Demora na demarcação favorece violência
O cenário de violência enfrentado pelos Pataxó do sul da Bahia se agravou nos últimos meses, quando eles decidiram realizar novas retomadas territoriais, mas os ataques não são de hoje. Segundo dados do “Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil — dados de 2021”, do Cimi, cinco Pataxós da TI Comexatibá foram mortos no ano passado, todos vítimas de disparos por arma de fogo. Os autores e a motivação dos crimes não foram identificados e os casos estavam sob investigação policial. A organização registrou também outras quatro mortes na TI Barra Velha. Ao todo, foram 14 assassinatos de indígenas na Bahia somente em 2021.
Para Domingos Andrade, membro da coordenação colegiada do Cimi Regional Leste, a paralisação do processo demarcatório faz com que as famílias, que estão se ampliando numericamente, fiquem restritas a uma área muito pequena. “Isso vai afetando tanto a questão da moradia, do espaço físico, a questão do ritual, a questão da soberania alimentar. E a única forma que eles têm de pressionar é fazendo esses movimentos pacíficos de retomada. Esse clima de insegurança no campo só vai cessar quando o governo tomar definição se demarca ou não demarca”, aponta.
Estudiosa dos Pataxó e coordenadora do Núcleo de Estudos Interculturais e da Temática Indígena da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a professora Maria Geovanda Batista ressalta que “a colonização, para esses povos, nunca acabou”, mas se aprofundou no atual governo. “São duas décadas de acompanhamento desse entorno. Eu não me lembro de nenhum ano em que não teve um conflito. No nosso centro de documentação na Uneb, tem um cartaz do MPF fazendo audiência pública em Prado para fazer cessar a violência, que estava alta em 2002”, relata a professora dos cursos de licenciatura intercultural em educação escolar indígena e de pedagogia intercultural indígena na Uneb.
Além da Comexatibá, a vizinha TI Barra Velha do Monte Pascoal também está com seu processo de demarcação paralisado e enfrenta interesses de terceiros não indígenas. Localizado na cidade de Porto Seguro (BA) e também habitado pelos Pataxó, o território foi identificado pela Funai, com publicação do RCID em fevereiro de 2008. Trata-se de um reestudo, já que a área inicialmente homologada em 1991 abrange apenas 9 mil hectares e o processo demarcatório feito na época não contemplou boa parte do território ocupado pelo povo indígena.
A demora na conclusão da demarcação pelo governo federal aumenta a vulnerabilidade dos territórios. Um exemplo disso é que as TIs dos Pataxó na região estão entre as mais afetadas pela publicação da Instrução Normativa nº 9 (IN09) da Funai, de abril de 2020, que permitiu certificações e registros de fazendas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) federal dentro de TIs ainda não homologadas — exatamente o caso de Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. Segundo levantamento do Cimi, nos primeiros meses de validade da medida, foram registradas 13 e 41 certificações nas duas TIs, respectivamente.
Em março de 2021, a Justiça Federal na Bahia atendeu a um pedido do MPF local para suspender os efeitos da IN09 no estado. Com a decisão, as certificações e registros feitos com base na normativa deveriam ter sido anulados. Levantamento feito pela Pública em julho deste ano, porém, constatou que ao menos 13 fazendas sobrepostas à TI Comexatibá seguiam certificadas, além de 20 propriedades dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal. Nossa cobertura eleitoral é financiada por leitores como você. Ajude doando mensalmente ou faça um pix para contato@apublica.org.
*Esta reportagem faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.
*Colaborou Bruno Fonseca
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