domingo, 17 de julho de 2022

MARTINS DENUNCIA AUSÊNCIA DA FUNAI NO VALE DO JAVARI

 Martins denuncia ausência da Funai no Vale do Javari

O que vocês sabem oficialmente que a Funai fez em relação ao desaparecimento do Bruno e do Dom?


Até hoje não se sabe o que a Funai fez e deixou de fazer sobre o desaparecimento do Bruno. Até hoje nós não temos essa resposta. A sociedade não tem essa resposta. O que a Funai fez? Que tipo de articulação foi feita? O que ela está fazendo? O que se sabe é que até agora não tem nenhum aporte de segurança para os servidores lá no Vale do Javari. As bases continuam sem apoio de segurança. Já se passou um mês desde o assassinato do Bruno, um mês! O que foi feito concretamente? Nada.


Enquanto a gestão da Funai em Brasília não fez nada, sabemos que os nossos companheiros da ponta, da Frente de Proteção Etnoambiental, deram o sangue nas buscas. A equipe de servidores FPE, principalmente os indígenas que trabalham na Funai, como também os indígenas da Univaja, todos trabalharam intensamente nas buscas. Foram os indígenas que localizaram todos os vestígios da localização dos corpos. Sem o trabalho deles, até hoje não teríamos respostas sobre o paradeiro de Bruno e Dom.


Enquanto indígenas e indigenistas do Vale do Javari trabalhavam noite e dia nas buscas, o coordenador-geral da CGIIRC não se dignou nem mesmo a instruir um processo. Enquanto Bruno estava sendo assassinado, o presidente da Funai foi em rede pública de TV difamá-lo e lançou uma nota para criminalizar ele, os servidores do Vale do Javari e a Univaja. A Funai Brasília gastou tempo difamando e criminalizando o Bruno, mas cadê o ofício do presidente da Funai pedindo celeridade nas investigações da PF? Cadê o ofício do presidente da Funai solicitando helicóptero para as buscas? Durante as buscas, o presidente da Funai preferiu ir pessoalmente na televisão falar mal do Bruno do que convocar uma reunião com as outras instituições para garantir a segurança dos indígenas e indigenistas do Vale do Javari. É um escárnio!


Você acompanhou a visita dos parlamentares a Atalaia do Norte (AM) na semana passada. Qual a expectativa de vocês em relação ao Congresso Nacional?


Em primeiro lugar, tem uma questão urgente de proteção às pessoas envolvidas, tanto aos indígenas que estão ameaçados quanto aos servidores da Funai. Os servidores têm relatado que estão sofrendo ameaças diretas. Tem gente ameaçada de morte e nada está sendo feito por parte da Funai. Não é por falta de pedir. A gente da Funai entrou em greve nacional. Os servidores da Funai Brasil afora todos mobilizados, e mesmo assim nada foi feito.


Por parte da Comissão Parlamentar, tem um papel político de pressão dos parlamentares para garantir essa segurança, mas tem todo um trabalho necessário também de reestruturação tanto das condições de trabalho quanto, principalmente, das estruturas das Bases de Proteção Etnoambiental, não só no Vale do Javari, mas em todo o Brasil. É preciso também uma portaria nacional que garanta a presença permanente da Força Nacional de Segurança Pública para atendimento em todas as bases.


O Vale do Javari tem seis bases, só uma base tem apoio da Força Nacional, e ainda assim são só dois policiais, e os policiais não saem da base por nada. Eles só defendem o patrimônio. Uma matéria que saiu no jornal O Globo exemplifica isso. A equipe de vigilância da Univaja fez uma denúncia: “Olha, a gente encontrou invasor aqui do lado da base, vem ajudar a gente!”. Mas os policiais da Força Nacional se recusaram a ir: “A gente só está em dois, e temos falta de equipamento, a gente não pode deixar a base”. Ou seja, os invasores podem estar bem ali do lado da base da Funai, mesmo assim os únicos policiais não tiram o pé da base para autuar os criminosos. Então, na prática, esse apoio não serve pra quase nada.


Se é assim na única base que tem apoio policial, imagina nas outras. Os servidores estão lá sem poder de polícia, sem porte de arma, sem nada. Se o papel das bases é impedir a entrada de invasores na terra indígena, como você faz isso desarmado e sem apoio policial? Os servidores da Funai ficam lá na base tentando defender a terra indígena de peito aberto, e com um alvo no peito. Não é à toa que houve repetidos ataques a tiros na base Ituí-Itaquaí. Os criminosos sabem que o pessoal da Funai, nas bases, está desarmado e sem apoio policial e se sentem livres para invadir e atirar.


Então, nessa questão de segurança dos servidores, tem essa demanda pela regulamentação do poder de polícia da Funai que já foi encaminhado, que estava tramitando e na gestão do Marcelo Xavier foi totalmente paralisado. Veja, desde o primeiro dia do desaparecimento os servidores da Funai pediram segurança e apoio, e Xavier não viabilizou nenhuma das duas coisas, passado mais de um mês. Então foi necessária toda essa pressão política para o próprio Executivo parar com essa letargia e regulamentar de vez a questão. A gente acredita, a gente está na esperança, que saiam propostas efetivas dessa comissão parlamentar.


Avener Prado/Agência Pública14 de junho - O segundo suspeito, Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como "Dos Santos", foi preso. Ele é irmão de Amarildo da Costa de Oliveira, vulgo Pelado

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A gente falou, inclusive eu falei na reunião para todos eles – na parte que coube à Funai relatar as questões –, que já é o terceiro servidor da Funai que morre em campo por causa da desestruturação, principalmente da área de proteção territorial, só na gestão do Xavier. Xavier já enterrou três servidores da Funai. A gente já enterrou três amigos, e eu me recuso a enterrar o quarto sem que nenhuma providência seja tomada. O que aconteceu com o Bruno não foi um caso isolado.


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As ameaças acontecem em todo o Brasil, há vários exemplos. O próprio exemplo dos outros servidores no Vale do Javari que estão ameaçados. No Mato Grosso, na Frente de Proteção Madeirinha-Juruena, há uns três meses houve ameaça de morte também, os invasores chegaram até a queimar o barracão dos ribeirinhos que trabalham com a Frente de Proteção em represália. Também na Frente Madeirinha-Juruena, houve troca de tiro com invasores que invadiram a base, resultando na morte de um indígena. No Maranhão, invasores atiraram nos servidores que estavam reestruturando uma base na Terra Indígena Awá. Também no Maranhão, temos a TI Araribóia, você tem os indígenas guardiões da floresta, onde foi assassinado o Paulino Guajajara – também foram mortos guardiões Ka’apor, Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Waiapi (AP) e Tembé (AP). Há uns dois meses, servidores que estavam fazendo trabalho de campo no rio Solimões foram atacados por piratas fortemente armados com fuzil e nada foi feito. Teve troca de tiros na operação contra o garimpo nos Munduruku; houve ameaça aos Yanomami, inclusive relato de que um Yanomami isolado foi assassinado. Lá no médio Xingu, na região da TI Ituna-Itatá, o ex-coordenador da Frente de Proteção da Funai foi ameaçado de morte também duas vezes. A base Ituí-Itaquaí, no Vale do Javari, foi atacada a tiro oito vezes. Logo em seguida, o indigenista Maxciel foi assassinado com dois tiros na cabeça, em Tabatinga. Rieli Franciscato, um dos mais experientes sertanistas especializados em indígenas isolados, morreu ao mediar um conflito entre invasores e índios em isolamento em Rondônia.


Como está o diálogo entre os servidores com a gestão da Funai atualmente?


Não há diálogo, pois continuamos sem resposta. A gente fez reunião com os gestores da Funai, e nada adiantou. A gente então deflagrou greve, ainda assim nada adiantou. Não tem resposta. A gente está pedindo audiência com o Ministro da Justiça, ele também não nos responde. Então, assim, é uma tragédia anunciada, porque a morte do Bruno foi uma tragédia anunciada. Conforme já saiu na mídia, teve relatório da Univaja, vários, mas teve um específico, encaminhado em abril deste ano, acho, que falava do próprio Pelado, o assassino de Bruno. O relatório relata até a arma que o Pelado usava. Provavelmente, a arma que denunciaram no relatório da Univaja foi a mesma arma que Pelado usou e matou o Bruno. Foi encaminhado para a Funai, foi encaminhado para a Força Nacional, nada foi feito: Bruno foi assassinado. E agora também a gente está aí, gritando. Estamos em estado de greve de caráter nacional, a gente está suplicando e nada, absolutamente nada foi feito. Qual vai ser a próxima tragédia anunciada? Quem vai ser o próximo servidor da Funai ou indígena que vai ser assassinado? Na mesma semana do velório do Bruno, no mesmo dia, aconteceu o massacre dos Guarani-Kaiowá em Amambai (MS). E os servidores da Funai estão lá na linha de frente. Quem vai ser o próximo a morrer?  Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão. Seja nosso Aliado


O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center

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