sexta-feira, 26 de agosto de 2022

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ALIMENTAÇÃO

 Adalberto Luís Val é biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-Adapta), com enfoque nas mudanças ambientais e climáticas e a sua relação com importantes aspectos sociais, tais como saúde e segurança alimentar. Não poderia ser diferente, já que, segundo estimativas do pesquisador, “90% da população [amazônica] tem o peixe como fonte de proteína nessa região”.

Val explica o modo como ações do homem na Amazônia (desmatamento, poluição e construção de hidrelétricas) interagem com os efeitos globais das mudanças climáticas devido à emissão de gases como o dióxido de carbono (CO2).

Por conta das movimentações atmosféricas mundiais, o dióxido de carbono lançado em determinado local “é socializado no mundo”, impedindo a dissipação de calor e aumentando a temperatura da superfície terrestre”, afirma o cientista.

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“A gente tem um segundo efeito que é o efeito local […] a abertura de estrada, ações antrópicas [humanas] de uma maneira geral, construção de barragens, enfim. Uma série de ações que são locais que acabam ampliando os efeitos já constatados dessas mudanças globais.”

Para investigar o que se espera de impacto em termos de mudanças climáticas, Val e a equipe do INCT-Adapta construíram salas climáticas que reproduzem distintos cenários ambientais de 2100. Peixes, tartarugas, plantas, insetos, fungos e outros seres são ali incubados. O objetivo é simular o que acontece, principalmente com a população de peixes, diante destes três cenários de mudança climática: o cenário brando (aumento de temperatura por volta de um 1,5 grau centígrado); o cenário intermediário (aumento de temperatura por volta de 2,8 graus); e o cenário drástico (aumento de temperatura em até 3,4 graus).

Nesses experimentos em laboratório, Val e sua equipe entenderam que, para enfrentarem os desafios impostos pelas mudanças climáticas, os peixes amazônicos fazem uma tentativa de se adaptar: “Uma parte perece. Tem uma alta taxa de mortalidade. Tem mudanças muito profundas no esqueleto, principalmente nos cenários mais drásticos”.

No caso específico dos tambaquis, um dos peixes mais apreciados e consumidos na Amazônia, “até 40% dos animais apresentam alguma deformação esquelética quando expostos aos cenários mais drásticos”, de aumento de 3,4 graus, afirma Val. Em paper publicado na revista Ecology and Evolution, o estudo aponta que as principais deformações esqueléticas foram escoliose, cifose e mudanças na mandíbula, entre outras. O que significa que “esses animais no ambiente natural não conseguem enfrentar os seus predadores; portanto, essa parcela da população vai desaparecer”.

Na floresta, fora do ambiente controlado de cenários de mudança climática, os efeitos de mudanças climáticas observados por Val e sua equipe são também alarmantes: aumento da temperatura, diminuição do pH da água e diminuição do percentual de oxigênio impõem desafios consideráveis para as espécies. Entre as mais suscetíveis estão aquelas da ordem Characiformes, na qual se encontram as principais espécies utilizadas na alimentação amazônica, como o tambaqui: “Essas espécies já estão vivendo muito próximas dos seus limites máximos de temperatura”, afirma Val.

O pesquisador cita como exemplo algumas espécies da ordem Characiformes do rio Negro, que corta a parte noroeste do estado do Amazonas. Alguns desses peixes têm como temperatura crítica máxima 31 e 32oC. “Se você pegar a média das máximas do rio Negro, a média é 33oC. Ou seja, se a gente tiver um pequeno aumento de temperatura do sistema como um todo hoje, essas espécies estarão enfrentando um problema extremamente sério com adaptação ao aumento da temperatura.”

Cícero Pedrosa Neto/Agência Pública
Espécies de peixes encontram dificuldade em se adaptar às mudanças climáticas
Em paralelo ao aumento da temperatura, está a diminuição dos pHs da água — ou seja, algumas águas ácidas da Amazônia, como o rio Negro, tendem a ficar ainda mais ácidas, já que o aumento do CO2 na atmosfera se dilui na água, formando ácido carbônico. “Você vai trazer um desafio monumental pras espécies que vivem nessas regiões.”

Por fim, Val diz que as mudanças climáticas tendem a acarretar águas com menos oxigênio: “Toda vez que você dissolver um gás novo na água, você desloca os outros. E o que mais é propício para se deslocar rapidamente é o oxigênio”. 

O cientista salienta ainda que nenhuma dessas alterações ocorre isoladamente, havendo certa interação entre essas mudanças nas características dos rios, com os efeitos das ações humanas locais, como construção de hidrelétricas e desmatamento, descritas anteriormente por Victoria Isaac.

“É um desafio muito grande você mexer com essa fonte de proteína. Porque isso ameaça a segurança alimentar dessas pessoas, que vivem aqui. Do lado brasileiro […] são quase 25 milhões de pessoas”, afirma Val.

Cícero Pedrosa Neto/Agência Pública
Desequilíbrio ecológico agravado por mudanças climáticas coloca em risco alimentação da população dependente do peixe
Essa reportagem é resultado das Microbolsas Alimentação e Mudanças Climáticas realizada pela Agência Pública, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a Cátedra Josué de Castro. A 14ª edição do concurso selecionou jornalistas para investigar os diferentes aspectos desse tema no Brasil.

*Atualização às 14:00 de 25/08/2022: Corrigimos o número da população amazônica de 50 para 25 milhões.

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Cícero Pedrosa Neto
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Fábio Zuker
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