sexta-feira, 26 de agosto de 2022

NO VELHO CHICO

 POR: JOÃO CANIZARES
No rumo dessa boiada, está o rio São Francisco (presença constante nas anotações e nas obras de Rosa), que banha a cidade de Três Marias, de 33 mil habitantes. A bióloga Mônica Meyer salienta que a erosão das áreas próximas aos rios prejudica as margens e, por consequência, causa efeito no leito e nas águas. Setenta anos depois, os pescadores da região passam por dificuldades.

Segundo o presidente da Federação de Pescadores de Minas Gerais, Valtinho Quintino Rocha, de 55 anos, a redução de chuvas entre 2019 e 2021, combinada com a pandemia e falta de clientes, diminuiu em 50% o rendimento dos trabalhadores da região. Há cerca de 400 pescadores cadastrados para a atividade na região. O dourado e o surubim são os peixes que os trabalhadores mais buscam, porque são preferidos do público.

“A situação melhorou com as chuvas do começo do ano. Não temos condições de fazer uma pesquisa sobre o impacto ambiental”. Outro temor dos pescadores tem relação com a proximidade da multinacional Nexa (formada pela brasileira Votorantim), indústria siderúrgica que produz zinco e está instalada às margens do Velho Chico.

Em maio deste ano, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Nexa assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para análise de estudos ambientais sobre os impactos dos rejeitos. A Nexa se comprometeu a custear a contratação de equipe técnica especializada para fazer a pesquisa, analisar e elaborar relatório técnico específico sobre impacto da exploração do minério na região.

João Canizares/Agência Pública
Presença da siderúrgica Nexa preocupa população local
Em nota, a empresa informou à reportagem que se comprometeu a destinar R$ 7 milhões para projetos voltados para compensação ambiental e para um projeto de educação para moradores do distrito de Beira Rio, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias nas atividades do turismo de pesca. A ideia é compensar e reparar impactos em dois pontos de captação de águas subterrâneas. “A Nexa mantém o monitoramento dos atuais pontos de captação de água subterrânea sob influência de sua área de atuação, com encaminhamento dos dados ao órgão ambiental competente durante todo o período de remoção dos rejeitos de duas barragens fora de operação há mais de 15 anos para o Depósito de Rejeitos Murici.”

Aos 73 anos, o pescador Norberto dos Santos (na atividade desde 1961), da Colônia Z4, acrescenta que a exploração das águas pelo agronegócio da região tem sido problemática para os trabalhadores. “Eles colocam as bombas e sugam a água. Como vamos mexer com empresários?” Outra queixa é em relação à pesca subaquática, em que turistas predam os peixes maiores (que são consideradas as matrizes reprodutivas) no rio São Francisco, comprometendo o equilíbrio da fauna. Além disso, a hidrelétrica de Três Marias, segundo ele, gera impacto no trabalho do pescador.

João Canizares/Agência Pública
Norberto dos Santos, pescador desde 1961
A respeito disso, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) admitiu à Pública que, de fato, o processo de geração de energia elétrica causa impactos ambientais nos cursos d’água e nos peixes. Por isso, garante que desenvolve projetos que “possam subsidiar melhores práticas de monitoramento, manejo e conservação”, como o Programa Peixe Vivo. “Na região da UHE [Usina Hidrelétrica] Três Marias, a Cemig desenvolve projetos de pesquisa, tanto a montante quanto a jusante, visando aumentar o conhecimento sobre a biodiversidade nesses ambientes para subsidiar a sua preservação.”

Nas margens do rio, a gari Ivone de Jesus, de 42 anos, admirava a beleza do lugar enquanto reclamava da fumaça que saía da chaminé da Nexa. Moradora da cidade, ela trabalha das 5h às 12h na limpeza. À tarde, volta para a comunidade em que mora para tentar plantar arroz. “Eu acordo às 4h20. Mas tenho asma. Essa rotina ficou puxada.”

João Canizares/Agência Pública
Ivone de Jesus relata impactos da siderúrgica Nexa
Para a ambientalista Bárbara Johnsen, radicada na região e que foi secretária do Meio Ambiente por 12 anos, a pesca tem sido um dos setores mais impactados pelas mudanças climáticas. “Quando Guimarães Rosa passou por aqui, eles escolhiam o peixe que seria pescado. Quando ele fez esse percurso com a boiada, ele relatou que tinha que ladear as veredas porque eram charcos. Hoje em dia, as empresas passam com um trator em cima”, diz a ambientalista. Para ela, desde sempre, o impacto do meio ambiente atinge as pessoas mais vulneráveis.

Por outro lado, o atual secretário do Meio Ambiente de Três Marias, Roberto Carlos Rodrigues, afirma que a legislação municipal tem garantido rígida proteção às veredas e que as mudanças climáticas não são fenômenos apenas da região. Ele afirma que as legislações ambientais, mesmo com as pressões das empresas privadas, têm buscado proteger a região. Desde 2006, um decreto (1.403/2006) prevê a proteção das veredas da cidade que são consideradas reservas ecológicas e por onde Guimarães Rosa passou em 1952.

O engenheiro florestal Vicente Resende, que vive há 37 anos na cidade de Três Marias, entende que o sertão rosiano é muito vulnerável. “As veredas formam um ecossistema sensível. Imagine que você está em um local de topografia mais alta e, de repente, se encontra um buritizeiro, solo turfoso e água. Aí se coloca areia, para plantar seja o que for, como o eucalipto, sobre o solo orgânico, acaba a vereda. Impacto em vereda é normalmente irreversível. A gente tem exemplos aqui de veredas que acabaram.”

João Canizares/Agência Pública
Marco final do “Caminho da boiada”

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