Entrevista - Camilo Santana
“A radicalização não traz benefícios”
por Sergio Lirio
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publicado
23/07/2015 02h53
Camilo Santana, governador do Ceará e um dos novos expoentes do PT, clama por uma agenda positiva
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Camilo Santana durante a campanha: ele defende que Dilma esteja aberta ao diálogo
Um dos novos expoentes do PT, Camilo Santana, governador do Ceará, anda mais preocupado com a crise política do que com a situação econômica.
“O Brasil não pode ficar preso a uma agenda negativa. A radicalização
não trará nenhum benefício”, afirma, na entrevista a seguir. Santana
defende o fortalecimento das investigações de corrupção na linha “doa a quem doer” e o direito de manifestação das oposições,
mas critica as tentativas de desrespeito à democracia e à vontade da
maioria expressa nas eleições do ano passado. À presidenta Dilma
Rousseff recomenda disposição para o diálogo. Ao PT, a reinvenção.
CartaCapital: Como a crise econômica tem afetado o Ceará?
Camilo Santana: Tentamos reagir com alternativas de incentivo, de estímulo ao setor produtivo.
O principal objetivo é manter o poder de investimento estatal, forte
nos últimos anos. Um dos caminhos é buscar parcerias com o setor
privado. No primeiro trimestre, conseguimos crescer 1,5%, isso em um
cenário em que o PIB brasileiro e aquele de estados como São Paulo e
Minas Gerais foi negativo. A produção industrial no estado também se
expandiu, segundo dados recentes do IBGE. Contamos com um grande
investimento, de 5,5 bilhões de dólares, a Companhia Siderúrgica do
Pecém, que será a maior do Hemisfério Sul. E lutamos para atrair o
centro de distribuição de voos da TAM, que vai gerar muitos empregos,
entre outros projetos.
CC: O governo federal
aposta em uma retomada da economia, ainda que leve, a partir do segundo
semestre. O senhor compartilha desse otimismo?
CS: Não dá para prever ainda, embora eu seja otimista. O ajuste fiscal
tem efeito sobre os investimentos em estados e municípios,
principalmente quando se trata das obras do PAC. No primeiro semestre, aumentou o desemprego
no Nordeste, região que se notabilizava pela forte criação de vagas. Os
ajustes são emergenciais e transitórios. Em alguns casos, como no
seguro-defeso, eles servem para moralizar uma situação inaceitável. O
Brasil já atravessou outras crises. Este ano será de muita dificuldade e
muitos desafios, mas acredito que a partir de 2016 sentiremos os sinais
de uma retomada.
CC: O problema é que, além de uma crise econômica, enfrentamos uma crise política sem precedentes.
CS: A
crise política me preocupa mais do que a crise econômica. Vejo um quadro
complexo. A oposição tem o legítimo direito de se posicionar, de
manifestar-se, mas o Brasil não pode ficar preso a uma agenda negativa. A
radicalização não trará nenhum benefício ao País. É o momento de
desarmar os espíritos, pensar no futuro, apoiar uma visão mais
patriótica e respeitar a democracia, conquistada a duras penas. Não vejo
um golpe em curso. Golpe, só quando entram em cena os militares...
CC: .... O Paraguai é a prova de que golpes também são dados pela Justiça e pelo Parlamento...
CS: ... Sim, mas não
acredito... Sinceramente, respeito o direito de manifestação de quem se
opõe ao governo. E também acho importante apoiar as investigações.
Vivemos um momento de consolidação das instituições. Precisamos combater
de maneira incessante a corrupção. Punir os culpados a qualquer custo.
Os cidadãos fiscalizam mais, exigem mais, e isso é muito positivo. Boa
parte dessa postura tem relação com os avanços dos últimos 12 anos. O
Nordeste tirou 30 milhões de cidadãos da pobreza, deu-lhes outra
perspectiva. Agora, as investigações não podem servir de base para o
desrespeito à democracia e ao resultado das eleições.
CC: Vários petistas
reclamam do que seria um direcionamento das investigações. Elas mirariam
exclusivamente o partido. O senhor concorda?
CS: É
preciso respeitar o amplo direito de defesa dos acusados. Ao mesmo
tempo, não se pode impedir a investigação de desvios, independentemente
do partido ou do indivíduo.
- Santana, 47 anos, propõe a reinvenção do PT e apoia a união do centro-esquerda "contra o retrocesso"
CC: Que conselho o senhor daria a Dilma Rousseff neste momento de dificuldades?
CS: Sugiro
diálogo, muita conversa. Não só com os demais Poderes, mas com a
sociedade. Precisamos de uma agenda positiva. O Brasil não é o único a
enfrentar dificuldades. Veja a Europa, olhe os efeitos da queda do preço
do petróleo... Por isso o ajuste é importante, mas não a única medida a
ser tomada. É necessário conversar mais com os partidos da base aliada.
O momento não é fácil, mas ninguém nega o grande potencial do País para
superá-lo.
CC: E o PT, qual lição deveria tirar de toda essa situação?
CS: O
partido tem uma história na luta pela democracia e em conquistas
importantes para a sociedade, mas precisa ser reconstruído. Ou
reinventado, como falei no último congresso. Um dos problemas é o fato
de muita gente ter confundido o partido com o governo, que precisa
existir para além da legenda, ser um mobilizador social.
CC: O partido perdeu ou corre o risco de perder o protagonismo no espectro de centro-esquerda?
CS: Não
acredito. Mas sou simpático a propostas de união das forças de
centro-esquerda para evitar um retrocesso nas conquistas da última
década.
CC: Como avalia a atuação do ex-presidente Lula?
CS: Ele
tem dado sua contribuição e é peça fundamental nesse processo. É uma
grande liderança, goza de grande respeito do povo brasileiro, é
reconhecido no exterior. Lula é crucial no processo de reconstrução do
PT.
CC: O que acha da redução da maioridade penal?
CS: Não vai resolver o problema da violência.
Em carta, os governadores do Nordeste manifestaram-se contra a
proposta. É claro que os menores precisam de mais educação e mais
oportunidades, não de mais internação ou de prisão. Criamos, aqui no
estado, o Pacto pelo Ceará Pacífico. Esse Pacto envolve todas as
entidades sociais e Poderes constituídos. Conseguimos, neste primeiro
semestre, reduzir o número de homicídios. Envolver a sociedade nessa
discussão, com transparência, é um caminho mais produtivo.
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