sexta-feira, 26 de agosto de 2022

JORNADAS E MANDIOCAS

 
Na travessia por onde passou a boiada de Guimarães Rosa, em Felixlândia, a 70 quilômetros de Três Marias, a agricultora Denise Gomes Barbosa, de 48 anos, tem dupla jornada porque a mandioca que planta não rende como antes. “Não dá para viver do que produzo.” Ela mora na comunidade de Poções. Precisou arrumar um emprego como auxiliar de serviços gerais em um supermercado da cidade, onde recebe um salário-mínimo. Além disso, ela conseguiu com a dona do estabelecimento vender a farinha e o beiju de mandioca que produz pela manhã ou de noite. O mercado consegue 30% de lucro sobre o valor que a agricultora pratica. “É alguma coisa. Na roça é onde me sinto feliz.”

João Canizares/Agência Pública
Agricultora Denise Gomes não consegue mais viver do que produz e enfrenta dupla jornada trabalhando na cidade
Para o agricultor Renê Fernandes Costa, de 47 anos, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Felixlândia, o impacto do clima tem sido mais cruel desde 2009. “O clima não está ajudando. Aquela chuva descompassada. Muito por um período e depois acaba. Estamos prevendo uma seca de março até outubro.” Para piorar, ele constata que os insumos estão bem mais caros. Em setembro do ano passado, recorda, gastava R$ 100 com adubo. Hoje está R$ 480. “Estamos sobrevivendo. Só fico porque gosto muito. A maioria das pessoas da minha idade já desistiu.” Na cidade, 200 trabalhadores estão cadastrados no sindicato, “mas muitos estão desistindo da roça para ir para empresas”.

João Canizares/Agência Pública
Agricultor Renê Fernandes Costa e seus pais
No terreno em que ele vive com a família, no distrito de Piancó, não precisava, antes, da água do poço artesiano. Nos fundos do terreno, o córrego Jundiá está seco, como também o capim, a cana, a bananeira ou o pé de abóbora. A família vive principalmente do queijo que vende nas comunidades e na cidade.

Os pais dele, Maria de Lourdes, de 70 anos, e José Hilário, de 78, recordam que há 50 anos o cerrado era outro. Foram deixando de plantar produtos como algodão, melancia, arroz e araticum. “Nem minhas frutas prediletas, o bacupari amarelinho ou a laranja-da-terra, rendem mais. Sumiu do cerrado”, diz José. Maria de Lourdes exemplifica que a roça, para eles, fazia com que deixassem de ir à farmácia. “Com produto natural, ninguém adoecia. A gente não consumia nada industrializado.”

João Canizares/Agência Pública
A família de Renê vive principalmente do queijo que vende nas comunidades e na cidade

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