Outros pontos
Um aspecto que chama atenção em todos os planos de governo é que os quatro assumem que é possível superar a dicotomia que opõe o crescimento econômico à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Todos os candidatos apresentam propostas que pressupõem ser possível, de um lado, respeitar minorias, comunidades locais e recuperar e preservar ecossistemas e, de outro, promover o crescimento econômico e a exploração de minérios, agropecuária e de outros recursos naturais, bem como o desenvolvimento da estrutura produtiva industrial. Contudo, nenhum candidato – para além de afirmar que é possível essa conciliação – de fato diz como vai fazer. Esse é um ponto importante, pois na proposta de todos os candidatos se percebe que há a expectativa de se explorar internacionalmente o papel que o Brasil pode ter para a mudança energética e como líder em negociações ambientais.
Outro ponto que falta no plano dos candidatos é especificar a forma como o Brasil deve atuar com relação a parceiros específicos. Em especial, nota-se que o plano de nenhum dos quatro candidatos tratou das relações Brasil-China, que são tema de debate e embate no país. A China é hoje o principal parceiro comercial do Brasil, tem uma forte presença na América Latina, compete com produtos e empresas brasileiras e avança em investimentos em setores estratégicos como o setor de energia e infraestrutura. É mister pensar em como lidar como esse Estado que, a despeito desse quadro desvantajoso, é um parceiro importante na defesa do multilateralismo e na construção de uma ordem multipolar, especialmente, porque pode contribuir no sentido de a América do Sul alcançar maior margem de manobra em relação aos Estados Unidos.
De modo geral, as candidaturas de Jair Bolsonaro e de Simone Tebet apostam em um programa neoliberal, pautado na desestatização e no acesso do Brasil à OCDE, cuja meta (já frustrada nos anos 90 e desde 2016) é atrair investimento externo via acordos comerciais (desvantajosos), assumindo-se que o papel do Estado é de mero coadjuvante do desenvolvimento. Tebet diferencia-se de Bolsonaro por defender o desenvolvimento sustentável de maneira mais inovadora e profunda, e pelo fato de que contra os planos de Bolsonaro pesa a descrença, com base na realidade de seus quatro anos de governo, de que sairão minimamente do papel.
Já Lula e Ciro Gomes parecem se aproximar na estratégia de desenvolvimento nacional pautada em investimentos públicos, políticas sociais e defesa da soberania nacional. Ciro não dá grande destaque à política externa, enquanto Lula enfatiza a retomada da política externa altiva e ativa que gerou tantos louros ao seu governo. Em especial, defende o multilateralismo e a busca por cooperação e complementaridade produtiva na América do Sul, aspectos que também são destaque no programa de Tebet. A diferença é que Lula parece enxergar a cooperação regional a partir de uma perspectiva mais multidimensional (incluindo questões de segurança), enquanto Tebet tem um foco mais econômico. Com relação ao multilateralismo, o reconhecimento que Lula faz da existência de assimetrias estruturais no sistema internacional é maior do que o de Tebet, que parece – como Bolsonaro – resignar-se com o fato de que o Brasil deve atuar em conformidade com esse sistema, arcando com os custos de adequação pelo menos no que diz respeito à integração econômica internacional. No campo político, contudo, Tebet descola-se da conformidade perseguida por Bolsonaro ao defender abertamente a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
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