Música
Pela música, um desafio às trevas da ditadura
por Tárik de Souza — publicado 15/07/2015 04h06
Caixa traz a gravação do show histórico de Jards Macalé no Rio
AG. O Globo
Macalé canta para 3 mil espectadores no Rio de Janeiro, enquanto o Exército cerca o prédio do Museu de Arte Moderna, em 1973
Eu estava entre os mais de 3 mil espectadores sentados no chão do salão do segundo andar do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, enquanto o prédio era cercado por soldados do Exército. Na noite de 10 de dezembro de 1973, uma constelação de artistas reunida pelos produtores Jards Macalé e Xico Chaves desafiava a espessa treva da ditadura tripulada pelo general Médici, durante as tensas três horas do espetáculo Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos. O show foi associado às comemorações dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU.
A leitura de trechos do documento, pelo poeta Ivan Junqueira, funcionou como epígrafe candente do evento, como o quinto artigo, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Ou o nono, “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”, ambos aplaudidos como afrontas às práticas do regime vigente. “Se fizéssemos sem a ONU a gente ia se ferrar”, admite hoje Macalé, radiante com a primeira edição completa, em três CDs, das fitas gravadas às escondidas pelo técnico de som, o inglês Maurice Hughes.
Da suave bossa de Johnny Alf (Eu e a Brisa) e o samba dissonante de Paulinho da Viola (Roendo as Unhas) ao “iê-iê-iê realista”, rotulado pelo autor, Raul Seixas (Ouro de Tolo, Mosca na Sopa), mais o anárquico Jorge Mautner (Samba dos Animais) e a devota Gal Costa (Oração de Mãe Menininha), o roteiro cravou surpresas. Com espaço até para os delírios percussivos de Edison Machado e Pedro dos Santos, em meio a desempenhos farpados de Milton Nascimento (Nada Será Como Antes), Gonzaguinha (Desenredo), Luiz Melodia (Abundantemente Morte) e o próprio Macalé (Anjo Exterminado).
*Publicado originalmente na edição 857 de CartaCapital, com o título "Um desafio às trevas
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