domingo, 28 de agosto de 2022

 

A nova Constituição e a encruzilhada chilena

Em 4/9, país decidirá se aprova novo texto constitucional. Direita e mídia exploram crise econômica e apelam para fake news. Esquerda tenta vencer estupor, recobrar ânimo rebelde de há dois anos e recuperar voto da periferia, mulheres e jovens

Por Pierina Ferretti | Tradução: Rôney Rodrigues

Uma eleição histórica e um resultado incerto

Faltam menos de dez dias para o plebiscito (4/9) em que será votada a proposta de uma nova Constituição elaborada pela Convenção Constitucional chilena e o resultado dessa disputa eleitoral é absolutamente incerto. “Aprovo” e “rechaço” são as alternativas entre as quais mais de 15 milhões de chilenos terão que escolher. Se ganhar o “aprovo”, a Constituição de 1980 imposta pela ditadura de Pinochet terminará e se abrirá uma saída para as décadas de neoliberalismo ortodoxo. Se o “rechaço” vencer, a atual Constituição continuará em vigor e sua reforma ou alteração dependerá da vontade política das forças representadas no Congresso, onde o peso da direita ainda é decisivo.

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Na semana passada, as últimas pesquisas publicadas, sem exceção, deram a opção “rechaço” como a vencedora, confirmando a tendência que as pesquisas vêm mostrando há meses. Por essa razão, o campo do “rechaço” sente-se confiante na vitória. No do “aprovo”, por outro lado, impera uma mistura de perplexidade e esperança de que seja possível virar o jogo. É possível que, depois de uma revolta popular como a de outubro de 2019, do resultado retumbante do plebiscito do ano seguinte (quando 80% do eleitorado votou a favor de uma nova Constituição) e de uma proposta constitucional que abarca as mais sensíveis demandas sociais das últimas décadas, triunfará a alternativa defendida pela direita e pelos setores mais conservadores do país?

Para entender os níveis de incerteza com que nos mobilizamos, é preciso considerar alguns elementos do contexto, do processo constitucional e da campanha suja lançada pela direita. Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração que o cenário em que ocorre esta eleição mudou. A energia social que foi desencadeada na revolta e que perdurou no plebiscito em favor do processo constituinte, na eleição da Convenção e no segundo turno presidencial, vem se desgastando em decorrência da pandemia e da crise econômica agravada pela espiral inflacionária do último ano. Soma-se a isso o ressurgimento de problemas sociais como a delinquência e o crime organizado, que têm contribuído para criar um clima de tédio e desejo de ordem que se afasta do espírito que imperava em momentos de mobilização social mais intensa.

Mesmo assim é preciso reconhecer que o próprio processo constituinte estava gerando distanciamento com a cidadania, seja pela aridez de certas discussões e pela complexidade dos procedimentos de tramitação das normas, seja por episódios em que o comportamento de alguns dos constituintes contribuiu para turvar a imagem deste órgão, bem como (e sobretudo) devido a uma forte campanha de difamação capitaneada por aqueles do “rechaço” desde o início dos trabalhos da Convenção. Esses fatores fizeram com que parte da cidadania perdesse o interesse pelo processo e tivesse uma avaliação bastante crítica do trabalho dos constituintes.

No entanto, apesar dessas dificuldades que não podem ser evitadas, há sinais alentadores: a proposta constitucional tornou-se o livro mais vendido do país, todas as semanas são realizados atos massivos do “aprovo” com uma capacidade convocatória muito ampla, em todo o território nacional são realizadas incontáveis atividades de campanha onde se verifica o interesse do povo e as esperanças de que com uma nova constituição é possível enfrentar os problemas que afetam o cotidiano de amplas maiorias.

Hoje a conjuntura está em aberto e tanto as forças do “aprovo” quanto as do “rechaço” estão empregando todas as suas energias para vencer, cientes de que nesta eleição está em jogo o destino do país, mas também das forças sociais e políticas em disputa.

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