sexta-feira, 29 de julho de 2022

MÃES DA ROÇA

 Mães da roça

O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro foi reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2010 e revalidado em 2021, tendo como especificidades “as riquezas dos saberes, a diversidade das plantas, as redes de circulação, a autonomia das famílias, além da sustentabilidade do modo de produzir que garante a conservação da floresta”. Nesse tipo de agricultura, uma área de floresta primária ou de capoeira (área anteriormente usada para roça que foi novamente tomada pela vegetação) é derrubada, deixada para secar e depois queimada. Nas clareiras são plantadas as roças por um período aproximado de três anos e, após esse período, as áreas são gradualmente abandonadas. 


Paulo Desana/Agência Pública

Roça após a Coiavara pronta para o plantio de mandioca, manivas e pimentas

São os homens que derrubam a mata e, junto com as mulheres, fazem a queima. Elas então ficam responsáveis pelo espaço. Escolhem o que plantar — mandioca, banana, açaí, bacaba, pimenta — e o que vai alimentar a família. Nas narrativas indígenas, são vistas como as “mães da roça”. 


Moradora da comunidade Yamado, que fica em frente à principal orla de São Gabriel, a agricultora Carine Viriato da Silva, do povo Baniwa, traz em dois exemplos os efeitos das mudanças no clima nas suas rotinas. Ela conta que após a colheita da mandioca as mulheres costumam deixar a raiz de molho na água para amolecer. Quando algumas famílias do povo Baniwa chegaram para viver no Yamado, há cerca de 30 anos, a mandioca era deixada no igarapé da comunidade. Com o passar do tempo, não foi mais possível fazer isso: os igarapés encheram mais e as mandiocas passaram a ser levadas pela força da água. O jeito foi colocar os alimentos em sacos, o que aumenta o custo para as mulheres. 


Paulo Desana/Agência Pública

Mudas de pimenta

A pimenta, alimento essencial na cultura Baniwa por estar no centro de um sofisticado sistema de trocas de mudas que inclui relações familiares e de casamentos, também foi afetada. “Quando a mulher casa e vai para a casa do marido, a pimenteira tem que ir junto. Assim é nosso costume, por isso que nossa pimenta não pode faltar. Se a gente não tiver pimenta, ninguém come mesmo”, diz Carine.   


O impacto vem sobretudo do aumento da temperatura, que interfere na produção da planta. As explicações foram dadas pela agricultora Diva de Souza, que é falante da língua indígena Baniwa e preferiu que Carine falasse por ela. 


Paulo Desana/Agência Pública

Diva de Souza Baniwa mostra as pimentas de sua roça

“Ela viu a avó dela mudando a pimenta já grande. Quando você muda a pimenta já grande, ela está com raízes para poder tirar os nutrientes lá de baixo. Mas agora, quando você muda a pimenteira para outro lugar, ela não resiste às temperaturas e começa a secar. Mas naquela época a chuva era bem distribuída, então mudava e não secava. Agora não, vem a chuva e depois vem sol muito quente, aí ela não resiste.” Uma alternativa para enfrentar as altas temperaturas, diz, foi cobrir a área de plantio com folhas.

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