Drogas
Da guerra ao comércio de maconha
por Marcelo Pellegrini
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publicado
28/07/2015 04h06
Colorado, nos EUA, é uma prova das vantagens da legalização da erva
Vlademir Alexandre/ Estadão Conteúdo
O Colorado arrecadou 27 milhões de dólares em sete meses
O debate sobre a liberação da maconha
ganhou uma nova perspectiva. O cultivo legal da erva, revelam os dados
mais recentes do estado do Colorado, o primeiro a autorizar o uso
recreativo nos Estados Unidos, pode tornar-se uma nova e interessante
fonte de receita, empregos e impostos. Segundo a organização Drug Policy
Alliance, de janeiro a julho do ano passado, a cadeia produtiva da cannabis
gerou mais de 10 mil postos de trabalho e recheou os cofres públicos
estaduais com 27 milhões de dólares em tributos. Estima-se que o
comércio da droga em todo o país, apesar de não existir uma permissão
federal para o plantio e o consumo, tenha movimentado 2,7 bilhões de
dólares em 2014.
Os dados levam a uma pergunta: não seria
mais inteligente legalizar e controlar o comércio do que deixá-lo sob o
domínio dos narcotraficantes? Ao menos 5% da população mundial, calcula a
Organização das Nações Unidas, recorre ao submundo para conseguir
drogas. A maconha seria a terceira substância psicoativa mais consumida
do planeta, com 117 milhões de usuários. Detalhe: é a única ilegal entre
as três primeiras colocadas. As outras são o álcool e o tabaco.
O potencial econômico da maconha não está
limitado ao seu efeito químico sobre o corpo. As aplicações são
variadas, a depender da composição de cada espécie. Estudos indicam que
uma variedade rica em canabinoides, uma das
substâncias naturais da planta, apresenta relevantes resultados
medicinais. Outros tipos, com baixos níveis consideráveis de
canabinoides ou THC (a substância psicoativa), têm aplicação na
indústria têxtil e de alimentos. Tênis e óleos estão entre os produtos
possíveis.
No outro extremo emergem os gastos com a repressão aos entorpecentes. Nos últimos 20 anos, a chamada guerra às drogas
consumiu mais de 1 trilhão de dólares somente nos Estados Unidos, sem
maiores efeitos sobre o consumo. Não estão contabilizados os custos do
aumento da população carcerária e os efeitos da violência sobre o
sistema de saúde. O fim da repressão, calcula o Instituto Cato, levaria a
uma economia de 41 bilhões de dólares anuais apenas nos EUA.
Os benefícios ao Brasil com a legalização ou a
regulação seriam igualmente substanciais. A começar pela economia na
repressão. Atualmente, 27% dos presos no País respondem pelo crime de
tráfico. Sancionada em 2006, a Lei de Drogas produziu um efeito
contrário ao desejado. Desde a sua entrada em vigor, o número de
detentos por comércio ilegal saltou de 31 mil para 164 mil, aumento de
520%. O motivo, aponta a Secretaria Nacional de Drogas, está na
distinção entre usuário e traficante.
Ao contrário de
outros países, o critério adotado pelo Brasil é subjetivo e leva em
conta a quantidade de droga apreendida, o local, as circunstâncias
sociais e pessoais do detido e seus antecedentes criminais. Isso cria
situações como a condenação a quatro anos e dois meses de detenção por
tráfico de drogas de um suspeito que carregava 1 grama e meio de
maconha. O fato ocorreu em São Paulo neste ano.
Um estudo do International Drug Policy
Consortium mostra que, se o critério espanhol, para citar um caso, fosse
aplicado no Brasil, 69% dos presos por tráfico de maconha estariam
livres. Se a base fosse a legislação norte-americana, o porcentual
cairia para 34%. Quando se cruzam as informações do Departamento
Nacional Penitenciário com os investimentos em segurança pública,
chega-se a um valor aproximado dos gastos anuais com esse tipo de
detenção: 1,3 bilhão de reais. Em São Paulo, estado responsável por 35%
da população carcerária brasileira, os custos em 2011 chegaram a 885
milhões de reais. Se a Lei de Drogas fosse corretamente aplicada, o
governo paulista pouparia 270 milhões anualmente.
“Esta não é uma guerra contra drogas,
contra coisas. Como qualquer outra, é contra seres humanos”, afirma
Maria Lucia Karam, juíza aposentada e presidente da Associação de
Agentes da Lei contra a Proibição. Karam e diversos cientistas,
políticos, policiais e representantes de movimentos sociais
participaram recentemente de um seminário organizado pela Fiocruz para
discutir o tema. Todos foram unânimes: a legalização só traria
benefícios sociais e econômicos. “O alto lucro deve-se à ilegalidade de
seu comércio e produção, que, além de não resultar em impostos,
enriquece facções criminosas e corrompe agentes públicos”, afirma a
economista Taciana Santos. A legalização, acredita, diminuiria a
violência e aumentaria a arrecadação de impostos, mas não geraria tantos
empregos. “A cadeia de comércio e distribuição existe, assuma o governo
ou não.”
De olho nesse mercado de potencial bilionário, 26 países
descriminalizaram o uso da maconha nos últimos anos, além dos estados
americanos que o legalizaram e do Uruguai que o regulou. Recentemente, o
Chile autorizou o plantio em pequenas quantidades. Na contramão dessa
tendência, o Brasil figura ao lado de países islâmicos e asiáticos, que
resumem sua política à pura e simples repressão, alguns até com a pena
de morte para traficantes.
Ainda assim, pequenos
avanços acontecem. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
autorizou, após forte pressão de uma parcela da sociedade, a importação
de canabidiol para fins medicinais. Atualmente, 809 pacientes importam
legalmente o extrato para tratamento médico. Cada frasco custa 75
dólares e auxilia no tratamento de gente como Sofia, de 6 anos. “Ela
sofre de epilepsia grave, por isso toma uma dosagem relativamente alta
para controlar suas crises de convulsão. Eu preciso de dez vidros por
mês para tratá-la, são mais de 2,2 mil reais ”, conta a advogada
Margarete de Brito, mãe de Sofia. “São preços só para a classe média e
alta.”
Enquanto negligenciamos as possibilidades
científicas, o Uruguai está atento a esse potencial. Segundo Julio
Calzada, ex-secretário-geral da Junta Nacional de Drogas e um dos
idealizadores da regulação do comércio, o país pretende se tornar um
polo de pesquisa. “Existem condições e propostas de empresas e
laboratórios químicos e farmacêuticos interessados em investir.”
Atualmente existem 2,6 mil “fazendeiros” registrados no país vizinho.
Até o fim do ano, 240 farmácias estarão aptas a vender maconha.
Uma proposta semelhante à uruguaia tramita no Congresso
Nacional. O projeto do deputado Jean Wyllys, do PSOL-RJ, cria regras
para o plantio, comércio e consumo. Os lucros obtidos com a regulação,
propõe o parlamentar, financiariam políticas públicas para o tratamento
de dependentes químicos e bolsas de pesquisas científicas sobre
aplicações medicinais do produto. “Hoje se adquirem drogas em
praticamente qualquer esquina, ou seja, na prática o comércio já é
liberado”, avalia Wyllys. “A diferença é que esse dinheiro, em vez de
beneficiar o Estado, vai para os bolsos de máfias e corrompe
funcionários públicos.”
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