, ou se simplesmente foi participante involuntário de um ato no qual seu filho o envolveu.

Após a morte do poeta, a espada foi levada a outras casas de militantes e colaboradores da guerrilha em Bogotá e nos arredores da capital. Cada vez que a repressão endurecia, o M-19 planejava alguma mudança de local.

Em 1 de janeiro de 1979 o Eme realizou uma das ações guerrilheiras mais rentáveis da história: atacou o Cantão Norte do Exército em Bogotá, levando nada menos que 5 mil armas. Nesse dia se comemorava os 20 anos da Revolução Cubana. Os militares dobraram a perseguição. Em outubro desse ano, entre as dezenas de líderes e militantes presos, estava Álvaro Fayad, um dos protagonistas da ação que recuperou a espada.

Em fevereiro de 1980, o M-19 realizou outra ação espetacular: a tomada da embaixada da República Dominicana; exigiam a libertação de 300 presos políticos. Os guerrilheiros pareciam protegidos pelo espírito do Libertador, já que, apesar da repressão, as ações contra o regime saiam dentro do esperado. Em poucos anos alcançaram uma alta popularidade. Mas a perseguição que se avolumava depois de cada uma das ações vitoriosas acelerou a decisão: a espada devia sair do país.

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