O que veio e o que ainda vai vir Passamos o fim de semana monitorando desinformação nas redes bolsonaristas, em uma parceria com os sites Aos Fatos e Núcleo Jornalismo, organizações que estão se consolidando na investigação de Fake News com o uso de tecnologia. O que vimos não foi nada fora do esperado: houve uma cacofonia de diferentes correntes desinformativas, desde histórias antigas sobre urnas que já traziam votos ao PT até urnas alteradas no Japão para mostrar 12 em vez de 22. As redes sociais e o TSE estavam atentos e derrubaram com extrema celeridade a Fake News que talvez fosse considerada como a “bala de prata” do bolsonarismo nessas eleições: um suposto áudio do Marcola, publicado pelo site Antagonista, que demonstrava preferir Lula a Bolsonaro. O Antagonista manchetou: Exclusivo: em interceptação telefônica da PF, Marcola declara voto em Lula. ‘É melhor, mesmo sendo pilantra”.
Não foi o que disse a suposta gravação, que vem de dentro da PF com digitais bolsonaristas – mesmo que ela seja verdade. Não há declaração de voto. Alexandre de Moraes foi duro: “Tal contexto evidencia, com clareza, a divulgação de fato sabidamente inverídico e descontextualizado, que não pode ser tolerada por esta CORTE, notadamente por se tratar de notícia falsa divulgada na véspera da eleição”.
O Antagonista protestou mas tirou a nota do ar. Mas, é claro, o gênio estava fora da lâmpada. O conteúdo foi rapidamente reproduzido por sites bolsonaristas como Terra Brasil Notícias, Jornal da Cidade Online e pela Jovem Pan. Bolsonaro e sua tropa publicaram posts sobre a mentira no Twitter e Bolsonaro mencionou o mesmo na sua “live”.
O Youtube agiu rapidamente. Mas apenas os videos postados no canal de Youtube da Jovem Pan tinham 1,7 milhão de visualizações antes de sair do ar. Nossas equipes ainda estão apurando, mas no Gettr, rede social fundada pelo ex-porta-voz de Trump, conteúdos produzidos a partir do vazamento estavam rodando livremente, sem monitoramento das autoridades – o Gettr diz ser uma rede “contra a censura” e “a favor da liberadade de expressão”.
Como já falamos aqui trata-se de envolver veículos de imprensa em uma campanha orquestrada de desinformação. E, diga-se de passagem, não é nada inédito. Lembrei do episódio do vazamento de outro áudio, pela revista Veja, também às vésperas de uma eleição – e, coincidentemente, também contra o PT. Foi no dia 23 de outubro de 2014, poucos dias antes do segundo turno que daria vitória a Dilma Rousseff na sua reeleição, e era uma delação de Alberto Youssef à polícia federal. Nele, o famoso doleiro que se tornaria o grande pivô da Lava Jato afirmava “O Planalto sabia de tudo!”. Não tinha mais nada pra comprovar. Era só isso. Mas saiu assim a capa da então maior revista do Brasil.
Sim, caro leitor, é impossível não ver a coincidência. No entanto, o que temos de novidade é a infraestrutura da desinformação, que hoje prescinde de um grande veículo que seja canalha o suficiente para publicar uma informação frágil como essa (as duas, na verdade) às vésperas de uma eleição. O Antagonista, sim, fez esse papel. Mas não precisava: a história podia sair na Jovem Pan ou em outros sites bolsonaristas que continuam a atingir milhões de leitores, para daí se espalhar como fogo.
Veja, não acredito que essa Fake News tenha tido grande impacto na eleição, até porque os votos de Lula se mantiveram dentro da margem de erro. Acho, ainda, que essa circulação ficou restrita a redes e sites mais radicalizados. O que importa, para mim, nessa Fake News, remonta também a outra narrativa que Bolsonaro tentou emplacar no debate da Globo: a de que o PT é um partido de bandidos. Ele acusou, mais uma vez, o PT de ter “matado Celso Daniel”. Trata-se de uma história antiga e desbancada milhões de vezes, antes e depois da internet se tornar o principal vetor de debates sobre a eleição.
A iniciativa de associar o PT ao “crime” vem de uma visão de mundo que eu apontei ontem, no Spaces da Agência Pública, e que tem respaldo no sistema de crenças que embasam o bolsonarismo – que sobrevive, como vimos, com ou sem Bolsonaro.
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