O plano de Lula
O programa de governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é bem sucinto e não possui seção específica para abordar a política externa e relações internacionais, apresentando suas propostas para estes temas de forma interligada aos desafios mais gerais do desenvolvimento nacional.
Por sua vez, as ideias de política de desenvolvimento nacional expostas no programa partem da premissa de necessidade de conciliação entre crescimento econômico e respeito a questões socioambientais, com reconhecimento da necessidade de combater as mudanças climáticas e o aquecimento global, bem como respeitar os direitos humanos. Parte-se da pressuposição, conforme expõe-se no programa, de que a conjuntura internacional atual tem sido caracterizada pela transição energética e digital e pela emergência de novas formas de produção e consumo mais social e ambientalmente sustentáveis. O programa identifica que o Brasil, por sua importância no cenário internacional, considerando seu histórico de protagonismo em negociações ambientais e na política multilateral, bem como sua articulação junto a Estados dependentes, pode dar grande contribuição nessa conjuntura. Contudo, destaca-se que o governo Bolsonaro tem atuado na contramão dessas tendências internacionais e mitigado o papel que o Brasil pode ter nesse cenário.
Para corrigir esses rumos, é possível perceber no programa 3 linhas de ação. A primeira relaciona-se ao combate das assimetrias estruturais do sistema internacional. Considera-se que é necessária uma política que lute por uma nova ordem global comprometida com “o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais”. Ao citar esses elementos, o programa deixa implícita a avaliação de que o sistema atual não está comprometido com eles. No entanto, a proposta de Lula não detalha como o Brasil atuará para mudar isso, nem menciona sobre a participação do país em Organizações Internacionais (como a ONU e a OMC, por exemplo).
A segunda linha de ação externa, que complementa essa primeira, é a retomada da política externa altiva e ativa, que pressupõe o protagonismo internacional do Brasil, a partir de uma priorização do multilateralismo e das relações Sul-Sul, destacando-se a importância estratégica de África, dos BRICS e, de forma especial, da América Latina e Caribe como possíveis parceiros internacionais. No programa, destaca-se que há prioridade conferida às relações com a América Latina através do Mercosul, Unasul e Celac, que devem receber destaque como plataformas para a inserção internacional brasileira e serem recuperados sob um novo governo Lula. Destaca-se ainda a necessidade de o Brasil contribuir para a articulação de (e, por que não, liderar) um desenvolvimento integrado, pautado pela complementaridade produtiva entre os países da região.
Um aspecto relevante do programa que certamente impacta na possibilidade de retomada de uma política altiva e ativa, bem como para que o país possa se projetar externamente com legitimidade na luta contra assimetrias do sistema internacional, é a preocupação com o desenvolvimento de uma política de direitos humanos que seja compatível com o respeito, proteção e incentivo a minorias, e que afirme proteção à liberdade religiosa e de culto, bem como de imprensa. Atenção também é dada para as políticas ambientais, afirmando-se não só o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na Conferência de 2015 em Paris, bem como a necessidade de proteção e recuperação das áreas devastadas, com respeito às comunidades locais. Destacam-se ainda políticas voltadas à soberania alimentar (a partir da compra e regulação de estoques, e incentivos à agricultura familiar), visando garantir que não haja fome em um país como o Brasil, que é potência do agronegócio. Lembra-se que essas áreas: meio ambiente e direitos humanos, e combate à fome foram importantes ativos da projeção externa do Brasil nos governos do PT, mas foram destruídos pelo governo Bolsonaro.
Outro elemento essencial que impactará a viabilidade da política altiva e ativa, com a qual o programa se preocupa, é com a recuperação do Estado enquanto ator capaz de induzir e coordenar o desenvolvimento. Para tanto, o programa pressupõe papel ativo do Estado com uso estratégico do investimento e de compras públicas para exercer papel contracíclico e incentivar o crescimento econômico. Projetam-se investimentos em infraestrutura, a retomada do investimento público em Ciência & Tecnologia, a busca pelo fortalecimento da indústria e agricultura, um plano de estatização de setores estratégicos (colocando-se abertamente contra a privatização da Petrobras, da Eletrobras e dos Correios), e uma política energética que gere fundos para o investimento em políticas públicas, destacando-se a retomada do papel da Petrobras na exploração, produção, refino e distribuição de combustíveis, bem como sua atuação “nos segmentos que se conectam à transição ecológica e energética, como gás, fertilizantes, biocombustíveis e energias renováveis”. No comércio internacional, propõe-se que haja um aperfeiçoamento da tributação em que os produtos com maior valor agregado e tecnologia embarcada sejam progressivamente desonerados. O plano deixa explícito que tais políticas visam “superar o modelo neoliberal que levou o país ao atraso” (assume-se compromisso ainda com a revogação do teto de gastos e da reforma trabalhista, bem como a proposição de uma reforma tributária que aumente tributo para os mais ricos).
A terceira linha de atuação que percebemos no programa, relacionada a política externa e relações internacionais, foca em segurança e defesa. Em uma dimensão mais ampla, o programa articula segurança e defesa não só a ação das Forças Armadas, mas a recuperação da soberania do Estado, a qual as políticas propostas que citamos até agora devem ter o papel de contribuir para fortalecer, em especial as políticas que visam o desenvolvimento de C&T, a soberania alimentar e energética e a recuperação e modernização da indústria nacional, em especial em setores estratégicos.
Já em uma dimensão mais específica, o programa conecta a defesa da soberania nacional à “integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com vistas a manter a segurança regional”, reforçando a recuperação da prioridade da região na política externa a partir de uma visão multidimensional e não apenas economicista. O programa destaca ainda a necessidade de o Brasil investir na indústria de defesa, promovendo o seu desenvolvimento como elemento ligado à própria soberania e como estratégia dissuasória. Quanto ao papel das Forças Armadas (FAs), a proposta destaca que seu papel é garantir a soberania territorial, aérea e marítima, “cumprindo estritamente o que está definido pela Constituição”. Sem citar diretamente as FAs, o programa cita que é “necessário superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas” e repudia “qualquer espécie de ameaça ou tutela sobre as instituições representativas”.
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