Leonel Brizola: historiador subversivo e dialético
Publicado em 09/12/2020 Lido 1692 vezesA falta de memória histórica é um melancólico sinal de povo idiotizado
A AEPET publicou o meu ensaio "Leonel Brizola a História o Historiador", cuja resenha teve por título o seguinte: "Aquele que não se vendeu ao império", de autoria de Sylvio Massa de Campos.
Inspirando-me nessa lúcida resenha, faço aqui algumas considerações
sobre o historiador idôneo que não falseou a história do Brasil até
2004, ano de sua morte. Em meu livro procurei mostrar o nexo entre
história e historiador em se tratando de Leonel Brizola. Antes de tudo
uma questão de signo: a ambição de permanecer na posteridade por meio da
oralidade e ou da escrita. Sabemos que ninguém, os pósteros, ouviu a
voz de Marx e Engels porque dela não há registro sonoro. Esses dois
intelectuais comunistas revolucionários escreveram milhares de páginas.
Serão para sempre lembrados e estudados.
Em sua longa vida Leonel
Brizola mais falou do que escreveu. Destarte, não quis escrever as suas
memórias. Por que não o fez? Recusou escrevê-las não obstante os amigos o
pedirem. Ficou famosa uma resposta sua: memórias, não; vou escrever
umas cartas para o seo Guaragna.
O gauchão João Carlos Guaragna,
entendido em rádio amador, trabalhou nos Correios em Porto Alegre. Foi
ele o primeiro a sacar que havia em Brasília uma conspiração golpista
para não deixar João Goulart assumir a presidência da república. Não é
um disparate conjecturar que se houvesse televisão em 1961 não teríamos a
Campanha da Legalidade, combatida por Orlando Geisel e a sua maneira
por Tancredo Neves.
Haveria muita coisa a evocar de seus dias
idos e vividos. Leonel Brizola de propósito não escreveu memória. É
intrigante em um historiador como ele, insólito historiador porque
também protagonizou a história. Cuidava sobremaneira em transmitir o fio
da história, condição essencial à emancipação popular. Trata-se, em
outras palavras, da transmissão oral da política.
O caudilho da
Pátria Grande dizia que vinha de longe. Vinha de longe na história do
Brasil desde 1945, antes mesmo de findar a Segunda Guerra Mundial. Por
ter vivido e muito observado sabia que a mentalidade capitalista tem
horror da história. A burguesia não tolera a história. O que passou,
passou. É inútil refletir sobre as águas passadas. Para o burguês, houve
história, mas não haverá mais. Foi isso o que Marx afirmou em 1848, ano
em que foi publicado o Manifesto do Partido Comunista.
Ágrafo de
pai e mãe, Jair Bolsonaro quer hoje abolir a disciplina de história nas
escolas. Visitando Buenos Aires, Ortega y Gasset informou que os países
novos precisavam conhecer o passado mais do que os países velhos. É que
os países novos nasceram sobre o jugo da dominação colonial que reprime
a reminiscência. Colônia amnésica. O imperialismo valendo-se do poder
da televisão, almeja perpetuar a ausência de memória do povo brasileiro.
A memória tem de ser solapada todos os dias. É esse o propósito da
televisão. A telenovela corroeu o significado do golpe de 1964 e Jair
Bolsonaro chegou ao poder, a despeito dos histéricos salamaleques da
patota Globo News, cuja alma é profundamente bolsonara. Paulo Guedes e
Henrique Meirelles dançam a mesma valsa do Banco de Boston que deu grana
para o governador Ademar de Barros comprar armas em 1964 a fim de
derrubar João Goulart.
O irlandês James Joyce tinha razão ao
acusar a história de pesadelo. Não devemos olvidar que a Dublim de
Ulisses era uma cidade ocupada pelo colonialismo britânico. Quando o
presidente Lula resolveu, sabe lá com quais botões, convidar Henrique
Meirelles para integrar o seu governo, Leonel Brizola sem pestanejar
rompeu de vez com o PT por causa desse deletério tabuleiro imperialista.
Atenção: esse enigmático personagem anti-brizolista dará as cartas no
governo de João Dória.
A falta de memória histórica é um
melancólico sinal de povo idiotizado que leva bordoada de tudo quanto é
lado. Recordo-me que Lula foi várias vezes advertido por Leonel Brizola:
a história do Brasil, meu caro, não começou no ABC paulista. Há muito
mais coisas entre o sindicato e a sacristia da igreja católica.
Lamentavelmente para si e para o país, Lula acreditou, ouvindo o
sociólogo Francisco Weffort e o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que era
o novo operário ex nihilo sem vínculo algum com o operariado de
antanho. Eu sou o novo do novo. Eu sou o metalúrgico fodão. Caiu na
conversa mole dos professores colonizados da USP, dos clérigos udenistas
e da imprensa burguesa, Estadão e Folha de São Paulo. Não assimilou
coisa alguma da experiência histórica de Leonel Brizola.
Era
justamente isso o que queriam de Lula a FIESP e os generais
norte-americanizados que golpearam João Goulart em 1964. Leonel Brizola
acentuou de maneira nítida o menoscabo pela história que levaria mais
tarde Lula à cadeia. O grande lance teórico de Leonel Brizola em 1945
foi ter percebido que a história não poderia ser reduzida a um mero
conflito entre o capitalismo fascista da Itália e Alemanha e o
capitalismo liberal da Inglaterra e Estados Unidos. Ao invés de olhar
para as proezas de Churchill, Stalin e Roosevelt, Leonel Brizola ficou
atento em Getúlio Vargas, o ditador sanguinário segundo a UDN e o
partidão.
Leonel Brizola, ainda que não se declarasse marxista,
tinha o anti-imperialismo em sua certidão de nascimento na política.
Nesse aspecto diferenciou-se de Getúlio Vargas e João Goulart.
O
triste paradoxo é que seu partido catecista, pragmático e oportunista,
enterrou Leonel Brizola justamente por ter sido inimigo do imperialismo.
Isso, segundo os novos dirigentes malandros do PDT, não daria voto, não
elegeria ninguém, era suicídio político. Repete-se a mesma perfídia em
relação à Rede Globo que foi perdoada por ter conspirado a favor do
golpe de 64. Se Leonel Brizola fosse conivente aos interesses do doutor
Roberto Marinho, teria sido eleito presidente da república. Ele teria
errado ao denunciar a Globo como anti-povo e anti-nação.
Hoje a
necrose bolsonara, com a sua volúpia evangélica de contar os cadáveres,
vangloria-se de sua posição anti-Globo, como se isso fosse igual à
atitude de Leonel Brizola, para quem a Rede Globo é um agente das perdas
internacionais. Não se esqueça, gentil leitor, que Jair Bolsonaro foi
engendrado pelo programa de auditório católico da TV Globo. Para além da
aparência: Bolsonaro e Globo tudo a ver. A televisão, não só a TV
Record do bispo Macedo, tem o maior xodó pelo vende-pátria Paulo Guedes.
A julgar pela metodologia do historiador Leonel Brizola, a nata da TV
Globo é de cabo a rabo Jair Bolsonaro.
A Rede Globo que votou em
Geraldo Alckimin e votará em John Dorian, não acredita que o endolarado
Henrique Meirelles seja antípoda do tabaréu mal vestido Paulo Guedes.
Ambos representam os interesses das corporations. Não há a menor dúvida
que, se vivo fosse, Leonel Brizola discursaria lá na praça Tiradentes
que sem FHC não haveria jamais Jair Bolsonaro.
A verdade é que
Leonel Brizola foi, como se dizia antigamente, um subversivo e dialético
historiador. Em A história da Irlanda Engels dizia que a historiografia
mais bem paga é a que melhor falsifica a história para atender os
desejos e propósitos da burguesia. Não é preciso dizer mais nada, nem me
foi perguntado.
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