quinta-feira, 21 de julho de 2022

PRAIAS PRIVADAS

Praias privadas

Outro temor de Carlos e de outros especialistas ouvidos pela reportagem é que, em mãos privadas, a construção de resorts e condomínios de luxo acabe criando espaços de praia com restrição à circulação. A legislação reconhece as praias como “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”.


Na prática não é bem assim. “Aqui no Nordeste já existem áreas de praias que, mesmo sendo públicas, o privado se apropriou e o pescador não pode encostar sua embarcação ou não tem um caminho para ter acesso à praia”, explica Carlos.


A PEC 39/11 por si só não garante isso. O problema é que, paralelamente, tramita na Câmara o Projeto de Lei 4.444/21, de autoria do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O PL, que passou a correr em regime de urgência em fevereiro deste ano, cria um programa de gestão do patrimônio imobiliário federal. Entre outros pontos, prevê que a União poderá destacar ou demarcar áreas de orlas e praias federais para defini-las como zona especial de uso turístico, limitada a 10% da faixa de areia natural de cada município, permitida a restrição de acesso de pessoas não autorizadas. 


São locais onde hotéis ou parques privados poderão ser construídos com autorização do Ministério do Turismo. O PL ainda não foi analisado pelo plenário, apesar do regime de urgência, e aguarda ser apreciado pelo relator, o deputado José Priante (MDB-PA). 


Tânia Rêgo/Agência Brasil

PEC dá espaço à criação de praias privadas

Alexandre Turra, professor do Departamento de Oceanografia Biológica da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos responsáveis pelo parecer contrário à PEC 39/11. Ele afirma que tanto o projeto aprovado pela Câmara como o PL 4.444 podem, em primeiro lugar, ser entendidos como inconstitucionais. Isso porque, em seu artigo 225, a Constituição afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.


Mas não só isso. Turra vê a PEC como uma forma de estelionato por conta da emergência climática, que vem elevando o nível dos mares e oceanos.  “As pessoas pagarão por um terreno que, mais cedo ou mais tarde, será reclamado pelo mar”, explica ele. 


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De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas da ONU, até 2100 o nível dos mares pode aumentar de 43 centímetros (no cenário mais otimista) a 1 metro (no mais pessimista). De acordo com o Serviço de Monitoramento do Meio Marinho, do programa Copernicus, vinculado à União Europeia, o nível dos oceanos está subindo 3,1 milímetros por ano atualmente. 


Prates afirma que as modificações no litoral brasileiro já estão acontecendo em lugares como Recife — uma das cidades que mais serão afetadas pelas mudanças climáticas no mundo, segundo a ONU  — e Atafona, município do Rio de Janeiro que já está sendo invadido pelo mar. “Não existe data para acontecer. Os efeitos já estão aí”, afirma. 


Esse estelionato pode ganhar ainda outras dimensões, prossegue Turra. “Essas pessoas, que têm muito poder de pressão, vão pressionar estados e municípios para a realização de obras que combatam esse processo [de invasão das águas do mar]. Essas obras são muito caras e vão induzir o Estado a gastar muito dinheiro futuramente”, argumenta. Ele vislumbra cidades com muros separando os imóveis da praia e uma economia que gira em torno do litoral “completamente devastada”. 


Apesar de terem sido criados por uma questão de defesa nacional, Turra explica que os terrenos de marinha cumprem hoje uma função social e coletiva. “Ao invés de vender essas áreas, o Estado pode hoje simplesmente utilizar esse espaço que temos para acomodar o movimento das praias em direção ao continente”, acrescenta. 

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