Preços altos, baixo investimento e pressão do governo garantem dividendos recordes da Petrobrás
A Petrobras divulgou na quinta-feira 28 os resultados operacionais e financeiros do segundo trimestre de 2022
(2T22). O lucro líquido, a geração de caixa operacional e a distribuição de dividendos cresceram de forma extraordinária no período. Mas esse desempenho se deu, principalmente, em razão do repasse ao mercado interno das altas nos preços do petróleo no mercado internacional e da entrada de recursos com venda de ativos e compensações.
Mais uma vez, os resultados da Petrobras se traduziram em encarecimento nos preços dos combustíveis e redução do patrimônio da companhia. Além disso, essa gigantesca geração de recursos teve como destino, principalmente, os cofres do governo federal, para atender interesses imediatos, dada a proximidade das eleições.
No período (2T22), o lucro líquido foi de R$ 54,5 bilhões, sua geração de caixa operacional foi de R$ 71,8 bilhões e a distribuição de dividendos de R$ 87,8 bilhões. No caso do lucro e da geração de caixa, esses resultados foram cerca de 26% maiores quando comparados aos do mesmo período de 2021 (2T21). Já os dividendos cresceram 177% nessa comparação anual.
O lucro é explicado, em grande parte, pela elevação de 54,4% na receita total de vendas na comparação ao mesmo período do ano anterior, contabilizando R$ 170,9 bilhões. Essas receitas se beneficiaram do aumento de 65,3% no preço médio do barril de petróleo (brent) no mercado internacional, que foi repassado integralmente para o mercado interno, em alinhamento com a política de preços de paridade de importação (PPI).
O crescimento de 8,2% no volume de vendas da Petrobras no mercado brasileiro, na comparação anual entre 2T22 e 2T21, somado às altas nos preços dos derivados, foram responsáveis, em grande parte, pelo aumento de 68,9% na receita de vendas no mercado interno, que saltaram de R$ 75,3 bilhões no 2T21 para R$ 127,2 bilhões no 2T22.
No mercado externo, o bom desempenho – as receitas aumentaram 23,6% – da companhia esconde alguns riscos da estratégia de concentrar sua atuação da exportação de petróleo. Primeiro, houve uma queda de 20,4% no volume comercializado no período, que reflete a perda de market share da Petrobras em mercados como o chinês e o indiano para a Rússia. Segundo, as importações se mantiveram estáveis, uma vez que a capacidade de refino não tem sido ampliada nos últimos anos. Com isso, no 2T22, o saldo comercial da companhia em termos de comercialização de petróleo e derivados teve uma queda de 33,7% em relação ao 2T21. Novamente, no caso do mercado externo, o que sustentou o resultado da companhia foram exclusivamente as altas das cotações do barril do petróleo.
Nesse sentido, os aumentos dos preços do petróleo e dos derivados (efeito preço) foram os principais responsáveis pelo aumento do lucro líquido de 26,8% entre o 2t21 e o 2t22 (de R$ 42,9 bilhões para R$ 54,5 bilhões). Ou seja, a Petrobras se torna cada vez mais refém do ciclo de preços do petróleo no mercado internacional, que, como se observa nos últimos anos, apresenta uma gigantesca volatilidade, tornando a empresa mais vulnerável aos eventos externos.
Esse lucro líquido proporcionou um fluxo de caixa operacional (FCO) ainda maior neste trimestre, de R$ 71,8 bilhões (26,9% maior do que no 2t21), resultado das entradas e saídas de caixa relacionadas às atividades operacionais. Esse valor do FCO foi mais de 8,5 vezes superior aos investimentos realizados pela empresa no mesmo período (R$ 8,4 bilhões).
Esse dado reforça a escolha estratégica da companhia em direcionar sua capacidade de geração de caixa à maior distribuição de dividendo, em detrimento de sua capacidade de investimentos em exploração, produção e refino, decisão que amplia ainda mais a vulnerabilidade da empresa a choques externos.
A distribuição de dividendos no presente trimestre foi recorde na história da companhia. Como já observado, os R$ 87,8 bilhões distribuídos no 2T22 são 177% superiores aos R$ 31,6 bilhões distribuídos no 2T21. Esse montante equivale a cerca de 20,5% do valor de mercado da empresa hoje, R$ 428,7 bilhões. Ademais, esse valor corresponde ao total de investimentos realizados pela companhia no acumulado dos últimos dez trimestres, isto é, entre o 4T19 e o 1T22. Em outras palavras, em um trimestre a empresa já deu aos acionistas o que investiu nos dez anteriores. Essa escolha reafirma o caráter de curto prazo das tomadas de decisão da companhia e indica que, no longo prazo, a empresa pode enfrentar dificuldade para manter essa elevada geração de caixa.
Essa distribuição gigantesca de dividendos só foi possível por duas decisões da companhia: (i) redução do seu capital social, isto é, seu patrimônio, e (ii) em destinar aos seus acionistas todo o caixa operacional gerado neste trimestre. Decisões que terão impactos diretos na capacidade produtiva e de investimentos da empresa nos próximos anos.
O resultado da Petrobras do segundo trimestre de 2022, portanto, a despeito das incertezas produzidas pelas recentes mudanças na governança da empresa, reitera que a geração de valor no curto prazo e a distribuição de dividendos são as prioridades da estatal, assim como reforça a dependência da companhia de (i) uma política de preços agressiva (PPI), que segue penalizando os consumidores nacionais, uma vez que repassa para o País as altas internacionais das cotações do petróleo, e (ii) da acelerada venda de ativos para manutenção da distribuição de dividendos extraordinários.
Além de ampliar a dependência estrutural da Petrobras a variáveis externas, a direção da empresa direcionou sua gestão de caixa para atender os interesses imediatos do governo federal, que, premido pelo calendário eleitoral e pelas necessidades de financiamento de políticas implementadas nas últimas semanas, pressionou a Petrobras (e outras estatais) a elevar ainda mais sua distribuição de dividendos. O pagamento de R$ 6,73 por ação da estatal, horas depois de anunciar uma redução de apenas R$ 0,15 no preço da gasolina, ilustra o jogo de cena da direção da empresa e de seu acionista majoritário.
Mahatma Santos, pesquisador do INEEP e do Núcleo de Pesquisa Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente da UFRJ
Fonte: FUP, publicado originalmente na Carta Capital
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