segunda-feira, 19 de setembro de 2022

DONO DA FAZENDA ONDE PATAXÓ FOI MORTO PEDIU REINTEGRAÇÃO DE POSSE NO DIA SEGUINTE AO CRIME

 


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REPORTAGEM

Dono de fazenda onde Pataxó foi morto pediu reintegração de posse no dia seguinte ao crime

Tiago Miotto/Cimi

Jovem foi assassinado no começo do mês em ocupação feita pelos indígenas diante de demora na demarcação do território


16 de setembro de 2022

11:03

Anna Beatriz Anjos, Rafael Oliveira

 ESPECIAL: EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

Demarcação da TI Comexatibá está parada desde 2015 

Em meio ao conflito, Funai anunciou fechamento da unidade que atende a TI 

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Na madrugada do último dia 4, o adolescente Pataxó Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, foi assassinado por pistoleiros que atacaram uma ocupação iniciada por sua comunidade poucos dias antes na fazenda Therezinha, em Prado, no sul da Bahia. Já no dia seguinte ao atentado, Airson Celino Gomes, dono da propriedade, conhecido na região pelo apelido “Nem”, entrou na Justiça contra três lideranças Pataxó pedindo reintegração de posse do imóvel.


A fazenda de Gomes está dentro dos limites da Terra Indígena (TI) Comexatibá, cuja demarcação está travada desde 2015, quando o relatório de identificação da área foi publicado. Depois disso, o processo recebeu uma chuva de contestações por parte de fazendeiros ligados sobretudo ao cultivo de eucalipto, que domina a região, e de empresários do setor hoteleiro, entre outros — 156, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).


O ataque, que envolveu uso de munições de alto calibre e até bombas de gás lacrimogêneo, também deixou ferido outro indígena de 16 anos, que está fora de perigo. Nos dias anteriores, um áudio que circulou nos grupos de WhatsApp locais já antecipava uma possível tragédia. “Já que esses policiais, esses veado, não tá querendo resolver a ronda aí, nós vai descer, com nosso arrastão, bota só de fuzil no peito desses veado desses índio. Separa só o que é de criança, o que é de homem vai cair tudo na bala [sic]”, afirma uma pessoa não identificada.


Reprodução Povo Pataxó

Granada de gás lacrimogêneo, de uso exclusivo das Forças Armadas e da polícia, usada no ataque que matou Gustavo

Reprodução Povo Pataxó

Várias munições deflagradas foram recolhidas por policiais que fizeram a perícia no local do ataque que matou Gustavo, ainda no dia 4

Ao longo dos últimos anos, os indígenas de Comexatibá realizaram uma série de retomadas na tentativa de fazer avançar o processo de reconhecimento de seu território pelo governo federal. As duas últimas ocorreram na região do rio Cahy, considerado sagrado para os Pataxó: em 1º de setembro, na propriedade de Nem Gomes e, em 22 de junho, em uma fazenda vizinha, chamada Santa Rita III, também localizada no interior da TI.


Há ocupações ainda na TI Barra Velha do Monte Pascoal, limítrofe à Comexatibá, cujo processo demarcatório está paralisado desde 2008. Embora haja decisões judiciais recentes garantindo a permanência dos indígenas nas ocupações, lá também aconteceram ataques a tiros nos últimos dias, inclusive em aldeias já consolidadas, que não estão em áreas de retomada. Uma retomada feita pelos Pataxó desse território na fazenda Brasília, em junho, foi expulsa no mesmo dia por uma carreata de fazendeiros. A região das duas TIs, onde aconteceu o primeiro contato entre os colonizadores portugueses e os povos originários, concentra uma das principais áreas remanescentes de Mata Atlântica do Nordeste brasileiro.


A ação movida por Nem Gomes contra as três lideranças e a Funai ainda aguarda decisão no TRF-1. A defesa do fazendeiro pede uma decisão liminar de reintegração de posse e alega que o imóvel rural não incide sobre a TI, mas levantamento da Agência Pública com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Bahia mostra o contrário.


Bruno Fonseca/Agência Pública


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