Ex-A Fazenda viajou com equipe da Record para denunciar “invasão”
Um ex-participante do reality show A Fazenda, da TV Record, também se manifestou sobre os conflitos entre Pataxó e não indígenas na TI Comexatibá e fez coro aos argumentos de Nem Gomes. Trata-se do jornalista e influenciador Juliano Ceglia, que afirmou em seu perfil do Instagram que a fazenda Santa Rita III, de sua família, foi “invadida” por “grupos de criminosos armados” que “usam a causa indígena, até se fantasiam às vezes como índios, e invadem as terras”. A suposta invasão foi tema de nota da editoria de celebridades do portal Metrópoles no fim de agosto, na qual Ceglia diz que 15 homens fortemente armados expulsaram os funcionários da propriedade “sob ameaça de morte”.
Pouco tempo depois, na semana anterior ao assassinato de Gustavo no imóvel vizinho, o influencer esteve na Santa Rita III com uma equipe do programa Domingo Espetacular, também da TV Record, conforme revelou em seu Instragam no dia 2 de setembro. Nos stories, deu mais detalhes: “Vim aqui junto com a equipe de reportagem do Domingo Espetacular e eles estão mostrando justamente isso, as provas, o que a gente tem passado com isso tudo”, relatou. A matéria anunciada por Ceglia ainda não foi ao ar, mas a afiliada local da emissora fez reportagem de 12 minutos abordando o tema. Procurada, a TV Record não se manifestou sobre o assunto.
Antigamente conhecida como “Pequi Velho”, a Santa Rita III foi retomada pelos indígenas em junho deste ano. De acordo com carta pública divulgada pelas lideranças Pataxó na semana passada, a ocupação ocorreu depois de Rodrigo Carvalho, dono da propriedade e primo de consideração de Ceglia, ter desistido de um acordo firmado verbalmente com os indígenas em junho, em que teria concordado em desocupar a área. Ele teria voltado atrás após ações de outros fazendeiros da região. Raphael Carvalho, irmão de Rodrigo, nega que qualquer acordo tenha sido feito com os indígenas. Ele declarou ter ingressado na Justiça com pedido de reintegração de posse do imóvel, negado com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede ações do tipo contra indígenas durante o período de pandemia, o que ele considera “um entendimento errado”.
Em 1º de setembro, os indígenas publicaram nota denunciando que estavam sendo vigiados por drones, que teriam decolado da fazenda Therezinha — segundo lideranças, a retomada dessa propriedade, dias depois, teria ocorrido em reação a isso. Na entrevista ao Metrópoles, Ceglia havia contado que sua família fez um sobrevoo na área com um drone e que os indígenas atiraram contra o aparelho. Raphael Carvalho alegou que o drone foi utilizado para a “realização de levantamento de prejuízos ambientais causados pelo incêndio criminoso promovido pelos invasores”. O fato a que ele se refere aconteceu em 26 de junho, quando os Pataxó gravaram vídeo após terem colocado fogo em cascas de eucalipto, conforme disseram à imprensa à época, para protestar contra a “destruição” causada pelo cultivo.
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A Santa Rita III — onde os Carvalhos cultivam eucalipto e pimenta-do- reino, além de criarem gado — aparece no levantamento fundiário realizado no âmbito do processo demarcatório da TI Comexatibá como sendo de Normando Carvalho, pai de Rodrigo e Raphael. Normando, já falecido, teria expulsado violentamente a indígena que habitava o local, conhecida como dona Julice, em 2002, de acordo com informações que aparecem no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da terra.
Raphael Carvalho afirmou desconhecer o fato. Disse ainda que os indígenas que estão em sua fazenda “são invasores contumazes e reincidentes”, citando outras ocupações realizadas pelos Pataxó em anos anteriores. Uma delas ocorreu em uma unidade do ICMBio em 2014, quando havia um conflito entre a comunidade, que pressionava pela demarcação da TI Comexatibá, e o órgão, responsável pela gestão do Parque Nacional do Descobrimento (PND), que tem partes sobrepostas à TI — em 2018, um termo de compromisso foi assinado pelos indígenas e pela autarquia para pacificar a questão. Outra se deu naquele mesmo ano na Diretoria Regional de Educação, em Teixeira de Freitas, quando os Pataxó protestavam por melhorias na educação.
Em um diálogo do Instagram ao qual a reportagem teve acesso, Ceglia afirma também que o estudo de identificação da TI Comexatibá teria sido feito “por uma amante de um funcionário da Funai” e diz para seu interlocutor que “vem muita por aí se prepara [sic]”. O diálogo ocorreu em 3 de setembro, apenas um dia antes do assassinato da morte do jovem Pataxó.
Ceglia relatou à Pública que foi procurado pelo Domingo Espetacular depois que foram ao ar outras matérias sobre o assunto. “Aí o Domingo Espetacular me procurou, perguntou se eu poderia ir lá com eles para gravar e contar o que aconteceu e a gente foi”, contou. Além de contatos por telefone e WhatsApp, ele e Raphael Carvalho também encaminharam nota respondendo às perguntas apresentadas pela reportagem. A íntegra dos esclarecimentos pode ser lida aqui. Os materiais que continham dados pessoais foram suprimidos.
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