sexta-feira, 17 de maio de 2024

GOVERNO EDUARDO LEITE NÃO COLOCOU EM PRÁTICA ESTUDOS CONTRA DESASTRES PAGOS PELO ESTADO

 REPORTAGEM
Governo Eduardo Leite não colocou em prática estudos contra desastres pagos pelo estado
Servidores, técnicos e cientistas propuseram medidas que poderiam diminuir impacto do desastre

11 de maio de 2024
04:00
Por Sílvia Marcuzzo
CLIMA PODER
clima Desastre RS enchentes políticas públicas
No final de outubro do ano passado, o governo de Eduardo Leite (PSDB) anunciou a criação do Programa de Estratégias para as Ações Climáticas, o ProClima 2050, descrito como um roteiro para ações e medidas de mitigação dos efeitos e de adaptação Rio Grande do Sul diante da emergência climática. Naquele momento, os desastres climáticos já se sucediam desde março, fechando 2023 com um total de 81 mortes em diversas regiões do estado, conforme a Defesa Civil gaúcha. Um plano anterior, a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, de 2017, já havia sido engavetado, como mostrou reportagem da Agência Pública do ano passado.

O ProClima, porém, até agora não resultou em medidas concretas do governo, segundo fontes ouvidas pela reportagem. “O governador Eduardo Leite ignora qualquer alerta ambientalista e do corpo técnico da Sema [Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura] e da Fepam [Fundação Estadual de Proteção Ambiental]. Suas ações afrouxam os regramentos ambientais, sucateiam a estrutura pública, contribuindo para agravar as vulnerabilidades diante desse evento climático extremo”, resume o ambientalista e biólogo Rafael Altenhofen, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Caí, uma das mais afetadas pelas águas tanto no ano passado como neste ano.

Altenhofen, que também é coordenador da União Protetora do Ambiente Natural (Upan), mora em Montenegro, um município obrigado em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a contratar estudos de áreas de risco há mais de 20 anos. Segundo ele, já foram feitos nove estudos semelhantes pagos com dinheiro público, além de outros feitos por universidades e outras instituições, que não foram traduzidos em ações pelo governo.

“De tempos em tempos contratam novos, ignorando os anteriores, talvez por seus resultados contrariarem interesses de certos empresários. Eles desejam que a ciência valide certas vontades prévias. Como isso não acontece, nada foi feito para reduzir as vulnerabilidades”, diz o biólogo.

Entre os estudos pagos pelo governo está, por exemplo, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) – previsto na Política Nacional do Meio Ambiente e definido como instrumento da Política Estadual do Meio Ambiente (Lei 15.434/2020). O trabalho, que trata da organização do território, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental, levou mais de quatro anos para ser elaborado, contou com intenso envolvimento de servidores, instituições e da sociedade civil e foi pago com dinheiro público. Mas também acabou em alguma gaveta da Sema.

Foi com surpresa, portanto, que ele e outros especialistas ambientais do Rio Grande do Sul tomaram conhecimento pela imprensa de que agora, com a catástrofe em curso, um grupo de empresários sugeriu ao governo do estado contratar empresa ou especialista em evitar catástrofes. “Inacreditável! Então tudo que se aprendeu, ensinou, se fez e divulgou no Rio Grande do Sul, em ciência e tecnologia, não é suficiente?”, pergunta, lembrando que o estado dispõe de gente capacitada para evitar e prevenir catástrofes, mas que nunca são ouvidas pelos tomadores de decisão do Executivo.

O professor Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)., em novembro do ano passado, já havia chamado atenção para a probabilidade de ocorrerem novos eventos extremos em 2024, como tempestades extremas e inundações, por influência do El Niño, o que, infelizmente, se confirmou.


“O governador Eduardo Leite ignora qualquer alerta ambientalista”, afirma Altenhofen
Suas declarações foram feitas no seminário “Realidade das mudanças climáticas: os desafios da governança e da reconstrução”, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para anunciar o GabClima, um gabinete para dar subsídios para “estimular, induzir ou até cobrar do Poder Público algumas medidas emergenciais ou a médio e a longo prazos de forma contínua”, nas palavras do promotor Regional Ambiental da Bacia dos Rios Taquari-Antas, Sérgio Diefenbach.

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Aquino é chefe do Departamento de Geografia da UFRGS, onde os docentes lançaram na sexta-feira, 10 de maio, um manifesto em que explicitam: “Nosso curso é atual e pode oferecer inúmeras soluções para a crise que enfrentamos face aos desastres naturais que assolaram as regiões mais populosas do Estado”.

Questionada pela Agência Pública sobre o ProClima, a assessoria de imprensa da Sema enviou nota informando que uma das iniciativas no âmbito do programa foi a criação de um grupo de trabalho para conectar secretarias de estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima. Afirma também que, entre as medidas em andamento, estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil na região metropolitana de Porto Alegre que está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação – responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios –; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

Confira a cronologia da crise no Rio Grande do Sul
27 a 28 de abril
30 de abril a 1 de maio
2 a 3 de maio
4 a 5 de maio
6 a 9 de maio
10 a 13 de maio
27 a 28 de abril
Desde março, a MetSul Meteorologia vem alertando sobre chuvas intensas de abril e maio. No sábado, dia 27 de abril, algumas regiões sofreram impactos de chuvas e granizo. No dia seguinte, a Defesa Civil contabilizou impactos em 15 municípios.

Recomendações de técnicos dos órgãos ambientais do estado são ignoradas
Técnicos concursados dos órgãos ambientais também vêm denunciando desde o primeiro mandato de Leite a insuficiência de pessoal para lidar com os impactos da crise climática, incluindo a pouca atenção dada à prevenção e ao atendimento aos desastres. Segundo os servidores, há também a necessidade de concurso público para suprir a falta de pessoal em divisões como a de Meteorologia, Mudanças Climáticas e Eventos Críticos do estado.

Em setembro de 2023, depois das tragédias do Vale do Taquari, a Associação dos Servidores da Sema (Assema) enviou um ofício à secretária de Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, destacando que os servidores estavam dispostos a “a reforçar à sociedade e ao Governo do Estado o compromisso e a competência de seus servidores para auxiliar na construção de alternativas para superar aquele cenário de destruição” e sugerindo ações e medidas imediatas.

Entre elas a de iniciar imediatamente a análise da inscrição de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR), pelo menos em áreas especialmente protegidas, prioritárias para conservação ou em maior risco de desastres naturais. “Infelizmente não tivemos retorno”, comenta o presidente da Assema, Pablo Pereira, lembrando que o Rio Grande do Sul é um dos estados mais atrasados do país nas análises do CAR.

Os servidores propuseram também o melhor aproveitamento do quadro técnico da secretaria para implementar a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), pois há um expressivo passivo de adequação à legislação para áreas de preservação permanente (APP), de uso restrito e reserva legal. “O atraso em sua implementação fez com que se tenha deixado de exigir até o momento a recuperação de milhares de hectares, principalmente em áreas de maior risco, frente aos eventos climáticos que exercem importante papel na minimização de seus efeitos, como estiagens e enchentes”, aponta o documento.

Outro item identificado como prioridade pelos servidores foi a retomada do debate sobre a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, que já poderia ter sido encaminhada para apreciação da Assembleia Legislativa. Um dos argumentos é que o Brasil é signatário do Marco de Ação de Sendai para Redução do Risco de Desastres e existe uma proposta, que poderia ser aproveitada, construída com ampla participação popular e financiamento do Banco Mundial, que destinou R$ 670 mil em 2017 para a formulação do projeto, que poderia ter reduzido a gravidade dos estragos na situação que vivem os gaúchos agora.

A Assema ainda manifestou a necessidade de fortalecer a atuação dos Comitês de Bacia Hidrográfica, instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos, que não recebem recursos para suas ações essenciais. Seus membros atuam totalmente de forma voluntária, o que distorce a representatividade dos comitês, com a presença desproporcional de pessoas que defendem interesses de empresas, por exemplo.


Órgãos ambientais do Rio Grande do Sul seriam ignorados pelo governador Eduardo Leite, segundo servidores
“Dinheiro do próprio bolso” dos trabalhadores na Defesa Civil
No início das chuvas deste ano, quando a água ainda não tinha atingido a região metropolitana de Porto Alegre, o Sindicato dos Técnicos Ambientais e Fundações (Semapi) publicou uma nota criticando o governo por priorizar o discurso – e não as ações – em relação à prevenção e adaptação à crise climática. De acordo com o sindicato, a falta de recursos muitas vezes obriga os trabalhadores das defesas civis a colocar “dinheiro do próprio bolso para resolver questões, o que é inconcebível”.

“Ainda em 2023, o governo do Estado anunciou um orçamento de R$115 milhões para o enfrentamento de eventos climáticos. No entanto, o que não especificou foi que o valor é a soma total de recursos de três secretarias, do Corpo de Bombeiros e, por fim, a Defesa Civil, misturando esta última com toda política para eventos climáticos extremos. Já no Orçamento 2024 aprovado, o recurso relevante previsto é de R$ 2,5 milhões para qualificar o Centro de Operações da Defesa Civil – um valor que não chega nem perto do necessário para resolver as deficiências estruturais” , afirma o sindicato.

Outra solicitação que também não teve resposta da Sema, feita em novembro de 2023, veio da Rede Sul de Restauração Ecológica, uma iniciativa lançada em 2021 que conta com representantes da própria secretaria, entre mais de uma centena de integrantes de instituições públicas e privadas que trabalham na cadeia da restauração de ecossistemas florestais e campestres nos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Em ofício enviado duas vezes para a Sema e uma para o governador Eduardo Leite, a Rede Sul se ofereceu para colaborar para a recuperação de áreas degradadas nos dois biomas, mas foi sumariamente ignorada. “Nos colocamos à disposição para contribuir com nossa expertise no processo de implementação do Tratado da Mata Atlântica no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul; tratado este recentemente noticiado e firmado entre os representantes de sete Estados Brasileiros que compõem o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD), com a perspectiva de plantio de mais de 100 milhões de árvores de espécies nativas”, dizia o ofício.

Essa inatividade da gestão estadual acaba por comprometer inclusive o cumprimento da já fragilizada legislação ambiental, como explica o promotor de justiça Sérgio Diefenbach, que acompanhou de perto as tragédias no Vale do Taquari. “Muitas vezes nós temos a expectativa de que a lei, por si só, resolva as situações. Precisa vontade política de implementação da lei e muitas vezes o Ministério Público é o propulsor da implementação desta lei”, diz.

Para Diefenbach, embora tenhamos uma das maiores estruturas de legislação ambiental do mundo, é difícil a implementação de algumas leis. “Nós ainda convivemos com uma legislação oscilante. Ou seja, conforme linhas de governo vão, alguns regramentos são amaciados e afrouxados. Em outros momentos, são criadas estruturas de maior rigor e fiscalização”, diz, usando como exemplo a legislação de recursos hídricos. “Isso não se resolve por ação judicial. É preciso criar uma consciência coletiva e de gestão da necessidade da existência deles.”

O promotor destaca que o mesmo acontece com relação ao desmatamento, à disposição de resíduos sólidos e líquidos, na concessão de licenças e na fiscalização pelo estado, entre outras ações de controle. “Sem a presença forte de Estado fiscalizador por todos os seus entes, não há legislação que sobreviva”, conclui.

Para ele, as mudanças climáticas impõem um novo pensamento sobre a ordem das cidades. E isso é uma tarefa que envolve uma construção coletiva. Exigirá compreensão dos poderes legislativos, do Executivo, das forças econômicas. “Precisamos dar uma guinada de posicionamento nas nossas condutas. E a postura do Ministério Público é de contribuir para que isto aconteça.”

Edição: Marina Amaral

OS LAÇOS DA BRASIL PARALELO, QUE NEGA CRISE CLIMÁTICA, NA VICE-PREFEITURA DE PORTO ALEGRE

 REPORTAGEM
Os laços da Brasil Paralelo, que nega crise climática, na vice-prefeitura de Porto Alegre
Vice-prefeito é apresentador na produtora; instituto de empresário ligado à BP tem atuado na cidade e recebido doações

14 de maio de 2024
09:00
Por Amanda Audi, Bruno Fonseca, Gabriel Gama
CLIMA PODER
Desastre RS desinformação enchentes extrema direita
A vice-prefeitura da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, está nas mãos de um dos primeiros participantes, professor e apresentador da Brasil Paralelo – produtora que é uma das maiores fontes no país de conteúdo desinformativo sobre diversos temas científicos, inclusive, as emergências climáticas.

Trata-se de Ricardo Gomes, que chegou ao cargo pelo MDB e depois se filiou ao PL, partido de Jair Bolsonaro. Desde 2020 como vice-prefeito de Sebastião Melo, do MDB, Gomes conseguiu seu primeiro cargo legislativo em 2016, quando foi eleito vereador pelo PP.

Divulgação de participação de Gomes (à esq.) em vídeo da Brasil Paralelo
Segundo a Agência Pública apurou, o maior gasto da campanha de Gomes na época foi com a própria Brasil Paralelo. Ele pagou R$ 20 mil por serviços de “construção de marca e planejamento de conteúdo” para o CNPJ da Brasil Paralelo, que naquela época tinha a razão social LTH Higgs Ltda. No dia 8 de maio, Gomes chegou a usar um boné da Brasil Paralelo em uma transmissão ao vivo durante o trabalho de resgate de vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.

POR QUE ISSO IMPORTA?
A Brasil Paralelo é uma das principais produtoras de conteúdo no Brasil que questionam que as emergências climáticas atuais estão diretamente relacionadas à atividade humana, sobretudo ao aquecimento global impulsionado pela queima de combustíveis fósseis.
O vice-prefeito de Porto Alegre, cidade afetada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, tem grandes ligações com a BP.
Gomes já anunciou que não deve concorrer para permanecer no cargo nas eleições deste ano. A sua sucessão, contudo, chegou a ser cogitada para outra pessoa próxima à Brasil Paralelo: Claudio Nudelman Goldsztein, empresário do setor da construção, membro da família Goldsztein, chegou a ser cortejado como possível novo vice junto a Melo. A construtora Cyrela Goldsztein, frequentemente apontada como uma das maiores do país, é o resultado da fusão das construtoras Cyrela com a Goldsztein, da família de Claudio.

Claudio tem atuado há anos para influenciar políticas públicas no estado através da organização que fundou, o Instituto Cultural Floresta (ICF). No dia 6 de maio, em meio às inundações que atingem o Rio Grande do Sul, o ICF postou um vídeo no qual Goldsztein faz propaganda da compra de antenas da Starlink – empresa do bilionário Elon Musk – feita pelo ICF para ajudar no trabalho de resgate de desabrigados. A compra dessas antenas tornou-se um dos assuntos mais comentados da rede social X/Twitter, do próprio Musk, que recebeu os agradecimentos públicos do ICF, como mostrou reportagem do Intercept. A chegada das antenas foi compartilhada junto à desinformação de que nenhuma outra rede de internet estaria funcionando no estado. O governador Eduardo Leite (PSDB) agradeceu a Musk.

Divulgação feita pelo Instituto Cultural Floresta de doação de antenas Starlink, de Elon Musk, para forças policiais no Rio Grande do Sul
Enquanto Goldsztein anunciava as antenas de Musk, o vice-prefeito de Porto Alegre usou uma live da Brasil Paralelo para elogiar a instituição do amigo. Gomes contou que esteve ao lado de Goldsztein desde sexta-feira, 3 de maio, quando a tragédia se acirrou em Porto Alegre. “O Claudio no jipe, eu no barco”, disse. Ao comentar sobre formas de ajuda, o vice-prefeito citou nominalmente a instituição do amigo. “Eu quero referendar aqui o Instituto Cultural Floresta. É um caminho seguro, honesto, transparente pra fazer doações, mas como outros tantos são”, apontou, indicando que a aplicação do dinheiro seria mais rápida do que a doação para órgãos públicos, que teriam que “fazer licitação”, o que faria com que o “primeiro colchão só chegue daqui a seis meses”.

“Obviamente sou vice-prefeito, não tô dizendo pra não doar pra Prefeitura, haverá transparência, haverá aplicação adequada desses recursos, mas o tempo e a agilidade é muito diferente”, acrescentou.

De acordo com matéria do site Porto Alegre 24 Horas, publicada em 27 de abril, Goldsztein teria sido indicado para compor a chapa da candidatura à prefeitura nas eleições deste ano, mas à Agência Pública ele negou que irá concorrer. “Nunca analisei a fundo essa proposta”, ele disse por telefone.

Segundo a Pública apurou, a fundação do instituto de Goldsztein foi inspirada nos mesmos ideais que levaram à criação da Brasil Paralelo. Foi inclusive através do ICF que Goldsztein e o atual vice-prefeito, Ricardo Gomes, se juntaram em uma transmissão da Brasil Paralelo em meio ao desastre que atinge o Rio Grande do Sul.

A reportagem procurou Ricardo Gomes e a Brasil Paralelo, mas eles não responderam até a publicação desta reportagem.

Confira a cronologia da crise no Rio Grande do Sul
27 a 28 de abril
30 de abril a 1 de maio
2 a 3 de maio
4 a 5 de maio
6 a 9 de maio
10 a 13 de maio
27 a 28 de abril
Desde março, a MetSul Meteorologia vem alertando sobre chuvas intensas de abril e maio. No sábado, dia 27 de abril, algumas regiões sofreram impactos de chuvas e granizo. No dia seguinte, a Defesa Civil contabilizou impactos em 15 municípios.

Brasil Paralelo e Instituto Floresta, “crias” de Olavo de Carvalho em Porto Alegre
A Brasil Paralelo foi criada em 2016, em Porto Alegre, por quatro homens, segundo o registro na Junta Comercial. Henrique Viana, um dos fundadores, relatou em uma entrevista que ele e os outros idealizadores faziam palestras para empresários argumentando que, além do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), seria necessário fazer uma “guerra cultural” no país, ocupando a cultura, entretenimento e educação. Essa foi a base do que viria a ser a atuação da Brasil Paralelo.

No mesmo ano, na mesma cidade, surgia o ICF. Fundado por Goldsztein e Luiz Leonardo Abelin Fração – também empresário –, o ICF se autodenomina uma instituição sem fins lucrativos que tem a missão de apoiar a segurança pública no estado e arrecada doações para financiar suas ações.

Viana, da Brasil Paralelo, relatou em uma entrevista que o nome do ICF de Goldsztein foi escolhido em homenagem a uma apresentação de ideias do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, que ele e outros fundadores da produtora faziam a empresários de Porto Alegre, em 2016. Os encontros, que tinham a participação de Goldsztein e Fração, foram o embrião da Brasil Paralelo.

“Conheço o Henrique [Viana]. A inspiração de ambos [ICF e Brasil Paralelo] é a mesma, a ideia de que não basta olhar para uma árvore, tem que ver a floresta inteira, mas não que um tenha se inspirado no outro”, disse Goldsztein à Pública.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, Fração explicou que criou a organização em resposta a crimes ocorridos na capital gaúcha entre 2015 e 2016. A primeira ação do grupo foi consertar viaturas policiais. “Comecei a ligar para amigos donos de concessionárias de carro pedindo que arrumassem viaturas da PM estragadas. Foram cem carros em duas semanas”, afirma.

O ICF ganhou projeção através de uma iniciativa que ficou conhecida como a “Lei Rouanet da Segurança”. Em 2019, graças à atuação do instituto, empresários gaúchos conseguiram aprovar a legislação que permitia trocar o pagamento de parte dos impostos estaduais pela compra e doação de armas e equipamentos para as forças policiais.

Na época, reportagem da Pública mostrou como o instituto já havia comprado 46 viaturas, 1.500 pistolas e fuzis, alguns de alta precisão, para as forças de segurança gaúcha, apesar de reclamarem de que ainda faltava segurança legal para conseguirem abater os impostos.

Presidente do Instituto Cultural Floresta, Leonardo Fração, doa viaturas e equipamentos à polícia
De acordo com o decreto publicado no final da gestão do governador José Ivo Sartori (MDB), os empresários puderam escolher onde e como seriam aplicados os artigos doados e o município onde seriam utilizados. A discricionariedade foi mantida num decreto do início do governo de Eduardo Leite (PSDB).

A lei criada pelos empresários gaúchos chegou ao hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Segundo reportagem do Estadão, a equipe do então ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) elaborou uma proposta para criar, no nível federal, a “Lei Rouanet da Segurança Pública” – que não foi aprovada até ele deixar o ministério.

“Guerra cultural”
Em 2016, quando o atual vice-prefeito de Porto Alegre foi eleito vereador pelo PP, Claudio Goldsztein, do ICF, doou R$ 10 mil à campanha.

Gomes foi presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), onde ocorreram alguns dos encontros relatados pelo fundador da Brasil Paralelo, Henrique Viana, nos quais pregavam uma “guerra cultural”. O IEE organiza o Fórum da Liberdade, uma conferência que reúne expoentes do liberalismo e da extrema direita.

Após ser eleito vereador da Câmara de Porto Alegre, Gomes foi nomeado secretário de Desenvolvimento Econômico da capital gaúcha, em 2017. Em 2020, candidatou-se e foi eleito vice do prefeito Sebastião Melo.

Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (centro) e o vice-prefeito, Ricardo Gomes (à dir.) durante coletiva de imprensa sobre o balanço da crise climática na cidade
De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pessoas ligadas à construtora Cyrela Goldsztein, da família de Claudio, foram as maiores financiadoras da campanha de Melo e Gomes em 2020. Foram R$ 200 mil repassados por integrantes da família e diretores da empresa à chapa vitoriosa.

Já sete pessoas da família Fração, do cofundador do ICF, Leonardo Fração, doaram R$ 44 mil para Melo e Gomes. Em 2016, duas pessoas do grupo familiar já haviam doado R$ 4 mil a Gomes.

Brasil Paralelo divulgou Pix de instituto de Goldsztein
No início do desastre que atinge o Rio Grande do Sul, o ICF passou a divulgar seu Pix para doações. Em 6 de maio, segunda-feira, quando a catástrofe já havia atingido enormes proporções, a organização publicou no X/Twitter que havia adquirido cem antenas da Starlink, internet por satélite da SpaceX, de Musk.

O vídeo, que soma 1,8 milhão de visualizações e 40 mil curtidas no Instagram, mostra as caixas das antenas sendo carregadas em uma aeronave da empresa Azul, e ao fundo há uma trilha sonora instrumental semelhante à de um filme de ação. Segundo o próprio instituto, as antenas seriam doadas a forças policiais gaúchas, com o objetivo de restabelecer a comunicação durante a tragédia.

Em uma live no canal do YouTube da Brasil Paralelo ainda no dia 6 de maio, Goldsztein justificou que a compra das antenas para entidades policiais faz jus à missão do instituto. “Nossa prioridade é reconstruir delegacias e quarteis, o principal que estamos focando é a origem do instituto: segurança e educação. Porque, se não tivermos delegacias minimamente operacionais, com computadores, como faremos a prevenção do crime?”, afirmou durante a transmissão.

O apresentador da live na Brasil Paralelo, Lucas Ferrugem, recomendou doações para o ICF: “A recomendação que eu tenho feito é que cada um doe para aquilo que se identificar mais. Eu falo para amigos, faz um cheque maior pro Instituto Cultural Floresta, para eles poderem se estruturar, e depois você doa ‘pingado’ para várias pessoas físicas que estão nessa linha de frente de comprar comida”.

Goldsztein afirma que o ICF não está vinculado à Brasil Paralelo e que recebe ajuda e doações de pessoas e empresas de diferentes matizes ideológicos. “A minha parte para preservar a natureza, de não jogar papel na rua e não desperdiçar água, eu faço e ensino para os meus filhos. O ICF não entra nestas pautas, não temos competência para dizer se alguém poderia ter previsto ou não tomou medidas corretas. O que podemos fazer é mudar a realidade das pessoas afetadas”, afirmou.

O empresário disse que o ICF comprou cerca de 400 antenas da Starlink com recursos de doações, a partir da divulgação veiculada principalmente pela Brasil Paralelo e influencers de extrema direita. “Compramos as primeiras 10 ou 12 de forma avulsa, duas de um vendedor, quatro de outro, e, quando vimos, a população havia se engajado na campanha e conseguimos comprar um lote de 50 antenas. Entregamos quase 400 antenas, todas com doação via Pix”, comentou.

Segundo a Pública apurou, em junho de 2023, o ICF doou R$ 400 mil em equipamentos de informática ao Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Em 17 de abril, o ICF fez a doação de 40 kits de coldre, capa colete, porta rádio e outros itens à Brigada Militar do Rio Grande do Sul.

Em 2023, ano marcado por numerosos ataques a escolas no Brasil, o ICF bancou uma iniciativa que visava à instalação de um sistema de botões de pânico em 98 escolas da rede municipal de ensino de Porto Alegre e nas 214 instituições parceiras da educação infantil, segundo o portal Terra. A empresa BeOn forneceu os equipamentos, que foram distribuídos pela prefeitura da capital gaúcha.

O negacionismo climático da Brasil Paralelo
“Eu gostaria de começar jogando a bola para o professor Felício: o que que é aquecimento global, professor?”. Assim começa um vídeo chamado “O aquecimento global é uma farsa?” de quase duas horas da Brasil Paralelo, que, publicado em 30 de agosto de 2022, ultrapassa 1,4 milhões de visualizações e mais de 7.700 comentários no YouTube.

“Bom, vamos dizer assim, que foi uma ideia que quiseram criar dizendo que a temperatura do planeta média – que é uma abstração total […] fizeram uma associação de que um dos gases […] constituintes da atmosfera […], que é o CO2, ele a partir da sua proporção crescendo na atmosfera isso faria a temperatura do planeta aquecer. Isso não tem nenhuma evidência científica de que acontece”, desinforma o convidado, que arranca risos dos apresentadores da Brasil Paralelo.

Episódio “Aquecimento Global é uma farsa”, da Brasil Paralelo, com Ricardo Felício, demitido da USP
O convidado em questão, Ricardo Felício, era professor da Universidade de São Paulo (USP) até ser demitido em julho do ano passado, segundo reportagem do Globo, após um processo disciplinar motivado por faltas às aulas. Ele questiona o aquecimento global e consensos científicos como do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), que apontou que o aumento na temperatura do planeta era influenciado pela atividade humana. Em 2012, Felício foi entrevistado por 28 minutos no Programa do Jô, da Rede Globo, quando afirmou que o aquecimento global “é uma hipótese sem comprovações científicas”. Também é autor de um curso online chamado “A ‘mudança climática’: desconstruindo a hipótese”.

A Brasil Paralelo tem diversas produções que colocam em dúvida a existência do aquecimento global, minimizam o impacto do agronegócio no meio ambiente e criticam ambientalistas. Um dos documentários da produtora, “Cortina de fumaça”, de 2021, nega o crescente desmatamento no país durante o governo Jair Bolsonaro e aponta reivindicações de ONGs e indígenas como parte de uma conspiração global para frear o agronegócio brasileiro. O vídeo teve quase 2 milhões de visualizações em apenas três meses.

O documentário viola regras do próprio YouTube, que desde 2015 promete contribuir para o combate às mudanças climáticas evitando conteúdos desinformativos sobre o tema. Porém o filme segue disponível na plataforma e ajuda a ampliar o negacionismo sobre a emergência climática.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) demonstrou como esse documentário levava a recomendações de conteúdos ainda mais radicais no YouTube. Os pesquisadores alertam que, “no que diz respeito ao campo ambiental, a crença em teorias da conspiração ameaça os esforços mundiais para combater a crise climática”.

Os anos de 2023 e 2024 têm batido todos os recordes de temperatura dos oceanos. O ano passado fechou com o registro mais quente da história das medições, segundo dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) apresentados pelo Instituto Nacional de Meteorologia. Já abril de 2024 marcou o 11º mês em sequência com recordes de calor na Terra, de acordo com cientistas do observatório europeu Copernicus.

Edição: Natalia Viana
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EX- MINISTRO FÁBIO FARIA FOI DIRETOR DE EMPRESA QUE LEVOU ANTENAS DE MUSK AO RS

 REPORTAGEM
Exclusivo: Ex-ministro Fábio Faria foi diretor de empresa que levou antenas de Musk ao RS
Faria foi diretor da empresa até abril deste ano; ele articulou aproximação de Musk no governo Bolsonaro

16 de maio de 2024
13:27
Por Amanda Audi
EMPRESAS PODER
Desastre RS internet redes sociais Twitter
O ex-ministro das Comunicações de Jair Bolsonaro (PL) e ex-deputado federal pelo Rio Grande do Norte Fábio Faria (PP) foi diretor de uma empresa brasileira que recebeu satélites da Starlink, companhia de Elon Musk. A Skylink intermediou a remessa de 1.100 antenas para o Rio Grande do Sul em meio às enchentes deste ano.

Foi justamente durante a gestão de Faria sob Bolsonaro que a Starlink se aproximou do governo brasileiro. Faria articulou para que os satélites de Musk fossem usados no monitoramento da Amazônia brasileira e em escolas públicas em áreas rurais no país.

Segundo a Agência Pública apurou com exclusividade, Faria esteve como diretor-geral da Skylink até 4 de abril, quando renunciou ao cargo.

Na mesma data, foi aprovado o aumento do capital social da Skylink de R$ 500 mil para R$ 10 milhões – quase 20 vezes maior.

POR QUE ISSO IMPORTA?
As antenas de Elon Musk já foram anunciadas como parte de políticas públicas para conexão à internet na Amazônia e em escolas rurais no Brasil
Foi o próprio Faria quem articulou a vinda de Musk, no governo Bolsonaro. Apesar de ter saído da diretoria, deixou seu ex-assessor na empresa
Foi uma passagem relâmpago – Faria entrou na direção da empresa em 20 de março. Na época, o ex-ministro investiu R$ 250 mil no capital da empresa por meio da FDois Consultoria em Gestão, que abriu no ano passado.

De acordo com a apuração, ele saiu da Skylink por ocupar um cargo de gerência no banco BTG Pactual: Faria é gerente sênior de relacionamento do banco. O BTG, por sua vez, controla a sua própria empresa de fibra ótica, a V.tal, o que poderia gerar conflitos de interesse com a Skylink no mercado de conexões à internet.

Um dos sócios da Skylink, Ailton Santos Filho, que foi CEO da Nokia no Brasil, conversou com a Pública. “Assumi a direção há pouco tempo. O Fábio estava pensando na empresa e me convidou. Eu achei legal o projeto. Depois entendi que o Fábio, por ser sócio do BTG, poderia ter conflito de interesses por causa da V.tal, que também é de telecomunicações, e eles entendem que seria concorrente”, disse.

Após ter renunciado à direção na Skylink, o ex-ministro deixou uma pessoa de confiança na direção da entidade. Leonardo Gurgel de Faria Diniz foi secretário parlamentar de Faria na Câmara dos Deputados entre 2013 e 2015. Depois, ele assumiu como superintendente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos em Natal, cidade natal do ex-ministro.

Santos Filho disse à Pública que Diniz também já teria deixado a empresa “por possíveis conflitos de interesse” pela sua associação com o ex-ministro. Porém, a saída de Diniz não foi registrada na ata da Junta Comercial e o nome do ex-assessor continua constando no quadro societário da empresa na Receita Federal. “Deve ter havido algum problema, mas vamos consertar isso”, comentou.

Faria teve passagem relâmpago pela representante da Starlink no Brasil, que hoje tem capital de mais de R$ 10 milhões
Com a saída de Faria, Alberto de Faria Jeronimo Leite, empresário bolsonarista e admirador de Musk, também deixou o cargo de diretor da empresa. Leite é fundador do Conselho de Administração da FS Security, uma empresa de segurança cibernética e tecnologia da informação. Ele já foi descrito como um dos empresários “mais próximos do governo Bolsonaro”. Foi no condomínio em que mora Leite que Bolsonaro e Musk se encontraram em maio de 2022, segundo o Poder360.

Assumiram na diretoria Santos Filho e Eric Antônio Carvalho Martins, sócio de Leite em outros empreendimentos. Atualmente, constam também como sócios Carlos Alberto Landim, CEO da empresa de tecnologia EXA, e o ex-assessor de Faria.

Apesar de o documento registrado na Junta Comercial de São Paulo indicar a renúncia de Faria à diretoria da Skylink em 4 de abril, o ato só foi registrado em cartório em 2 de maio. Nesse meio-tempo, em 18 de abril, Faria assinou digitalmente o estatuto social da empresa.

A Skylink não consta do site da Starlink como revendedora oficial no Brasil. De acordo com Santos Filho, a Skylink já fechou um acordo formal com a empresa de Musk, mas ele ainda não foi publicado.

O CNPJ da empresa foi aberto em 2023, no Rio de Janeiro, com a razão social “Calêndula SP Participações”. Ele foi registrado por dois empresários que já foram investigados por supostamente serem donos de empresas de fachada. Um deles atualmente tem 131 empresas, o outro, 94.

A outorga da empresa para os atuais sócios ocorreu em 20 de março deste ano, quando ela passou a se chamar Skylink. Segundo Santos Filho relatou à Pública, os sócios optaram por incubar uma empresa que já existia para facilitar processos burocráticos.

Os milhares de antenas de Musk no desastre no Sul
As antenas da Starlink movimentaram um dos boatos que mais circulou no início das inundações que causaram o desastre no Rio Grande do Sul. No dia 6 de maio, o Instituto Cultural Floresta – que tem conexões com a produtora Brasil Paralelo – postou um vídeo no qual anunciava a compra de cem antenas da Starlink, de Musk, para ajudar no resgate aos desabrigados.

Depois, Faria foi contatado por representantes do governo gaúcho para intermediar a aquisição de mais antenas. Ele ligou diretamente para Musk, de quem é próximo, e enviou ao bilionário um vídeo da supermodelo Gisele Bundchen falando sobre o desastre no estado. Inicialmente, Musk havia concordado em entregar cem antenas para a Skylink, segundo contou Santos Filho, mas, depois de ter visto o vídeo, enviou mais mil.

“Obrigado Elon Musk por responder imediatamente ao meu pedido e ajudar a reconectar essas pessoas que enfrentam a maior catástrofe da história”, escreveu Faria na rede de Musk, no dia 11 de maio; o bilionário agradeceu
Segundo Santos Filho, a doação foi enviada para o governo do estado, que tem a tutela sobre os equipamentos e pode decidir para onde serão enviados. O Exército e instituições privadas se encarregaram de ajudar na parte logística.

A chegada das antenas virou um dos assuntos mais comentados da rede social X/Twitter, do próprio Musk, e foi compartilhada junto ao boato de que nenhuma outra rede estaria funcionando na região.

O próprio governo do Rio Grande do Sul anunciou a Skylink como a empresa que viabilizou a chegada das antenas da Starlink. Segundo a postagem, o acordo foi intermediado pelo governo, sob coordenação da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Os equipamentos chegaram no último dia 11.

Governo do RS anunciou chegada de antenas de Elon Musk intermediadas pela Skylink
Fábio Faria não postava na rede de Musk desde outubro de 2023. O último conteúdo havia sido justamente um aceno à visita do bilionário ao Brasil, quando foi recebido por Faria.

Os dois se conheceriam ao menos desde 2021, quando Faria foi recebido pelo bilionário nos Estados Unidos.

Foi durante gestão de Faria no governo Bolsonaro que Musk estreitou laços com o governo federal
O trio Faria, Bolsonaro e Musk
Fábio Salustino Mesquita de Faria foi ministro das Comunicações de Bolsonaro entre 17 de junho de 2020 e 21 de dezembro de 2022. A pasta foi recriada pelo ex-presidente após uma sequência de desgastes da comunicação do governo e pressão do Centrão. Ela havia sido extinta no governo de Michel Temer (MDB), em 2016.

Faria foi também um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro à reeleição. Ele esteve ao lado do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, que, juntos, espalharam a informação, já desmentida, de que rádios estariam boicotando propagandas de Bolsonaro. A campanha chegou a enviar um relatório que provaria uma “fraude eleitoral”.

Durante o governo Bolsonaro, Elon Musk estreitou os laços com o Brasil. A Amazônia se tornou um dos principais mercados da Starlink no país. A promessa era conectar milhares de escolas da região à internet, mas, segundo reportagem do UOL, um ano depois, apenas três unidades da rede estadual haviam recebido o equipamento. Reportagens têm mostrado como as antenas têm sido facilmente encontradas em garimpos ilegais.

Houve uma especulação de que Musk poderia abrir no Brasil uma fábrica da Tesla, sua marca de carros elétricos, mas o país foi preterido pelo Chile.

O bilionário encontrou terreno fértil na política brasileira. Apoiadores de Bolsonaro o elegeram como ídolo, principalmente após Musk ter desferido críticas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes – a quem acusa, sem provas, de ter interferido no resultado das eleições de 2022. O ministro mandou abrir um inquérito para investigar as falas do empresário.

Edição: Bruno Fonseca

 

O que o jornalismo investigativo tem a dizer do Rio Grande do Sul

 

Peço licença nesse espaço construído pela minha grande colega Giovana Girardi para escrever algo que consideramos muito caro para nós da Pública.

Tão rápido quanto a inundação que destruiu as cidades do Rio Grande do Sul, autoridades gaúchas se apressaram para tentar dizer que não era "hora de procurar culpados", disparou o governador, Eduardo Leite (PSDB).

Nós na Pública discordamos: culpados, ou melhor, responsáveis por políticas públicas precisam, sim, ter nome, cargo e cara conhecidos pela população.

Isso vale para os políticos, sejam eles os mais óbvios, como prefeitos, governadores, presidente, mas também os que muitas vezes atuam sem tantos holofotes, como congressistas, deputados estaduais, vereadores, membros do judiciário, secretários e mesmo vice-prefeitos.

A responsabilidade também vale para o poder econômico: empresários e grandes produtores rurais que atuam para alterar legislações, enfraquecer proteção ambiental ou até mesmo barrar avanços na política climática com campanhas de desinformação.

 

 Culpados, ou melhor, responsáveis por políticas públicas precisam, sim, ter nome, cargo e cara conhecidos pela população.

É essa a linha que guia as investigações da Pública no desastre do Rio Grande do Sul: queremos sim apontar quem atua à luz do dia ou por trás das cortinas para potencializar catástrofes como essa, que como a Giovana apontou, não ocorreram sem aviso.

É por isso que a equipe da Pública foi atrás das falhas nos alertas à população, investigou o que Eduardo Leite fez ou "desfez" de regras ambientais e climáticas no estado, acompanhou o trabalho de deputados contra projetos de adaptação à crise e mostramos que o Congresso deixou às moscas por anos uma comissão que deveria tratar da crise climática. Também mostramos como o negacionismo climático da Brasil Paralelo tem laços com a vice-prefeitura da capital, Porto Alegre, contamos histórias de quilombolas e moradores de abrigo que cobram atuação do poder público e mostramos a triste história de moradores de Muçum, no Vale do Taquari, que viram pela terceira vez a cidade ser levada por ondas de lama. Ah, antes mesmo dos desastres de agora, nossas investigações já mostravam que o estado do Rio Grande do Sul foi o recordista em decretos de emergência.

Algumas das reportagens que menciono neste texto estão destacadas abaixo. Você encontra toda a nossa cobertura sobre o desastre socioambiental no Rio Grande do Sul neste link.

O propósito de uma agência de jornalismo investigativo como nós é justamente esse: ir atrás do que não foi explicado, ou foi mal explicado, em momentos como esse. Apontar responsabilidades, ouvir as histórias e demandas da população e trazer ângulos novos para impedir que catástrofes como essa sejam normalizadas, despolitizadas, neutralizadas.

 

Bruno Fonseca
bruno@apublica.org
Chefe de redação e editor da Agência Pública

MAIS UM ALUNO PARA A ESCOLINHA DO PREFEITO BABÁ

 SAIU NO PORTAL DA PREFEITURA DE SÃO TOMÉ A CONTRATAÇÃO DE MAIS UM ALUNO QUE VAI INTEGRAR A TURMA DA ESCOLINHA DO PROFESSOR BABÁ, TRATA-SE DE JOELLINGTON  VITAL DE ARAÚJO (JÓJÓ), QUE ASSINA UM CONTRATO COM A PREFEITURA DE SÃO TOMÉ PARA SER OFFICE BOY DA SECRETARIA DE AGRICULTURA, COM UM VALOR DE R$ 18.000,00(DEZOITO MIL REAIS). COM ISTO SE JUNTA AOS JÁ ALUNOS: NARO, SUA FILHA, GUTEMBERG, GALEGO DE TIANA, PAULO EDUARDO E MOACIR. ESTÁ CRESCENDO A TURMA, VAI  PRECISAR DE UMA PREFEITURA MAIOR PARA ACOMODAR NOVOS E NOVOS ALUNOS QUE VIRÃO ATÉ A ELEIÇÃO.

EMATER NOMEIA AGRONOMO PARA TRABALHAR EM SÃO TOMÉ

 DEPOIS DE MUITAS IDAS E VINDAS, FINALMENTE A EMATER-RN, NOMEIA UM PROFISSIONAL PARA ACOMPANHAR AGRICULTORES/AS DE SÃO TOMÉ, FATO OCORRIDO NO ULTIMO DIA 15/05/2024. COM A PRESENÇA MAIS DO QUE RESUMIDA DE AGRICULTORES, PÚBLICO ESSENCIAL NO OBJETO E JUSTIFICATIVA DA NOMEAÇÃO.

SURGIU UMA CONVERSA QUE O PREFEITO DA CIDADE, FEZ UMA OPERAÇÃO PARA BOICOTAR  ESTA APRESENTAÇÃO, COM FALAS QUE ALGUMAS PESSOAS NÃO FORAM EM FUNÇÃO DA DESAPROVAÇÃO DO PREFEITO BABÁ.

SERÁ QUE AGRICULTORES/AS DA CIDADE TEM ESTE TIPO DE COMPORTAMENTO? SE FOR ISTO, REALMENTE A CIDADE ESTÁ DESPROVIDA DE PESSOAS COM UM MÍNIMO DE SENSO, MESMO SEM CONTEMPLAÇÃO DAS ESTRELAS.

E AÍ FICA A PERGUNTA: PRA QUE ENTÃO A PRESENÇA DESTE PROFISSIONAL?

 

Porto Alegre não deve copiar o mau exemplo de New Orleans

Leio aqui e ali que a New Orleans pós-Katrina “traz lições” para Porto Alegre. No mesmo tom, noticia-se que o prefeito Sebastião Melo (MDB) contratou uma consultoria norte-americana “que atuou no Katrina” para fazer o plano de reconstrução da capital gaúcha. Ele ainda não sabe nem o quanto isso vai custar: a consultoria Alvarez & Marsal (A&M) ofereceu dois meses de trabalho gratuito antes de apresentar a conta para a prefeitura. No Brasil, a A&M é conhecida por empregar o ex-juiz Sergio Moro, depois de lucrar R$ 65 milhões como administradora judicial de empresas alvo da Lava Jato. 

“No momento, a equipe concentra seus esforços no diagnóstico e no plano emergencial de ações e, tão logo tenha a estrutura, apresentará cronograma para implementação", disse a A&M em nota publicada na Folha de S.Paulo. Quando indagado por que, afinal, havia decidido contratar a empresa, o prefeito simplesmente respondeu: “Eu decidi contratar uma consultoria, umas duzentas me ofereceram, eu decidi contratar essa, se ela for bem, bom, eu decidi, porque eu posso decidir”. 

Para além da aparente falta de critérios na decisão tomada, sem ouvir os especialistas brasileiros, como revelou o site Matinal, Melo parece desconhecer a desastrosa atuação da A&M em New Orleans que deixou como legado a demissão de mais de 7 mil professores de escolas públicas, a privatização da educação e saúde, o acirramento da violência policial e miliciana (o que ameaça acontecer por aqui) e, por fim, o branqueamento da população de New Orleans. 

A pretexto de retirar os desalojados, que foram impedidos de voltar, foi feita uma limpeza étnica na cidade turística, e a população negra, que correspondia a 75% da população total, caiu para menos da metade cinco anos depois da inundação que se seguiu ao furacão Katrina e deixou mais de 1.300 mortos no desastre.  

Até hoje a população original de New Orleans não se recuperou – há cerca de 100 mil habitantes a menos dos quase 500 mil que havia em 2005. Já a população negra, somando os que conseguiram por fim voltar, corresponde a 60% do total, boa parte dela concentrada na periferia depois de perder suas casas em bairros gentrificados na reconstrução. Muitos ainda lutam para pagar dívidas com moradia. 


Para saber o que aconteceu em New Orleans, e aprender com suas falhas – estas, sim, lições para nós, como notou a BBC –, o prefeito pode aproveitar que a energia foi restabelecida no Guarujá, o bairro onde mora, e assistir a Tremé, ótima série de David Simon (o mesmo criador de The Wire) que mostra a resiliência da cultura negra e os absurdos e injustiças cometidas na reconstrução de New Orleans com forte viés de racismo, principalmente por parte do governo federal de George W. Bush. 

Tremé é o nome de um bairro negro em New Orleans, berço do jazz e de tradições afro-americanas e creole da Louisiana, que foi um dos mais atingidos pela inundação. A série começa três meses depois do Katrina e acompanha a reconstrução marcada pelo lobby das empreiteiras e a corrupção das autoridades, ligados à desigualdade de tratamento a atingidos negros e brancos.

 
 Como acontece em Porto Alegre: embora quase a cidade toda tenha sido atingida pelas águas, é a população de baixa renda que mais sofre com as consequências, sendo a grande maioria nos abrigos e também entre os que não terão onde morar, como reconheceu o próprio prefeito na mesma entrevista à Folha. 
Um levantamento feito pelo Observatório das Metrópoles mostra que os bairros pobres foram os mais atingidos na capital e na região metropolitana. “Nem todos os bairros mais pobres foram atingidos, mas todos os mais atingidos são pobres”, explicou o pesquisador André Augustin ao site Sul 21.

Há outras semelhanças mórbidas entre as duas cidades diante do desastre – “que não foi natural, mas provocado por gigantescas falhas humanas”, como gosta de repetir um personagem de Tremé, o professor de inglês Craig Bernette, que usa o YouTube para fazer denúncias contra as autoridades. É Bernette quem enuncia a verdade calada até então: o que provocou a tragédia em New Orleans não foi o furacão Katrina, mas a enchente que se seguiu por causa do rompimento dos diques por erros de engenharia e manutenção.

As falhas no sistema de prevenção de enchentes em Porto Alegre, de responsabilidade da prefeitura, e criticadas pelo presidente Lula, certamente também desempenharam um papel relevante na tragédia brasileira.

 
 Lá como cá, também houve demora para acordar para a emergência climática com políticas públicas eficazes e o afrouxamento na legislação ambiental em plano estadual e federal. Não precisamos copiar mais fracassos. 
Aliás, vale lembrar ao prefeito Sebastião Melo que seu colega em New Orleans, Ray Nagin, foi condenado em 2014 a dez anos de prisão por corrupção, propina e lavagem de dinheiro na gestão da reconstrução. A sentença expirou em março deste ano e ele agora luta para reaver o direito de votar e, pasmem, de portar armas. 

Definitivamente, não precisamos desses exemplos. 


Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública

marina@apublica.org 
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sábado, 4 de maio de 2024

 

Com plástico até no pulmão, planeta sufoca enquanto busca acordo para limitar poluição

 

Escrevo frequentemente neste espaço sobre a emergência climática, mas se tem um problema tão global, onipresente, com múltiplas facetas e de difícil solução quanto o aquecimento global é a crise da poluição plástica. O caro leitor com certeza já se deparou com algumas das estatísticas mais assustadoras que mostram como estamos sufocando o planeta com plástico.

Cito algumas. Desde os anos 1950, o mundo produziu 9,2 bilhões de toneladas de plástico, em um processo que escalonou ao longo das décadas, batendo 460 milhões de toneladas em 2022, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), número que poderá triplicar até 2060 se nada for feito. Dos 7 bilhões de toneladas de resíduos plásticos gerados globalmente até hoje, menos de 10% foram reciclados. 

Estima-se que atualmente estejam acumuladas entre 75 e 199 milhões de toneladas de plástico nos oceanos. Sem mudanças na forma como produzimos, utilizamos e eliminamos esses produtos, a quantidade de resíduos plásticos que entram nos ecossistemas aquáticos poderá quase triplicar, passando dos cerca de 9 a 14 milhões de toneladas por ano, segundo dados de 2016, para algo entre 23 a 37 milhões de toneladas por ano até 2040.

Também de acordo com o Pnuma, cerca de 1 milhão de garrafas plásticas são compradas por minuto e até 5 trilhões de sacolas plásticas são usadas por ano em todo o mundo. Metade de todo o plástico produzido é desenhado para ter um uso único – ou seja, é descartado logo depois de usado. 

Antes fossem só as garrafinhas, os canudinhos, as sacolas plásticas. Para eles há alternativas, é possível eliminá-los. Mas o problema é que o plástico passa por toda a economia. Enquanto escrevo este texto, olho ao meu redor. Tudo tem plástico, em suas mais diversas formações: do computador ao tubinho da caneta; do fone de ouvido aos meus óculos; na espiral do calendário de mesa, no potinho onde trouxe o lanche da tarde, no frasco de álcool, nas minhas roupas. E, infelizmente, dentro de mim mesma.

Os milhões de toneladas de resíduos vão parar no ar, na água, nos bichos, em praticamente todo lugar do planeta. Os microplásticos, que são partículas menores que 5 mm, já foram encontrados em nuvens, o que pode afetar o clima; em rochas da ilha de Trindade, que fica no meio do oceano Atlântico; no gelo da Antártida; na placenta, no pulmão e no coração humanos (até agora o órgão mais profundo e fechado em que o material já foi encontrado).

 

 E, assim como a crise climática, a do plástico tem um protagonista bem conhecido: a indústria de combustíveis fósseis, mais precisamente a petroquímica. O petróleo é a origem de quase a totalidade dos plásticos. De modo que, claro, uma crise alimenta a outra.

Há duas semanas, o jornal britânico The Guardian divulgou um estudo do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, dos Estados Unidos, estimando que as emissões de gases de efeito estufa provenientes da produção de plástico podem triplicar até a metade do século, passando a responder por 20% do que resta para a Terra do chamado orçamento de carbono – que é a quantidade máxima de gases que ainda podemos emitir a fim de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC.

O jornal aponta que essas emissões provenientes da indústria plástica, que, prevê-se, continuarão crescendo nas próximas décadas, podem minar os esforços para controlar a crise climática.

Foi diante desse quadro cada vez mais intrincado que representantes de 170 países estiveram reunidos entre os dias 23 e 29 deste mês em Ottawa (Canadá) na quarta rodada de negociações que visam elaborar um instrumento legalmente vinculante para atacar a poluição plástica mundial. Esses esforços começaram em 2022 e devem terminar na quinta rodada, em novembro, na Coreia do Sul, quando se espera que seja definido um tratado.

Se esse marco legal for mesmo estabelecido, já vem sendo considerado tão importante quanto o Acordo de Paris, que definiu, em 2015, esforços mundiais para conter o aumento da temperatura do planeta. Não que os países já tenham conseguido entrar nos trilhos para alcançar esse objetivo – pelo contrário, nossas emissões de gases de efeito estufa continuam subindo, mas ao menos um mandato para isso já existe.

Em linhas bem gerais, um dos maiores embates em torno da negociação sobre a poluição plástica se dá principalmente sobre quão abrangente vai ser esse tratado. Alguns países, como o grupo autodenominado Coalizão de Alta Ambição (que inclui 60 nações, como Ruanda, Peru, União Europeia e Gana), defendem que é preciso estabelecer regras para todo o ciclo desses materiais: da produção ao uso até o descarte, contendo, inclusive, metas para a redução da quantidade de plástico produzida.

Há um entendimento de que é preciso ter estratégias que vão desde o desenho do produto. Trabalhar, por exemplo, no nível dos polímeros, a fim tanto de reduzir a própria produção quanto de garantir que as coisas sejam mais duráveis, reutilizáveis e efetivamente recicláveis. A verdade é que a maioria não tem reciclabilidade, por isso vira lixo mesmo. É o caso dos plásticos de uso único, que ou não podem ser reciclados ou nem compensam (como as malditas bandejinhas de isopor) e acabam não tendo mercado. 

Depois, claro, é preciso garantir meios para que a reciclagem e o descarte adequado, além do tratamento de resíduos, de fato ocorram. E não só em país rico, mas em todo o mundo. 

Já para outros países, em especial os que têm as empresas petroquímicas mais fortes, como os Estados Unidos, basta basicamente resolver essa última etapa que o problema estará resolvido. Essa é a visão apoiada pela indústria, que ficou evidente um pouco antes de a reunião no Canadá ter começado. Em entrevista ao Financial Times, Karen McKee, chefe de soluções de produtos da 
ExxonMobil, disse que “o problema é a poluição, não é o plástico. Um limite na produção de plástico não nos servirá em termos de poluição e meio ambiente”.

Ao final da reunião, praticamente não se avançou nesse aspecto. “Houve bastante discussão a respeito, mas os países que não querem envolver a produção mantiveram sua posição”, me disse a negociadora-chefe do Brasil na reunião, a diplomata Maria Angélica Ikeda. “Ainda assim, trabalharam no texto que prevê a produção, o que talvez sinalize alguma possibilidade de solução de compromisso ao fim das negociações. Mas ainda é prematuro prever qual poderia ser o resultado”, disse.

Apesar disso, o encontro terminou com um certo alívio de não ter sido um fracasso. As partes concordaram em fazer mais algumas reuniões intermediárias antes da sessão final, na Coreia, justamente para tentar aparar as arestas e avançar em um texto.

Segundo Ikeda, um dos pontos-chave será a discussão sobre o financiamento, considerado um “ponto de importância aguda para os países em desenvolvimento poderem implementar o tratado”, como ela explica. Também estarão em debate aspectos técnicos, como o uso de produtos químicos considerados de preocupação e o desenho do produto, com foco na reciclabilidade e no reúso.

O Brasil, que também tem uma indústria petroquímica importante, foi acusado de ter “se mostrado menos ambicioso” e de estar “
morno” nas negociações. O país não descarta que haja algum entendimento em torno de limites à produção, mas tem sido cauteloso no tom. Ikeda disse que o governo tem consultado pesquisadores de diversas áreas para poder tomar uma decisão baseada na ciência. Perguntei se o país poderia concordar com eventuais propostas, por exemplo, de banimento de alguns tipos de plásticos.

“Tudo vai depender dessa análise que a gente vai fazer, mas a gente está aberto a considerar várias propostas que falem que precisa eliminar, [mas] a gente não sabe que produto que é nem o que ele contém, mas tudo isso, sim, a gente está aberto a discutir e a gente só quer ter uma avaliação”, afirmou a diplomata.

A ver nos próximos meses para onde vai essa discussão. Nesse meio-tempo, de uma coisa a gente tem certeza: a produção de plástico continuará subindo.

 
*
 
Caros, entro em férias hoje, então esta newsletter terá uma pausa de algumas semanas. Nos vemos de volta no dia 6 de junho.  
         

Giovana Girardi
giovana.girardi@apublica.org
Chefe da Cobertura Socioambiental
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