Os planos de Ciro e Tebet
O programa do candidato Ciro Gomes (PDT) é o mais difícil de ser lido da perspectiva de proposição de políticas voltadas especificamente para as relações internacionais brasileiras. O candidato apresentou um programa enxuto, dividido por temas, no qual a política externa e de defesa nacional não aparecem, bem como não há nenhuma informação sobre a leitura da conjuntura internacional da qual se parte.
De forma bem geral, afirma-se que as negociações econômicas e diplomáticas seguirão os princípios da defesa dos interesses nacionais e da soberania do país. Para isso, aposta-se em um programa nacional de desenvolvimento pautado no investimento público em políticas sociais (educação, saúde, etc.), no papel ativo do BNDES, além de visar alterar a composição tributária do país e a política de preços da Petrobras (todos pontos também citados por Lula). Pauta-se ainda o combate à fome e à desigualdade. Defende-se também a ideia de se colocar a cultura como afirmação da identidade nacional, alterando a estética internacional do país e valorizando os costumes locais através de novas linguagens que podem ser potencializadas com o uso de tecnologias, e a busca por novas simbologias e uma unidade em torno da ideia de nação.
Já o programa da candidata Simone Tebet (MDB) ressalta que o país precisa de uma reconstrução ampla e abrangente, que passa por mudanças estruturais. A avaliação de conjuntura que consta do plano é de que o Brasil tem um governo instável, pouco convidativo ao investimento, e que a democracia e economia nacional atravessam momento difícil. Assume-se ainda que o país é atualmente um vexame mundial em especial pela política ambiental adotada, baseada na destruição do ecossistema nacional, principalmente Amazônia e Pantanal, que causa vergonha internacional e isola o país.
A diretrizes de desenvolvimento estão divididas em quatro eixos: combate às desigualdades; compromisso com a economia verde; construção de um governo parceiro da iniciativa privada, e combate ao preconceito e discriminação. Não existe uma seção exclusiva a política externa no documento, mas propostas para o setor surgem em vários pontos do texto. Assume-se como primordial que o Brasil busque por protagonismo e relevância internacional e abandone políticas que o isolam do mundo. Destacamos três frentes principais das propostas de Tebet.
Primeiro, o programa defende políticas voltadas para a consagração das mudanças estruturais neoliberais que o país vem adotando desde a gestão Temer. O texto contempla uma visão do Estado como ator que deve “propiciar melhores condições para o investimento privado acontecer, com estabilidade e responsabilidade. O governo tem que possibilitar ambiente estável, previsível, pacífico, com segurança institucional, jurídica e regulatória”. Nessa toada, defende-se a continuidade da política de concessões, privatização e desestatização. Argumenta-se ainda pelo investimento em infraestrutura logística, mas a partir da suposição de que haverá grande contribuição da iniciativa privada e investimentos externos. Nesse sentido, o papel do BNDES é pensado a partir da restauração de sua atuação dentro do Programa Nacional de Desestatização.
Em termos comerciais, o plano avalia que há necessidade de “ampliar o grau de abertura comercial e de internacionalização da economia brasileira”, inclusive para potencializar a participação do Brasil nas cadeias produtivas globais. Para tanto, deve-se implementar um plano de redução gradual de tarifas aduaneiras, eliminar medidas não-tarifárias e fomentar “negociações comerciais, com ênfase em acesso a mercados”. Assume-se que o país deve “negociar novos acordos comerciais e buscar maior participação no comércio internacional”, cita-se explicitamente que o “custo Brasil” é um dos principais fatores que limitam a atuação econômica do país no cenário externo. Para combatê-lo, seria necessário o aprofundamento das reformas liberalizantes as quais seriam consagradas com o avanço no acesso à OCDE, “concebido como oportunidade para revisão geral das políticas públicas nacionais, visando seu aperfeiçoamento à luz das melhores experiências e práticas”. Tais medidas restaurariam a confiança dos investidores no país, essenciais para que a política proposta seja colocada em prática.
A segunda frente das propostas de Tebet para as relações internacionais brasileiras foca na busca de um protagonismo internacional para o país baseado na agenda internacional de sustentabilidade, baseado na economia verde e em um mercado de crédito de carbono estruturado e bem desenvolvido. Para isso, deve-se combater a agenda de desmatamento e buscar novas medidas de desenvolvimento sustentável. Cita-se a importância da retomada do Fundo Amazônia e fortalecimento de sua governança, bem como o papel que o país pode ter na transição energética por possuir uma matriz limpa, renovável, segura e barata. Uma contradição, contudo, é a premissa assumida pela candidata de que o “setor produtivo brasileiro – e o agro em particular – já produz com sustentabilidade e responsabilidade”, o que se choca com a realidade brasileira.
A terceira frente das propostas da candidata destaca a integração regional e o multilateralismo como aspectos estratégicos para a inserção internacional brasileira. Assume-se o compromisso de “Reforçar a integração latino-americana, aprofundando acordos já existentes e negociando novos acordos”, com destaque para a necessidade de promover “a integração física e os investimentos em infraestrutura na América do Sul”. Contudo, não se aponta formas de fazer isso, lembrando-se que o papel do BNDES, que poderia contribuir para financiar essa proposta, não contempla esse tipo de atuação no plano de Tebet. Sobre o Mercosul, é perceptível que é entendido como aspecto importante para o Brasil que deve ser consolidado e aprofundado a partir de “ações voltadas para a liberalização do comércio de bens e serviços e dos movimentos de pessoas e de capitais entre os sócios do bloco”.
Com relação ao multilateralismo, o texto destaca a importância da atuação do Brasil na OMC para fomentar um “sistema multilateral de comércio mais aberto e menos discriminatório”, a necessidade de o país “Engajar-se nas discussões de grupos plurilaterais dos quais o Brasil participa, tais como G-20 e Brics, com vistas ao fortalecimento do multilateralismo”, e elenca-se ainda a urgência de se “Recuperar o prestígio da diplomacia brasileira nos diversos foros internacionais, intensificando a participação do país nos trabalhos das Nações Unidas”, com destaque para ações que visem “(1) mitigar as mudanças climáticas; (2) promover o desenvolvimento sustentável; (3) garantir a paz e a segurança internacionais; (4) combater o tráfico de armas e de drogas, a corrupção, o terrorismo e a guerra cibernética, entre outras questões globais; e (5) reformar a Carta da ONU e ampliar seu Conselho de Segurança”. Em tais ações propostas, fica patente o entendimento de que o Brasil deve focalizar a vocação universalista da política externa brasileira e a defesa do multilateralismo.
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