Violência pra todo lado
Bem aprumado — vestido com camisa social, jeans e sapato caro — o coroa, de aproximadamente 50 anos, aponta o revólver para três caras que vivem em uma maloca do Centro.
“Anda vagabundo”, grita ele, enérgico, prepotente com a arma empunhada. “Quem foi que roubou o carro que estacionei ali na rua de cima?”
Os caras da maloca arregalam os olhos: não têm ideia do que esse senhor, visivelmente bêbado, nessa hora da madrugada, está falando para eles, que dormiam tranquilamente em uma barraca de camping montada na calçada. “Seus merdas! É bom ir abrindo o bico logo senão vou furar todos vocês, vagabundos do caralho! Ladrões! Bandidos!”
O carro pode ter sido roubado ou o coroa, depois de alguns uísques, somente esquecera o lugar exato onde estacionara. Não se sabe, mas o fato exigiu grande capacidade diplomática de Darci Costa, hoje coordenador nacional do Movimento Pop-rua.
Darci é alto e mantém uma vasta cabeleira e barbas grisalhas, o que lhe confere ares oraculares. Sabe que se agravou o número de casos de violências como esse nas ruas, que incidentes como o da Praça da Sé, em escala menor ou até maior, se repetem – e pior, podem ser mais frequentes com os rumos da política nacional. Só no ano passado o Disque 100, o aplicativo Proteja Brasil e a Ouvidoria do Ministério de Direitos Humanos — transformado por Jair Bolsonaro em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos — contabilizaram aproximadamente 900 denúncias relacionadas à poprua. No balanço divulgado com os tipos de violência de janeiro a junho, destacam-se os números de negligência (76,1%), violência psicológica (21,7%), violência institucional (19,2%) e violência física (11,4%).
“A higienização tem sido mais ostensiva”, relata Darci Costa. “Guardas Civis Militares, PMs e funcionários da zeladoria urbana reprimem, diária e brutalmente, a poprua com a desculpa de combater o tráfico de drogas, expulsando-os das áreas onde costumam viver. Quem é traficante não está nas ruas. Também vemos que até a própria população, sentindo-se referendada pela violência do governo, tem agredido a pop-rua.”
“A gente tem que parar com essa loucura de dizer que quem tá na rua é viciado!”, irrita-se Anderson Miranda. “Ninguém quer passar por essa situação. Várias vezes jogaram álcool em mim e tentaram colocar fogo, pessoas saindo das baladas mijaram em mim, me deram comida estragada de propósito pra eu passar mal. Eu até fui violentado por um policial quando era criança e vivia nas ruas.”
Ele busca palavras pra definir todo drama que viveu, desde os 13 anos, crescido em orfanato, tendo que se virar pelas ruas paulistas; mas hoje com a vida “mais estável”, casado, com casa própria conquistada pelo Minha Casa Minha Vida e emprego.
“Cair na rua é mais fácil que sair. É a fênix, está sempre renascendo – e morrendo”.
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