Mangueios e política
“Na humildade, pai, tem um cigarro desse aí pra me arrumar”, pede um cara.
O artista de rua Carlos Alberto de Souza, 47 anos, mais conhecido como Carlos Malabares, liderança de São Carlos, dá uma tragada de seu cigarro – filado, também na humildade, do meu maço – e dispara:
“Vai manguear pra cima de mim, irmão?”, inquire, retoricamente. “Eu também sou pop-rua, porra”.
Frente à expressão decepcionada, Carlos amolece o coração.
“Esse aqui eu descolei com o mano aqui”, diz, olhando para mim. O movimento de olhos é seguido pelo outro filador. Espera uma resposta. Retiro do bolso meu maço: “pode pegar, amigo”.
“Um pra agora e outro pra depois”, diz o cara, retirando dois cigarros — um levando-o à boca; o outro pendurando-o atrás da orelha – e dando no pé antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
Carlos ri.
“Profissão: mangueador. Certeza é que assim que esse cara preenche as fichas deles”, brinca.
Para quem vive nas ruas, o mangueio – ato de engodar, usar artifícios para conseguir aquilo que se quer – é questão de sobrevivência e chega até atingir status de arte. “Aquele ali é mangueador profissional”, apontam, elogiosos, para algum amigo.
A gente que cai na rua, conta Carlos, aguenta frio nas pernas, anda de tênis furado, olha comida que não pode comer, ver casa que não pode morar, aprende que nosso negócio é só ver e desejar, que tem que parar por aí. A gente que cai na rua, conta, cata que cata um jeito de se arrumar. Olhar carro, fazer mudança por cinco conto, lavar carro, capinar quintal, lavar calçada e quintal, catar latinha e papelão, fazer malabares no sinal vermelho. Qualquer bagulho é esperança de grana, quando sofredor tem fome. Manguear? A fome ensina, quando a gente roda rua feito cachorro enfiando a fuça atrás de comida, diz ele, matando outro cigarro mangueado.
Entramos para participar do Congresso, em seu último dia de atividade. Cartazes lembrados os companheiros e companheiras que já não estão mais presentes: Anita Presente. Maria Lúcia Presente. Paulinho Presente. Rita Presente. Renato, vulgo Mamute, presente.
Prestes a começar a votação sobre as resoluções, Aloisio Ermelino da Silva, 50 anos, conhecido como Sorriso, explica-me, em um canto, a política discutida durante todos esses dias de encontro, que norteará as ações do movimento para os próximos três anos.
“A gente não quer direito, não quer aposentadoria, queremos casa pra morar”, afirma ele. “Vamos votar sobre como garantir políticas de habitação. Porque não adianta ter comida, não adianta ter serviço, se não tem moradia. Você tem moradia? Onde você vai descarregar essa gravação? Na sua casa, no seu computador. Precisamos que alguém olhe pra nós, nos de uma chave e fale: Sorriso, essa aqui é a sua casa. Eu digo assim: a moradia só tem uma data, a de entrada, a de sair só Deus sabe. É a maior garantia que podemos ter”.
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