domingo, 17 de julho de 2022

O PRESIDENTE DA FUNAI "PEDIU MINHA CABEÇA", DENUNCIA SERVIDOR

 ENTREVISTA

O presidente da Funai “pediu minha cabeça”, denuncia servidor

Anderson Riedel/PR

Em entrevista exclusiva, Guilherme Martins diz ainda que o coordenador que substituiu Bruno Pereira no órgão indigenista foi omisso nas buscas pelo colega


11 de julho de 2022

06:00

Alice Maciel

 ESPECIAL: VALE DO JAVARI — TERRA DE CONFLITOS E CRIME ORGANIZADO

"Sabemos que tiveram pessoas da CGIIRC que se habilitaram para ajudar nas buscas, mas os gestores da Funai não mandaram" 

"O que a Funai está fazendo? O que se sabe é que até agora não tem nenhum aporte de segurança para os servidores lá no Vale do Javari" 

"Estamos em estado de greve de caráter nacional, a gente está suplicando e nada, absolutamente nada foi feito" 

Receba nossas reportagens que tratam de temas urgentes para o planeta no seu e-mail. Assine a newsletter Pública Socioambiental.

O indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2018, Guilherme Martins, afirma em entrevista à Agência Pública que o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), Geovânio Pantoja Katukina, foi omisso nas buscas pelo colega Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips. 


Guilherme relata ter participado, no dia 13 de junho – mais de uma semana após o desaparecimento dos dois no Vale do Javari –, de uma reunião com Katukina, em que ele admitiu ter aberto apenas um processo interno referente ao caso, que solicitava o empenho na locação de três embarcações para ajudar nas buscas.   


“Existe uma institucionalidade necessária nas comunicações interinstitucionais. Você não pode, por exemplo, ficar conversando só por WhatsApp com o comandante do Exército – se é que até mesmo isso foi feito pela CGIIRC. Se a CGIIRC não instruiu processos específicos no SEI sobre as buscas ao Bruno, como a Funai a nível central conversou com o Exército, conversou com a Marinha, conversou com a Polícia Federal? Sem os processos não é possível saber. Ao que tudo indica, se esse diálogo aconteceu, até onde se sabe, ele se deu a nível informal, o que é um absurdo”, destacou o indigenista.


Ele explica que o SEI é o Sistema Eletrônico de Informações – o sistema oficial do poder Executivo que centraliza todos os processos. Para que um documento exista oficialmente perante o Estado brasileiro, “ele precisa ser formalmente materializado em um processo no SEI”. 


“É um absurdo que, passada mais de uma semana das buscas, a CGIIRC só tenha instruído um processo e esse processo é de locação de embarcação. É um desrespeito completo com a história do Bruno. Bruno foi coordenador-geral da CGIIRC, sem dúvida um dos maiores de todos os tempos. A cadeira em que Geovânio Pantoja hoje está sentado é a mesma cadeira em que Bruno sentou. E Geovânio não se dignificou nem mesmo a instruir um processo para ajudar a salvá-lo”, cobrou Martins.  


Ele afirmou não ter conhecimento até hoje de nenhum registro oficial com informações ou demandas da CGIIRC encaminhadas a outros órgãos ou relativas ao deslocamento de funcionários de Brasília para acompanhar as investigações em Atalaia do Norte (AM), para dar apoio nas buscas, ou mesmo para garantir a segurança dos funcionários que trabalham no Vale do Javari e dos indígenas após o assassinato. 


“Até hoje não se sabe o que a Funai fez e deixou de fazer sobre o desaparecimento do Bruno. Até hoje nós não temos essa resposta. A sociedade não tem essa resposta. O que a Funai fez? Que tipo de articulação foi feita? O que ela está fazendo? O que se sabe é que até agora não tem nenhum aporte de segurança para os servidores lá no Vale do Javari. As bases continuam sem apoio de segurança. Já se passou um mês desde o assassinato do Bruno, um mês! O que foi feito concretamente? Nada”, cobrou. 


Até hoje nem o presidente da Funai, Marcelo Xavier, nem o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Gustavo Torres, foram à região onde um de seus mais destacados servidores foi assassinado.


Seja aliado da Pública


Todos precisam conhecer as injustiças que a Pública revela. Ajude nosso jornalismo a pautar o debate público.

apoie agora!

Em meio à crise, o coordenador da CGIIRC tirou férias. Conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU) na última quinta-feira (7 de julho), ele ficará afastado do cargo de 4 a 15 de julho, após ser convocado a depor presencialmente na Comissão de Direitos Humanos no Senado. “Bruno mal foi enterrado, todos indigenistas e indígenas no Vale do Javari temendo por suas vidas, a maior crise da história recente da Funai. Servidores, indígenas, parlamentares, sociedade civil, todos empenhados inteiramente em tentar resolver a crise, e o coordenador-geral da CGIIRC, uma das peças centrais de toda a questão, acha que é um bom momento para descansar. É um completo desprezo com nossas vidas! É um escárnio com a morte do Bruno!”, indignou-se Martins. 


Reprodução

Segundo o indigenista Guilherme Martins, Funai foi omissa nas buscas pelo colega Bruno Pereira

Assim como aconteceu com Bruno Pereira – demitido da gestão da CGIIRC após ter coordenado uma operação que expulsou garimpeiros da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima –, Guilherme Martins também foi perseguido no órgão. Ele foi deslocado para trabalhar no setor de Recursos Humanos (RH) depois de ter elaborado um relatório apontando a presença de índios isolados na TI Ituna-Itatá (PA) e denunciado um esquema criminoso de grilagem de terras no local. 


Conforme mostrou o repórter Rubens Valente no UOL, o relatório foi discutido em reunião entre o presidente da Funai, Marcelo Xavier, e o senador Zequinha Marinho (PL-PA). Na reunião, de acordo com a reportagem, “foram discutidos supostos ‘impropriedade ou irregularidades, cunho ideológico e imprestabilidade’” do documento.  


Segundo Martins, o relatório tem mais de 200 páginas compostas de informações técnicas etno-históricas, antropológicas, arqueológicas e também é assinado pelo sertanista Jair Candor, que trabalha há mais de 30 anos na Funai. 


“Em retaliação a esse meu trabalho, um dia eu chego na minha mesa na CGIIRC para trabalhar, e o Geovânio Pantoja, meu coordenador, me avisa que eu não trabalho mais lá, que eu fui removido de ofício, sem a minha anuência”, lembra Martins. “Quando eu fui pedir explicações sobre o motivo dessa transferência, o então coordenador-geral da CGIIRC disse explicitamente que foi em retaliação ao meu trabalho em Ituna-Itatá que o presidente da Funai pediu minha cabeça”, acrescentou. “Então é isso, eu tenho dez anos de indigenismo, de experiência de campo nas aldeias, eu sou antropólogo de formação, eu nunca na vida trabalhei em nada referente à área administrativa e cá estou, validando folha de ponto.”   


A Pública procurou a Funai e os nomes citados, mas não houve resposta até a publicação. 


Arquivo pessoal

Martins afirma ter sofrido retaliação direta ao seu trabalho na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, pelo presidente da Funai, Marcelo Xavier

Nenhum comentário:

Postar um comentário