Édifícil não nos impressionarmos quando passamos por um parque eólico e vemos energia elétrica sendo produzida pelo vento que move as imensas pás dos aerogeradores. A visão das torres que se assemelham a cataventos gigantes traz a ideia de estarmos diante de um sistema limpo e sustentável, como propagandeiam empresas do setor.

Só que não é verdade. A ocupação de terras de pequenos agricultores familiares e povos tradicionais por usinas de energia eólica causa uma série de conflitos territoriais. As empresas, na maioria gigantes multinacionais, se valem da ausência de leis e regulamentos específicos para impor contratos abusivos de arrendamento e ainda assim vender a ideia de que são sustentáveis. A produção de energia limpa, cabe lembrar, é fundamental na discussão de soluções para a mudança climática em curso no planeta.

O incentivo governamental à construção de parques eólicos no Brasil começou em 2001. À época, o país passava por uma grave crise energética causada pela falta de chuvas, que gerou uma série de apagões país afora e colocou em xeque o modelo energético fundado na geração hidrelétrica. O governo federal, então, lançou programas de incentivo à produção eólica e linhas de crédito com juros baixos.

Mas o boom dos parques eólicos só viria depois da crise mundial de 2008, causada pelo esgotamento do mercado imobiliário nos Estados Unidos. Com os mercados financeiros em frangalhos e a própria reputação na lona, os olhos de investidores internacionais se voltaram para o potencial dos ventos no Brasil. Como resposta ao interesse, o governo abriu um leilão exclusivo para a contratação de projetos de produção de energia pelo vento.

“A gente trabalha com a hipótese de que ocorreu esse interesse na energia justamente porque o capital estava em crise e precisava de um novo portfólio de investimentos”, me disse a geógrafa Lorena Izá Pereira, pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Universidade Estadual Paulista, a Unesp.

De 2005 a 2017, tudo mudou. Com um aumento de impressionantes 43.910,3% na capacidade instalada de geração eólica, o Brasil atropelou até mesmo a China, que cresceu de 14.839% no período, e se tornou o maior mercado do setor no Sul do mundo, de acordo com dados do Conselho Global de Energia Eólica, o GWEC.

‘São contratos totalmente assimétricos. Eles beneficiam amplamente as empresas’.

Hoje, estão identificados 1.036 parques eólicos no Brasil, com potencial para gerar, juntos, 18 milhões de megawatts por ano, o que corresponde a aproximadamente 10% do total produzido no país. Os números são do Sistema de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel.

O Nordeste é, de longe, a região com mais parques. São 930 ao todo – 610 em operação, 143 em construção e 177 com licença de instalação concedida.

O mercado é dominado por multinacionais, como a espanhola Iberdrola (dona da Neoenergia, o maior grupo privado do setor elétrico no Brasil), a italiana Enel Green Power e a francesa Voltalia Energia.

Para Lorena Izá, trata-se de um novo arranjo da estrangeirização das terras brasileiras, um processo de controle de território para geração de lucro que começou com a exploração portuguesa da madeira e do ouro e atualmente se observa na produção de commodities como a soja e o milho.

“O sentido da estrangeirização sempre foi o mesmo, garantir a acumulação do capital, especialmente em tempos de crise. Diante de um contexto caracterizado pela convergência de múltiplas crises e mudanças geopolíticas globais, a estrangeirização tende a se tornar mais complexa, porém sem perder a essência de promover a concentração de terras e capital, a exploração de recursos e trabalho e a alteração de modos de vida”, analisou a pesquisadora.

PARACURU, CE, 20.07.2017 - Torres geradoras de energia, no Parque Eólico de Paracuru. (Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress)

Torres geradoras de energia eólica em área de dunas em Paracuru, no litoral do Ceará.

 

Foto: Lucas