segunda-feira, 22 de agosto de 2022

 

Uma ferida sempre aberta

Ato de 2012 que relembrou o Massacre da Praça da Sé. Foto:
BILÓ/FUTURA PRESS/AEF

Os primeiros passos para a criação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), mais conhecido como Movimento Pop-rua, deu-se depois de uma chacina. Nas madrugadas entre os dias 17 e 18 de agosto de 2004, quinze pessoas em situação de rua foram brutalmente atacadas na Praça da Sé, no centro de São Paulo. A ação foi rápida: os agressores desceram dos carros e deferiram violentos golpes na cabeça de alguns dos que viviam por ali – alguns dizem que com marretas, outros que eram tacos de beisebol. Sete pessoas morreram. O crime nunca foi elucidado, mas suspeita-se que o massacre foi perpetrado por policiais militares que faziam a segurança dos comércios no entorno da Praça da Sé. Cinco PMs e um segurança foram apontados, na época, como responsáveis pelas execuções. Contudo, o processo parou porque a única testemunha do fato, que ficou conhecido como Massacre da Praça da Sé, também moradora de rua da região, foi assassinada.

Anderson Miranda foi um dos sobreviventes do massacre, que completa 15 anos. Dormia na região da Sé e estava nos dias dos ataques. Conhecia muitas das vítimas. “Foram tempos de medo, sabe?”, conta ele. “Dava medo de ficar na rua. A gente dormia sempre separado e começou a dormir juntos”.

A chacina, que gerou forte comoção, ocorreu em um momento em que a população em situação de rua começava a se organizar. O antropólogo Henrique de Azevedo Gomes Melo pesquisa, desde 2009, a trajetória social do MNPR e, em artigo publicado na revista Novos Debates da Associação Brasileira de Antropologia (APA), aponta:

“Ainda que os antecedentes que forjam os termos e definições sobre o que se tornou a ‘população em situação de rua’ mostrem seus primeiros contornos na década de 1950 na cidade de São Paulo, é na década de 1990 que estas iniciativas ganham força e se configura uma atividade mais intensa, com mobilizações voltadas a questionar a ausência de políticas públicas para o segmento. Do final da década de noventa em diante, a politização em torno da questão ‘população de rua’ se acentua, com um intenso processo que resulta na constituição de manifestações, fóruns, seminários, encontros e demais espaços específicos para a organização.”

Três dias depois do massacre, relembra Miranda, a Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, comandada pelo padre Júlio Lancellotti, junto com a pop-rua, chamou um ato na escadaria da Catedral, que juntou quase cinco mil pessoas. A partir daí, grupos da população de rua de São Paulo e Belo Horizonte iniciaram a mobilização para construir um movimento nacional, “da rua pra rua”. Em setembro de 2005, durante o 4º Festival Lixo e Cidadania, realizado em Belo Horizonte, integrantes da população de rua de Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Mato Grosso fundaram, oficialmente, o Movimento Nacional da População de Rua.

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