Nesse caminho de devastação do cerrado, o professor Geraldo Fernandes entende que os produtores passaram um “rolo compressor” ao plantar historicamente o eucalipto de forma inadvertida. “Varreram as nascentes do sertão. As terras férteis poderiam ter sido protegidas.” Para ele, poderia ter sido adotada outra planta nacional que produzisse madeira e trouxesse outros benefícios.
“Nós temos um deserto verde com uma biodiversidade muito baixa comparada a qualquer mato natural.” A situação oprime o sertanejo socialmente, conforme avalia. “O eucalipto gera vários problemas associados e pode estar influenciando as mudanças climáticas na região.”
João Canizares/Agência Pública
Para a ambientalista Bárbara Johnsen a cultura local também sofre com os impactos da exploração ambiental do cerrado mineiro
A ambientalista Bárbara Johnsen afirma que é necessário usar a expressão “cerrado restante”. Ela entende que, ao longo do tempo, houve menor atenção com o bioma por causa de sua aparência acinzentada, e em um preconceito de que seria menos opulento, como são a floresta amazônica ou a mata atlântica.
Ela recorda que, há três décadas, a cidade era principalmente formada por propriedades familiares, tanto para consumo interno como para venda ao país inteiro. Produtos como mangaba, baru e pequi faziam sucesso nas casas das pessoas.
“Fazia parte da cultura. As pessoas faziam óleo de baru para fritar o peixe dos nossos rios. Cozinhávamos muito com óleo de pequi e aí não tem mais. Hoje as pessoas daqui compram óleo de soja industrializado.” A ambientalista enfatiza que os produtores trocavam sementes crioulas (para ter diversidade de características e ficar mais resistente às pragas locais) de milho, arroz e feijão, por exemplo. “Ao invés das crianças tomarem suco de mangaba, estão bebendo refrigerante. Há o impacto cultural que faz as pessoas deixarem de extrair o óleo de pequi ou de buriti ou usarem o colorau. Perde-se muito”, afirma Bárbara. Para ela, falta educação ambiental nas escolas e nas famílias, mas a gestão pública se move por quem paga mais impostos.
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O professor Geraldo Wilson Fernandes enfatiza que o cerrado é vital para o Brasil por ser a savana mais rica em espécies do planeta, já que 5% de toda a diversidade de plantas que existem no mundo está ou estava no cerrado brasileiro, com originalmente mais de 2 milhões de quilômetros quadrados. “Mais da metade do bioma foi embora, e o que resta tem sido degradado rapidamente por políticas públicas obtusas dos governantes.”
Ele enfatiza que o cerrado produz água para os principais rios brasileiros, incluindo o São Francisco e o Tocantins. “Produz para mais de 70% dessas bacias de grande importância para o país. Toda agricultura do cerrado recebe água das matas. Na hora que não tem mais floresta nenhuma, eu não sei como vai produzir água.” Além disso, ele entende que o problema é que a chuva cai quando não tem mais a savana para absorver isso. Tanto no sertão de Rosa como nas outras áreas do cerrado.
O engenheiro florestal Vicente Resende concorda com a análise de que o cerrado é tratado como o “filho pobre entre os biomas”. “Preocupa-se muito com a Amazônia. Mas esquecem de se preocupar com o pai das águas, que é o cerrado.” Ele explica que o desequilíbrio ambiental causa dificuldades nas culturas. “Quando está chovendo acima da média em um determinado período [como ocorreu no início de 2022], não tem sol. Assim, não se faz fotossíntese e isso gera fracasso com algumas plantas, como o milho.”
Para Geraldo Wilson Fernandes, a situação não é irreversível, mas seria necessário cessar o desmatamento no cerrado imediatamente. “Restaurar é mais caro do que proteger. Ainda tem chance, mas precisa de estratégias inteligentes e ouvir a ciência.”
Para o frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a monocultura é uma desgraça, já que as empresas não estão preocupadas em restaurar, mas em plantar eucalipto. “Todas essas cidades têm mais de 80% de propriedades destinadas à monocultura do eucalipto. Precisamos criar leis para frear o eucalipto. Esse exagero afeta demais o ecossistema do cerrado.”
Ele explica que um problema é que as raízes do eucalipto são na vertical. O tamanho da raiz equivale ao tamanho da árvore, com 20, 30 metros. “Ela chupa água dos lençóis freáticos. O eucalipto tem casca fina. Não retém água. A folha é fininha também. Não retém água. Não tem aquelas copas frondosas do cerrado. O exagero de assoreamento e de entupimento de nascentes de rios e lagoas é uma coisa absurda. Sobre vários aspectos, a cultura do eucalipto é infernal porque destrói a vida.”
O chefe da Embrapa Floresta, Erich Gomes Schaitza, avalia de forma diferente. Segundo os dados de que dispõe, no trecho relativo ao caminho da boiada, Morro das Garças e Cordisburgo eram, em 2015, as áreas com muito eucalipto ao longo do caminho. “Mas regionalmente havia um uso de 5% a 15% da área dos municípios com eucalipto. Não é exagerado.” No entanto, segundo o levantamento de sete anos atrás disponível, na área em que Rosa passou com os vaqueiros, a quantidade de eucalipto chega a 70%. Para ele, o fato de as árvores serem altas causa uma percepção de que as cidades estão tomadas pela monocultura. Em geral, segundo acredita, o eucalipto não é um deserto de biodiversidade e abriga mil espécies diferentes.
O presidente da Sociedade dos Amigos do Memorial Manuelzão e de Revitalização de Andrequicé (Samarra), José Antonio de Souza, entende que é necessário cultivar a cultura de preservação da memória da cidade para que agricultores e suas famílias ajudem a cuidar não somente da história, mas do cerrado que restou. “É nosso patrimônio, e que não pode ser esquecido.”
João Canizares/Agência Pública
José Antonio de Souza defende preservação do cerrado: “é nosso patrimônio”
Entre as iniciativas da entidade, está a reunião de trabalhadoras rurais que bordam suas lembranças em Andrequicé. Márcia Alves de Macedo, de 62 anos, procura bordar o cerrado desordenado. Pela literatura, começou a entender melhor o que tinha por perto, a vereda, o cerrado. “O que ele escreveu é o que falta hoje. As veredas estão todas assoreadas. Os entulhos não deixam a água correr. Eu cresci comendo fruta do cerrado: murici, inharé, muta, cajuzinho. Bordar é uma forma de recordar.”
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
Bordadeira Márcia retrata o cerrado em seu trabalho
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sexta-feira, 26 de agosto de 2022
ROLO COMPRESSOR
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